Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:569/08.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/08/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL POR DÍVIDA RESULTANTE DA REALIZAÇÃO DE OBRAS COERCIVAS EM PRÉDIO DE QUE A OPONENTE É PROPRIETÁRIA.
Sumário:1) No caso de execução fiscal de acto determinativo do pagamento de dívida relativa à realização de obras coercivas por parte da Câmara Municipal de Lisboa em prédio de que a oponente é proprietária, a contestação da legitimidade ou da responsabilidade da oponente pela dívida exequenda constitui fundamento insusceptível de dirimir no âmbito da oposição à execução fiscal.
2) A dívida em exame não assume natureza fiscal, pelo que o regime da caducidade do direito à liquidação e o regime da prescrição aplicáveis não são os que resultam da LGT, mas antes os que decorrem do Código Civil.
3) A prescrição de juros de mora é de cinco anos e conta-se da data a partir da qual foram calculados e estão a ser exigidos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
MARIA ... interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença do TT de Lisboa de fls. 419 a 434 (rectificada por despachos de fls. 452 a 454 e 521 a 523) que, no âmbito da execução fiscal n.º ..., contra si instaurada por dívida relativa à realização de obras coercivas por parte da Câmara Municipal de Lisboa, no valor total de € 6.631,64, julgou a oposição deduzida apenas parcialmente procedente, declarando verificada a prescrição da dívida exequenda relativa a juros do período de 12/12/2001 a 16/01/2003, e improcedente quanto ao mais.
Nas alegações de recurso (fls. 458/479verso), a recorrente formula as conclusões seguintes:
«
I – No presente recurso está posto em causa ter o Tribunal a quo considerado as obras coercivas executadas pela Exequente com natureza proper rem das obrigações derivadas de despesas referentes à conservação e fruição das partes comuns de prédio em propriedade horizontal, cabendo tal obrigação sobre o sujeito que for titular da fracção, integrada no condomínio, no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que cabia efectuar.
II – Neste cenário, o Tribunal a quo decidiu ser a Recorrente a responsável pelo pagamento da execução das obras por à data ser proprietária das fracções K e Q.
III – Decidida esta questão, entendeu o Tribunal a quo que à dívida em causa era de aplicar o prazo mais longo da prescrição, os 20 anos previstos no preceituado do artigo 306º, do CC.
IV – A Recorrente não se pode conformar minimamente com a sentença recorrida, pois a mesma padece de evidentes erros de julgamento quanto à fixação da matéria de facto, com relevo para a decisão da causa, decorrentes de evidente incorrecta apreciação e aplicação dos meios de prova, quer por omissão da produção testemunhal e omissão de factos que deveriam ter sido considerados matéria julgada provada.
V – Sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova, previsto no disposto no artigo 411º do CPC, é por demais evidente que o Tribunal a quo não continha toda a factualidade necessária para a decisão sobre a matéria de facto e proferir a sentença final, resultando violado o disposto nos artigos 211º, 114º e 115º, do CPPT.
VI – Consequentemente, o Tribunal a quo fez errada aplicação dos meios de prova apresentados, o que levou à fixação de factos cuja prova não foi produzida nos autos.
VII – Ao invés, os autos contêm documentos que se o Tribunal a quo fizesse uma análise cuidada, uma interpretação correcta levaria a que desse por provados outros factos cuja fixação conduziria a sentença de teor diferente.
VIII – Ao Tribunal Central Administrativo é legítimo alterar e modificar a matéria de facto julgada provada, conforme previsto no artigo 662º, do CPC.
IX – Na sentença recorrida o Tribunal a quo deu como provado o ponto 5 da matéria instrutória do seguinte teor:
“Da caderneta predial do prédio identificado no ponto 1) emitida em 03/02/1997 consta que a Oponente residia na Av. ... nº 48-7º Dto. (cfr. fls. 224 a 247 dos autos)”.
X – Para fixação deste ponto o Tribunal a quo teve em conta o documento de fls. 224 a 247 dos autos que é uma fotocópia em substituição da caderneta predial do prédio, conferida em 03/02/1997, pelo Serviço de Finanças de Lisboa do ... Bairro Fiscal.
XI – Da análise desse documento não se pode extrair o teor do ponto 5 da matéria instrutória, concretamente, que da caderneta predial, emitida em 03/02/1997, consta que a Oponente residia na Av. ... nº 48,7º Dto.
XII – Por um lado, porque não é isto que os elementos apostos nesse documento (fls. 224 a 247 dos autos) dizem. E por outro,
XIII – Dos autos constam outros documentos que provam o contrário e que o Tribunal a quo omitiu, nomeadamente o documento junto com o nº 16, com a p.i. da Oposição, que é o cartão de contribuinte fiscal onde daí, sim, se extraiu que, em 03/05/1990, a Recorrente residia no concelho de Oeiras onde se manteve até 2004. Tendo o Tribunal a quo omitido este documento, resultou violado o disposto nos artigos, 114º, 115º e 211º, do CPPT.
XIV – Igualmente a Recorrente alegou e ofereceu prova testemunhal para fazer prova cabal dos locais onde residiu no período de 1987 à presente data. Porém, igualmente o Tribunal a quo omitiu a produção de prova, resultante do violado disposto nos artigos 114º e 115º, do CPPT e 411º, do CPC.
XV – Do documento de fls. 224 a 247 apenas é licito retirar que: em relação à fracção Q, os elementos nele apostos referentes à pessoa da Recorrente – nome, morada e local onde se formalizou a escritura de venda, foram averbados por aquele Serviço de Finanças no ano de 1988 e extraídos do documento de compra e venda exarada em 14/12/1987.
XVI – Deste documento não é possível retirar, como erradamente o fez o Tribunal a quo, que em 03/02/1997, a Oponente residia na Av. ... nº 48-7º Dto, por ausência de qualquer prova que o sustente.
XVII – Assim sendo, deve o facto julgado provado no ponto 5 da base instrutória ser eliminado e em seu lugar exarar outro do seguinte teor: “A Oponente de 1987 a finais da primavera de 1988, viveu na Av. ..., nº 48-7º Dto., do verão de 1998 a Março de 2004, residiu na Rua ..., nº 2-4º Esq., em Paço de Arcos, Oeiras e de Março de 2004 a Maio de 2005, na Av. ... nº 61-3º Esq., em Lisboa de Maio de 2005 à presente data, na Av. ... nº 59-7º, em Lisboa em virtude de resultar provada tal factualidade.
XVIII – Por outro lado, dos elementos constantes dos autos, nomeadamente a escritura de compra de 14/10/1987 (doc. fls. 11 a 15), se o Tribunal a quo tivesse feito uma correcta análise daquele documento, teria sido dado como provados e levados à matéria de facto, absolutamente necessária para a justa composição do litígio e da decisão final proferida.
XIX – Igualmente, sem prejuízo da livre apreciação da prova, é por demais evidente que deveria o Tribunal a quo levado à fixação da matéria de facto o seguinte: “Na escritura de 14/10/1997, a proprietária das fracções K e Q, Maria ..., declarou vendê-las, à Recorrente Maria ..., livres de ónus ou encargos”.
XX – Neste contexto, de posse de mais estes factos julgados provados, o Tribunal a quo teria decidido que a Recorrente é parte ilegítima na execução fiscal uma vez que as aludidas obras coercivas foram executadas à sua total revelia, desconhecendo as mesmas.
XXI – Resulta ainda de factualidade de documentos constantes dos autos (vd. doc. de fls. 61 a 133 do processo administrativo), que em 10/3 e 30/7, do ano de 1999, a Recorrente vendeu as fracções K e Q do referido prédio.
XXII – Pelo que, deve ser alterada a matéria de facto julgada provada e criado um novo facto do seguinte teor: “Em 10/03/1999 e 30/07/1999, a Recorrente vendeu as fracções Q e K, respectivamente”.
XXIII – A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 14..., nº 2, alínea a), 204º, do CPPT ao decidir, em contradição, que à exequente é legítimo recorrer-se do procedimento processual do CPPT para a cobrança coerciva da quantia exequenda e afastar a aplicação destas normas à Recorrente, nomeadamente, pondo em causa o recurso aos fundamentos da própria Oposição à execução previstos no artigo 204º, os quais foram invocados pela Recorrente.
XXIV – Aceitar o decidindo da sentença recorrida, que afastou a aplicação dos fundamentos da Oposição previstos no artigo 204º do CPPT – caducidade do direito à liquidação e recurso à prescrição – previstos na Lei Geral Tributária e aplicáveis à situação sub judice.
XXV – À luz do disposto na alínea i), do nº 1, do artigo 204º, do CPPT, tendo a sentença recorrida declarado que “dos autos não resultou provado que a Oponente tenha sido pessoalmente notificada da intimação, nem da deliberação de ocupação do prédio”, é por demais evidente que a dívida exequenda, acrescida de juros, não é exigível à Recorrente; quando muito será à proprietária Maria ..., que foi a pessoa a quem a intimação e deliberação de tomada de posse coerciva do prédio foi valida e regularmente notificada.
XXVI – Ao atribuir à Oponente o conhecimento da urgência da realização das obras e a execução coerciva das mesmas, em virtude de na escritura pública de 14/10/1987 ter declarado que residia numa e destinava outra a residência permanente, ou que da caderneta predial em 03/02/2007 vivia no prédio e não podia deixar de conhecer da necessidade da execução das obras e da tomada de posse coerciva do prédio, violou o disposto nos artigos 9º, 10º, 12º 165º e 166º do RGEU, já que não lhe foi dirigida qualquer notificação.
XXVII – A responsabilidade pelo pagamento de tais obras só pode ser reclamado à proprietária Maria ... pois só a ela foram tais obras validamente notificadas.
XXVIII – Efectivamente, como resulta da matéria da base instrutória, todo o processo que terminou na deliberação da execução das obras e tomada de posse coerciva do prédio para a execução das mesmas, foi feito pela via de contacto pessoal ou sob registo com aviso de recepção à sua legitima proprietária, a Maria ..., que é a responsável pelo pagamento das mesmas.
XXIX – Em resumo, da análise da matéria produzida não se retira qualquer fundamento em que assente a decisão recorrida para responsabilizar a Recorrente da obrigação do pagamento da divida exequenda acrescida de juros, impondo-se uma decisão inversa da proferida.
XXX – No mesmo sentido, a invocação das normas dos artigos 1430º, nº 1 e alínea i) do artigo 1436º, do CC, impunha que a sentença recorrida tomasse uma decisão diversa, devendo a Exequente exigir a divida ao próprio condomínio do prédio e não aos condóminos individualmente.
XXXI – Ao decidir em sentido contrário a sentença recorrida violou aqueles preceitos.
XXXII – Acresce ainda que, a sentença recorrida decidiu que a Recorrente, ao efectuar a compra das fracções K e Q, em 14/10/1987, adquiria também as obrigações de pagamento das obras em execução coerciva por as mesmas revestirem carácter ambulatório, acompanhando o bem a que se reportam. Neste ponto a sentença recorrida aderiu, na íntegra, aos fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/02/2006, processo nº 364/2006, do qual transcreveu várias passagens.
XXXIII – A tese defendida é que a obrigação de contribuir para as despesas devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal é uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da fracção integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que lhe cabia efectuar para realização das citadas obras.
XXXIV – Mais, caso entre a deliberação de realização as obras e a conclusão, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceder à venda da sua fracção, será o novo proprietário/condómino o responsável pela liquidação da parte do preço em virtude de esta obrigação ser propter rem, tendo como característica a ambulatoriedade.
XXXV – Com estes fundamentos a sentença recorrida atribuiu à recorrida a obrigação de pagar a quantia exequenda por ter adquirido as fracções K e Q, na altura da posse administrativa para execução das obras.
XXXVI – Porém, estes mesmos argumentos servem para sufragar a posição de não poder ser a Recorrente responsabilizada pelo pagamento da quantia em execução coerciva.
XXXVII – Efectivamente, se, como resulta da sentença recorrida, é responsável pelo pagamento da divida coerciva “aquele que for titular das fracções no momento em que haja lugar o pagamento do preço que cabia efectuar, então a Recorrente, de todo, não é responsável por esse pagamento.
XXXVIII – Sendo certo que a Exequente exigiu o pagamento aos demais condóminos em Dezembro de 2001 (vd. docs. fls. 113 a 122, juntos com a Contestação), nessa data a Recorrente já havia, também, vendido as fracções K e Q, em Março e Julho de 1999.
XXXIX – Este facto – transmissão das fracções no ano de 1999 – foi objecto de reclamação da matéria julgada provada, por omissão, uma vez que os autos contêm documento bastante para esse probatório.
XL – Veja-se que até perante o decidido, no acórdão invocado na sentença recorrida, aplica-se à situação da Recorrente, em que até o preço, também, foi exigido após a transmissão das fracções e no acórdão entendeu-se ser o último proprietário o responsável pelo pagamento das obras.
XLI – Pelo exposto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1424º, nº 1 do CC e 166º, do REGU, bem como errada aplicação da fundamentação invocada que deveria conduzir a uma decisão final diferente, decidindo-se pela ilegitimidade da Recorrente, quanto à divida em cobrança coerciva e julgando-se procedente e provada a Oposição.
XLII – No que respeita ao fundamento da Oposição, decidiu o Tribunal a quo que devido ao carácter da divida exequenda, fica afastado o disposto nos artigos 3º, nº 2 e 45º da LGT, aplicando-se as regras inscritas no Código Civil e não as previstas na LGT (29..., nº 2 e 32... a 333º do CC).
XLIII – Contudo, estas normas invocadas pela sentença recorrida, claramente não têm aplicação ao caso em apreciação. É que, é por demais evidente que, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto no nº 2 do artigo 29..., alínea d), nº 1, do artigo 204º, do CPPT, nº 2 do artigo 3º, nºs 1 e 4 do artigo 45º da LGT.
XLIV – A realidade é só esta: resultando provado nos autos que as obras terminaram em 11/05/1992, a partir desta data, a Exequente disponha do prazo de 5 anos para proceder à liquidação da quantia coerciva em cobrança e validamente proceder à notificação da mesma.
XLV – Como também vem provado, quer o procedimento administrativo conducente à obrigação, quer o executivo, a Recorrente nunca recebeu qualquer notificação, a não ser a da citação para o processo executivo, iniciado à data de 16/1/2008.
XLVI – Contado o prazo de 5 anos, com inicio em 11/5/1992, esse prazo encontra-se esgotado a 12/5/1997. Todavia, no decurso deste período, nem a Exequente procedeu à liquidação, nem comunicou validamente.
XLVII – Ora, pela própria natureza do acto administrativo em causa, que mais não é do que uma imposição unilateral da Exequente, enquanto entidade colectiva de direito público, ao proprietário do bem imóvel em que lhe são impostos verdadeiros actos administrativos – a deliberação da realização das obras e a deliberação da tomada de posse coerciva do prédio para execução das obras.
XLVIII – Pelo que, afastar as normas da LGT e CPPT para aplicar as normas contidas no direito substantivo – artigos 1421º, nº 1 e 1424º do CC, quando na realidade estamos perante uma imposição unilateral de uma entidade pública, não andou bem a sentença recorrida.
XLIX – Manifestamente, estes actos administrativos de imposição de realização de obras coercivas, nada têm em comum com o que se passa perante uma assembleia de condóminos, em que, aí sim, a obrigação nasce quando o conjunto dos condóminos, reunidos, deliberam fazer, ou não fazer, as obras mediante um orçamento.
L – Neste contexto, ficaria totalmente desprovida de legitimidade afastar as regras próprias de garantias dos sujeitos respeitante à caducidade da liquidação e à prescrição do direito ao pagamento da quantia exequenda, prevista nos artigos 45º e 4..., da LGT.
LI – Dúvida não pode existir que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 29..., nº 2 e seguintes do Código Civil, artigo 33º, nº 1, do Código de Procedimento Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23/4, por aplicação conjugada do nº 5, artigo 5º, do Decreto-Lei nº 39.../98, de 17/12, que aprovou o CPPT, e ainda o artigo 297º, nº 1 do CC.
LII – Ainda quanto à prescrição da divida exequenda, igualmente, é entendimento da sentença recorrida que não tem aplicação o prazo de 10 anos (à época 8 anos) previsto no artigo 4... da LGT, pelo facto de a divida accionada pela Câmara Municipal de Lisboa ser feita pela via do processo de execução fiscal não altera o seu regime substantivo, sendo de se aplicar o regime prescricional ordinário de 20 anos, contido no artigo 309º do CC.
LIII – E sem fundamentar a data, ou mesmo o momento em que nasceu a divida exequenda, ou o momento em que a mesma poderia ser exigida, determinou que, a sentença recorrida com a instauração da acção fiscal, em 16/1/2008, o prazo de prescrição da divida exequenda ficou suspensa.
LIV – Ora, chegados a esta questão, da verificação, ou não verificação, do decurso do prazo de prescrição, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 204º, nº 1, alínea a) do CPPT, artigo 34º do Código de Processo Tributário, aprovado com o Decreto-Lei nº 154/91, de 23/4, conjugado com o disposto no artigo 5º, nº 5, do Decreto-Lei 398/98, de 17/12, que aprovou o actual CPPT e, ainda, o artigo 199º do CC, artigo 1º, alínea c) do CPPT.
LV – Nesta situação, não podemos deixar de dizer que, independentemente da natureza da divida, para proceder à liquidação da divida, subsequente notificação ao sujeito por ela responsável e para aceder ao processo de cobrança coerciva da mesma, a Exequente, na qualidade de entidade colectiva de direito público, necessariamente, tem de fazer uso do regime jurídico do CPPT e da LGT, como já referido, a versão actual já que o anterior Código de Procedimento Tributário, em vigor à época dos factos foi substituído pela versão actual aprovada pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26/10 e da Lei Geral Tributária, também na versão actual.
LVI – O recurso à aplicação destes normativos não faz a distinção da natureza ou carácter dos tributos, sejam, impostos, taxas, preços, …., de forma pacífica, é aceite na doutrina e jurisprudência.
LVII – Neste campo, a doutrina e jurisprudência são abundantes e todas vão no sentido que é nestes normativos que se encontra a regulação das situações jurídicas, não sendo possível, nesta matéria, aceitar a tese de quem busca no Código Civil a solução para certas faltas de normação em matéria de prescrição tributária quando confrontados, quer com o regime estipulado relativamente a outros elementos do tributo, quer com o regime de prescrição de direitos estipulados naquele diploma substantivo – neste sentido decidiu o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 4/2015, publicado no diário da República nº 108/2015, de 4/6.
LVIII – Repare-se que, este acórdão vai mais longe e defende que todos os pressupostos constitutivos da prescrição, nomeadamente no que respeita à fixação do seu prazo, o início do seu curso, têm de constar da Lei da Assembleia da República (ou Decreto-Lei emitido sob sua autorização), sendo inadmissível a sua aplicação analógica ou o apelo às regras contidas noutro tipo de diplomas legais para a sua determinação. Razão por que, só quanto a aspectos da prescrição que não encontrem especial regulação na Lei Geral Tributária podem ter aplicação subsidiária as disposições do Código Civil com as necessárias adaptações.
LIX – Este acórdão vai mais longe e admite, sem dogmas, a interpretação extensiva da norma contida no artigo 48º da LGT.
LX – Ora, o percurso que a sentença recorrida fez, foi precisamente o oposto, afastou, peremptoriamente, a aplicação dos normativos da LGT, quer a nível da caducidade do direito à liquidação, quer quanto à prescrição da divida exequenda, aplicando apenas as normas da lei substantiva, mormente, recorrendo ao prazo mais longo, quando existe prazos mais curtos no próprio Código Civil.
LXI – A sentença recorrida teria seguido um bom caminho se não tivesse afastado as normas da caducidade e da prescrição da divida em cobrança coerciva.
LXII – Na verdade, resultando fundamentado e provado que a Recorrente só tomou conhecimento, da quantia em cobrança, com a citação para a execução, ocorrida após a data de 16/01/2008, e tendo em consideração a data de 12/05/1992, momento a partir do qual estava ao alcance da Exequente proceder à liquidação dos encargos, o prazo previsto no artigo 48º da LGT, já há muito tempo que estava esgotada e verificada a prescrição da divida exequenda, pelo que se impunha uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.
LXIII – Ainda assim, analisemos o caminho trilhado pela sentença recorrida que fixou a natureza da dívida exequenda subsumível do direito substantivo, em particular nos artigos 1421º, nº 1 e 1424º do Código Civil e, verifiquemos se está, ou não, decorrido o prazo de prescrição da divida em cobrança coerciva.
LXIV – A sentença recorrida decidiu que não existe qualquer normativo que estipule prazo especial, devendo aplicar-se plenamente o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, preceituado no artigo 309º CC.
LXV – Sem se debruçar sobre o início da contagem do prazo da prescrição, a sentença recorrida limitou-se a invocar a data da instauração da acção de execução, 16/01/2008, para concluir que, naquele momento ocorreu a interrupção da prescrição, não se encontrando, por esse motivo, atingido o decurso do prazo de prescrição fixado naquele artigo 309º do CC, prazo de 20 anos.
LXVI – Todavia, julgamos que mais uma vez a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação dos normativos legais uma vez que, pese embora a carácter da obrigação em causa atribuída pelo Tribunal a quo à quantia exequenda, a natureza dessa obrigação condominal é enquadrável, não no artigo 309º do CC, mas na alínea g) do artigo 310º, do CC, na medida em que o carácter da obrigação em causa fica integrada neste normativo que estipula prazo de prescrição de 5 anos.
LXVII – Neste mesmo sentido, decidiram os acórdãos da Relação de Coimbra de 14/01/2006 e da Relação de Lisboa de 22/04/2010, disponíveis em www.dgr.pt, onde é citada abundante jurisprudência e doutrina.
LXVIII – Por exemplo, no referido acórdão da Relação de Coimbra defende- se que as obrigações reais não ambulatórias, como é o caso das prestações vencidas das despesas de condomínio e de conservação do imóvel, autonomizam-se quando se verificam os respectivos pressupostos e seguem o regime geral das relações obrigacionais. Ou seja, desde o momento em que se venceram, as prestações das aludidas despesas desligaram-se do direito real que esteve na sua génese, cortaram os laços com o direito das coisas e passaram a reger-se exclusivamente pelo direito das obrigações. Por isso, (…) não encontramos razão para que à obrigação do condómino de pagar as despesas de condomínio e conservação do imóvel já vencidas se não aplique o regime da prescrição.
Aquelas despesas integram prestações periodicamente renováveis, pelo que o respectivo prazo de prescrição é de cinco anos [artº 310º, al. g) do Cód. Civil].”
LXIX – E no Acórdão da Relação de Lisboa de 22/04/2010, “entendeu-se ser necessário saber se as prestações condominiais estão sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artigo 310º, alínea g), ou ao prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309º, CC e, concluiu que “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424.º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424.º e 1431.º.
Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - alínea g) do artigo 310.º (…).
No mesmo sentido se pronunciou Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, Almedina, 3ª edição, pg. 267; o acórdão do STJ, de 2001.07.05, citado por Aragão Seia, loc. cit., e o acórdão da Relação de Coimbra, de 2006.11.14, Artur Dias, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 3948/04.0TBAVR.C1.
A tal não obsta nem a destinação das verbas em causa (…)”.
Quanto às obrigações reais verdadeiras e próprias, ou seja, à ditas ambulatórias, não custa aceitar que não será por não ter pago as despesas de condomínio e de conservação do imóvel durante um determinado período de tempo que essa obrigação, em si mesma, se extingue. Ou, no exemplo dado por Luis A. Carvalho Fernandes [Obra citada, pág. 155], não será devido ao incumprimento, durante determinado período de tempo, da obrigação real do proprietário de fazer as obras necessárias a evitar o gotejamento sobre o prédio vizinho que tal obrigação se extingue por prescrição, antes subsistindo até se constituir, por usucapião, a correspondente servidão de estilicídio.”
LXX – Em sequência, por tudo o explanado, a sentença recorrida andou mal ao não ter aplicado ao caso em apreciação o prazo de prescrição de 5 anos da alínea g) do artigo 310º, do CC, ainda que por interpretação extensiva cujo decurso do prazo já há muito que se encontrava decorrido, pelo que resultou violado as normas dos artigos 1424º, 1431 e a alínea g) do artigo 310º, do CC.
LXXI – Finalmente, e no que respeita à questão da prescrição dos juros contabilizados na certidão de divida, decidiu a sentença recorrida que os juros reclamados pela Exequente enquadram-se na alínea g) do artigo 310º, do CC, cujo prazo de prescrição é de 5 anos. E, atribuindo o início da prescrição à data de 12/12/2001, dada a partir da qual foram contabilizados e exigidos, encontra-se prescritos até à data de 16/01/2008.
LXXII – Todavia, a Recorrente não adere a esta decisão da sentença recorrida na medida em que resulta do probatório que a divida em causa reporta-se à data de 11/12/2001, momento em que a Exequente a exige aos proprietários. Contudo, em parte alguma do probatório resulta julgada provada que a divida em causa é devida à data de 11/12/2001. O que nesse probatório se retira, é que a Exequente quando extraiu a certidão da divida em cobrança coerciva contabilizou os juros, desde a data de 11/12/2001. Porém, do probatório o que se retira é que a Recorrente nunca foi chamada ao processo administrativo tendo tido conhecimento da divida em cobrança apenas quando teve lugar a citação, que se efectuou após o inicio da acção fiscal, que teve lugar em 16/01/2008.
LXXIII – Perante este considerando, é manifesto que a obrigação do pagamento de juros só nasce após a interpelação para pagamento e o devedor entra em mora, sendo que este só entra em mora após validamente interpelado para cumprir judicial ou extrajudicalmente, conforme estatui o artigo 805º, nº 1, do CC, tendo resultado violado também este preceito legal.
Assim sendo, considerando-se que a Recorrente foi citada para este processo fiscal após a data de 16/01/2008, só são devidos juros a partir da data em que se considere citada, não fazendo sentido declarar a prescrição dos juros de 12/12/2001 a 16/01/2008, como o fez a sentença recorrida, quando não são devidos quaisquer juros até essa data.»

X

A Representante da Fazenda Pública nomeada pela Câmara Municipal de Lisboa apresentou as alegações de fls 487 a 518verso, aí se identificando como “Recorrido”, e nas quais formulou as sequentes conclusões:

«
i. O art. 636.º, do CPC, ex vi da al. e), do art. 2.º, do CPPT, permite ao Recorrido, na respetiva alegação, arguir a nulidade da decisão recorrida, bem como, a impugnação da mesma, quanto a pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente;
ii.  Nos presentes autos foi alegada, pelo Recorrido, questão que a douta Sentença proferida nos autos não apreciou, como deveria, incorrendo em nulidade nos termos do n.º 1, do art. 125.º, co CPPT;
iii. A Oponente/Recorrente é a executada identificada no título executivo que deu origem à execução (certidão de dívida n.º 1848762, constante da matéria de facto), do qual igualmente consta que a dívida exequenda respeita ao período correspondente ao final das obras realizadas pelo município e cuja cobrança (parcial e coerciva) está em causa, no qual a Executada era a proprietária das frações K e Q. É, assim, parte legítima na execução;
iv. Se a Recorrente, aquando da notificação para proceder ao pagamento voluntário da dívida, tivesse algo a obstar ao mesmo – nomeadamente alegando não ser a responsável pelo pagamento – deveria tê-lo feito pelos meios processuais adequados e ao seu dispor (cfr. recurso contencioso/ação administrativa especial); a Oposição à execução fiscal não é o meio processual adequado para a discussão da legalidade da dívida;
v. Assim sendo, tendo em conta tais elementos, constantes dos autos e a previsão da al. b), do n.º 1, do art. 204.º, do CPPT, concretamente, a apreciação da legitimidade que, no mesmo, é admitida, o alegado pela Oponente/Recorrente, nos autos, a coberto daquela norma, consubstancia, não a arguição de ilegitimidade, mas a discussão da legalidade da dívida exequenda, em termos que o legislador considerou, em princípio, serem de excluir – neste sentido, vd. o douto Acórdão do STA de 05/06/2002 (Proc. 26298[1]);
vi.  A descrita questão, defendida nos autos, nomeadamente nas Alegações elaboradas ao abrigo do art. 120.º, do CPPT, não foi apreciada pela douta Sentença proferida nos mesmos, a qual igualmente não explicitou as razões pelas quais, eventualmente, considerou não ter de a conhecer; tal omissão consubstancia nulidade da sentença, nos termos do n.º 1, do art. 125.º, do CPPT, o que se argui para todos os efeitos;
vii. Para além da arguida nulidade e ainda em sede de ampliação do objeto do Recurso, considera o Recorrido existirem omissões e incorreções na matéria de facto provada, que importa corrigir a aditar, concretamente:
a. Ao ponto 1) da matéria de facto, deverá ser aditada a referência ao facto de as obras intimadas e descritas no auto de vistoria juntos aos autos respeitarem a partes comuns do prédio (conforme resulta, designadamente, da cópia certificada do processo de intimação, apensa – fls. 18 a 19 e 6, da certidão - e, bem assim, no doc. 1, da Contestação), porquanto, como consta dos autos, o facto de as obras realizadas pelo município incidirem sobre partes comuns do prédio é determinante, tanto das questões em juízo e sua disciplina jurídica, quanto do próprio sentido da decisão;
b. No ponto 2 da matéria de facto, deverá ser expressamente referido que a identificada contrafé intimou a proprietária e administradora, Maria ..., para que sejam mencionados os precisos termos da intimação e porque ambas as qualidades resultam provadas nos autos, por acordo e documentos (cfr. doc. 1, da Petição Inicial, fls. 13 e 17 da certidão do processo de intimação, apenso e fls. 1 e 4 do doc. 2 da Contestação);
c. No ponto 7) da matéria de facto é incorretamente identificada a data do ofício (...26/05/1998...), já que do confronto com fls. 33 da certidão e com o doc.4, fls. 5, da Contestação, a data aposta naquele ofício é «1988.Maio.29», devendo aquela menção deverá ser corrigida, de forma a que conste, dos factos provados: Por ofício com a referência 2284 49/4.OR/88 de 26/05/1988 (...);
d. No ponto 8) dos factos assentes, a identificação da contrafé de intimação do Administrador do condomínio do identificado prédio está incorreta, pois refere a (...) n.º 1326 de 22 de Maio de 1987 (cfr. fls. 32 e 35...) e, a dirigida àquele, e mencionada no ofício, é a (...) contrafé nº.1322 de 22 de Maio de 1987, requerendo-se tal retificação;
e. Nos pontos 14 e 15 do elenco da matéria de facto provada, para correta identificação da certidão de dívida, deverá ser aditada a referência, na mesma, à identificação da executada e ao período da dívida exequenda, Maio de 1992 (05/1992), correspondente ao final das obras identificadas nos autos, porquanto, tais elementos resultam do teor da certidão (cfr. fls. 2, da certidão do PEF, apensa) e são determinantes para a correta apreciação da questão da legitimidade, e da admissão da discussão da mesma nestes autos, como se esclareceu em sede de arguição de nulidade;
f. Deverá, ademais, ser aditado à matéria de facto que Os procedimentos de intimação, execução e cobrança voluntária das obras cujo pagamento coercivo é questionado nos autos e bem assim, os correlativos actos administrativos, não foram objeto de qualquer ação judicial (cfr. o despacho de fls. 334, IV e o requerimento do Exequente de 18 de Fevereiro de 2014, notificado à Oponente), facto que importa para a apreciação da admissibilidade dos fundamentos invocados nos autos;
viii. Relativamente à eliminação do ponto 5) da matéria de facto assente, pretendida pela Recorrente, não se vislumbra o alcance de tal pretensão, pois, não só aquele ponto não contém o conteúdo afirmado pela Recorrente, como ademais identifica o documento a que se refere (junto pela Recorrente, aliás) e especifica o seu efetivo conteúdo, ao invés do afirmado pela Recorrente na fundamentação da impugnação que desenvolve;
ix. Aliás, face à matéria suscetível de discussão nestes autos (a cobrança coerciva de parte do custo da obra realizada pelo Município em partes comuns do prédio sito na Av. ..., n.º 48) e tal como sempre se defendeu nos autos, não se mostra necessário questionar se a Recorrente residiu na fracção Q, daquele mesmo prédio, na data referida no ponto 5), da douta Sentença;
x. Importaria, para as questões analisadas na douta Sentença, indagar se a Recorrente era a proprietária das frações Q e K, no período a que respeita a dívida, correspondente à execução da obra pelo município e, concretamente, quando a mesma terminou (Maio de 1992), facto que resulta assente e a Recorrente, aliás, não contesta, e nunca contestou;
xi. O procedimento, e os actos administrativos que antecederam a cobrança daquele custo - notificada à Recorrente pelo ofício 34987/DR/DCEF/01 - não são susceptíveis de apreciação nestes autos, ou em sede de Oposição à Execução Fiscal e, aquela notificação, que lhe foi dirigida e se concretizou, tal como foi demonstrado nos autos e resultou provado, em 12 dos factos elencados na douta Sentença - que a Recorrente não impugnou no presente - produziu os seus efeitos, nomeadamente no que respeita ao decurso dos prazos, de pagamento e de impugnação administrativa da cobrança propriamente dita. Naquele momento, caso a Recorrente não concordasse com o teor de tal notificação, nomeadamente pretendendo questionar o montante exigido ou a sua responsabilidade pelo pagamento (assim questionando a legalidade da dívida), poderia tê-lo feito, pelos meios e nos prazos adequados para tal efeito. Não o tendo feito, a verdade é que tais alegações – v.g., a discussão que pretende desenvolver nestes autos - não são apreciáveis na presente sede, cujo elenco de fundamentos se encontra taxativamente delimitado pelo legislador, no art. 204.º, do CPPT;
xii. Não obstante e sem conceder, a Sentença recorrida optou por apreciar a alegada falta de notificação à Recorrente da intimação e da posse administrativa do prédio a coberto da exigibilidade da dívida exequenda, considerando (e, em tal perspectiva, bem) regularmente efectuadas tais notificações, nas pessoas, da administradora do condomínio e proprietária das frações (que a Recorrente veio a adquirir, por compra, em 14/10/1987) e, posteriormente, daquela e, também, de outro administrador do condomínio, pois, tal como se encontra documentado nos autos – e a Recorrente, aliás, nunca questionou – as obras intimadas e coercivamente executadas pelo Município respeitam a partes comuns do prédio identificado nos autos;
xiii. Para a Recorrente, o facto de não ter ficado provado nos autos a sua notificação pessoal, da intimação e da deliberação de posse administrativa do prédio, determinaria a sua ilegitimidade (na ótica de falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda), todavia, tendo a Sentença declarado, inclusivamente, que a Recorrente não foi pessoalmente notificada daqueles actos – facto que a mesma parece pretender provar mediante remissão para as suas múltiplas e aparentes alterações de domicílio –, nem se vislumbra a razão de a mesma questionar as alusões, na Sentença, às suas alterações de residência/domicílio (por referência a documentos que juntou aos autos, e defendendo que a mesma errou, por não inquirir testemunhas para prova de tais alegações, que em bom rigor não importavam para a apreciação das questões a julgar);
xiv. A Sentença recorrida não considerou relevante questionar, ou firmar, a residência da Recorrente em cada um dos momentos que a mesma pretende trazer aos autos (e aditar aos factos provados), pois o elemento determinante da sua responsabilidade foi, como sempre se defendeu nos autos, o facto de ser proprietária das frações K e Q, do prédio sito na Av. ..., n.º 48, desde 14/10/1987 - logo, em momento anterior à própria notificação da posse administrativa para execução das obras, concretizada no administrador do condomínio em 26/05/1988 – e durante toda a execução da obra, em partes comuns do prédio, pelo Município, logo tendo sido a beneficiária de tal intervenção coerciva (na proporção das quotas correspondentes às suas frações); e, não obstante, a Sentença refere os domicílios da Recorrente que considerou provados nos autos (cfr., 3, 4 e 17 a 19 dos factos provados, bem como, a referência em 5, se bem que não com o conteúdo, ou alcance referidos – e impugnados – pela Recorrente);
xv. Mesmo a alegação, tardiamente apresentada pela Recorrente nos autos e sem que em momento algum tenha junto qualquer elemento de prova, referente à alegada venda das frações, a que terá procedido em 1999, não assume efetivo relevo no apuramento daquela responsabilidade, de pagamento do custo das obras realizadas no identificado prédio, já que não afasta o facto determinante para a decisão: a aquisição das frações pela Recorrente, é certo que posteriormente à intimação inicial para execução das obras, mas posteriormente, quer à notificação da decisão de posse administrativa (regularmente concretizada no administrador do condomínio), quer à execução da obra, que terminou em 1992, muito antes daquela alegada venda (1999) e tendo beneficiado e usufruído da mesma, pois, apenas a Recorrente (nem que seja pela óbvia, e manifesta, valorização do seu património);
xvi. Como refere a Recorrente, o Tribunal dispõe de livre arbítrio na apreciação da prova (e na aplicação do direito aos factos que considerou provados), sendo certo que o TTL usou aquele, acertadamente, para seleccionar os factos, provados e que assumiam efetivo relevo nas questões que se propunha julgar. As sucessivas e pretensas alterações de domicílio da Recorrente, que a mesma alega e pretende aditar, para além de não se encontrarem provadas nos autos, não assumem o relevo que a mesma lhes pretende imprimir;
xvii. O Tribunal, ao definir o elenco de factos e concretamente ao elencar nos mesmos o ponto 5) da matéria provada, não incorreu em erro, tendo identificado o conteúdo de documento oficial, tal como o mesmo se demonstra nos autos, sendo certo que tal documento, aliás, foi junto pela Recorrente, em 03/11/2008 (cfr., fls. 224 e ss);
xviii. Ademais, o Tribunal não omitiu a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente, como a mesma alega em 23 das suas Alegações; ao invés, o Tribunal considerou que a mesma – face aos factos que a Oponente pretendia provar com a inquirição, tal como esclarecidos no requerimento de fls. 323, era de indeferir, por os autos já conterem todos os elementos para uma apreciação de mérito (cfr. despacho de fls. 343 ) – agindo, pois, em pleno cumprimento do art. 211.º do CPPT;
xix. Ao invés, na composição do presente litígio, o Tribunal lançou mão, variadas vezes, desse mesmo princípio (do inquisitório) - vd., os despachos que determinaram, a junção aos autos de cópia do processo de intimação (fls. 402) e indagaram a existência de acção judicial respeitante ao mesmo, e aos actos que antecederam a cobrança do custo da obra (fls. 334, IV e 338), Simplesmente, exercido aquele poder/dever, de conformação dos autos, concluiu em sentido diverso do pretendido pela ora Recorrente, sem que todavia, tenha incorrido nos erros que a mesma invoca;
xx. Quanto ao aditamento referido no ponto ii) das Alegações, na parte respeitante à matéria de facto, identicamente não se alcança a utilidade do mesmo, pois o mesmo, ainda que existisse (sendo certo que é manifestamente desnecessário para a decisão das questões em juízo), não assumiria nem o relevo, nem a consequência, pretendidos pela Recorrente;
xxi. A menção efetivamente constante da escritura de compra e venda que outorgou em 14/10/1987, livre de encargos (cfr. fls 12 dos autos) e pretendida aditar, pela Recorrente, sem que a mesma esclareça com que fim e para que efeito, como deveria, não é suscetível de produzir quaisquer efeitos, quanto ao sentido do decidido, pois, pretendessem as outorgantes, na escritura, concretizar um acordo de assunção, pela vendedora, da responsabilidade pelo pagamento das obras, para o mesmo operar tais efeitos, teria que ser expressamente mencionado no texto da escritura e, ainda assim, para ser eficaz perante o credor, teria o mesmo que intervir, aceitando os termos do acordo, sem o que, se estaria perante uma obrigação solidária (cfr., o regime da assunção de dívida – art. 595.º, do CCivil);
xxii. A referida expressão, que a Recorrente denomina declaração, inserta na identificada escritura pública não tem qualquer relação com dívidas como a ora em crise e, ao tempo de tal transmissão, nem sequer tinha ocorrido ainda, sequer, a notificação da deliberação que determinou a ocupação do prédio com vista à realização da obra, nem tinham sido iniciadas as obras;
xxiii. Não importa à determinação de tal responsabilidade, atenta a natureza das obrigações aqui em causa, o facto de as frações K e Q terem sido adquiridas pela oponente livres de encargos, uma vez que, com tal aquisição, adquiriu igualmente as referidas obrigações, por as mesmas, atenta a respectiva natureza (obras realizadas pelo município, em partes comuns do prédio e em substituição, in casu, dos condóminos do mesmo), serem da responsabilidade da Recorrente, adquirente daquelas frações e proprietária das mesmas no momento que importa para a responsabilização pelo pagamento da dívida: o da execução da obra, tal como menciona o título executivo, que expressamente identifica o final da obra (Maio de 1992), como o período a que respeita a dívida exequenda, como se viu;
xxiv. Ademais, na data em que a Oponente adquiriu as frações, ainda as obras não haviam sequer sido iniciadas;
xxv. Relativamente à pretensão de aditar à matéria de facto que a Recorrente, em 1990, residia na Comarca de Oeiras, não só não resulta devidamente provada, como não se vislumbra que utilidade poderia ter, para a apreciação das questões que importa conhecer nos autos, o facto de a Recorrente residir em determinado local, naquele ano;
xxvi. É certo que a obra cujo pagamento coercivo está em causa foi concretizada por intermédio de duas empreitadas, realizadas entre 06/05/1990 e 27/07/1992 – 11) dos factos provados, na douta Sentença – contudo, a eventual residência da Recorrente em distinto local não altera o facto determinante para a decisão: a propriedade das frações durante aquele período e, essa, a Recorrente não contesta (nem poderia, aliás);
xxvii.  Inexistia qualquer obrigação do município de a notificar pessoalmente da ocupação do prédio com vista à realização das obras, pois respeitando as mesmas a partes comuns do prédio, tinha que ser notificado, como foi, o administrador do condomínio;
xxviii. Quanto ao ponto iv) da pretendida alteração da matéria de facto, de igual modo não assume, para a decisão das questões em juízo, o relevo pretendido pela Recorrente; aliás, apenas veio invocar a transmissão já na pendência destes autos e em termos indeterminados e imprecisos. Ademais, a douta Sentença considerou a Recorrente parte legítima por ser a proprietária das frações durante a execução das obras (recorda-se, a Recorrente adquiriu as frações após a intimação para realização das obras, mas em momento anterior à notificação, ao condomínio[2], da decisão de posse administrativa do prédio, com vista à realização coerciva das mesmas, tendo ademais mantido a propriedade das frações durante todo o período de execução das obras - empreitadas de 06/05/1989 a 18/10/1990 e de 27/07/1990 a 11/05/1992), apenas invocando, tardia e precariamente, a alegada venda das mesmas em 1999, logo, muito após a conclusão da última das empreitadas e, assim, sendo a manifesta (e única) beneficiária da intervenção do município, relativamente àquelas frações;
xxix. A douta Sentença proferida nos autos assinala como determinante para o sentido da decisão o facto de a Recorrente ter sido a proprietária das frações durante a realização das obras cujo pagamento coercivo está em causa, das quais foi, pois, a beneficiária, logo, a fundamentação que elege está em consonância com tal apreciação, e com o sentido da decisão:,
xxx. A Recorrente, na parte das Alegações que dedica à demonstração das razões pelas quais defende dever a Sentença recorrida ser revogada, principia por declarar não aceitar que a douta Decisão, por um lado, considere aplicável à cobrança coerciva da dívida exequenda o processo de execução fiscal e, por outro, sujeite a dívida exequenda à sua disciplina jurídica própria, delimitada pela sua natureza; ao invés, bem andou a douta Decisão sub judice – no mesmo sentido, vd. o douto Acórdão do TCAS, proferido em 23/30/2017;
xxxi. Para a Recorrente, o facto de ter sido considerado provado que a intimação para realização voluntária das obras foi regular e validamente concretizada na pessoa da então proprietária (em 26/05/1987), ditaria decisão diversa da proferida, invocando para o efeito o art. 166.º do RGEU, que afirma ter sido violado pelo decidido, pois aquela norma dita a notificação do proprietário, realidade que, como resulta dos autos, foi cumprida, pois não só foi notificada/intimada a proprietária das fracções Q e K, como os administradores do condomínio, já que as deficiências detetadas e para cuja correção foi concretizada a intimação, respeitavam a partes comuns do identificado prédio;
xxxii. Não ocorreu, pois, qualquer violação do art. 166.º do RGEU e, ao invés do defendido pela Recorrente, não foi determinante para a sua responsabilidade no pagamento da dívida a notificação da intimação, mas sim, não só o facto de, se tratarem de obras respeitantes a partes comuns do prédio, de a mesma ter adquirido as identificadas frações antes da notificação da posse administrativa, ao condomínio e, principalmente, por ter sido proprietária durante todo o período de execução das obras (acrescenta-se, e assim se ter mantido, ao longo de anos);
xxxiii. Os arts 1430.º, n.º 1 e 1436.º, i), ambos de CCivil, mencionados na douta Sentença, determinam a natureza da dívida e, bem assim, a responsabilidade da Recorrente, já que o condomínio é, na verdade, constituído pelos diferentes condóminos e representado, perante terceiros, pelo administrador, como decorre do regime da propriedade horizontal, definido nos arts. 1414.º e ss do CCivil, improcedendo por completo o erro que procura imputar à Sentença recorrida, por referência a uma alegada violação daquelas normas, que não ocorreu;
xxxiv.  Foi a Recorrente, enquanto proprietária das frações K e Q do prédio sito na Av. ..., n.º 48, durante a realização das obras, a beneficiária daquela intervenção, do Município e nas partes comuns do mesmo, sendo a responsável pelo seu pagamento, proporcionalmente àquelas mesmas frações, não tendo a douta Sentença proferida nos autos incorrido, pois, nas apontadas violações dos arts. 148.º, n.º 2, a), do CPPT, 166.º, do RGEU e 411.º, do CPC e improcedendo por completo o alegado em 51 a 65 das Alegações de Recurso;
xxxv. A Sentença objeto do presente invoca a jurisprudência de Acórdão que a Recorrente defende dever conduzir em sentido diverso do acolhido a final, porém, importa apreciar e aplicar as normas ao circunstancialismo de facto respeitante a cada caso concreto; observadas as razões de facto e direito que determinam as diferenças do decidido a final, conclui-se que ambas as decisões consideram responsável o proprietário que tenha sido beneficiado pelas obras, assim definindo o efeito e o alcance da ambulatoriedade característica de tais obrigações, que também referem;
xxxvi. Vertendo a fundamentação da jurisprudência acolhida para os factos apurados nos autos, só pode considerar-se, em linha com a decisão proferida, que, tendo as obras decorrido, no total, entre 06/05/1989 e 11/05/1992 e, tendo a Recorrente adquirido as frações em 14/10/1987, mesmo perante a posterior venda a terceiros que só agora vem invocar nos autos (sem que a identifique ou concretize de qualquer modo) e que terá ocorrido em 1999, sete anos após a conclusão daquelas obras, concluir-se inexoravelmente ter sido a mesma, no que respeita às frações Q e K do identificado prédio, a única beneficiária da intervenção do município (tanto quanto à fruição das obras propriamente ditas, quanto à valorização do seu património, decorrente daquelas) e, logo, a responsável pelo pagamento das obras, na proporção das suas quotas;
xxxvii.  A douta Sentença recorrida aplicou as normas que invocou e a jurisprudência que tomou em consideração, à concreta situação de facto apurada nos autos e ao circunstancialismo que rodeou a mesma, constante do processo, não padecendo dos erros que a Recorrente afirma em 75 das Alegações e, concretamente, não violando o art. 1424.º, n.º 1, do CCivil, nem o 166.º do RGEU;
xxxviii. Ademais, a Oponente, como se referiu, no momento em que foi notificada para proceder ao pagamento, nada veio responder, nomeadamente não tendo questionado judicialmente tal acto/notificação, como poderia, caso considerasse padecerem de vício ou irregularidade; não o tendo feito, assumiu como sua a responsabilidade pelo pagamento da parte da dívida respeitante às frações de sua propriedade, então e na execução fiscal entretanto instaurada para pagamento coercivo de tal dívida, na qual é, manifestamente, parte legítima;
xxxix. Como se aflorou, bem andou a douta Decisão em crise, quanto decidiu serem aplicáveis, à divida exequenda, os regimes gerais da prescrição e da caducidade, apoiando-se na natureza jurídica daquela e no facto de o regime aplicável à cobrança coerciva da mesma não implicar qualquer alteração daqueles regimes (cfr., arts. 166.º do RGEU, 155.º, do CPA e 148.º, do CPPT);
xl. Facto assente e determinante na apreciação de tal questão (como aliás, das demais): a dívida exequenda não é tributária, antes revestindo natureza obrigacional, de restituição ao município de montante pelo mesmo despendido na execução de obras por conta dos proprietários, no exercício de atribuições, competências e poderes próprios – cfr., o douto Acórdão do STA de 19/02/2003, proferido no Proc. n.º 047636;
xli. Dando por assente o regime jurídico da cobrança em apreço, que supra se descreveu, e tal como a Recorrente admite, a execução fiscal objecto da oposição teve origem na falta de pagamento, por aquela, de uma despesa (do município) que por seu turno teve origem em acto administrativo, determinado pela sua intervenção, em substituição dos proprietários/condóminos do prédio, ao abrigo do art. 166.º do RGEU;
xlii. Como determina ab initio o já citado art. 166.º do RGEU, não ocorrendo o pagamento voluntário das despesas resultantes das obras executadas ao abrigo do mesmo, proceder-se-á à sua cobrança coerciva, servindo de título executivo certidão passada pelos serviços municipais da qual conste o valor total das despesas. Por seu turno e em complemento, decorre do art. 155.º do CPA que, na falta de pagamento voluntário de prestações pecuniárias que forem devidas a uma pessoa coletiva pública, por força de um ato administrativo, a cobrança se processe por intermédio de processo de execução fiscal, acrescendo a alínea a), do n.º 1, do art. 148.º do CPPT, que prevê a possibilidade de cobrança, no âmbito de processo de execução fiscal, de dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas públicas, que devam ser pagas por força de ato administrativo;
xliii. Transpondo o regime descrito para a situação dos autos, mostrando-se parcialmente por pagar a dívida resultante do mencionado ato administrativo, após notificação da ora Recorrente para proceder ao respetivo pagamento (cfr., 12 dos factos provados, que a Recorrente não impugnou) e manifesto decurso do prazo concedido para o efeito, foi instaurada execução fiscal, para cobrança coerciva da mencionada dívida, forma processual que não altera o regime substantivo da dívida, previamente definido;
xliv. Perante disciplina de carácter substantivo, cujo conteúdo, salvo o devido respeito, a Recorrente desconsidera por completo, a natureza da dívida restringe ao CCivil as normas a aplicar em sede de caducidade, como bem considerou a Decisão recorrida;
xlv. O prazo atribuído à administração tributária para notificar aos contribuintes a liquidação, findo o qual ocorre a caducidade do direito a liquidar o tributo, previsto no art. 45.º da LGT, não se aplica, naturalmente, a dívidas não tributárias e, logo, é inaplicável à dívida cuja cobrança coerciva se encontra em causa;
xlvi. Tratando-se da definição do regime substantivo aplicável à dívida exequenda, terá de considerar-se, forçosamente, a redação do n.º 2 do art. 298.º do CCivil, em cujos termos, quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade (...), as quais, acrescenta-se, têm consagração legal nos arts. 328.º e ss do mesmo Código, que não estabelece qualquer prazo geral para o exercício do direito de cobrança, remetendo ou para expressa e especial previsão legal, ou para acordo das partes, sendo certo que nenhuma de tais situações se verifica in casu;
xlvii. Também no que à prescrição respeita, uma realidade é a aplicação das regras do processo tributário, ou melhor, do processo de execução fiscal, à cobrança coerciva sindicada, atendendo a que a mesma segue tal forma processual, nos sobreditos termos, outra, absolutamente distinta, é a contagem do prazo prescricional da dívida exequenda, efeito para o qual terá de considerar-se, necessariamente, o seu regime substantivo, o qual só pode resultar da natureza jurídica da dívida, por seu turno excluída do CPPT – neste sentido, os doutos Acórdãos do STA de 25/01/2012, proferido no Proc. n.º 01188/11, e de 01/10/2003, proferido no Proc. n.º 470/03;
xlviii. O art. 309.º do CCivil consagra como regra geral o prazo de 20 anos, para a prescrição e, inexistindo norma especial aplicável ao caso concreto, deverá ser o mesmo o considerado, como decidiu a douta Sentença recorrida, logo, recordando-se que a obra terminou em 11/05/1992, que a interpelação para pagamento ocorreu em 12/12/2001, a execução foi instaurada em 16/01/2008 e, a Oponente, citada em 21/01/2008, só pode concluir-se não ter ainda decorrido o prazo de prescrição da dívida exequenda, falecendo de igual modo o alegado em 96 a 109 das Alegações de Recurso;
xlix. Acresce, a ocorrência de causa determinante da interrupção da prescrição, com a instauração da execução objeto destes autos e por efeito do n.º 1, do art. 326.º, do CCivil, em cujos termos, como considerou a douta Sentença, a contagem do prazo da prescrição só se reiniciará com o trânsito em julgado da decisão que vier pôr fim ao identificado processo de execução fiscal, improcedendo, igualmente, o Recurso, na parte dedicada à parte da Sentença que respeita à prescrição;
l. Defende a Recorrente, alternativamente, a aplicabilidade à dívida exequenda do prazo de prescrição previsto na al. g), do art. 310.º, do CPPT, às prestações periódicamente renováveis, o que justifica com o facto de a dívida exequenda respeitar ao que designa uma prestação condominal;
li. Todavia, a dívida exequenda, é certo que respeita a obras em partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal, mas não respeita a quo tas (essas sim, prestações periodicamente renováveis), mas ao pagamento das obras coercivas descritas nos autos, à entidade que suportou a realização das mesmas; não sendo a dívida exequenda uma prestação periodicamente renovável, não lhe é aplicável a prescrição, de 5 anos, invocada pela Recorrente, mas o aludido prazo geral;
lii.  Finalmente, insurge-se a Recorrente contra a parte da Sentença que declarou prescritos os juros de mora vencidos, desde 12/12/2001 até 16/01/2003, afirmando padecer a mesma, também nesse segmento, de erro;
liii. Interposto Recurso pela Recorrente, quanto àquele segmento da decisão, considera a Recorrida que a mesma padece, efetivamente, de erro, não devendo a dívida de juros ser declarada prescrita, mas por razões distintas das defendidas por aquela;
liv. Afirma a Recorrente só ter tido conhecimento da dívida com a citação, pelo que não chegaram a vencer-se os juros de mora considerados na Decisão, afirmando que a mesma não poderia declarar prescritos juros que não teriam chegado a existir; ao invés, resulta dos factos assentes que a Recorrente foi notificada para proceder ao pagamento da quantia que constitui dívida exequenda (cfr., o ponto 12 da matéria de facto, não impugnado pela Recorrente);
lv. Porém, e sendo efetivamente fixado na al. d), do art. 310.º, do CCivil, o prazo reduzido de 5 anos, para a prescrição dos juros, legais (como é o caso) ou convencionais, acresce o n.º 1, do art. 311.º, daquele Código que, naqueles casos, sobrevindo título executivo, como é o caso, o prazo de prescrição corresponderá, então, ao geral, razão pela qual os juros, tal como a dívida exequenda, não prescreveram;
lvi. Não ocorreu a prescrição dos juros de mora, mas por razão distinta da alegada pela Recorrente, isto é, não porque os mesmos não existam, mas porque, tendo sido entretanto emitida a certidão de dívida n.º 1848762, título executivo que serviu de base à instauração da execução fiscal objeto dos autos, o prazo de prescrição dos juros passou a corresponder ao prazo geral, ou seja, a 20 anos (cfr., art. 309.º, do CCivil);
lvii. Só pode, assim, concluir-se pela total improcedência dos fundamentos do presente Recurso, nos sobreditos termos, e pela manutenção da Sentença recorrida, na parte que não se contestou, sem prejuízo e sem conceder, quanto à preconizada ampliação do objeto do presente.»


X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 536), no sentido da improcedência do recurso interposto pela opoente.

X

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

X

II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A Meritíssima Juíza a quo apurou a seguinte factualidade:

«

Factos provados
1. Em 27/04/1987, no âmbito do processo n.º 791/I/87, determinou-se a intimação dos proprietários/administradores do prédio, em propriedade horizontal, sito na Avenida ..., n.º 48/48 -E das obras preconizadas no auto de vistoria, com base no artigo 10.º do RGEU, que obteve homologação, ratificado em reunião da Câmara Municipal de Lisboa (daqui em diante CML) de 01/06/1998 (cfr. fls. 1, 6 e 18 a 19 do processo administrativo apenso e fls. 98 a 106 dos presentes autos);
2. Em 26/05/1987, a CML, mediante a contrafé n.º 1326, intimou a proprietária Maria ... a cumprir com as conclusões do auto de vistoria de 1987/04/10, do qual se juntou fotocópia, nos termos constantes de fls. 13 e 17 do processo administrativo apenso e fls. 94 dos presentes autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
3. Maria ... foi proprietária das fracções “K” e “Q” do prédio identificado no ponto anterior até à data de 14/10/1987, data em que as vendeu a Maria ..., declarando esta na escritura pública de compra e venda que destinava a fracção “Q” a sua residência permanente (cfr. certidão de fls. 125 a 140 do processo instrutor e fls. 11 a 15 dos presentes autos);
4. A oponente declarou na escritura pública referida no número anterior que residia na Avenida dos ..., 48.º - 4 direito, Lisboa (cfr. fls. 12 dos presentes autos);
5. Da caderneta predial do prédio identificado no ponto 1) emitida em 03/02/1997 consta que a Oponente residia na Av. ..., n.º 48 -7.º Dto.” (cfr. fls. 224 a 247 dos autos);
6. Visitado o prédio identificado no ponto 1) pela engenheira civil, Maria de ..., verificou «ter-se dado a rotura de um dos nós da estrutura e a fissuração com grande deformação de uma viga a meio vão. Esta anomalia que surgiu repentinamente se não for reparada com a maior urgência poderá vir a por em causa a estabilidade do edifício», conforme oficio n.º 2268, datado de 11/05/1988, de fls. 27 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. Por ofício com a referência 2284 49/4.OR/88, datado de 26/05/1998, registado com aviso de recepção, Maria ..., foi notificada na qualidade de proprietária de fracções, designadamente, “K” e “Q” do prédio identificado no ponto anterior «que por despacho do Sr. Vereador do pelouro das obras esta Câmara nos termos do artigo 166.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, (…) decidiu ocupar o referido prédio para efeitos de executar as obras que lhe foram intimadas pela contrafé n.º 1326 de 22 de Maio de 1987 (cfr. fls. 24 e 33 do processo administrativo apenso);
8. Por ofício com a referência 2283 49/4.OR/88, datado de 26/05/1998, registado com aviso de recepção, Carlos ..., na qualidade de administrador do prédio identificado no ponto 1) supra «que por despacho do Sr. Vereador do pelouro das obras esta Câmara nos termos do artigo 166.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, (…) decidiu ocupar o referido prédio para efeitos de executar as obras que lhe foram intimadas pela contrafé n.º 1326 de 22 de Maio de 1987 (cfr. fls. 32 e 35 do processo administrativo apenso);
9. Por carta datada de 31/05/1988, endereçada ao Chefe da Divisão da Direcção dos Serviços de Obras, da CML, na sequência da notificação da decisão da CML de ocupação do prédio para realização de obras, o administrador do condomínio do prédio identificado no ponto 1 supra, Carlos ..., informou que «Apenas há menos de dois meses fui eleito administrador do condomínio do prédio sito na Av. ..., n.º 48. Naturalmente interessado, foi nossa prioridade o enquadramento das obras a realizar e neste momento dispomos já de um levantamento do necessário, feito por Engenheiro e a muito curto prazo iniciaremos as obras pelo que lhe solicitava algum prazo. (…)», (cfr. fls. 22 e 23 do processo administrativo apenso);
10. Por ofício n.º 2679, datado de 14/06/1988, o chefe de divisão respondeu à carta referida no ponto anterior, informando que o pedido de suspensão da actuação coerciva deve ser formalizado através de requerimento dirigido ao presidente da Câmara (cfr. fls. 34 e 35 do processo administrativo apenso);
11. O prédio identificado no ponto 1 foi sujeito a duas empreitadas para execução das obras coercivas em causa, cujos trabalhos decorreram de 06/05/1989 a 18/10/1990 e de 27/07/1990 a 11/05/1992 (cfr. fls. 36 a 37, 38 39 e 40 a 57 do processo administrativo apenso);
12. Através do ofício n.º 34987DR/DCEF/01, datado de 06/12/2001, registado com aviso de recepção, o qual exibe uma assinatura ilegível, a CML notificou a Oponente, na morada “Av. ..., 61.º, 1.º Esq., Lisboa,” de que no prazo de 30 dias, a contar a partir da data do aviso de recepção, encontrava-se a pagamento a quantia de Esc.: 14.256.645$00 (catorze milhões, duzentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e quarenta e cinco escudos), ou seja, de 71.111, 85 euros, correspondente ao custo da obra coerciva realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro e, ainda, de que deveria articular-se com os restantes condóminos, de forma a efectuarem o referido pagamento na proporção das respectivas quotas (cfr. fls. 183 e 184 dos presentes autos);
13. A CML notificou os proprietários do prédio identificado no ponto 1 para pagamento das obras coercivas (cfr. fls. 113 a 122 dos presentes autos);
14. Por a oponente não ter efectuado qualquer pagamento relativo às obras coercivas correspondente às fracções “K” e “Q”, em 19/11/2007 foi emitida a certidão de dívida n.º 1848762, no valor de € 4.977,83 (cfr. fls. 2 do processo instrutor);
15. Na certidão referida consta que sobre a quantia de € 4.977,83 vencem-se juros de mora a partir de 12/12/2001 (cfr. fls. 2 do processo instrutor);
16. Em 16/01/2008 foi instaurada execução fiscal n.º ..., contra a aqui oponente para cobrança coerciva da referida quantia, a qual encontra -se suspensa por ter sido prestada garantia (cfr. fls.1, 2 e 160 do processo instrutor);
17. Em 11/03/2004 a Oponente alterou o domicílio fiscal para a morada “Av. ..., 61-3.º esq., Lisboa (cfr. fls. 17 e 18 dos presentes autos);
18. Em 15/06/2005 a oponente alterou o seu domicílio fiscal para a morada “Av. ..., 59 – 7.º, Lisboa” (cfr. fls. 20 dos presentes autos);
19. No âmbito do processo executivo a oponente foi citada, por carta registada com aviso de recepção na morada “Av. ..., 61 – 7.º esq.º, Lisboa” (cfr. fls. 4 do processo instrutor);
20. Em 18/02/2008 deu entrada na CML a petição inicial de oposição, remetida por correio em 15/02/2008, da qual consta como domicilio escolhido da oponente a morada de “Av. ..., 61.º, 7.º esq., Lisboa” (cfr. fls. 3 e 31 dos presentes autos).

Em sede de matéria de facto não provada, consignou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão a proferir, não se provaram outros factos para além dos referidos supra».

Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se o seguinte:

«O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.».


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1/a), do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
21. A citação referida em 19 ocorreu em 17.01.2008 – alínea e), da petição inicial de oposição.

X

A recorrente censura o julgamento da matéria de facto vertido na instância.
i) Insurge-se contra o ponto 5 da matéria de facto; afirma que da caderneta predial não se pode extrair que a recorrente residia na fracção Q), em causa nos autos.
Vejamos.
O n.º 5 do probatório tem a redacção seguinte:
«Da caderneta predial do prédio identificado no ponto 1) emitida em 03/02/1997 consta que a Oponente residia na Av. ..., n.º 48 -7.º Dto.” (cfr. fls. 224 a 247 dos autos)».
Salvo o devido respeito, a recorrente imputa à asserção em causa, mais do que da mesma consta. O quesito apenas dá conta que da caderneta predial resulta que a recorrente era residente na morada em apreço, o que, aliás, se confirma (V. fls. 240).
Motivo porque se impõe rejeitar a presente imputação.
ii) A recorrente invoca que o Tribunal recorrido devia ter levado à matéria de facto provado o seguinte: «Na escritura de 14/10/1997, a proprietária das fracções K) e Q), Maria ..., declarou vendê-las, à recorrente, Maria ..., livres de ónus e encargos».
Salvo o devido respeito pela opinião contrária, dentro das várias soluções plausíveis de direito, não se vê em que medida a matéria em apreço releve para a decisão de causa relativa a oposição à execução fiscal, instaurada por dívida relativa à execução de obras coercivas efectuadas pela Câmara Municipal de Lisboa. A mesma não é necessária à correcta instrução da causa.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
iii) A recorrente refere também que resulta dos documentos juntos aos autos que, em 10/03/99 e 30/07/99, vendeu as fracções em causa; matéria que devia ter sido aditada ao probatório, sustenta.
Vejamos.
Salvo o devido respeito pela opinião contrária, dentro das várias soluções plausíveis de direito, não se vê em que medida a matéria em apreço releve para a decisão de causa relativa a oposição à execução fiscal, instaurada por dívida relativa à execução de obras coercivas efectuadas pela Câmara Municipal de Lisboa. A mesma não é necessária à correcta instrução da causa.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

X

2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença do TT de Lisboa de fls. 419 a 434 (rectificada por despachos de fls. 452 a 454 e 521 a 523) que, no âmbito da execução fiscal n.º ..., instaurada contra a recorrente por dívida relativa à execução de obras coercivas efectuadas pela Câmara Municipal de Lisboa, no valor total de €6.631,64, julgou a oposição deduzida apenas parcialmente procedente, declarando verificada a prescrição da dívida exequenda relativa a juros do período de 12/12/2001 a 16/01/2003, julgando-a improcedente quanto ao mais.
2.2.2. Para julgar improcedente a presente oposição, salvo no que respeita à prescrição da dívida exequenda relativa a juros do período de 12/12/2001 a 16/01/2003, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«(…) impõe-se apreciar da inexigibilidade da dívida exequenda com fundamento na falta de notificação da intimação e da deliberação de ocupação do prédio.
Nos autos não resultou provado que a Oponente tenha sido pessoalmente notificada da intimação, nem da deliberação de ocupação do prédio.
Conforme resulta da matéria de facto dada como assente, quem foi notificada da intimação foi a proprietária das fracções à data dos factos e da deliberação de ocupação do prédio foi notificado o administrador do condomínio (cfr. pontos 2) e 8) da matéria de facto dada como assente).
De realçar que a oponente não põe em causa a existência da dívida exequenda, constituindo fundamento da presente oposição, para além do mais, a inexigibilidade da dívida, por falta de notificação da intimação e da deliberação de ocupação do prédio.
Ora, de acordo com o n.º l do artigo 1430.º do Código Civil (CC) «a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condomínios e a um administrador.»
Por sua vez a alínea i) do artigo 1436.º do CC preceitua que uma das funções do administrador é «representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas».
Diga-se, desde já, que a intimação foi regular e validamente feita na pessoa da proprietária, nada obrigando a CML a repetir a notificação no novo proprietário das fracções em causa, sendo certo que, como é alegado pela própria oponente, a CML desconhecia a transmissão da propriedade das aludidas fracções.
Não sendo despiciendo lembrar que na escritura de compra e venda a Opoente declarou que residia numa das fracções que adquiriu e que destinava a outra a sua residência permanente, e na caderneta predial no ano de 1997 como residente no prédio, não podendo, por isso, desconhecer o estado do prédio, a urgência da realização das obras e a execução coerciva das mesmas (cfr. pontos 5), 7) e 8) da matéria de facto dada como provada)
Aliás, o administrador do prédio, regularmente notificado, respondeu solicitando prazo para iniciarem as obras por já disporem de um levantamento do necessário, que obteve resposta no sentido do pedido de suspensão ser formalizado em requerimento dirigido ao presidente da Câmara (cfr. pontos 8 e 9 da matéria de facto dada como provada).
Em consequência, a dívida de € 4.977,83 acrescida de juros em cobrança coerciva é exigível».
2.2.3. A presente intenção recursória centra-se sobre os itens seguintes:
1) Erros de julgamento na fixação da matéria de facto (conclusões I a XXII) [apreciados supra];
2) Erro de julgamento quanto ao fundamento da oposição consistente na ausência de responsabilidade da recorrente para responder pela obrigação de pagamento da quantia exequenda (conclusões XXIII a XLI);
3) Erro de julgamento quanto ao regime de caducidade da dívida exequenda (conclusões XLII a L);
4) Erro de julgamento quanto ao regime de prescrição da dívida exequenda (LI a LXX);
5) Erro de julgamento quanto ao regime de prescrição dos juros de mora (conclusões LXXI a LXXIII).
2.2.4. No que respeita à fundamento relativo à ausência de responsabilidade da recorrente para responder pela obrigação de pagamento da quantia exequenda, a recorrente alega nos termos seguintes.
i) A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 14..., nº 2, alínea a), 204º, do CPPT ao decidir, em contradição, que à exequente é legítimo recorrer-se do procedimento processual do CPPT para a cobrança coerciva da quantia exequenda e afastar a aplicação destas normas à Recorrente, nomeadamente, pondo em causa o recurso aos fundamentos da própria Oposição à execução previstos no artigo 204º, os quais foram invocados pela Recorrente.
ii) À luz do disposto na alínea i), do nº 1, do artigo 204º, do CPPT, tendo a sentença recorrida declarado que “dos autos não resultou provado que a Oponente tenha sido pessoalmente notificada da intimação, nem da deliberação de ocupação do prédio”, é por demais evidente que a dívida exequenda, acrescida de juros, não é exigível à Recorrente; quando muito será à proprietária Maria ..., que foi a pessoa a quem a intimação e deliberação de tomada de posse coerciva do prédio foi valida e regularmente notificada.
iii) Ao atribuir à Oponente o conhecimento da urgência da realização das obras e a execução coerciva das mesmas, em virtude de na escritura pública de 14/10/1987 ter declarado que residia numa e destinava outra a residência permanente, ou que da caderneta predial em 03/02/2007 vivia no prédio e não podia deixar de conhecer da necessidade da execução das obras e da tomada de posse coerciva do prédio, violou o disposto nos artigos 9º, 10º, 12º 165º e 166º do RGEU, já que não lhe foi dirigida qualquer notificação.
iv) A responsabilidade pelo pagamento de tais obras só pode ser reclamado à proprietária Maria ... pois só a ela foram tais obras validamente notificadas.
v) Efectivamente, como resulta da matéria da base instrutória, todo o processo que terminou na deliberação da execução das obras e tomada de posse coerciva do prédio para a execução das mesmas, foi feito pela via de contacto pessoal ou sob registo com aviso de recepção à sua legitima proprietária, a Maria ..., que é a responsável pelo pagamento das mesmas.
vi) Em resumo, da análise da matéria produzida não se retira qualquer fundamento em que assente a decisão recorrida para responsabilizar a Recorrente da obrigação do pagamento da divida exequenda acrescida de juros, impondo-se uma decisão inversa da proferida».
Vejamos.
Não é passível de dúvida que a oposição à execução fiscal não constitui meio processual idóneo para dirimir a questão da legalidade concreta da dívida exequenda. Compulsadas as alegações da recorrente, em matéria de alegada falta de responsabilidade da mesma pela dívida exequenda, verifica-se que dirige o seu ataque à legalidade da dívida já apurada e liquidada a montante, pelo que o presente meio processual não é o meio próprio para dirimir a questão levantada.
Por outras palavras, «a recorrente pretende discutir a legalidade concreta da dívida exequenda e essa discussão está-lhe vedada nesta sede, como resulta do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT (onde se prevê como fundamento de oposição a «[i]legalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação»).
De facto, por um lado, o CPPT prevê, no citado preceito legal como fundamento de oposição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.
E, tal como expende CASALTA NABAIS a propósito do processo de oposição regulado pelo CPPT «[C]omo facilmente se compreenderá, na oposição à execução fiscal não é, em princípio, admitida a discussão da ilegalidade do ato tributário, que deve ser discutida no processo de impugnação, a menos que, como prescreve a alínea h) do preceito em causa, a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra esse ato». (…).
Aliás, é também este o entendimento da nossa jurisprudência, tido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.01.2014, proferido no processo n.º 1805/13: «[p]oderá conhecer-se na oposição à execução fiscal da legalidade em concreto da dívida exequenda nas situações em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. Ou seja, apenas nas raras situações em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio.» (…).
Também faz notar JORGE LOPES DE SOUSA, que a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda em sede de oposição só será possível nas «[s]ituações em que seja a própria lei que não prevê meio de impugnação contenciosa», como o são aquelas «aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio definidor da situação.» (…).

Em suma: a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução só é permitida nos casos em que, como já afirmamos, por via do “âmbito da execução fiscal” definido no artigo 148º do CPPT, são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade»[3].
Do probatório, sem impugnação por parte da recorrente, resultam os elementos seguintes:
i) Maria ... foi proprietária das fracções “K” e “Q” do prédio identificado no ponto anterior até à data de 14/10/1987, data em que as vendeu a Maria ..., declarando esta na escritura pública de compra e venda que destinava a fracção “Q” a sua residência permanente (n.º 3 do probatório);
ii) Em 31.05.1988, após dar conhecimento ao administrador do condomínio da necessidade de obras coercivas, a exequente tomou posse do prédio a fim de executar as obras necessárias (n.º 8 e 9 do probatório).
iii) O prédio identificado no ponto 1 foi sujeito a duas empreitadas para execução das obras coercivas em causa, cujos trabalhos decorreram de 06/05/1989 a 18/10/1990 e de 27/07/1990 a 11/05/1992 (n.º 11 do probatório);
iv) Através de ofício de 06.12.2001, a exequente comunicou à recorrente de que se encontrava a pagamento a quantia de €71.111,85, relativa às obras coercivas realizadas no prédio dos autos (n.º 12 do probatório);
v) A CML notificou os proprietários do prédio identificado no ponto 1 para pagamento das obras coercivas (n.º 13 do probatório);
vi) Uma vez que a recorrente não efectuou qualquer pagamento, foi extraída certidão de dívida no montante de €4.977,83 (n.º 14 do probatório);
vii) Em 16.01.2008, foi instaurada execução fiscal contra a recorrente para cobrança coerciva da quantia em causa (n.º 16 do probatório);
viii) A recorrente foi citada no âmbito da execução referida na alínea anterior (n.º 19 do probatório).
ix) A recorrente não impugnou o acto de interpelação para pagamento da quantia relativa às obras em causa, referido em 12 do probatório.
Por outras palavras, a contestação da legitimidade ou da responsabilidade da recorrente pela dívida em cobrança coerciva constitui fundamento insusceptível de dirimir no âmbito da oposição à execução fiscal, atendendo a que a mesma consta do acto determinativo do pagamento da quantia em causa como devedora da mesma. Não são alegados, nem demostrados vícios que obstem à execução do acto de determinação da quantia em dívida (n.º 12 do probatório), pelo que a oposição deve improceder nesta parte.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica, ainda que com a presente fundamentação.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. A recorrente pretende reverter o veredicto que fez vencimento no que respeita à alegada caducidade do direito à liquidação da qual emerge a dívida exequenda, por entender que a sentença incorreu em erro, ao não ter aplicado ao caso o regime previsto no preceito do artigo 45.º da LGT.
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«(…) a dívida exequenda não tem a natureza de um tributo, configura antes uma obrigação, que recai sobre o titular da fracção integrada no condomínio, de contribuir para as despesas devidas pelas obras de conservação e reparação das partes comuns do edifico em propriedade horizontal, designadamente, proceder ao pagamento, na proporção da sua quota, do valor da obra realizada coercivamente nas
partes comuns do prédio (cfr. artigos 4º da LGT, 1421.º, n.º l e 1424.º do CC, e 9º, 10.º, 12.º, 165.º e 166.º do RGEU)
Com efeito, o facto da dívida respeitante à execução das obras coercivas nas partes comuns do prédio em questão poder ser accionada pela via do processo de execução fiscal, não altera o seu regime substantivo, designadamente para efeitos de caducidade, pelo que se lhe aplicam as regras ínsitas no Código Civil e não aquelas que estão previstas na LGT (cfr. artigos 298.º, n.º 2 e 328.º a 333.º do Código Civil)».

O assim decidido não merece reparo, dado que o regime do artigo 45.º da LGT, em matéria de caducidade do direito à liquidação não é aplicável ao caso, porquanto a dívida não assume natureza fiscal.

Está em causa a cobrança coerciva de dívida emergente de acto administrativo, o qual consiste na determinação da recorrente, enquanto condómina do prédio em referência para pagamento da sua quota parte nas despesas resultantes das obras coercivas realizadas pela exequente, na sequência do acto de intimação para a realização de obras coercivas e o subsequente acto de posse administrativa e execução das mesmas, na falta da sua realização atempada por parte dos proprietários das fracções do prédio em propriedade horizontal, entre os quais a recorrente.

Se é verdade que o processo de execução fiscal pode ser adoptado para assegurar a cobrança coerciva de dívidas de natureza não fiscal, emergentes de acto administrativo com sucede com o caso em exame (artigo 148.º/2/a), do CPPT), daí não se extrai que o regime jurídico relativo à caducidade do direito à liquidação aplicável seja o que decorre da LGT. A dívida em causa não assume natureza fiscal; ao invés resulta de uma imposição determinada por acto administrativo determinativo do pagamento correspondente à execução das obras coercivas, por parte do exequente/recorrido, em imóvel propriedade da recorrente/executada.

Na falta de norma legal que estabeleça regime específico para o efeito, não se pode afirmar que ocorreu a preclusão do prazo de caducidade da liquidação. Tal não resulta do disposto nos artigos 328.º a 333.º do Código Civil.

Ao assim decidir, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser mantida, nesta parte, na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.6. A recorrente pretende reverter o veredicto que fez vencimento no que respeita à alegada prescrição da dívida exequenda.
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«Como já deixamos expresso supra, a dívida exequenda não se trata de uma dívida tributária, trata-se de uma dívida resultante da realização coerciva de obras pela CML nos prédios, em substituição dos seus proprietários ou usufrutuários.
Apenas a cobrança coerciva da dívida segue o regime da execução fiscal.
Não tem, assim, aplicação ao caso em apreço o prazo de dez anos previsto no CPT, nem o regime da Lei Geral Tributária (artigo 48º), mas sim o do Código Civil, uma vez que, o facto de a dívida à CML poder ser accionada pela via do processo de execução fiscal, não altera o seu regime substantivo, designadamente para efeitos de prescrição.
Ora, como não existe qualquer normativo que estipule prazo especial, aplica-se o prazo de prescrição ordinário de 20 anos (cfr. artigo 309º do Código Civil).
De acordo com o preceituado nos artigos 323.º, n.º l e 326.º, n.º l do Código Civil, a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, tem por efeito a interrupção da prescrição, inutilizando todo o tempo entretanto decorrido, começando a correr novo prazo a partir de cada um dos actos interruptivos.
(…)
Concluindo, desconhece-se nos autos a data da recepção do título executivo, porém, mesmo considerando a data da instauração da execução fiscal ou a data da citação, que inutiliza todo o prazo anteriormente decorrido para efeitos da prescrição, não se verifica a prescrição da dívida exequenda, encontrando-se desde então interrompido o prazo de prescrição (cfr. artigo 327º, n.º l do CC)».
Vejamos.
O prazo de prescrição tem início em 07.01.2002 (artigo 306.º/1, do Código Civil). O mesmo corresponde ao prazo ordinário de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil), dado que a dívida em causa resulta da determinação contida em acto administrativo, pelo que não se enquadra nas várias alíneas do artigo 310.º do Código Civil. Em 17.01.2008, a recorrente foi citada para os termos da execução, o que constitui facto interruptivo da prescrição (artigo 323.º/1, do Código Civil). Uma vez interrompido o prazo de prescrição, o mesmo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º/1, do Código Civil).
De onde decorre que a dívida em causa não se mostra prescrita.

Ao assim decidir, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser mantida, nesta parte, na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.7. A recorrente censura a sentença recorrida por alegado erro no cômputo do prazo de prescrição de juros de mora. Considera que apenas são devidos juros de mora a partir da data da citação, ou seja, a partir de 16.01.2008.
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«Ora, conforme resulta do probatório a dívida em causa reporta-se à data de 11/12/2001 e a execução fiscal foi instaurada em 16/01/2008, sendo que a primeira causa interruptiva da prescrição ocorreu nessa data.
Face ao exposto, impõe-se declarar prescrita a dívida de juros relativa ao período de 12/12/2001 (data a partir da qual foram calculados e estão a ser exigidos) a 16/01/2003, uma vez que, o prazo prescricional mostra-se interrompido desde 16/01/2008».
Vejamos.
Do probatório resulta que os juros de mora vencem-se a partir de 12/12/2001 (n.º 15 do probatório). Ou seja, os juros de mora são devidos a partir de 12.12.2001. Os juros de mora prescrevem no prazo de cinco anos (artigo 310.º/d), do Código Civil). De onde resulta que os juros de mora vencidos desde 12.12.2001 até cinco anos menos um dia antes da data da citação da recorrente para os termos da execução (17/01/2008), ou seja, os juros vencidos até 16.01.2003, mostram-se prescritos. Os juros vencidos depois da data referida não estão prescritos, dado que o facto interruptivo da citação (17/01/2008) operou quanto à prescrição dos juros, nos mesmos termos em que interrompeu a prescrição da dívida principal.
Em face do exposto, impõe-se concluir que a sentença recorrida não enferma do erro que lhe é apontado.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Fica prejudicado o conhecimento do recurso ampliado deduzido pelo recorrido.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto)



 (Ana Pinhol - 2º. Adjunto)


[1] Disponível em www.dgci.pt.
[2] Na pessoa do então administrador – 8), dos factos provados.
[3] Acórdão do TCAS, 23.03.2017, P. 542/16.6BELLE.