Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:32/20.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:DIREITO DE ASILO E PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA;
ÓNUS DA PROVA;
PRINCÍPIO DO BENEFÍCIO DA DÚVIDA;
ANGOLA
Sumário:
I - Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega;
II - O art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, é um corolário do princípio do benefício da dúvida, que exige que frente a um relato consistente, congruente e credível do requerente de protecção internacional, o ónus da prova se reparta com o respectivo decisor;
III – A invocação do princípio do benefício da dúvida não faz sentido quando, no caso, falta cumprir um ónus inicial e básico: fazer um relato sem contradições, circunstanciado, coerente e credível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO
M................ intentou a presente acção administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa impugnando o despacho da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 19/12/2019, que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrente. Na decisão recorrida foi julgada improcedente a acção e foi o Ministério da Administração Interna (MAI) absolvido do pedido.
Inconformado com a decisão, o Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “a. O ora R. tem receio dos conflitos que assolam o seu pais de origem, segundo declarações do mesmo que tem medo de ser atacado caso volte a Angola;
b. O relato do R. é convincente quanto ao facto de haver mortes indiscriminadas no seu pais de origem, sentindo-se com medo e por isso ter fugido do Pais de origem, devido à situação de insegurança vivida em consequência de perseguições podendo vir a ser enquadrada tal situação muito bem no artº 7 nº 2, alinea c) da lei de asilo, nomeadamente pelo facto de não se poder garantir que o R. venha a ter uma vivência tranquila ao regressar, bem como pelo facto de existir enorme risco de o seu agregado familiar que lá permanece ser perseguido e morto, segundo declarações da mesma.
c. Pois que face a tal contexto sócio-politico de Angola não são infundadas as declarações do R. quanto ao medo de sofrer ofensa grave à sua integridade física, ou virem a ser torturados ou mesmo mortos, caso volte ao seu país de origem, dado ali não existir ordem e segurança pública suficiente, sendo que é um Pais sobejamente conhecido pela violação sistemática dos direitos do Povo e dos graves conflitos que ocorreram nos últimos anos,
d. Considerando as afirmações do ora R., são estes motivos suficientes para que lhe seja concedido o asilo que ora se requer, por razões humanitárias;
e. O ora R. concretiza com as suas declarações, que são claras, descrevendo peremptoriamente que matam pessoas por diversas razões nomeadamente políticas e económicas sendo que este Tribunal é o último bastião, onde o mesmo poderá vir a encontrar a sua salvação.
f. A decisão que manteve o acto praticado pelo SEF, viola pelo menos, na parte em que não considerou aplicável o regime de protecção subsidiária;
g. Manifesta clara violação da lei por errónea interpretação da mesma, sendo que não foi tido em conta o Princípio do benefício da dúvida e o Principio “non-refoulement” consagrado no artº 33 da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do artigoº 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, pelo que deve ser anulável nos termos do artº 135 do CPA”.

O Recorrido não contra-alegou.
Foram os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 146.º do CPTA, que se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada no recurso:
1) Em 14.11.2019, M................, com a nacionalidade angolana, apresentou um pedido de protecção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o que deu origem ao processo n.º 1882/19 (cfr. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
2) Em 06.12.2019, M................ prestou declarações perante o inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que se dão aqui por integralmente reproduzidas (cf. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
3) Por email de 16.12.2019, e nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º2, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras comunicou ao Conselho Português para os Refugiados as declarações prestadas por M................ (cf. fls. 47 do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
4) O Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros elaborou a informação n.º 2369/GAR/19, relativamente a M................, com o teor que se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente o seguinte (cfr. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas):
«(…)
6. Dos factos
1. Aos 14.11.2019, o ora requerente de protecção internacional foi transferido da França para Portugal, ao abrigo do Regulamento de Dublin;
2. Aos 14.11.2019, o requerente apresentou-se no Gabinete de Asilo e Refugiados - Lisboa, efectuando pedido de protecção às autoridades portuguesas;
3. Nos termos do disposto no 3, do artigo n.º 13 da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14, de 05.05, foi dado conhecimento ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) da apresentação do pedido de protecção em 01.08.2019;
4. Compulsado o Sistema Integrado de Informação (Sll) deste SEF consta a seguinte informação sobre o requerente:
o Visto de curta duração 004846408, válido de 10-02-2019 a 26-03-2019;
5. Sobre a identidade e nacionalidade do requerente importa referir que declarou ser nacional da República de Angola (Angola), apresenta-se documentado com o seu bilhete de identidade, emitido pelas autoridades angolanas.
Por se encontrar também referenciado no Sistema Integrado de Informação (SII/SEF) - emissão de vistos de curta duração, bem como a sua identificação já ter sido confirmada pelas autoridades
francesas no âmbito do processo de protecção internacional que apresentou naquele país, assume-se estarmos perante um nacional de Angola.
(…)
P. Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento?
R. Não.
P. Tem algum documento de identificação?
R. Tenho apenas o meu bilhete de identidade. O meu passaporte ficou com as autoridades francesas. Eu pensava que mo devolver quando viesse para Portugal.
P. Que língua(s) fala?
R. Português e Francês.
P. Em que língua pretende efetuar esta entrevista?
R. Em Português
P. Tem advogado?
R. Não.
P. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no ns 3, do artigo 17.º, da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nB 26/14 de 05.05, as suas declarações e as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo?
R. Sim.
P. Tem algum problema de saúde?
R. Não.
P. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista?
R. Sim.
P. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.
R. nasci em Luanda, mas a minha vida sempre dividida em Luanda e a Lunda Norte. A minha mãe vive e o meu pai vive na Lunda.
Estudei em Luanda e nas férias ia ter com o meu pai à Lunda.
Quando era jovem estudava e trabalhava. Primeiro numa gráfica depois num gabinete de contabilidade. Na escola média estudei contabilidade. Depois de terminar o 12º ano, fui para a faculdade, primeiro para a Metropolitana de Angola, mas como era cara, tive de mudar e fiz até ao 4S de contabilidade no Instituto Superior Politécnico de Angola. Terminei o 4B ano em novembro de 2017. Já não pude acabar o meu curso por falta de meios financeiros.
Conheci a minha mulher Luciana na Lunda e depois elo veio viver para Luanda. Em 2018 fomos todos para a Lunda. Casamos Setembro de 2018 em Luanda.
P. Em 2018 vai viver com a família para a Lunda Norte. Trabalhava?
R. Sim. Estava a trabalhar como responsável pela logística - alimentação dos trabalhadores da exploração.
P. A sua ainda mãe ainda vive em Luanda?
R. Sim.
P. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu pais até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.
R. Tive a ajuda de uma pessoa a quem paguei para me organizar tudo. No total devia ter pago a ele cerca de 800 000 Kwanzas. Não consegui pagar tudo. Esta pessoa foi comigo até Luanda tratar do visto e deu-me todas as indicações do que devia dizer e fazer para obter o visto.
Tive pagar ainda cerca de 175 000 Kwanzas para o bilhete de avião até Portugal. Depois chegar a Portugal fui de autocarro para França.
P. Os meio económicos que utilizou para vir para Portugal, eram seus?
R. Era dinheiro meu, poupanças que tinha e o meu pai ajudou-me também.
P.É a primeira vez que está em Portugal?
R. Sim.
P. É a primeira vez que saiu de Angola?
R. Não, já estive na Namíbia, não me lembro quando. Na Lunda como faz fronteira com o Congo, fui várias vezes ao Congo.
P. Tem familiares ou amigos em Portugal?
R. Não.
P. Decidiu ir para França porque?
R. Porque foi o que o homem que ajudou me disse para eu fazer.
Eu não sabia nada do que era o Asilo ou que o podia fazer em Portugal.
P. Quanto tempo fica em Portugal?
R. três noites.
P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a solicitar protecção às autoridades portuguesas. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.
R. Os problemas começaram depois de ir viver para a Lunda.
Lunda é uma região muito rica e por isso é muito procurada. Há muitas explorações, poucas legais e muitas ilegais.
Os Generais têm muito poder na Lunda.
Chegou a uma altura em que disseram ao meu que ele tinha de deixar a casa e ir para outro lado. Eu disse ao meu pai que isso não era assim como eles diziam. Que tinham de dar as mesmas condições.
A situação ficou muito complicada. Houve dias em que cheguei e em casa estava militares a pressionar o meu para deixar a casa.
Um dia chegaram a disparar e alvejaram a perna do meu pai.
Houve alturas em que tive de ir para o Congo e ficar lá uns dias.
Quando o novo Presidente de Angola tomou o poder, a Lunda parecia terra de ninguém, toda a gente queria o poder e explorar a terra.
A partir de uma determinada altura, já nem conseguia viajar para Luanda. Só quando paguei aquele homem para me ajudar a sair de Angola é que consegui viajar para Luanda.
P. Para além do que indicou, existe qualquer outro problema/situação que o tenha levado a deixar Angola?
R. Não.
P. Alguma vez teve algum problema com as autoridades policiais e/ou judiciais angolanas?
R. Não. Mas fui procurado pelos militares na Lunda.
P. Alguma vez foi detido ou preso, em Angola?
R. Houve uma situação em que os militares me levaram para um campo militar onde fiquei dois ou três dias.
P. É ou foi membro de um partido político?
R. Não.
P. É ou foi membro de alguma organizaçõo/associação?
R. Não.
P. Fale agora sobre um eventual regresso a Angola?
R. Eu não quero voltar para Angola.
P. Porque?
R. Quero zelar pelos meus direitos. Em Angola quem tem o poder é que tem Direitos e quer decidir quais são os Direitos dos outros. Não temos a nossa privacidade e liberdade.
P. Sabe dizer quando é que começaram os problemas que refere com o seu pai?
R. No inicio de 2018.
P. Quando é que deixa a Lunda Norte para viajar para a Europa?
R. Em Janeiro de 2019. Fui para Luanda e fiquei lá até viajar para Portugal.
P. Disse que o seu pai estava a ser pressionado para deixar a casa e/ou os terrenos que tinha?
R. A casa e os terrenos que lhe pertencem.
P. Onde está o seu pai neste momento?
R. Quando deixei a Lunda o meu pai estava em casa dele.
P. Quando foi a ultima vez que falou com a sua mulher e/ou o seu pai?
R. Com o meu pai não voltei a falar. Com a minha mulher falei com ela ao telefone quando estava em França. Acho que foi em Agosto de 2019.
P. E ela estava na Lunda Norte?
R. Sim, em casa dos seus pais.
P. Quando falou com ela, o que é que ela lhe disse?
R. Ela disse que estava tudo. Mas eu sei que ela só estava a dizer isso para não me preocupar. Porque eu tenho a certeza que as coisas não estão bem.
P. Disse que o seu pai foi alvejado numa perna?
R. Eu já lá estava há já alguns meses. Não me recordo da data ao certo. Nesse dia os militares vieram e disseram que o meu pai tinha de deixar a casa, o meu pai dizia que não e o resultado foi ter levado um tiro na perna.
P. O que acontece depois?
R. Fomos ao hospital, o médico conseguiu tirar a bala da perna e quando ficou melhor voltou para casa.
P. Disse que os militares o levaram para o campo?
R. Sim, isso aconteceu depois de o meu ter sido alvejado. Uma semana ou duas depois. Os militares voltaram e para pressionar o meu pai, disseram para eu ir com eles. Assim fiz. Estive num campo militar cerca de três dias. Depois mandaram-me embora.
P. No campo militar?
R. Fiquei fechado com outras pessoas.
P.E o que aconteceu?
R. Eu disse que não podia ficar, que sabia os meus direitos e que não podia ficar preso por isso tinham de me libertar. Cansados de me ouvir disseram para me ir embora.
P. Durante todo este período esteve a trabalhar também?
R. Não. Estive a trabalhar até mais ou menos no início de Novembro de 2018.
P. Disse que casou com a sua mulher em Luanda?
R. Sim.
P. E em Setembro de 2018?
R. Sim.
P. Disse que o seu filho W……. nasceu em Dezembro de 2017?
R. Sim.
P. mas que não sabe como é que a sua mulher registou o menino?
R. Sim.
P. Como é possível se você só saiu da Lunda em Janeiro de 2019?
R. Queríamos registar o menino em Luanda, porque na Lunda o registo é em papel.
P. E não registaram o menino quando vieram casar a Luanda porque?
R. Muita preocupação, com a situação que se vivia na Lunda.
P. Se de facto a situação era tão negativa, o seu pai já tinha sido alvejado, você já tinha sido levado para o campo militar, ponderou permanecer em Luanda quando vieram casar?
R. Não poderia ficar em Luanda, porque as pessoas que mandam nas minas vivem em Luanda.
Já não tinha casa em Luanda. Vir a Luanda já tinha sido um castigo para o conseguir. A minha vida estava na Lunda. Tinha o meu trabalho e tinha de defender o que é meu e ajudar o meu pai.
Já tinha a minha casa na Lunda, pois o meu dividiu o terreno e eu fiz uma casa para mim. Por isso tinha de defender o que é meu.
P. Em Novembro de 2018 deixa de trabalhar?
R. Sim.
P. O que acontece em Novembro e Dezembro de 2018, para em Janeiro de 2019 sair para Luanda?
R. Os militares não paravam de lá ir dizer que nós tínhamos de sair. Houve uma altura em que fui para Congo para fugir da situação. Depois voltei.
P. mas depois decide que já não pode ficar mais na Lunda?
R. cansei-me daquela situação. E decidi que senão podia na minha terra. Angola não era lugar para mim.
P. E a questão do seu pai, de deixar o seu pai sozinho?
R. Não tinha outra maneira.
P. Ea sua família, fica na Lunda?
R. Sim. Foi muito difícil para mim.
P. Ponderou utilizar o dinheiro que usou para pagar para que você e a sua família fossem para Luanda. A sua mãe ainda está em Luanda?
R. Pensei. Mas não fiz. Porque a minha mãe chegou-me a dizer que tinham ido a sua casa à minha procura.
P. Quando é que isso aconteceu?
R. Quando fomos a Luanda casar.
P. Pelo que disse os militares há mais de um ano que dizem ao seu pai para deixar a casa. Contudo isso ainda não aconteceu, até você deixar a Lunda em Dezembro de 2018. A mesma coisa consigo. No final vocês apesar de todas as ameaças, você e o seu, até Dezembro de 2018 continuaram com as vossas casas e com os terrenos?
R. Sim.
P. A sua esposa disse-ihe ao telefone que as coisas estava bem. Algo que você não acredita porque entende que ela não quer preocupar?
R. Sim. Ela iria mentir para não me preocupar. Para ela ir para casa dos pais é porque algo está mal. Ela é testemunha de Jeová e eu conheço-a.
P. Uma das caracteristicas das testemunhas de Jeová é a de que nunca devem mentir, é verdade?
R. Eu conheço a minha esposa. Ela não iria querer preocupar-me com problemas.
P. Você indicou no inquérito preliminar que faz parte de um grupo de libertação da Lunda Norte. Que pertence a um partido político. Que já foi preso quatro vezes e espancando. Porque é que não mencionou nada disto?
R. Quando eu preenchi esse documento estava já muito cansado e psicologicamente posso ter exagerado um pouco. Lembro-me que só queria ir descansar.
Eu de facto fui preso, ou melhor, levado pelos militares uma vez, as outras três não devem ser consideradas como uma prisão. Fui com eles e depois mandaram-me em embora.
A parte em digo que fui espancado quase até à morte, cheguei a ser agredido, mas não espancado até quase à morte.
Quando se lê que pertenço a um partido, é mais um movimento do que um partido político.
P. Deseja acrescentar algo ao seu relato que não lhe tenha sido questionado e que considere relevante para a análise do seu pedido de proteção?
R. Não.
E mais não disse, nem lhe foi perguntado, lidas declarações em língua Portuguesa, que compreende e na qual se expressa, o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente comigo, pelas 19H, hora a que findou este ato.
Declaro dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para que seja solicitado a outro Estado Membro os motivos invocados no pedido e respetiva decisão, de acordo com o artigo 34S, do Regulamento acima citado. Afirmo nada mais ter a acrescentar e que todas as declarações aqui prestadas são verdadeiras. O presente questionário foi-me lido na língua portuguesa, que compreendo e corresponde ao meu depoimento.
Ao requerente é entregue cópia autenticada do presente auto de declarações e notificado de que em conformidade com o n.º 2 do artigo 17.º da Lei 27/08. de 30.06. com as alterações introduzidas pelo Lei 26/14 de 05.05. pode no prazo de 5 dias a contar da presente notificação pronunciar-se por
escrito sobre o conteúdo do presente auto, em alegações a apresentar no Gabinete de Asilo e Refugiados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sito na Rua Passos Manuel, n.s 40, 1169-089 Lisboa, ou por email ………… ou ainda por fax + 351………….
7. No dia 16.12.2019, foi dado conhecimento ao CPR das declarações do requerente nos termos n.º 2 do artigo 17º da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n.9 26/14, de 05.05.
8. Até à data da realização desta informação, este GAR não recebeu qualquer Parecer do CPR sobre o presente pedido de protecção internacional.
7. Da apreciação da admissibilidade do pedido
O requerente, em resumo, residia desde 2018 na Lunda Norte.
A provinda da Lunda é uma região muita rica em recursos naturais. Segundo o requerente, Generais das Forças Armadas Angolanas exploram minas ilegais na província.
O requerente indica trabalhar para uma dessas minas como responsável pela logística - alimentação dos trabalhadores.
No início de 2018, militares começaram a pressionar o pai do requerente para deixar a sua casa e os seus terrenos e ir para outro lado.
Não se recorda da data, mas já se encontrava a viver na Lunda quando o seu pai foi alvejado quando discutia com militares.
Indica que uma ou duas semanas depois de o pai ter sido alvejado, foi detido por militares, tendo sido levado para um campo militar onde ficou dois ou três dias, após o que foi libertado.
Permanece na Lunda para apoiar o pai nesta situação.
Em Setembro de 2018, regressa a Luanda para casar com a sua companheira, regressando depois à Lunda.
Em Novembro de 2018, deixa de trabalhar na mina.
Em Janeiro de 2019, decide que não pode continuar naquela situação e com a ajuda de um indivíduo que conhece na fronteira com a República Democrática do Congo, a quem paga cerca de 1 000 000 Kwanzas para viajar para França.
Terá sido este indivíduo a escolher o seu destino na Europa.
Em Janeiro de 2019, viaja para Luanda para tratar do seu visto e já não regressa à Lunda.
Tem estado em contacto com a sua esposa que lhe disse que estava a viver com os seus pais e que tudo estaria bem.
Ainda de acordo com informação que a esposa lhe transmitiu o seu pai continua a viver em sua casa.
Caso regresse a Angola, receia pela sua integridade física por lutar pelos seus Direitos.
Tendo em consideração as orientações do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo - "EASO Country of Orígin Information Report Methodology ", procedeu-se à análise de informação actual respeitante à situação invocada e ao seu país de origem - Angola.
Sobre as declarações do requerente, há a sublinhar, que estas são caracterizadas pela superficialidade, subjetividade, inconsistência e incoerência.
Esta conclusão é passível de ser tomada não só com base na avaliação na motivação que estive na base da sua decisão de saída de Angola, não tendo causado no examinador a convicção de que se trata de pessoa verdadeiramente necessitada de protecção internacional.
Às questões essenciais para apurar factos, situações materiais a analisar em sede do procedimento, o requerente, responde de forma genérica, incoerente e sem pormenor, não conseguindo demonstrar com factos objectivos, o receio invocado, que o levou a deixar Angola.
Antes de outra consideração, o requerente no preenchimento do inquérito preliminar presta informação que não corresponde à verdade dos factos.
Alega que estava cansado quando o preencheu tendo exagerado nos factos ali inscritos.
O requerente indica que pertencia a um partido político em Angola - Libertação do Povo Lunda, já ter sido detido por participação em manifestação; já ter sido preso 4 vezes e sido espancado quase até à morte.
Quando ouvido em auto de declarações e confrontado com esta informação, argumenta que exagerou na informação.
Terá sido sim detido uma vez, que em outras situações que ocorreram não se deve considerar ser detido.
Não pertencer a nenhum partido político, mas sim apoiar um movimento de libertação do povo da Lunda.
Nunca ter sido espancado até à morte, mas ter sido agredido pelos militares.
Alega o requerente que, tal como o seu pai, foi pressionado por militares para deixarem as suas casas e terras, por causa da exploração mineira na Lunda.
Que militares, a mando de Generais que controlam a exploração dos recursos naturais na Lunda, desde o início de 2018, pressionam o seu pai a deixar a sua casa, tendo mesmo alvejado o seu pai e destruído parte da casa.
Que terá sido em Novembro de 2018, depois de ter deixado de trabalhar na mina, que decide deixar Angola pagando cerca de 1000 000 Kwanzas, cerca de €2 000, ao câmbio actual.
Argumenta o requerente que ponderou utilizar esse dinheiro para ir com a família para outro local em Angola, mas que não seria possível, pois em qualquer local seria perseguido pelos militares.
Que apesar de toda a preocupação com o seu pai, já depois de o pai ter sido alvejado e o requerente ter sido detido por militares, vai com a sua esposa para Luanda casar.
Alega não poder permanecer em Luanda, pois a mãe o informa que indivíduos foram à sua casa à procura do requerente.
Se inicialmente indica que teve de permanecer na Lunda para defender o pai, num segundo momento indica que já não podia permanecer.
Já o seu pai, mais de um ano e meio depois de alegadamente estar a ser pressionado para deixar a sua casa, permanece na Lunda e na sua casa.
Questionado sobre o facto de a sua mulher o ter informado de que estava tudo bem, responde que a sua mulher não o quer preocupar mais do que já está.
Como referido anteriormente, entende-se que prestou um relato sem o detalhe expectável, sustentado em considerações subjectivas e incoerentes na fundamentação da motivação para a saída de Angola.
Segundo o ponto 204 do Manual de Procedimento do ACNUR refere que “(...) o benefício da dúvida deverá, contudo; apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do
requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos. (...)"\
Atender ao princípio do benefício da dúvida, consiste, na análise do pedido de protecção internacional, em que o requerente não consegue, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, quando estas são coerentes, plausíveis e não contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos, decidir a favor do requerente, concedendo-lhe assim o benefício da dúvida.
Já o ponto 205 do referido Manual, refere:
"(a) requerente deverá:
i. Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no estabelecimento dos factos referentes ao seu caso.
ii. Esforçar-se por apoiar as suas declarações com todos os elementos probatórios disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova. Se necessário; ele deve esforçar-se por obter elementos de prova adicionais.
iii. Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pessoa e a sua experiência passada com detalhe necessário para permitir ao examinador o estabelecimento dos factos relevantes. Deve-lhe ser solicitado que dê uma explicação coerente de todas as razões invocadas que fundamentem o seu pedido de estatuto de refugiado e deve responder a todas as questões que lhe são colocadas."
Se por um lado se considera não se confirmar a existência de fundamentos susceptíveis de conferir objectividade ao receio de perseguição alegado. Por outro lado, esta situação conjugada com a sua credibilidade pessoal e a plausibilidade do relato globalmente considerado, leva-nos a não conceder o benefício da dúvida, pois este exige que as declarações prestadas pareçam credíveis e coerentes, o que não sucede no caso em apreço.
O requerente não consegue prestar uma justificação plausível para que o seu pai, apesar de todas as situações que já passou, permanecer na sua casa e o requerente não.
Poder-se-á dizer que o requerente utiliza uma situação existente na Lunda, que é do conhecimento público e da qual o livro "Diamante de Sangue - Corrupção e Tortura em Angola" 567 é um dos seus exemplos, em proveito próprio para abusivamente justificar o presente pedido de protecção internacional.
Pelo acima demonstrado, entende-se que o requerente não apresentou quaisquer factos relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar de protecção internacional, pelo que se julga o presente pedido infundado por incorrer na alínea e) do n.º 1, do artigo 19º, da Lei 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.
8. Da Autorização de Residência por motivos humanitários
Da análise da situação invocada pelo requerente, conclui-se que este não reúne os requisitos para se enquadrar na definição de refugiado, nos termos do artigo 3.º da Lei n. 27/08 de 30.06, alterada pela Lei n.e 26/14, de 05.05, no entanto, cabe agora, e de acordo com do ns 2 do artigo 10s, analisar se é elegível para protecção subsidiária.
O artigo 7.º da Lei n.2 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pelas 26/14 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estão
impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Elemento determinante na análise da aplicabilidade deste regime é a comprovação da nacionalidade do requerente, já que o que está em causa é precisamente a avaliação, face ao caso concreto, se pode invocar com razão que ele próprio se encontra impossibilitado de regressar ao seu país devido a qualquer um dos pressupostos acima descritos.
Nessa medida, importa referir que o requerente, que como mencionado no ponto anterior se assume estarmos perante um nacional de Angola.
Apesar do receio invocado de que se encontra a ser perseguido por militares, isso por si só não pode ser sinónimo de correr risco de vida ou ofensas graves em Angola.
Do relatado e apurado considera-se não se confirmar a existência de quaisquer fundamentos susceptíveis de conferir objectividade ao receio de perseguição alegado.
É possível chegar a esta conclusão, pois o pai do requerente, já em momento anterior ao requerente, se encontra a ser pressionado pelos mesmos militares e ao contrário do requerente permanece na Lunda e na sua casa.
Na informação prestada pela sua esposa que lhe indica que está tudo bem, apesar de o requerente argumentar que a esposa não está a dizer a verdade.
Se por um lado defende que a situação era muito preocupante na Lunda, por outro lado é-lhe possível ir para Luanda casar com a sua esposa e depois regressar à Lunda e a um local onde tem problemas com os militares.
Os factos apresentados conjugados com a sua credibilidade pessoal e a plausibilidade do relato globalmente considerado, leva-nos a não conceder o benefício da dúvida, pois este exige que as declarações prestadas pareçam credíveis e coerentes, o que não sucede no caso em apreço.
Os factos descritos nos pontos 6 e 7 da presente informação, suscita-nos dúvidas a credibilidade geral do requerente, e entende-se que os factos invocados mesmo considerado como verídicos, não foram gravemente prejudiciais a ponto de os mesmos poderem ser qualificados como passíveis de se enquadrar numa situação subsumível ao regime previsto no artigo 7.º da Lei de Asilo.
Julga-se que o presente caso não é subsumível ao estatuto de protecção subsidiária, e por isso infundado, por não se verificar uma razoável probabilidade de, em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, correr o risco de ser objecto de violação no que á segurança e direitos humanos diz respeito ou por se encontrar em risco de sofrer ofensa grave.
Pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para protecção subsidiária, por incorrer na alínea e), do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei n..º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pelas 26/14 de 05.05. (…)».
5) Em 19.12.2019, a Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º1 do artigo 19.º e n.º1 do artigo 20.º, ambos da Lei do Asilo, aprovada pela Lei n.º 27/2008, e com base na informação n.º 2369/GAR/19, considerou infundado o pedido de protecção internacional infundado apresentado por M................, com a nacionalidade angolana (cfr. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
6) Em 23.12.2019, M................ foi notificado da decisão do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou o seu pedido de protecção internacional infundado (cfr. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
7) Em 30.12.2019, M................ requereu a concessão de apoio judiciário (cfr. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
8) Por email de 02.01.2020, J................ foi notificado de que foi nomeado para patrocinar M................ (cfr. documento junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
9) Em 06.01.2020, deu entrada neste Tribunal, via SITAF, de petição inicial que originou os presentes autos, (cfr. fls. dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso, são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 e 33.º da Convenção de Genebra, por não terem sido considerados verificados os pressupostos para a concessão do direito de asilo ou da protecção subsidiária ao A. e Recorrente.

Diga-se, desde já, que a decisão recorrida está certa, pelo que se mantém.
Determina o art.º 3º, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que “1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.”
Quanto aos actos de perseguição, terão de constituir, pela sua natureza e reiteração, uma grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais – cf. art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06.
Como refere Andreia Sofia de Oliveira, para aferir-se do preenchimento do conceito de perseguição para efeitos de atribuição do direito de asilo, haverá que fazer-se uma abordagem “holística”, ou seja, há que olhar a situação como um todo, admitindo-se que as motivações económicas, relacionadas com a pobreza ou a falta de oportunidades, também concorram para a motivação do requerente, o que não afastará a existência de actos de perseguição se existirem motivações fortes do ponto de vista da ofensa grave, intencional e discriminatória aos direitos fundamentais do requerente que justificam a necessidade de protecção internacional (cf. da Autora, “Introdução ao Direito de Asilo”, in CEJ - O contencioso do direito de asilo e proteção subsidiária [Em linha]. 2.º ed. Obra colectiva. Coleção Formação Inicial. Lisboa: CEJ, Setembro de 2016 [Consult. em 03/10/2017]. Disponível em <URL: http://bit.ly/2fZ7eCU, pp. 51-53).
Da aplicação conjugada dos art.ºs 15.º, 15.º-A, 16.º e 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, compete ao Requerente de asilo e de protecção subsidiária o ónus da prova dos factos que alega, admitindo-se, no entanto, nos termos do n.º 4 do art.º 18.º da citada lei, que tal ónus seja repartido quando se reúnam, em termos cumulativos, as seguintes condições: (1) o requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido; (2) o requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e dê uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes; (3) as declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis e não contraditórias face às informações disponíveis; (4) o pedido tenha sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido; (5) tenha sido apurada a credibilidade geral do discurso do requerente.
Mais se refira, que o indicado art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, é um corolário do princípio do benefício da dúvida, que exige que frente a um relato consistente, congruente e credível do requerente de asilo, o ónus da prova se reparta com o respectivo decisor.
Neste sentido, conforme o Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, da ACNUR “205. O processo de constatação e avaliação dos fatos pode, portanto, ser resumido da seguinte forma: (a) O solicitante deverá:
(i) Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no estabelecimento dos fatos referentes ao seu caso.
(ii) Esforçar-se para sustentar suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova. Se necessário, ele deve esforçar-se para obter evidências adicionais.
(iii) Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pessoa e a sua experiência pretérita com o máximo de detalhes possíveis para permitir que o examinador conheça os fatos relevantes. É preciso pedir ao solicitante que explique de maneira coerente todas as razões invocadas como fundamentos do seu pedido de refúgio e responda a todas as questões que lhe são colocadas.
(b) O examinador deverá:
(i) Assegurar que o solicitante apresente o seu caso de forma tão completa quanto possível e com todos os elementos de provas disponíveis.
(ii) Apreciar a credibilidade do solicitante e avaliar os elementos de prova (se necessário, dando ao requerente o benefício da dúvida) a fi m de estabelecer os elementos objetivos e subjetivos do caso.
(iii) Relacionar estes elementos com os critérios relevantes da Convenção de 1951, de modo a obter uma conclusão correta sobre a concessão da condição de refugiado ao solicitante” (in ACNUR, Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado [Em linha] ACNUR [Consult. em 9-10-2017] Disponível em http://bit.ly/2g8z4jY).
Portanto, em sede de direito de asilo imputa-se ao requerente o ónus da prova dos factos que alega, mas exige-se, também, ao Estado que aprecia o pedido de asilo, que coopere activamente com o requerente, havendo que recolher junto de diversas fontes não estatais – como o ACNUR, a EASO ou outras organizações de defesa de direitos humanos - as informações mais actuais e necessárias para apreciar aquele pedido (cf. neste sentido – Ana Rita Gil – “ A garantia de um procedimento justo no Direito Europeu de Asilo”, in CEJ - O contencioso…, ob. cit., pp. 242-243).
Determina o princípio do “non-refoulement”, ou da não repulsão, consagrado no art.º 33.º da Convenção de Genebra, que o requerente de asilo, ou de protecção internacional, não pode ser expulso ou reenviado para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas.
Como decorre dos factos provados e do preceituado nos art.ºs 2.º, n.º 1, ac), 3.º, 5.º, 6.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, o Requerente do pedido de asilo e ora Recorrente não preenche os requisitos exigidos para lhe ser atribuído o estatuto de asilado.
De facto, o Recorrente não alegou que tenha exercido alguma das actividades indicadas no art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, ou que tenha sido perseguido em função desse exercício.
Por outro lado, o Recorrente invoca uma perseguição por “generais” em Angola, primeiro, dirigida ao seu pai e, depois, também dirigida a ele próprio, para que deixasse os terrenos de família, em Lunda, por pressão da exploração mineira que aí se faz. Contudo, quanto a tal perseguição, o relato do ora Recorrente é vago, não detalhado e inconsistente. O indicado relato deixa, ainda, trespassar a existência de meras razões económicas e de melhoria de vida como o motivo para a saída de Angola por banda do ora Recorrente.
Igualmente, atendendo ao relato do requerente de protecção, não ficou alegado e não foi provado que o Estado Angolano esteja incapaz de proporcionar a protecção aos seus nacionais contra perseguições de agentes privados ou por alegados “generais”. Da mesma forma, a Recorrente não apresentou quaisquer elementos adicionais de prova, quando face ao seu relato lhe era possível apresentar tal prova.
Ou seja, ainda aqui, em relação à invocada perseguição por alegados generais ou militares, o Recorrente não alegou e provou, como lhe competia, factos consistentes e suficientes que pudessem indicar que seria realmente alvo de perseguição individual, ou que sente gravemente ameaçado em Angola, e que o respectivo Estado não é capaz de lhe dar protecção contra essas perseguições.
Quanto ao seu receio individual, não é mais que isso, um receio, que não está suportado com alegações concretas e circunstanciadas que justifiquem a existência de qualquer perseguição.
A jurisprudência do STA é unânime a defender que o receio de perseguição, pressuposto essencial do direito de asilo, tem de ser avaliado objectivamente, a partir de factos invocados, não bastando um receio subjectivo, um estado pessoal de inquietação ou medo (cf., entre muitos, os Acs. do STA de 07/05/1998, Proc. n.º 42793, de 02-02-1999 e Proc. n.º 43838, publicados em http://www.dgsi.pt/jsta).
Para efeitos de protecção internacional, o “recear com razão”, pressupõe a verificação de um elemento subjectivo – um estado de espirito do requerente – a que se associa necessariamente uma condição objectiva, relativa à situação actual do país de origem (cf. a expressão e neste sentido Andreia Sofia Pinto de Oliveira – Introdução…, op. cit., p. 55).
Portanto, ainda que o Recorrente expresse algum receito, subjectivamente sentido, porque tal receio não foi suportado em alegações circunstanciadas, certas, com que apresentem um mínimo de credibilidade, não se pode considerar nestes autos que o A. e Recorrente tenha sido efectivamente perseguido e não possa regressar a Angola, ou aí regressando corra o risco de sofrer ofensa grave.
No caso dos autos, como se disse, o relato do Requerente relativamente à invocada perseguição individual foi ab initio inconsistente, vago e não veio alicerçado de quaisquer provas, quando tal seria possível face à situação relatada. Logo, a invocação do princípio do benefício da dúvida não faz sentido no seu caso, porque lhe faltou cumprir um ónus inicial e básico: a de fazer um relato sem contradições, circunstanciado, coerente e credível.
Como se refere na decisão recorrida “revertendo ao caso dos autos, constata-se que nas declarações prestadas no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras o Autor alega, em súmula, que os factos que determinaram a sua saída do seu país de origem – Angola - respeitam à perseguição perpetrada por generais, com início em 2018, que terão dito ao seu pai que teria que deixar a sua casa, e as suas terras, em Lunda Norte, e que, por esse motivo, o seu paiterá sido alvejado na perna, e o Autor levado para um campo militar, onde terá estado dois ou três dias, tendo depois sido libertado.
Relatando ainda o Autor, que casara em Setembro de 2018, com a sua mulher, em Luanda, onde vive a mãe do Autor, tendo regressado, depois, para Luanda Norte, e que só em Janeiro de 2019, voltou a Luanda e daí viajara para Portugal.
Relativamente ao seu progenitor, o Autor esclarece que lhe fora retirada a bala, que ficara melhor, e que o mesmo continua a residir em Lunda Norte, na sua casa, conjuntamente com a esposa do Autor, e os filhos do Autor.
Questionado sobre se tinha ponderado permanecer em Luanda, o Autor respondeu que: “A minha vida estava na Lunda. Tinha o meu trabalho e tinha que defender o que é meu e ajudar o meu pai”, e a respeito do que teria sucedido desde Novembro e Dezembro de 2018, para em Janeiro de 2019 sair de Luanda, retorquiu que: “Os miliares não paravam de lá ir dizer que nós tínhamos de sair. Houve uma altura em que fui para o Congo para fugir da situação. Depois voltei”.
Quanto aos motivos para não pretender regressar a Angola, o Autor explica que: «Quero zelar pelos meus direitos. Em Angola quem tem o poder é que tem Direitos e quer decidir quais são os direitos dos outros. Não temos a nossa privacidade e liberdade”.
O Autor esclareceu ainda que não é nem alguma vez foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, em Angola, que nunca foi alvo de perseguição por motivos de raça, credo religioso ou pertença étnica em Angola, e que não tem nenhum problema com as autoridades policiais ou judiciais de Angola, ou com o Estado Angolano.
Por fim, a respeito de ter indicado no inquérito preliminar que fazia parte de um grupo de libertação da Lunda Norte, que pertencia a um partido político, e que já teria sido preso quatro vezes e espancando, não tendo mais mencionado nada disso, o Autor elucida que: «Quando eu preenchi esse documento estava já muito cansado e psicologicamente posso ter exagerado um pouco. Lembro-me que só queria ir descansar. Eu de facto fui preso, ou melhor, levado pelos militares uma vez, as outras três não devem ser consideradas como uma prisão. Fui com eles e depois mandaram-me embora. A parte em digo que fui espancado quase até à morte, cheguei a ser agredido, mas não espancado até quase à morte. Quando se lê que pertenço a um partido, é mais um movimento do que um partido político.».
(…) Em síntese e de todo o alegado, se conclui que o Autor não relata actividades em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana; ou que esteja a ser perseguido ou ameaçado em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social.
Acresce que, os episódios relatados pelo Autor, consubstanciarão um “caso de polícia”, e não uma situação passível de protecção internacional.
Como tal, não pode ser concedido o benefício da dúvida, porquanto o mesmo apenas será aplicável quando o requerente da protecção internacional não consiga fundamentar as suas declarações, mas desde que estas sejam, cumulativamente, credíveis, coerentes e plausíveis, o que no caso dos autos não ocorreu (cfr. a página 41 do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, da autoria da ACNUR e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 11750/14, de 12.02.2015).”
Assim, no caso sub judice, sem dúvida que terá de ficar arredada a aplicação do artigo 3º, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, à situação do Recorrente.

Nos termos artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, “É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.
Dos presentes autos não deriva que a situação do A. e Recorrente seja subsumível no regime subsidiário previsto no art.º 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.
Frente à factualidade trazida aos autos, não resulta indiciado que regressando ao seu país de origem o A. e Recorrente corra o risco de sofrer ameaça grave contra a vida ou integridade física ou que o Estado Angolano não intervenha e não consiga garantir a sua segurança.
Como se refere na decisão recorrida “(…) Ocorre que da situação relatada pelo Autor, sobretudo pela falta de credibilidade e congruência do depoimento prestado perante o SEF, não resultaram indícios de que a sua liberdade ou integridade física esteja ou possa estar de alguma forma ameaçada com o seu regresso a Angola.
Até porque como se disse, e se reitera o Autor saiu, sem qualquer constrangimento de Luanda, e se deslocara para o Congo, e daí regressado para Lunda Norte, sempre que o pretendeu.
Assim, se impõe concluir que as declarações do Autor não permitem obter o efeito pretendido por aquele, permitindo até decidir que a sua situação não se enquadra nas situações descritas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, nem mesmo no artigo 7.º daquela Lei, porquanto o receio que parece deter de sofrer ofensa grave é meramente subjectivo, não resultando do relato traçado a objectividade (e credibilidade) necessária à concessão da protecção pretendida.”
Falecem, assim, todas as invocações do Recorrente contra a sentença recorrida.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30-06).

Lisboa, 14 de Maio de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)