Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:66/18.7BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO DE FUNDO EUROPEU
FALTA DE FUMUS BONIS IURIS
Sumário:I. O requisito do fumus boni iuris exige que se indague o caráter manifesto de cada causa de invalidade do ato suspendendo, necessário ao juízo sobre a (i)legalidade, de forma a apurar se é provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.
II. Assim, deve o Tribunal proceder à sumario cognitio, quer de facto, quer de direito, da pretensão da Requerente e do grau de probabilidade de procedência da ação principal.
III. Não sendo postos em causa os factos em que se baseia o ato suspendendo, mas apenas a sua valoração de direito, não se pode concluir pela probabilidade da procedência da ação principal, determinando do pressuposto do fumus boni iuris.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP – IFAP, IP, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 08/06/2018, que no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo movido por A.... – Associação de Produtores Florestais do Alto Alentejo, julgou procedente a providência cautelar, suspendendo a eficácia da decisão que determinou à Requerente a devolução da quantia de € 47.814,85.


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Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

Conforme se colhe da literalidade e da economia da Decisão suspendenda, designadamente do ponto 4 afigura-se delas resultarem claramente os seguintes pressupostos de facto em que se fundou a sua prolacção:

• por um lado, “tendo existido subcontratação, foram excluídas as despesas de gradagem de cobertura, no valor de 4.744,33€ (dossier 22) e no valor de 4.368,416 (dossíer 40), bem como de preparação do terreno, no valor de 19.401,516,

• e, por outro lado, “as faturas de subcontratação mencionam a execução destes trabalhos em locais distintos da Área Agrupada da Courela do Salgueiro e Trepada, pelo que não se encontram afetas a este pedido de apoio”,

Perante tais pressupostos de facto, comunicados à Requerente em sede de audiência de interessados, esta apenas se limitou (e limita) a referir

• “que os trabalhos prestados pelos fornecedores subcontratados para o efeito, foram realizados em áreas agrupadas contíguas, os quais desconheciam os respetivos limites territoriais, pelo que faturaram em concordância.” - cfr. Sentença recorrida pág. 18;

• e “que os custos que lhe eram faturados pelos serviços relacionados com a gradagem de cobertura, quando feita pelas empresas subcontratadas em áreas agrupadas contíguas de modo contínuo, eram distribuídos equitativamente pelas respetivas operações, sendo que os preços que foram pagos se apresentavam conformes com as tabelas desenvolvidas e elaboradas pela Comissão para o Acompanhamento das Operações Florestais (CAOF).” - cfr. Sentença recorrida pág. 19;

Relativamente à (im)probabilidade de improcedência do invocado vício de erro nos pressupostos de facto, na parte em que Decisão suspendenda se fundou no facto de “tendo existido subcontratação, foram excluídas as despesas de gradagem de cobertura, no valor de 4.744,33€ (dossier 22) e no valor de 4.368,416 (dossier 40), bem como de preparação do terreno, no valor de 19.401,516” importa ter presente a jurisprudência do STA sobre a questão análoga à dos presentes autos e nos quais foram partes o IFAP e a A...., julgada no Acórdão de 04/10/2017 prolactado no recurso de Revista tramitada sob o nº 550/17 e no qual foi Recorrente o IFAP e Recorrida a A.... em caso absolutamente análogo (cuja cópia se acha junta aos autos), com o seguinte Sumário:

I - É legítimo o IFAP considerar como não elegíveis, para efeito de financiamento pelo FEADER, despesas apresentadas pelo promotor, em pedido de pagamento, consubstanciadas em facturas emitidas por fornecedor subcontratado, naquilo em que tais despesas, sem correspondência real, ultrapassam o chamado preço de entrada, ou 1º preço.

II - O acto administrativo que exclui essas despesas está acobertado pelo regime comunitário e nacional no que respeita à elegibilidade de despesas.

No caso em presença, e em tudo análogo ao decido pelo STA nesse Acórdão, também a A...., enquanto «promotora» da operação subsidiada, instruiu os dois primeiros pedidos de pagamento com facturas emitidas pela A.... LDA e P… LDA, nas quais estas empresas, enquanto fornecedoras, adicionavam uma margem de lucro ao preço dos bens e serviços que haviam subcontratado, sem que lhe correspondesse qualquer mais-valia, qualquer valor acrescentado da sua parte (cfr. págs. 21);

No entender do STA «Trata-se, portanto, da pura adição de um valor a que não corresponde qualquer contrapartida, sem correspondência real, que abre a porta a preços fictícios e à especulação, e que, nas referidas circunstâncias factuais e jurídicas, não poderá ser qualificado de razoável num mercado concorrencial. Na verdade, os terceiros que forneceram os bens adquiridos e prestaram os serviços solicitados fizeram-no, obviamente, com margem de lucro, pois para isso trabalham, de modo que os valores por eles cobrados já traduziam custos razoáveis, não tendo de ser os dinheiros comunitários a suportar novas, e irreais, margens de lucro.» (cfr. págs. 21);

Face a tal jurisprudência, parece não se suscitarem dúvidas quanto à improbabilidade de procedência do vício de erro nos pressupostos de facto da Decisão suspendenda na parte em se fundou no facto de “tendo existido subcontratação, foram excluídas as despesas de gradagem de cobertura, no valor de 4.744,33€ (dossier 22) e no valor de 4.368,416 (dossíer 40), bem como de preparação do terreno, no valor de 19.401,516”;

E, relativamente ao (outro) pressuposto de facto em que, também, se fundou a Decisão suspendenda - “as faturas de subcontratação mencionam a execução destes trabalhos em locais distintos da Área Agrupada da Courela do Salgueiro e Trepada, pelo que não se encontram afetas a este pedido de apoio” – o que “em causa está [é] a ausência de pista de controlo da despesa - cuja necessidade de ser assegurada se encontra prevista no artigo 33° do Regulamento n° 65/2011, da Comissão de 27/01 - dada a impossibilidade de estabelecer correspondência entre os locais executados e os que constam da fatura apresentada a financiamento” pelo que “não permitiu a validação destas despesas, já que não só não há conciliação de locais, como estes nem correspondem à área agrupada deste projeto” (cfr. 8, 9 e 10 da Decisão suspendenda);

Assim, também no caso em presença haverá que concluir que a decisão administrativa suspendenda não está contaminada por qualquer dos vícios que a Requerente lhe imputa, designadamente não estando afectada por qualquer erro nos pressupostos de facto;

Como tal, não se afigura possível poder concluir-se que a Requerente tivesse “posto em causa – embora, como se vincou, de forma ainda indiciária – os pressupostos de facto em que a decisão final da Entidade Requerida se baseou para proferir a mesma.” (cfr. Sentença recorrida pág. 18);

10ª Nessa medida, o Mº Juiz a quo, ao ter julgado verificada a probabilidade de procedência do invocado vício de erro nos pressupostos de facto da Decisão suspendenda, errou na apreciação da prova documentada em tal Decisão, tanto bastando para que a Sentença recorrida deva ser revogada e substituída por decisão que rejeite a requerida providência cautelar de suspensão da sua eficácia.”.

Pede que se conceda provimento ao recurso por provado, com a consequente revogação da decisão de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia e a sua substituição por decisão que rejeite a providência requerida.


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A ora Recorrida notificada, apresentou contra-alegações, em que concluiu do seguinte modo:

“1º A Recorrente alega mas não fundamenta de facto a identidade entre as matérias em apreciação nos presentes autos e as matérias de facto e de direito tratadas e julgadas no citado Acórdão do STJ;

Sendo certo que,

2º Não se verifica a alegada similitude entre a matéria de facto e de direito apreciada nos presentes autos e a decidida no douto Acórdão do STA identificado pelo Recorrente;

3º A validade e a pista de controlo dos trabalhos executados na operação identificada nos autos, bem como das correspondentes despesas, foram aceites pela DRAP – Alentejo, entidade pública competente para o efeito, não dúvidas nos autos sobre a sua boa execução;

4º A Recorrida logrou provar nos autos, ainda que de forma indiciária, a conformidade da execução dos trabalhos da operação identificada nos autos e dos respetivos preços e pagamentos;

5º A Recorrida logrou provar nos autos, ainda que de forma indiciária, os vícios que põem em causa os pressupostos de facto que fundamentaram a decisão requerida;

6º O Recorrente não logrou fazer prova dos factos que alegou para pôr em causa os vícios apontados pela Recorrida ao ato requerido;

7º O recurso interposto não tem qualquer fundamento de facto e de direito que suporte a sua procedência;

8º O Recorrente não identifica nas suas conclusões de recurso as normas legais violadas pela douta sentença “a quo” ou os factos em concreto que considera incorretamente julgados pelo Meritíssimo Juiz, pelo que o recurso deve ser liminarmente indeferido, à luz do disposto nos artºs 639º nº 2 e 640º nº 1 CPC.”.

Pede que o recurso seja julgado totalmente improcedente.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pelo Recorrente resume-se em determinar se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à verificação do requisito do fumus bonis iuris.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 13-12-2005 foi constituída a Requerente, associação sem fins lucrativos, tendo como objeto a defesa e promoção dos interesses dos produtores e proprietários florestais e o desenvolvimento de ações de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora, além da defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, a conservação da natureza, bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados, atuando no Alentejo e áreas limítrofes;

B) Tem como receitas as quotas dos associados e os subsídios que recebe em virtude das candidaturas que faz aos Fundos Comunitários;

C) As quotas dos associados representam um valor simbólico no total das receitas;

D) Em 31-12-2016 a rubrica do total do ativo apresentava o valor de € 15.131,15, enquanto o total do passivo ascendia a € 3.007.722,22;

E) Em 2015 recebeu € 1.438.393,82 de subsídios à exploração e em 2016 nenhum valor recebeu a esse título;

F) No exercício de 2016 apresentou um prejuízo fiscal de € 1.417.995,51;

G) Não possui qualquer património imobiliário;

H) Em 20-02-2018 o extrato da conta da Requerente na Caixa Geral de Depósitos apresentava um saldo contabilístico de € 2.216,03;

I) Em 10-12-2010 foi celebrado entre as Partes um contrato de financiamento respeitante ao pedido de apoio apresentado pela Requerente no âmbito do programa PRODER para a operação n.º 020000017979, designada de Área Agrupada de Courela do Salgueiro e Trepada, no âmbito do qual a Requerente recebeu, a título de comparticipação comunitária e nacional, um subsídio não reembolsável de € 299.999,99;

J) Na execução dessa operação pagou às empresas subcontratadas os preços de referência constantes das tabelas desenvolvidas e elaboradas pela Comissão para o Acompanhamento das Operações Florestais (CAOF);

K) Os trabalhos foram realizados de acordo com as boas práticas;

L) Os custos que foram facturados pelos serviços relacionados com a gradagem de cobertura, quando feita pelas empresas subcontratadas em áreas agrupadas contíguas de modo contínuo, foram distribuídos equitativamente pelas respetivas operações;

M) Entre junho e outubro de 2014 a Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) efetuou um controlo ex post à operação referida, tendo recomendado, no Relatório que elaborou a final, que a DRAPAL promovesse visitas ao local e que o IFAP equacionasse a inclusão de algumas operações ainda não concluídas no plano de controlo in loco do ano de 2015, a qual foi homologada pela Ministra da Agricultura e do Mar em 19-01-2015;

N) Em 03-03-2015 a Entidade Requerida realizou uma visita ao local da operação;

O) Em 29-11-2016 o Diretor Regional da Direção de Agricultura e Pescas do Alentejo - DRAPAL, determinou o envio à Entidade Requerida de uma Informação dos seus serviços onde se propunha a reanálise dos pedidos de pagamento efetuados no âmbito da operação referida, e se retirassem as despesas não elegíveis, no montante de € 29.382,70;

P) Em 02-02-2017, a Requerente foi notificada pela Entidade Requerida a fim de exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à intenção de ser determinada a modificação do contrato celebrado entre as partes e à devolução do montante de € 47.814,85;

Q) Em 16-02-2017 a Requerente exerceu o seu direito de audiência prévia;

R) Em 20-11-2017 a Requerente foi notificada da decisão final proferida pela Entidade Requerida que determinou a devolução do valor de € 47.814,85;

S) Entre 04-05-2016 e 01-07-2016 a Entidade Requerida notificou a Requerente de outras quinze decisões finais respeitantes a operações de financiamento no âmbito do programa PRODER, todas elas determinando a alteração dos respetivos contratos de financiamento e a devolução de montantes recebidos a título de subsídios ao investimento;

II. FACTOS NÃO PROVADOS:

Não existem outros factos, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.

E. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Relativamente à matéria de facto dada como provada, o Tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica e compatibilização prática dos diferentes meios de prova produzidos ao longo do processo, segundo critérios de racionalidade, lógica e objetividade, conforme especificado a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A nível da valoração dos documentos, o Tribunal atendeu à respetiva natureza, autoria, data de elaboração e conteúdo, a fim de sopesar o correspondente peso na formação da sua convicção.

Os depoimentos prestados foram valorados atendendo à razão de ciência invocada, ao modo de prestação dos mesmos e às relações existentes com as partes, apreciando o conteúdo dos mesmos segundo as regras da experiência comum; foram seleccionados os que se relacionaram com as matérias pertinentes para a causa e não foram relevados os depoimentos indiretos, baseados em juízos de valor ou conceitos de direito e os referentes a matérias irrelevantes.

Ouviu-se em sede de declarações de parte J….., legal representante da Requerente desde a sua formação em 2004 até hoje; é Engenheiro Técnico Agrário de formação; o seu depoimento revelou-se coerente e espontâneo;

Ouviram-se as seguintes testemunhas arroladas pela Requerente:

J….., contabilista, sendo responsável pela contabilidade da Requerente, desde a sua criação, há cerca de 15 anos; o seu depoimento revelou-se coerente;

J…., Engenheiro Técnico Florestal, o qual presta serviço para a Requerente desde Janeiro de 2011; o seu depoimento revelou-se coerente e espontâneo;

Especificamente, em relação às seguintes alíneas do probatório, o Tribunal assentou a sua convicção nos seguintes elementos:

A) Conforme escritura de constituição de Associação, de fls. 2 a fls. 8 do documento n.º 006527925 [31] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

B) Conforme declarações de J…. e depoimento de J…., conjugado com o artigo quarto da escritura de constituição da Requerente;

C) Conforme depoimento de J….;

D) Conforme balanço, a fls. 2 do documento n.º 006527927 [129] do SITAF;

E) Conforme Demonstração dos Resultados por Naturezas com referência a 31-12- 2016, a fls. 4 do documento n.º 006527927 [129] do SITAF, conjugado com as declarações de J…., que confirmou que desde dezembro de 2015 não é pago nada à Requerente;

F) Conforme Declaração Modelo 22 do IRC, a fls. 8 do documento n.º 006527927 [129] do SITAF;

G) Conforme caderneta predial, a fls. 11 do documento n.º 006527927 [129] do SITAF, conjugado com as declarações de J….. e depoimento de J…., que asseveraram que a Requerente não tem qualquer património;

H) Conforme extrato, a fls. 12 e fls. 13 do documento n.º 006527927 [129] do SITAF;

I) Conforme contrato de financiamento de fls. 9 a fls. 15 do documento n.º 006527925 [31] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido, conjugado com as declarações de J...., que confirmou os pagamentos recebidos;

J) Conforme declarações de J.... e depoimento de J....

K) Conforme declarações de J....;

L) Conforme declarações de J.... e, quanto à execução dos trabalhos de modo contínuo em áreas agrupadas contíguas, igualmente depoimento de J……;

M) Conforme despacho e recomendações constantes do Relatório n.º I/1668/14, elaborado pela IGAMAOT, contidos no documento n.º 006531472 [185] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

N) Conforme Relatório de Verificação Física no Local, constante do documento n.º 006531473 [250] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

O) Conforme despacho e Informação n.º INF/1073/2016/SRAC, constante do documento n.º 006531475 [256] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

P) Conforme ofício de fls. 19 a fls. 22 do documento n.º 006527925 [31] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

Q) Conforme carta de fls. 23 a fls. 26 do documento n.º 006527925 [31] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

R) Conforme ofício de fls. 16 a fls. 18 do documento n.º 006527925 [31] do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

S) Conforme ofícios constantes do documento n.º 006527926 [57] do SITAF, cujos conteúdos aqui se dão como integralmente reproduzidos;”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa agora entrar na análise da questão colocada para decisão.

Erro de julgamento quanto à verificação do requisito do fumus bonis iuris

Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida na parte em que julgou verificado o requisito do fumus boni iuris, alegando para o efeito que o Tribunal errou quanto à convicção de a pretensão do Requerente na ação principal pode vir a ser julgada procedente.

Sustenta que os pressupostos em que assentam a decisão administrativa constam do seu ponto 4, os quais foram comunicados à Requerente, em audiência prévia, sem que os tivesse contrariado, designadamente, quanto a ter existido subcontratação e ter existido a execução de trabalhos em locais distintos da área afeta ao pedido de apoio.

Alega que o STA já decidiu em caso tudo idêntico ao dos autos, concluindo no sentido de não poder ser considerada a margem de lucro adicionada pelas empresas subcontratadas, confirmando a decisão administrativa de julgar tais despesas inelegíveis.

Invoca que a Requerente não pôs em causa os pressupostos de facto em que se baseou a decisão administrativa, pelo que, não se pode dar por verificado o requisito do fumus boni iuris.

Vejamos.

Na presente instância cautelar o Requerente vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Presidente do Conselho Diretivo da Entidade Requerida que, tendo alterado o contrato de financiamento outorgado entre as partes, referente ao pedido de apoio na operação relativa à Área Agrupada de Courela do Salgueiro e Trepada, determinou a devolução do valor de € 47.814,84, recebido pela Requerente a título de subsídio de investimento.

De acordo com os factos que resultam do julgamento da matéria de facto foi celebrado entre as partes um contrato de financiamento respeitante ao pedido de apoio apresentado pela Requerente, no âmbito do Programa PRODER, para a Área Agrupada de Courela do Salgueiro e Trepada, a título de comparticipação europeia e nacional, de um subsídio não reembolsável, no valor de € 299.999,99.

Encontra-se dado como provado que na execução dessa operação, a Requerente pagou às empresas subcontratadas os preços de referência constantes das tabelas desenvolvidas e elaboradas pela Comissão para o Acompanhamento das Operações Florestais (CAOF).

Mais se encontra demonstrado que os custos que foram faturados às empresas subcontratadas, relativos à gradagem de cobertura, realizado em áreas agrupadas contíguas, foram distribuídos equitativamente pelas respectivas operações.

Após a realização de um controlo ex post à operação referida e uma visita ao local, veio a ser proferida informação técnica, que propõe que certas despesas fossem consideradas não elegíveis.

Notificada em audiência prévia, a Requerente pronunciou-se, confirmando os factos em que se baseava a informação técnica, designadamente, que tinha existido subcontratação, que tinha existido a realização de trabalhos em áreas não pertencentes à Área Integrada, abrangida pelo contrato de financiamento.

Sem que exista, portanto, qualquer divergência entre as partes quanto aos factos relevantes, a questão colocada no presente recurso respeita a saber se com base nos pressupostos de facto em que se funda a decisão administrativa suspendenda, é possível formular um juízo de probabilidade de procedência da ação principal de que depende a presente providência cautelar.

Tendo o Tribunal a quo decidido, em sentido favorável à Requerente, pela verificação do requisito do fumus boni iuris, insurge-se a Entidade Requerida quanto a tal julgamento.

Quanto ao fundamento do recurso, interessa, por isso, apurar do alegado erro de julgamento em relação ao disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, quanto a apurar se “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.

Tendo a Requerente invocado no requerimento inicial vários fundamentos para sustentar a ilegalidade do ato suspendendo, a saber, a violação do direito da audiência prévia, a prescrição, a falta de fundamentação e o erro nos pressupostos de facto e de direito, a sentença ora recorrida conheceu perfunctoriamente das causas de invalidade invocadas, tendo decidido que se coloca com “especial acuidade a questão referente à elegibilidade das despesas dos trabalhos de gradagem de cobertura e de preparação do terreno.

Assim, como resulta da fundamentação de direito da sentença recorrida, o julgamento da verificação do pressuposto do fumus boni iuris radica exclusivamente no juízo formulado quanto ao invocado erro sobre os pressupostos da decisão administrativa suspendenda, pois quanto aos demais fundamentos de invalidade invocados, o Tribunal recorrido não formulou qualquer indício de procedência.

Assenta, pois, o julgamento ora recorrido na convicção de que a Requerente, pôs em causa, de forma “indiciária”, os pressupostos de facto em que a decisão final se baseou e que “não é despicienda a pretensão da Requerente”.

Porém, tal fundamentação aduzida na sentença recorrida não é suficiente a dar por verificado tal requisito de decretamento da providência cautelar.

Em rigor, não decorre sequer da sentença recorrida o juízo de probabilidade da procedência da pretensão a deduzir na ação principal, limitando-se o Tribunal a quo a invocar que a Requerente “logrou indiciar – embora de forma ainda perfuctória e que terá de ser aprofundada no âmbito da ação administrativa – que os custos que lhe eram facturados pelos serviços relacionados com a gradagem de cobertura, quando feita pelas empresas subcontratadas em áreas agrupadas contíguas de modo contínuo, eram distribuídos equitativamente pelas respetivas operações, sendo que os preços que foram pagos se apresentavam conformes com as tabelas desenvolvidas e elaboradas pela Comissão para o Acompanhamento das Operações Florestais (CAOF).

Ou seja, pôs em causa – embora, como se vincou, de forma ainda indiciária – os pressupostos de facto em que a decisão final da Entidade Requerida se baseou para proferir a mesma.

Daí que, independentemente da consideração dos outros vícios apontados, tanto basta para o Tribunal dar como assente a verificação do presente requisito, considerando que não é despicienda a pretensão da Requerente em discutir na ação administrativa a validade dos pressupostos de facto em que assentou a decisão suspendenda.”.

Contrariar os pressupostos de facto e de direito em que se baseou a Entidade Requerida ou pô-los em causa ou abalar esse pressupostos, não se traduz num juízo de probabilidade de procedência da pretensão material.

Era exigível que a Requerente alegasse e demonstrasse, ainda que indiciariamente, o erro nos pressupostos de facto da decisão suspendenda, o que de todo não se verifica, por não existir qualquer divergência factual entre os factos alegados pelas partes, mas apenas uma divergente interpretação normativa em relação aos factos dados como provados.

Para que tal fosse possível, seria necessário concluir que as despesas pagas com a subcontratação e em áreas não integradas na zona abrangida pelo financiamento, devem efectivamente constituir despesas elegíveis.

A Requerente da providência cautelar não logrou abalar os pressupostos de facto e de direito em que se fundou a decisão administrativa, não sendo possível entender que as despesas realizadas com os trabalhos efetuados em áreas não abrangidas pelo contrato celebrado, devam ser consideradas como despesas elegíveis.

Assim, quer a factualidade dada como provada nos autos, que não se encontra controvertida, quer a fundamentação de direito da sentença recorrida, não são de molde a poder decidir no sentido da verificação do fumus bonis iuris, por não ser possível, com base nos factos apurados, concluir pelo juízo de probabilidade da pretensão anulatória da Requerente, no âmbito da acção principal.

Embora se conhecendo sumariamente, de facto e de direito, como é próprio da instância cautelar, não é possível formular um juízo de probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal.

Nestes termos, em face de todo o exposto, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não se pode dar por verificado o requisito do fumus bonus iuris, por não ser possível formular o juízo de probabilidade de que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.

Pelo exposto, será de concluir pela procedência das conclusões formuladas no presente recurso, por provadas, enfermando a sentença recorrida de erro de julgamento quanto ao requisito do fumus bonis iuris.


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Termos em que, será de julgar procedente o recurso, por provados os seus respetivos fundamentos, revogando-se a sentença recorrida no tocante ao pressuposto do fumus bonis iuris.

Em consequência, faltando um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar, em substituição, será de recusar o pedido cautelar deduzido pela Requerente, não decretando a providência de suspensão de eficácia requerida.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O requisito do fumus boni iuris exige que se indague o caráter manifesto de cada causa de invalidade do ato suspendendo, necessário ao juízo sobre a (i)legalidade, de forma a apurar se é provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.

II. Assim, deve o Tribunal proceder à sumario cognitio, quer de facto, quer de direito, da pretensão da Requerente e do grau de probabilidade de procedência da ação principal.

III. Não sendo postos em causa os factos em que se baseia o ato suspendendo, mas apenas a sua valoração de direito, não se pode concluir pela probabilidade da procedência da ação principal, determinando do pressuposto do fumus boni iuris.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus respetivos fundamentos, revogando a decisão de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo e mantendo a eficácia do ato suspendendo.

Custas pela Recorrida – artigos 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º e 12.º n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Nuno Coutinho)