Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08038/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:GARANTIA
IDONEIDADE
Sumário: Não é a forma abstracta da prestação da garantia ou a actividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade. Esta há-de resultar, isso sim, da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, doravante, Recorrente, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a reclamação deduzida, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, pela sociedade Sporting ................., Futebol SAD, contra o despacho de 17 de Junho de 2014, do Director de Finanças de Faro, na parte em que considerou inidónea a garantia apresentada pela reclamante no âmbito dos processos de execução fiscal nºs................ e apensos e nº......................... e apensos, que correm termos no Serviço de Finanças de Olhão e que, em consequência determinou a sua anulação, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões sintetizadas, após convite:

«a) Decidiu o Meritíssimo Juiz "a quo" pela procedência dos autos de Reclamação, por considerar que, para poder avaliar a idoneidade da garantia apresentada pela Reclamante, a AT devia fazer o cálculo do valor da garantia a prestar, posteriormente proceder à avaliação dos bens e direitos oferecidos e, finalmente, comparar os dois valores assim obtidos a fim de aceitar ou rejeitar a garantia oferecida;

b) O Mmo. Juiz "a quo" fundamentou que no caso concreto, o acto reclamado omite em absoluto o valor da garantia a prestar nos termos do art.°199° n°6 do CPPT e nenhum valor atribui aos bens oferecidos não sendo por isso possível proceder a um juízo sobre a idoneidade da garantia, concluindo pela verificação de vício de violação de lei e anulando o acto reclamado;

c) A douta sentença recorrida não faz qualquer alusão à Informação e despacho de fls. 62-63 do processo instrutor ou apenso inserto nos autos, os quais identificam o montante da dívida exequenda e, bem assim, do valor da garantia a prestar, identificando o seu cálculo nos termos do art.°199° do CPPT;

d) Tal facto explica o acto reclamado não voltar a proceder a tal cálculo sob pena de duplicação e inutilidade;

e) Razão pela qual incorre em erro o entendimento perfilhado pela douta sentença sob recurso;

g) Com efeito, o acto reclamado não omite em absoluto, o valor da garantia a prestar porque tal facto já se encontrava fixado no processo que constitui, lembramos, um conjunto concatenado de actos com vista a um determinado fim;

h) Por outro lado, entende a douta sentença recorrida que a Administração não procedeu à avaliação concreta das garantias oferecidas;

i) As garantias oferecidas são os direitos desportivos (passe) sobre quatro jogadores alegadamente contratados pela reclamante, direito ao arrendamento sobre prédios urbanos com fins habitacionais e o direito à participação de 50% do valor das quotas pagas pelos sócios da reclamante conforme fls. 75 do apenso, tendo a reclamante indicado um valor estimado relativamente ao passe dos jogadores e um valor aproximado para a percentagem das quotas dos sócios, não indicando valor para o direito ao arrendamento;

k) O valor estimado dos passes foi indicado por três agentes de jogadores de futebol que, em declaração (documentos insertos nos autos) estimam um valor para os passes dos referidos jogadores;

l) Da leitura de tais documentos releva que a fundamentação é escassa e não especificada, limitando-se a indicar que a estimativa teve por base o curriculum profissional dos jogadores, o contrato de trabalho vigente e os aspectos técnicos do mesmo;

m) As três declarações apresentam o mesmo teor, isto é, a mesma fundamentação e a mesma estimativa;

n) A reclamante apresentou ainda extractos da sua contabilidade com data de 2014-06-09, respeitantes às contas de pessoal, cartões de crédito, retenções de descontos com vista a demonstrar a situação financeira excepcionalmente difícil que justificou o pedido de pagamento em prestações de impostos repercutíveis a terceiros como é o IVA e as Retenções na Fonte de IRS, facto que logrou provar;

o) Nenhum elemento foi apresentado, além dos supra descritos, para fundamentar a estimativa dos passes dos jogadores;

p) Entendeu o Mm.° Juiz "a quo" que competia à AT socorrendo-se dos elementos que constem das suas bases de dados ou resultem do exercício do seu poder inquisitório, proceder à avaliação de tais direitos;

q) Ora, a AT demonstrou que tal garantia não é idónea no caso sub judice, invocando que o valor económico dos passes dos jogadores de futebol dependem do interesse na aquisição por parte de outros clubes, da condição física dos jogadores no momento da alienação do direito aos seus serviços;

r) Conforme douto entendimento firmado no douto Acórdão do STA no Proc.° n°0126/12 de 15/02: "A garantia deverá ser proporcionalmente razoável e adequada ao fim para o qual foi constituída".;

s) Socorrendo-nos dos estudos dos autores invocados nas alegações de recurso supra, concluímos que não existe mercado nacional com as características necessárias para poder ser efectuada uma mensuração transparente e objectiva dos direitos aos passes dos jogadores oferecidos como garantia da execução fiscal sub judice, facto impeditivo da análise valorativa e de idoneidade que o Mm° Juiz a quão "acusa" a AT de ter omitido causando a ilegalidade do acto reclamado;

z) As regras de mensuração das normas contabilísticas e de relato financeiro aplicáveis estabelecem condições que não se verificam quanto a estes direitos;

aa) Nem a AT dispõe de meios humanos ou informáticos capazes de estabelecer qualquer mensuração ou quantificação destes direitos oferecidos em garantia, nem a Reclamante indicou mais do que um valor estimado assente numa fundamentação insuficiente e genérica que não é susceptível de sustentar qualquer juízo de idoneidade legalmente exigido para a concretização do plano prestacional pedido pela autora;

ab) Pelo que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar padecido de vício de violação de lei o acto reclamado;

ac) Quanto ao valor do direito ao arrendamento a prédios habitacionais em que a reclamante é arrendatária, a sentença sob recurso não atende à fundamentação do acto reclamado que fundamenta o indeferimento com a inexistência de tais direitos ao arrendamento e, por maioria de razão, a inexistência de qualquer valor para garantir as dívidas em execução;

ad) Nesta conformidade, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento e viola o disposto no n.°2 do art.° 52° da Lei Geral Tributária e o n°1 do art.°199°do CPPT;

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.».


*

A Recorrida, Sporting .................. Futebol SAD, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões (a que foram atribuídas novas letras identificativas, atento o lapso na ordenação inicial das mesmas):

a. A Recorrida dá por reproduzida a argumentação expendida em sede de Reclamação a qual foi acolhida pelo Tribunal a quo na Sentença proferida a qual não é colocada em causa pelo Recurso interposto.

b. Vem a Administração Tributária alegar que não avaliou incorrectamente as garantias oferecidas e devidamente identificadas em sede de contra-alegações.

c. Apontando a falta de sustentação no valor estimado relativo ao passe dos jogadores, baseado em diversa doutrina e inquéritos concluindo que o valor económico dos mesmos não podem constituir garantia porque dependem de a) interesse na aquisição por parte de outros clubes, b) condição física dos jogadores no momento de alienação c) o passe não ser detido para comercialização, mas usufruto durante determinado período de tempo.

d. A Administração aceita que o passe possa satisfazer a definição de activo intangível mas põe em causa que, uma das componentes da definição de activo, a valorização fiável, esteja presente.

e. Colocando em causa que seja possível estimar os benefícios futuros que possam advir pela inexistência de um mercado activo que permita disponibilizar os preços e a heterogeneidade dos jogadores.

f. A Administração confirma que, não obstante referenciar alegadas violações do Tratado de Roma relativamente à livre circulação de pessoas, o sistema de transferência dos jogadores permite restringir a utilização de jogadores por determinados clubes em detrimento de outros.

g. Por outro lado, nas alegações apresentadas não é posta em causa a valorização inicial ao custo de aquisição do passe dos jogadores, que reflecte a vontade das partes naquela data.

h. Até porque a norma prevê dois tipos possíveis de valorizações subsequentes à compra, o método do custo e o método da revalorização.

i. O que parece colocar em causa é a mensuração subsequente dos direitos desportivos no método da revalorização, se for este o aplicado, e a cadência da amortização de direitos.

j. Em relação à cadência de amortização, a norma indica que caso não haja facilidade em fazê-lo na cadência dos benefícios poder-se-á recorrer às quotas constantes permitindo que certos activos intangíveis possam não estar sujeitos à amortização, por dificuldades de estabelecera sua vida útil, desde que seja avaliada a imparidade,

k. Em relação à verificação de existência de imparidade esta é possível de ser medida comparando o valor registado com o mais alto de dois valores, o justo valor e quantia recuperável a qual assenta no cálculo de uma estimativa de rendimentos que se espera que os jogadores possam trazer abatido os encargos.

l. Apenas estando presente o justo valor, utiliza-se este último que não coloca em imparidade os passes dos quatro jogadores apresentados como garantia, não carecendo de qualquer mercado activo.

m. Se estivermos perante o método da revalorização, pode colocar-se a questão da existência ou não de um mercado activo.

n. Quanto à alegada inexistência quanto a passes de jogadores, refira-se que poucos são os activos que têm mercados activos que satisfaçam os critérios da norma em Portugal cujas características se encontram descritas em sede de contra-alegações.

o. Na verdade, como melhor se refere em sede de contra-alegações, e como os últimos meses demonstram à saciedade, a disponibilidade é cíclica e a disponibilidade de preços ao público, muito relativa.

p. Assim, a construção da Administração leva a questionar como é que a Administração pode aceitar garantias baseadas em bens ou direitos uma vez que parecem ser uma impossibilidade de valorização?

q. Aceitando a possibilidade de permitir garantias assentes em bens e ou direitos e na maior parte dos casos dada a inexistência de mercado activo, apenas podemos supor que ou se apoiam no método do custo ou em métodos de revalorização assentes em abordagem diferente daquela prevista nos mercados ativos.

r. A IFRS 13 vem estabelecer níveis hierárquicos para a fiabilidade das estimativas ao justo valor e vem estabelecer três métodos possíveis para mensuração: a abordagem de mercado, a abordagem do custo e a abordagem do rendimento,

s. Tais abordagens permitem formas alternativas de aplicar o método de revalorização Sem que exista um mercado activo.

t. Sendo que, a Sentença recorrida acompanha jurisprudência bem recente como a que decorre do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Julho do corrente ano proferido no âmbito do processo 0823/14.

Termos em que, com a improcedência do Recurso apresentado e com a manutenção da Sentença recorrida, fará este Tribunal a costumada Justiça».


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional (cfr. fls. 143 e 144).

*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:


«1.

Em 2 de Junho de 2014, SPORTING ............................ FUTEBOL SAD requereu ao Director de Finanças de Faro o pagamento da dívida exequenda (€ 218.885,58) em cobrança nos processos de execução fiscal n.°.................. e apensos e .................... e apensos, bem como a prestação de garantia - cfr. fls. 60-61 e 68 do apenso.

2.

Este requerimento foi posteriormente aditado com os motivos por que entende a SPORTING .................................... FUTEBOL SAD estar numa situação de dificuldade financeira excepcional, serem previsíveis consequências económicas gravosas, e com a identificação das garantias que pretende prestar (passes de quatro jogadores de futebol, o direito ao arrendamento de prédio urbano para fins habitacionais e o direito a 50% do valor das quotas pagas pelos sócios do clube de futebol Sporting .................... a seu favor - cfr. fls. 69-110 do apenso.

3.

No dia 17 de Junho de 2014, pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Faro foi elaborada Informação no processo n.° ....................... a qual se dá aqui por integralmente reproduzida e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:

"(...)

No que concerne às garantias oferecidas para efeitos de suspensão das execuções importa referir que nos termos do nºl do art.199° do CPPT têm que se mostrar idóneas por forma a garantir o pagamento integral das dívidas e os acréscimos legais.

O que não acontece com as que foram apresentadas, porquanto o valor económico dos contratos de jogadores controlados pela Executada dependem do interesse na aquisição por parte de outros clubes de tais jogadores, dai decorrendo que os potenciais interessados são em número muito restrito e o seu valor é por natureza volátil, dependendo das condições físicas dos jogadores, pelo que o valor estimado dos passes não oferece garantias que futuramente possam solver os créditos tributários aqui em causa.

De igual modo o direito ao arrendamento não se nos afigura idóneo uma vez que a Executada é inquilina e actualmente o mercado de arrendamento não apresenta escassez que leve a que esse direito possa ser valorizado.

O direito à participação de 50% do valor das quotas pagas pelos associados do Sporting Clube Olhanense também não se apresenta suficiente para garantir a dívida, sendo certo que esse valor varia em função de resultados desportivos e de outros factos exógenos, portanto dificilmente quantificável.

Nestes termos deve ser indeferida a garantia apresentada.

(…)”

- cfr. fls. 112-114 do apenso.


4.

No mesmo dia, o substituto do Director de Finanças de Faro exarou naquela Informação o seguinte despacho - acto reclamado: "Concordo." - cfr. fls. 112 do apenso».


*

Aí consignou-se que a convicção do Tribunal assentou nos «… documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade».


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2.2. De direito

Entrado na análise do recurso, importa muito brevemente enquadrar a situação dos autos.

Assim, temos que a Recorrida, executada em diversos procesos executivos, formulou um pedido de pagamento em prestações e, com vista à garantia de tal pagamento, ofereceu determinados bens em garantia. Concretamente, os passes de quatro jogadores de futebol profissional, o direito ao arrendamento de prédio urbano para fins habitacionais e o direito a 50% do valor das quotas pagas a favor da executada pelos sócios do clube de futebol Sporting Club Olhanense.

No despacho ora reclamado, precedido de informação para a qual o mesmo remete (cujo teor, na parte que aqui releva, foi dado por reproduzido na sentença) foi deferido o pedido de pagamento em prestações – aí se lê, “relativamente ao pedido de pagamento em prestações, sou de parecer que o mesmo deve ser deferido, ao abrigo da alínea b) do nº 3 do artº 196º do CPPT, autorizando o pagamento da dívida exequenda e acrescido, em (24) vinte e quatro prestações mensais, por ter sido feita prova bastante demonstrativa das dificuldades financeiras excepcionais e previsíveis consequências económicas gravosas...” – e “indeferida a garantia apresentada”.

A motivação para a não aceitação da garantia oferecida pela Executada, ora Recorrida, é a que consta do ponto 3 da matéria de facto.

Esta decisão veio a ser objecto de reclamação, apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT.

O TAF de Loulé deu razão à Reclamante, julgando procedente a reclamação e, em consequência, determinou a anulação da “decisão do substituto do Director de Finanças de Faro, de 17 de Junho de 2014, na parte em que indeferiu o requerimento para prestação de garantia”.

Para assim concluir o Mmo. Juiz a quo considerou, no essencial, que:

“(…)

Para fazer tal ponderação e de modo a fixar concretamente o valor da garantia oferecida no momento em que é apresentado o requerimento, a Administração deve, então, num primeiro momento, avaliá-la a partir das informações fornecidas pelo Executado e, se necessário, socorrendo-se também dos elementos que constem das suas bases de dados ou resultem do exercício do seu poder inquisitório. Depois deverá comparar o valor atribuído à garantia ao valor a prestar, calculado nos termos do predito n° 6 do artigo 199° do CP PT, e concluir em consonância quanto à sua idoneidade, ou seja, quanto à sua susceptibilidade de assegurar os créditos exequendos, deferindo o requerimento no caso de o valor da garantia igualar ou exceder os dos créditos e indeferindo-o no caso de a garantia oferecida se mostrar inferior.

No mesmo sentido, cfr., mutatis mutandis, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Dezembro de 2013 - processo n.° 1757/13 e de 14 de Março de 2012 - processo n.° 208/12.

No caso dos autos, o acto reclamado indeferiu a prestação da garantia oferecida fundamentando-se por remissão para uma Informação que se limita a afirmar que "o valor estimado dos passes não oferece garantias que futuramente possa solver os créditos tributários aqui em causa", que o direito ao arrendamento não pode ser valorizado face à situação actual do mercado que "não apresenta escassez" e que o direito à participação de 50% do valor das quotas pagas pelos associados do clube de futebol, que é "dificilmente quantificável", "também não se apresenta suficiente para garantir a dívida" - cfr. o ponto 3 do probatório.

Ora, assim sendo, além de omitir em absoluto quer o valor da garantia a prestar nos termos do n.° 6 do artigo 199.° do CPPT - o que, como se viu, era mister para se proceder ao juízo relativo à idoneidade da garantia -, o acto reclamado também não procedeu à avaliação concreta das garantias oferecidas. Nenhum valor monetário foi dado a cada um dos bens oferecidos em garantia, nem sequer à sua globalidade, pelo que é impossível proceder ao juízo relativo à idoneidade da garantia. Com efeito, nunca é concretizado qual o valor estimado dos passes nem o do direito à participação de 50% das quotas.

Ora, assim sendo, por não ser admissível a recusa da garantia oferecida, pela Administração, sem que tal garantia seja concretamente avaliada em euros e comparada com o montante da garantia legalmente exigida, há que concluir que o interesse da Executada foi preterido sem respaldo no interesse público.

E, assim sendo, o acto reclamado padece de vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos, o que consequencia a sua remoção da ordem jurídica, devendo ser substituído por outro que aprecie a idoneidade da garantia nos termos expostos.

(…)”

A Fazenda Pública, aqui Recorrente, insurge contra o decidido.

Desde logo, se bem interpretamos a posição da Recorrente, discorda esta do relevo que na sentença foi atribuído ao facto de no despacho reclamado não se fazer qualquer menção ao valor da garantia a prestar. Diz a Recorrente, a este propósito, que “A douta sentença recorrida não faz qualquer alusão à Informação e despacho de fls. 62-63 do processo instrutor ou apenso inserto nos autos, os quais identificam o montante da dívida exequenda e, bem assim, do valor da garantia a prestar, identificando o seu cálculo nos termos do art.°199° do CPPT”; “Tal facto explica o acto reclamado não voltar a proceder a tal cálculo sob pena de duplicação e inutilidade”; “Razão pela qual incorre em erro o entendimento perfilhado pela douta sentença sob recurso”; “Com efeito, o acto reclamado não omite em absoluto, o valor da garantia a prestar porque tal facto já se encontrava fixado no processo que constitui, lembramos, um conjunto concatenado de actos com vista a um determinado fim”.

Vejamos, então.

É um facto que resulta da leitura da integralidade do despacho recorrido que o valor da garantia a prestar não vem ali expressamente referido, sendo certo - não custará admitir, nem à FP - que, atenta a questão ali em apreciação, seria de esperar e necessário, que tal menção tivesse sido efectuada.

No entanto, se bem interpretarmos a sentença recorrida, não concluímos que a falta de menção expressa ao valor da garantia a prestar tenha sido um dos fundamentos para anular o despacho. O que o Tribunal a quo disse, ou quis dizer (e sem esforço se retira) é que, num primeiro momento, a AT deve fixar um concreto valor à garantia oferecida, para depois o comparar com o valor da garantia a prestar, a fim de concluir sobre a idoneidade da garantia em apreciação. Ora, no caso, avança o Tribunal, esta avaliação concreta não foi feita, pelo que nem sequer há hipótese de comparar (nem a AT comparou) com o valor fixado para a garantia a prestar, valor este, repete-se, que não foi mencionado. Ou seja, faltando essa concreta avaliação, nem é possível a comparação de valores.

Por conseguinte, entendemos que, no caso sub judice, e na economia da sentença recorrida, a questão invocada pela Recorrente apresenta-se destituída da utilidade e alcance que esta lhe pretende apontar. De todo o modo, adiante voltaremos a tocar este aspecto.

Isto dito, avancemos.

Importa aqui saber se a sentença errou ao considerar que o despacho reclamado devia ser anulado por a AT não ter procedido à avaliação da garantia oferecida, com vista a decidir sobre a sua idoneidade.

Para o Tribunal, o que consta da informação que precedeu o despacho não configura uma avaliação da garantia, pois que a mesma se limita a afirmar que "o valor estimado dos passes não oferece garantias que futuramente possa solver os créditos tributários aqui em causa", que o direito ao arrendamento não pode ser valorizado face à situação actual do mercado que "não apresenta escassez" e que o direito à participação de 50% do valor das quotas pagas pelos associados do clube de futebol, que é "dificilmente quantificável", "também não se apresenta suficiente para garantir a dívida".

A Recorrente, por seu turno, entende que o Tribunal não atendeu ao teor da fundamentação do despacho, pois a AT invocou que o valor económico dos passes dos jogadores de futebol dependem do interesse na aquisição por parte de outros clubes, da condição física dos jogadores no momento da alienação do direito aos seus serviços e, bem assim, que “quanto ao valor do direito ao arrendamento a prédios habitacionais em que a reclamante é arrendatária, a sentença sob recurso não atende à fundamentação do acto reclamado que fundamenta o indeferimento com a inexistência de tais direitos ao arrendamento e, por maioria de razão, a inexistência de qualquer valor para garantir as dívidas em execução”.

Daquilo que é dito, parece poder extrair-se que a Recorrente não contesta que a AT tivesse que, como considerou o Tribunal, proceder à avaliação concreta das garantias oferecidas; o que leva a Recorreente a discordar do decidido é que esse juízo de avaliação consta da informação que precedeu o despacho, o que, porém, não terá sido atendido pelo Tribunal.

Vejamos, então.

Para um amplo enquadramento da questão em apreciação - idoneidade da garantia e avaliação da garantia - socorremo-nos da aturada análise que foi levada a cabo, entre muitos outros, no acórdão do STA, de 11/12/13 (processo nº 1757/13). Em tal aresto pode ler-se que:

“(…)

De harmonia com o disposto no artigo 199º nº 1 do CPPT, a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

Dispõe, por sua vez, o nº 2 desse normativo que a garantia idónea referida no nº 1 poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

Este normativo confere assim à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não “idónea” para assegurar a cobrança efectiva da dívida, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração.

A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito indeterminado, pois que a norma do nº 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.

Pode, no entanto, concluir-se que emana das normas conjugadas dos arts. 169º e 199º do CPPT (normas cuja interpretação se torna essencial, designadamente à luz da mens legis, para se poder apreender o sentido e alcance do conceito indeterminado nelas contido, já que a própria norma há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a interpretação e integração dos conceitos que incorpora) decorre que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.

A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, a que assegura o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos (Cfr. neste sentido RUI DUARTE MORAIS, in “A Execução Fiscal”, pág. 77 e JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, anotado e comentado, 6ª Ed., Áreas Editora, Vol. III, anotação 2 ao art. 199º, bem como, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, no recurso 0786/11, de 11.07.2012, no recurso 730/12, e de 10.10.2012, no recurso 916/12.).

Por outro lado, este Supremo Tribunal tem seguido jurisprudência uniforme no sentido de que a idoneidade da garantia não pode ser aferida pelo seu grau de liquidez, como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.03.2012, recurso nº 0208/12, com profícua fundamentação, que sufragamos e que, por isso, nos limitaremos aqui a transcrever:

«(…) não é a forma abstracta da prestação da garantia ou a actividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade. Esta há-de resultar, isso sim, da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido.

(…)

O legislador, na definição da idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento dos créditos em cobrança e do acrescido.

Assim, e pese embora uma inegável margem de discricionariedade que assiste à AT nesta matéria (…) a verdade é que não podem relevar-se como fundamentos válidos os atinentes ao grau de liquidez da garantia.

Como ficou dito no referido acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro passado, «[n]a execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.

Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.

Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).

No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”».

Estes considerandos são igualmente válidos relativamente à fiança. É inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução.

Porém, como ficou dito no citado aresto, o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efectuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.

Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT.

A interpretação subscrita pela Recorrente permitiria à AT estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar todas as que não assegurassem imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.

(…).”

Temos, pois, para estes efeitos, que a garantia terá que ser idónea, tal como resulta do artigo 199º do CPPT, e que tal idoneidade há-de corresponder à capacidade da mesma para, em caso de incumprimento do devedor, garantir a totalidade da quantia exequenda e do acrescido. Tal idoneidade terá que resultar da avaliação que for efectuada, necessariamente em concreto, sobre a susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, posto que, como não oferece dúvidas, inexiste, legalmente consagrada, qualquer preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade, por exemplo, com a maior eficácia da mesma decorrente da sua maior liquidez. Isto é assim e, naturalmente, pressupõe que se reconheça ao Órgão da Execução Fiscal alguma margem de discricionariedade na apreciação em concreto a idoneidade da garantia oferecida.

Vejamos, então.

Uma das garantias oferecidas consistia nos passes de quatro jogadores profissionais de futebol do Sporting Club Olhanense SAD, atribuindo-se vulgarmente a designação de passes ao direito de cedência ou transferência dos jogadores.

Para tanto, a Recorrente juntou aos autos três diferentes declarações, emitidas por três diferentes agentes de jogadores de futebol (que indicaram o número da sua licença), nas quais, com base no curriculum profissional de cada jogador, nos respectivos contratos de trabalho e em aspectos técnicos dos mesmos, se fixou a valorização dos respectivos contratos em €450.000,00, €600.000,00, €400.000,00 e €350.000,00.

Ora, sobre estes bens, assim oferecidos como garantia e com aqueles valores, a AT nada disse ou, melhor dizendo, em concreto nada contrapôs. Com efeito, dizer que o valor económico dos contratos de jogadores controlados pela Executada dependem do interesse na aquisição por parte de outros clubes de tais jogadores, dai decorrendo que os potenciais interessados são em número muito restrito e o seu valor é por natureza volátil, mais não é que uma afirmação que encerra um juízo conclusivo formulado pela Senhora Funcionária que elaborou a informação, não objectivamente ancorado, tendente a afastar, pura e simplesmente, esta forma de garantia (cujo valor é por natureza volátil). Não há, nesta afirmação, qualquer juízo avaliativo sobre a concreta garantia oferecida, nem tão-pouco o valor da mesma é posto em causa.

E neste ponto particular, não serve para, em defesa da actuação da AT, afirmar, como faz a Recorrente que as declarações dos agentes de jogadores apresentam fundamentação escassa, que não existe mercado nacional com as características necessárias para poder ser efectuada uma mensuração transparente e objectiva dos direitos aos passes dos jogadores, ou que a AT não dispõe de meios humanos ou informáticos capazes de estabelecer qualquer mensuração ou quantificação destes direitos oferecidos em garantia.

Desde logo, estas justificações não foram invocadas no despacho recorrido, nem tão-pouco afloradas, para afastar esta garantia. Por outro lado, não se percebe, se assim é, porque razão, como aponta a sentença recorrida, a AT não lançou mão dos seus poderes inquisitórios, solicitanto ao executado, por exemplo, outros elementos julgados necessários.

Ou seja, a AT, tal como entendemos, quedou-se numa apreciação incipiente, longe da análise em concreto da idoneidade da garantia oferecida, o que é manifestamente insuficiente para justificar a sua não aceitação. Para mais, porque em abstracto o apontado direito de cedência ou transferência dos jogadores é passível de ser penhorado, sendo certo que “a possibilidade que a lei concede ao clube para, directamente ou por intermédio de empresário desportivo, ceder um jogador mediante contrapartida financeira constitui (…) um direito economicamente avaliável que constitui um activo patrimonial” (vide, o acórdão do STJ, de 21/11/00, processo nº 2518/2000).

À mesma conclusão havemos de chegar relativamente às afirmações produzidas relativamente ao direito ao arrendamento não se nos afigura idóneo. Em vez de emitir um juízo tendente à avaliação desta concreta garantia, a AT limitou-se a afirmar que a Executada é inquilina e actualmente o mercado de arrendamento não apresenta escassez que leve a que esse direito possa ser valorizado. Trata-se de uma afirmação que não se mostra concreta e objectivamente apoiada, que traduza uma avaliação daquela específica garantia.

Por último, quanto ao direito à participação de 50% do valor das quotas pagas pelos associados do Sporting Clube Olhanense, já a questão não parece ter-se colocado ao nível da idoneidade, mas antes da sua insuficiência, sendo que, nas palavras da AT, a mesma é dificilmente quantificável.

Surpreende-se, pois, no despacho reclamado que, efectivamente, a AT não procedeu à avaliação em concreto da idoneidade da garantia oferecida, sendo certo, repete-se, que nesse desiderato, não estava o órgão da execução fiscal impedido de solicitar os elementos, as informações e os dados necessários para tal.

Em face daquilo que fica dito, entendemos absolutamente pertinentes as considerações e análise feitas na sentença, sobre a avaliação dos bens dados em garantia, de modo a concluir-se “não ser admissível a recusa da garantia oferecida, pela Administração, sem que tal garantia seja concretamente avaliada (…) e comparada com o montante da garantia legalmente exigida”.

E aqui, já a finalizar, retomamos o aspecto acima apreciado sobre a circunstância de o despacho não fazer menção ao montante da garantia a prestar, fixada nos termos da lei. É que, evidentemente, no balanço entre o valor da garantia oferecida e o valor da garantia a prestar, interpõe-se um juízo de comparação, sendo, pois, necessário que, na posse do valor dos bens oferecidos em garantia, se possa confrontá-lo com o inicialmente fixado, para daí poder aferir (e controlar) a sua suficiência ou insuficiência, com necessidade de eventual reforço.

Face a todo o exposto, deve concluir-se pela improcedência de todas as conclusões da alegação de recurso, sendo, pois, de manter a sentença objecto do presente recurso jurisdicional, a qual, ao julgar ilegal o acto reclamado, anulando-o, decidiu em conformidade com o direito.

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)