Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:776/13.5BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO;
ENFERMEIROS;
LUGARES DE DIREÇÃO E CHEFIA
Sumário:I – O Suplemento Remuneratório atribuído aos enfermeiros-chefes não se trata de um incremento remuneratório extraordinário, correspondendo antes ao pagamento resultante das funções desempenhadas.
II - Efetivamente, refere-se no nº 2 do Dec. Lei 122/2010 que “O disposto no número anterior é aplicável aos trabalhadores titulares de categorias subsistentes que exerçam, e enquanto o fizerem, as funções a que se refere o presente artigo”, sendo que foi dado como provado que todos os Autores tinham a categoria de enfermeiro-chefe.
III – O artigo 24º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 que veio proibir as valorizações remuneratórias, não abrange o Suplemento Remuneratório dos Enfermeiros-chefes, por ser inerente à função, não constituindo, assim, uma “valorização”, à luz do estatuído na referida Lei Orçamental
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Centro Hospitalar de Leiria – Pombal, EPE, no âmbito da Ação Administrativa Comum Intentada por A......, P......, H...... e V......, tendente à sua condenação no pagamento do suplemento remuneratório correspondente ao exercício de funções de direção e chefia, inconformado com a decisão proferida em 22 de junho de 2021, no TAF de Leiria, através da qual foi reconhecido que os autores têm direito ao suplemento remuneratório previsto no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11.11, a partir de 22.06.2011, mais tendo o Centro Hospitalar sido condenado a pagar a cada um dos autores a remuneração prevista naquela norma, acrescido dos juros de mora sobre cada prestação, veio interpor recurso jurisdicional em 15 de setembro de 2021, aí concluindo:
“1ª – A d. Sentença recorrida não ponderou nem fez correta apreciação do Direito, pois que:
a) Violou as normas que regulam a constituição do direito ao referido suplemento;
b) Violou as normas dos orçamentos de Estado que proíbem as valorizações remuneratórias durante os períodos em questão.
2ª – Da matéria provada, não resulta que os AA. estivessem nomeados em comissão de serviço nos termos do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22-set. e do Decreto-Lei nº 122/2010, de 11-nov.para o exercício de funções de chefia na organização do SNS;
3º - Nem que efetivamente exercessem as funções previstas nos nas alíneas e) a r) do nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22-set..
4ª - O d. Saneador-Sentença apreciou da verificação dos requisitos de aquisição do direito ao suplemento remuneratório em equação, e concluiu que tal suplemento era devido aos AA., por serem titulares da categoria profissional de enfermeiro cheque, que compreende, desde logo por si, o exercício de funções de chefia.
5º - Não considerou, contudo, que na estrutura da carreira de enfermagem implementada pelo Decreto-Lei nº 248/2009, de 22-set. e pelo Decreto-Lei nº 122/2010, de 11-nov,, se resolvia a questão de que o número de enfermeiros chefe que existiam, por natural progressão nas carreiras, não era, pelo menos na totalidade, necessário para preenchimento dos cargos de chefia necessários para a organização do SNS, passando esses cargos a serem ocupados por nomeação em comissão de serviço de entre enfermeiros principais, especialistas, gestores (da nova carreira) e chefes ou supervisores da carreira subsistente), mediante indicação da Direção de Enfermagem.
6ª - É, assim, inequívoco e incontornável, que a aquisição, por qualquer enfermeiro chefe ou titular de qualquer outra categoria na carreira de enfermagem, do direito a auferir o suplemento remuneratório fixado no artigo 4º nº 1 do Decreto-Lei nº 122/2010, de 11-nov., não é automática, dependendo, antes, da verificação dos seguintes requisitos:
- Estar nomeado pelo Conselho de Administração do R., em comissão de serviço para o exercício de um cargo de chefia na organização do SNS, nos termos previstos nos artigos 1º nº 3, 4º nºs 1 e 3, e 6º nº 2 do Decreto-Lei nº 122/2010, de 11-nov., e nos artigos 10º nº 2 e 18º nº 5 do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22-set., e ainda mediante indicação da Direção de Enfermagem constituída ao abrigo da Portaria 245/2013, de 05-ago. e de acordo com o seu artigo 4º nº 1 al. m).
- Exercer efetivamente as funções previstas nas alíneas e) a r) do nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22-set..
7ª - Ao considerar verificados os requisitos para o reconhecimento aos AA. do direito a auferirem o suplemento remuneratório fixado no nº 1 do artigo 4º do Decreto-lei nº 122/2010, de 11-nov., a d. Decisão recorrida contrariou o estabelecido nos nºs 1 e 3 do referido artigo 4º, o nº 3 do artigo 1º e o nº 2 do artigo 6º, todos daquele diploma; contrariou, ainda, o estabelecido nos artigos 10º nº 2 e 18º nº 5 do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22-set., e ainda a Portaria 245/2013, de 05-ago., designadamente o seu artigo 4º nº 1 al. m).
8ª - A d. Decisão considerou que todos os enfermeiros-chefes têm direito ao suplemento remuneratório, porque exercem funções de chefia considerando o que indica a designação da categoria e o seu conteúdo funcional.
9ª - Mas se todos os enfermeiros chefe já exercessem aquelas funções de chefia, não haveria razão para receberem um suplemento remuneratório, pois o vencimento correspondente à categoria já compreende as chefias integradas no conteúdo funcional.
10ª - Ora, os fundamentos que a d. Decisão recorrida usa, respeitantes à natureza do suplemento remuneratório, contrariam o disposto nos nºs 1, 2, 4 e 5 do artigo 73º da Lei 12-A/2008, de 27-fev..
11ª – Por outro lado, sempre as Leis de Orçamento de Estado para os exercícios económicos de 2011, 2012 e 2013, proibiam a atribuição de valorizações remuneratórias, onde se inclui o suplemento remuneratório em questão, como aliás reconhecido por jurisprudências vasta, que aliás já se mencionou em sede de alegações do R. em primeira Instância.
12ª – A d. Decisão recorrida contrariou, assim, o estabelecido no artigo 24º nºs 1, 2, 14, 15 e 16 da Lei n.º 55-A/2010, de 31-dez., em bem assim os artigos 20º nº 1 da Lei 64-B/2011, de 30-dez., e 35º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Termos em que deve o presente Recurso ser admitido e julgado procedente conforme se propugna nas conclusões supra, com o que se fará a necessária e costumada Justiça!”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 28 de setembro de 2021.
O aqui Recorrido veio a apresentar contra-alegações de Recurso em 8 de outubro de 2021, tendo concluído:
“- A matéria e fundamentação ora alegada pelo recorrente quanto aos pressupostos da constituição do direito do suplemento remuneratório consignado no artigo 4º do D.L. 122/2010 constitui matéria nova que não foi submetida à apreciação do Tribunal recorrido;
- Os recursos, em conformidade com o disposto no artigo 627º n.º 1 do C.P.C, visam reapreciar apenas as questões decididas pelo Tribunal “a quo” e não questões novas suscitadas na alegação de recurso;
- O recorrente centrou toda a sua defesa na proibição do pagamento do suplemento remuneratório consagrado pelo artigo 4.º do D.L. 122/10, invocando, para o efeito a norma do artigo 24º da Lei do Orçamento para 2011 e correspondentes normas das Leis do Orçamento para 2012 e 2013.
- Pelo que o primeiro segmento das alegações de recurso não pode ser apreciado por constituir matéria nova, que não é do conhecimento oficioso;
- A proibição das valorizações remuneratórias previstas no artigo 24º. Da Lei do Orçamento de Estado para 2011 refere-se tão só às valorizações assentes nas promoções, progressões, novas admissões por via concursal e prémios de desempenho.
- Esta proibição não se aplica ao suplemento remuneratório consagrado no artigo 4º. Do D.L. 122/10 uma vez que este constitui uma contrapartida pela prestação de um trabalho diferenciado e/ou especifico como é a função de chefia exercida pelos enfermeiros - chefes.
- O fundamento para a atribuição do suplemento em causa é o exercício das funções específicas de chefia enquanto as mesmas se mantiverem;
- Desta sorte, os autores recorridos tem direito a auferir o suplemento remuneratório previsto no artigo 4º n.º 1 e 2 do D.L. 122/2010 a partir de 22/06/2011 data em que este diploma iniciou a produção dos seus efeitos, a até ao momento em que cesse o exercício das respetivas funções.
- Interpretação diferente seria contrária à intenção expressa do legislador esvaziando o sentido daquela norma do artigo 4º n.º 1 e 2 do DL 122/2011 e extravasando abusivamente o conteúdo da norma do artigo 24º da Lei do Orçamento de Estado para 2011, nele incluindo matéria que ela decididamente não contempla.
Termos em, que e no muito que V. Exas se dignarão suprir deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 25 de outubro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/Centro Hospitalar, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita que a Sentença recorrida não terá feito correta apreciação do Direito, o que terá determinado:
a) A violação das normas que regulam a constituição do direito ao referido suplemento; e
b) A violação das normas dos orçamentos de Estado que proíbem as valorizações remuneratórias durante os períodos em questão.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada:
A) Os autores são todos enfermeiros (acordo);
B) Todos exercem funções ao serviço do Réu, ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (acordo – introito da petição, artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, da petição; artigo 1.º, da contestação);
C) Todos detêm a categoria profissional de enfermeiro-chefe (acordo – artigos 4.º, 14.º, 15.º, 20.º, 21.º, 25.º e 26.º, da petição; artigo 2.º, da contestação);
D) O autor A...... detém a categoria profissional de enfermeiro-chefe desde 21.11.1993 (cfr. doc. 1 da petição, incorporado no SITAF sob o registo n.º 004353583, a p. 11);
E) O autor P...... detém a categoria profissional de enfermeiro-chefe desde 01.02.1989 (cfr. doc. 3 da petição, incorporado no SITAF sob o registo n.º 004353583, a p. 13);
F) A autora H... detém a categoria profissional de enfermeira-chefe desde 27.04.2010 (cfr. doc. 5 da petição, incorporado no SITAF sob o registo n.º 004353583, a p. 13);
G) O autor V...... detém a categoria profissional de enfermeiro-chefe desde 29.04.1992 (cfr. doc. 7 da petição, incorporado no SITAF sob o registo n.º 004353583, a p. 17).

IV – Do Direito
Está em causa predominantemente na presente Ação saber se os autores têm direito ao suplemento remuneratório previsto no decreto-lei n.º 122/2010, de 11.11 pelo exercício de funções como enfermeiros-chefes.

No que ao “Direito” concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“(...) A questão controvertida resulta da produção de efeitos do disposto no artigo 4.º, do decreto-lei n.º 122/2010.
Os autores entendem que a norma deve ser aplicada desde 22.06.2011, com a entrada em vigor do respetivo diploma regulador (ie, Portaria n.º 122/2010), entendendo o réu que os seus efeitos foram limitados pelas leis orçamentais que, entretanto, foram aprovadas para os anos de 2011, 2012 e 2013.
É incontroverso que os autores foram nomeados enfermeiros-chefes antes da entrada em vigor do artigo 4.º, do decreto-lei n.º 122/2010, categoria que foi mantida (e que mantiveram – cfr. al. C a G, do probatório) pelo artigo 6.º, do mesmo diploma, como vimos.
Indiscutivelmente estão abrangidos pelo disposto no artigo 4.º, n.º 1, do diploma, por força do n.º 2 da mesma norma, tendo assim na sua esfera o direito ao suplemento de chefia.
Os efeitos daquele direito ficaram dependentes da entrada em vigor da Portaria n.º 242/2011, de 21.06 e que, como já referido, ocorreu em 22.06.2011.
Ora, nesta data estava já em vigor o disposto no artigo 24.º, da LOE2011, que veio proibir valorizações remuneratórias. O mesmo sentido foi mantido nas leis orçamentais para os anos de 2012 e 2013.
Dispõe a norma que as valorizações remuneratórias em causa abrangem «as valorizações e outros acréscimos remuneratórios», elencando a título exemplificativo quatro grupos de circunstâncias.
Para se alcançar o escopo da norma e se perceber se o suplemento remuneratório pelo exercício do cargo de chefia cabe no seu âmbito, procedendo à interpretação nos termos previstos no artigo 9.º, do Código Civil, é crucial dissecar o sentido de cada uma das situações elencadas a título exemplificativo, pois será a partir destas que poderemos alcançar o intuito do legislador.
A al. a) do n.º 1 do artigo 24.º, impede alterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções, nomeações ou graduações em categorias superiores.
A al. b) impede a atribuição de prémios de desempenho ou outras prestações pecuniárias de natureza afim.
A al. c) impede a abertura de procedimentos concursais para categorias superiores, mudanças de nível ou de escalão.
A al. d) impede o pagamento de uma remuneração diferente da auferida na categoria de origem nas situações de modalidade interna.
Todas as situações referenciadas reportam-se a circunstâncias factuais direcionadas para alterações na posição remuneratória através de promoções ou progressões na carreira e para atribuição de prémios de desempenho como recompensa pelo mérito no exercício das funções.
E as circunstâncias exemplificadas pelo legislador têm de assumir, necessariamente, um papel orientador na interpretação da sua intenção, não cabendo ao intérprete extravasar as balizas definidas na norma. Se o legislador sentiu a necessidade de definir situações factuais concretas que considerava caberem no âmbito do conceito indeterminado que utilizou («valorizações remuneratórias»), então estas devem servir como ponto orientador do aplicador do direito, sob pena de se extravasar o intuito e o sentido da norma.
Regressando novamente ao diploma onde se encontra plasmado o suplemento remuneratório de chefia - o artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 122/2010 - verifica-se que o suplemento remuneratório de €200 é atribuído aos trabalhadores que exerçam funções de chefia, a abonar nos termos do referido artigo 73.º, da Lei n.º 12-A/2008.
No caso, é atribuído ao enfermeiro-chefe enquanto categoria subsistente que pressupõe o exercício de funções de chefia.
A categoria de enfermeiro-chefe, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 437/91, de 08.11 (diploma que criou a categoria em causa) tem como área de atuação a gestão.
Ao enfermeiro-chefe compete, por força do artigo 8.º, n.º 1, do diploma, designadamente, a) integrar o órgão de gestão das unidades de cuidados, c) determinar as necessidades em enfermeiros, tendo em vista os cuidados de enfermagem a prestar, cabendo-lhe a responsabilidade de os distribuir e adequar às necessidades existentes, nomeadamente através da elaboração de horários e planos de férias, f) responsabilizar-se pela garantia da qualidade dos cuidados de enfermagem prestados, g) planear e concretizar, com a equipa de enfermagem, ações que visem a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem, procedendo à respetiva avaliação, h) determinar os recursos materiais necessários para prestar cuidados de enfermagem, j) encontrar mecanismos que garantam a sua utilização correta e o controlo de gastos efetuados, n) avaliar o pessoal de enfermagem da unidade de cuidados e colaborar na avaliação de outro pessoal, s) responsabilizar-se pela concretização, na unidade de cuidados, das políticas ou diretivas formativas emanadas pelo órgão de gestão do estabelecimento ou serviço (cfr. artigo 8.º, n.º 1, al. a), c), f), g), h), j), n), s), do decreto-lei n.º 437/91).
O conteúdo funcional da categoria de um enfermeiro-chefe corresponde assim ao desempenho de funções típicas de chefia, através de competências que vão desde a gestão de necessidades de materiais na unidade, da gestão das férias dos restantes enfermeiros e da sua avaliação, passando pela responsabilização na concretização das políticas emanadas pelo órgão de gestão. Dúvidas não subsistem que um enfermeiro-chefe assume e desempenha funções de chefia, sendo inerente à sua categoria.
Em termos da dogmática do direito laboral, o suplemento pelo exercício de funções de chefia corresponde à compensação pela exigência das funções e pela responsabilidade acrescida que acarreta ao trabalhador.
E é também este o sentido dos suplementos remuneratórios previstos para os trabalhadores em funções públicas, por força do artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, onde se define suplementos remuneratórios como os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria.
Mais se diz na al. b) do n.º 3 que são devidos suplementos remuneratórios quando trabalhadores sofram no exercício das suas funções, condições de trabalho mais exigentes de forma permanente, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho arriscado, penoso ou insalubre, por turnos, em zonas periféricas, com isenção de horário e de secretariado de direção.
Entende-se assim, em termos gerais, que os suplementos remuneratórios correspondem ao pagamento de uma remuneração como contrapartida pelo modo específico e próprio como a prestação do trabalho é executado, de forma diferenciada dos demais trabalhadores através da assunção de funções diferentes e que determinam responsabilidades acrescidas em idêntico cargo, carreira ou categoria. É uma remuneração do trabalho e de um trabalho, função ou tarefa específicos.
Ainda que se assuma objetivamente como um acréscimo remuneratório, o suplemento de chefia não pode ser entendido como outro acréscimo remuneratório equivalente a uma valorização remuneratória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 24.º, n.º 1, da LOE2011, nem das leis orçamentais subsequentes.
Não assume a natureza de uma valorização remuneratória no sentido previsto no artigo 24.º, n.º 1, da LOE2011, mas antes a contrapartida pela prestação de um trabalho diferenciado e/ou específico.
Se o regime previsto no artigo 24.º, n.º 1, da LOE2011 foi criado com base na proibição de valorizações remuneratórias assentes em promoções, progressões, novas admissões por via concursal e prémios de desempenho, não pode ter cabimento nesta previsão o pagamento de um suplemento remuneratório que visa tão somente remunerar o trabalho e o desempenho da função, no caso, a função de chefia. Outro entendimento seria admitir o desempenho da função sem a correspondente remuneração pelo trabalho e exigência que impõe e que é prestado.
O suplemento em causa concretiza o direito fundamental do direito ao trabalho e à retribuição em função da quantidade, natureza e qualidade do trabalho. É o exercício das funções específicas de chefia que fundamentam o suplemento, enquanto as mesmas se mantiverem, e não uma qualquer progressão, promoção ou mérito no desempenho de funções.
Face ao exposto, resta concluir pelo direito dos autores em auferir o suplemento remuneratório previsto no artigo 4.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 122/2010, a partir de 22.06.2011, data a partir da qual se iniciou a produção dos seus efeitos, até ao momento em que tenham exercido as respetivas funções.”

Há uma questão que importa desde já evidenciar e que condiciona necessariamente a decisão proferida e a proferir, e que se prende com a circunstância do controvertido Suplemento Remuneratório atribuído aos enfermeiros-chefes se não tratar de um incremento remuneratório, mas antes e singelamente do pagamento correspondente às funções desempenhadas, que pressupõem a atribuição do referido suplemento.

Assente o referido, em sede recursiva, suscita o Centro Hospitalar, os seguintes vícios:
i - Violação dos pressupostos da constituição do direito ao suplemento remuneratório devido aos AA- recorridos, enquanto enfermeiros-chefes;
ii - Proibição das leis do orçamento do estado para os anos de 2011, 2012, 2013 (Lei 55-A/2010 de 31/12 – artigo 24º. ; Lei 64-B/2011 de 30/12 – artigo 20º. n.º 1 e Lei 66-B/2012 de 31/12 – artigo 35º.)

Vejamos:
i Refira-se, desde logo, que a questão referida em i não foi suscitada em primeira instância, pelo que, em bom rigor se trata de uma questão nova insuscetível de ser tratada em sede de apreciação de Recurso.

Efetivamente, resulta do artigo 627º do CPC que os recursos se destinam a reapreciar as questões decididas pelo Tribunal “a quo” e submetidas ao seu julgamento e não a tratar de questões não apreciadas sequer em 1ª Instância, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso.

É verdade que o Centro Hospitalar na sua Contestação afirma conclusivamente que “não se verificam os pressupostos para que lhe seja reconhecido o direito a auferirem o suplemento remuneratório previsto no artigo 4.º do Dec. Lei 122/2010 de 11/11/2010”.

Em qualquer caso, a referida afirmação, por conclusiva, mostra-se insuficiente para que se pudesse entender que a questão da “violação dos pressupostos do direito ao suplemento” havia já sido tratada no tribunal a quo, sendo que o aqui Recorrente assentou toda o seu entendimento na insusceptibilidade do reclamado pagamento se poder efetivar em decorrência da sua suposta proibição resultante das leis do orçamento de Estado dos anos de 2011, 2012 e 2013.

A adotar-se o entendimento do Centro Hospitalar, o mesmo, no limite, inviabilizaria que fossem pagas, nomeadamente, as horas extraordinárias que tivessem a ser realizadas, uma vez que determinavam um aumento de despesa.

Assim, mesmo que a questão colocada se não tratasse de questão nova, sempre estaria condenada a improceder.
Acresce que o entendimento adotado pelo Recorrente padece ainda de erro de apreciação, pois que não resulta do artigo 4º. n.º 1 do Dec. Lei 122/2010 que o suplemento remuneratório em questão só possa ser atribuído aos enfermeiros que exerçam as funções de chefe de serviço por nomeação em comissão de serviço.

Efetivamente, refere-se no nº 2 do referido normativo que “O disposto no número anterior é aplicável aos trabalhadores titulares de categorias subsistentes que exerçam, e enquanto o fizerem, as funções a que se refere o presente artigo”, sendo que foi dado como provado que todos os Autores tinham a categoria de enfermeiro-chefe.

É também incontornável o teor do artigo 6.º do mesmo diploma legal, quando afirma que:
“1 - Subsistem, nos termos do artigo 106.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, as categorias de enfermeiro-chefe e de enfermeiro-supervisor da carreira de enfermagem, previstas no Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro.
2 - Os enfermeiros-chefes e enfermeiros-supervisores titulares das categorias referidas no número anterior mantêm o conteúdo funcional previsto no Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro.”

Improcede assim o vicio vindo de analisar.

II – O Controvertido suplemento remuneratório não foi pago pelo Centro Hospitalar por este ter entendido que a sua atribuição se consubstanciava na violação das leis do orçamento de estado para 2011, 2012 e 2013, as quais proibiam quaisquer “valorizações remuneratórias”.

Como afirmámos supra, o suplemento remuneratório devido aos enfermeiros-chefes não constitui um incremento remuneratório ou uma valorização remuneratória, pela singela razão que é um pressuposto inerente à própria categoria.

Como afirmado em 1ª Instância, o artigo 24º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 que veio proibir as valorizações remuneratórias elencou do seguinte modo as circunstâncias objeto da proibição de valorização remuneratória:
a) Na alínea a) do n.º 1 impede alterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções, nomeações ou graduações em categorias superiores;
b) Na alínea b) impede a atribuição de prémio de desempenho ou outras prestações pecuniárias de natureza afim;
c) Na alínea c) impede a abertura de procedimentos concursais para categorias superiores, mudanças de nível ou de escalão;
d) Na alínea d) impede o pagamento de uma remuneração diferente da auferida na categoria de origem nas situações de mobilidade interna.
As situações descritas constituiriam valorizações remuneratórias, ao contrário dos suplementos remuneratórios, que embora aumentem o valor remuneratório dos enfermeiros-chefes, não constitui uma “valorização”, mas antes o valor remuneratório correspondente à função desempenhada.

É inegável pois que o suplemento remuneratório previsto no artigo 4.º n.º 1 do Dec. Lei 122/2010 não se enquadra em nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 24.º da Lei do Orçamento de estado para 2011, nem em qualquer outra, porquanto não se trata de um suplemento com base em promoções, progressões, ou novas admissões por via concursal.

O suplemento remuneratório previsto no artigo 4.º n.º 1 e 2 do Dec. Lei 122/2010 é atribuída aos enfermeiros-chefes, enquanto categoria subsistente, que exerçam e durante o tempo que exercerem, as funções de chefia.

Acresce que se refere no n.º 12º do artigo 24º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 que “O disposto no presente artigo não prejudica a concretização dos reposicionamentos remuneratórios decorrentes da transição para carreiras revistas, nos termos do artigo 101.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, desde que os respetivos processos de revisão se encontrem concluídos até à data da entrada em vigor da presente lei.”, sendo que o regime da carreira especial de enfermagem fora concluído com a publicação do Dec. Lei 248/2009 de 22 de setembro e Dec. Lei n.º 122/2010 de 11 de novembro.

Refira-se ainda que a lei do Orçamento para 2011 (Lei 55-A2010) foi aprovada no dia 26/11/2010 e o Dec. Lei 122/2010, que fixou a remuneração correspondente ao exercício de funções de chefia e de direção foi publicado no dia 11 de novembro de 2010.
* * *
Em face de tudo quanto precedentemente se expendeu, e por se não reconhecer qualquer dos vícios suscitados, ratificar-se-á o decidido em 1ª Instância, negando-se provimento ao Recurso e confirmando-se a Sentença Recorrida.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 27 de abril de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa