Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:29/03.7BTSNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
PRESCRIÇÃO;
AVALIAÇÃO INDIRECTA;
FUNDAMENTAÇÃO;
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1. .A sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia se a impugnante suscita no processo a questão da prescrição da dívida impugnada e o juiz nem a aprecia, nem diz as razões por que o não fez;
2. A prescrição da dívida pode ser conhecida, mesmo oficiosamente, em processo de impugnação judicial como fundamento de inutilidade da lide impugnatória se o processo fornecer os elementos necessários, não sendo o caso de se ordenar diligências complementares visando unicamente a sua apreciação;
3. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (art.º74/3, LGT).
4. Perante uma inexistente declaração, contabilidade e registos, mostra-se inevitável o recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável (arts. 87/b) e 88/ a), LGT), não gozando de qualquer presunção de veracidade e boa-fé (art.º75/2 LGT) as declarações e regularizações efectuadas pelo contribuinte já depois de constatadas tais faltas e anomalias pela Inspecção Tributária.
5. A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.
6. Só as situações em que está em causa a eficácia do acto de liquidação por vícios da sua notificação, que não a sua validade por falta de fundamentação, se encontram abrangidas pelo disposto no n.º1 do art.º37.º do CPPT.
7. A fundamentação deve ser sempre contextual, isto é, contemporânea do acto, não sendo admissível a fundamentação “a posteriori”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

Da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada das liquidações de IRC de 1997 e 1998, acrescido de derrama e juros compensatórios, nos valores respectivos de, 26.331.811$00 (131.342,52€) e 32.029.050$00 (159.760,23€), recorrem a impugnante, “Sociedade de Construções U….. L…. & Filhos, Lda.” e a Fazenda Pública.

Ambos os recursos foram admitidos com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.741)

Em seguimento, a Recorrente impugnante juntou alegações, que termina com as seguintes «Conclusões:


«V. Em conclusão.

a. A douta sentença recorrida fez constar do seu relatório que a Recorrente peticionou a verificação e declaração de prescrição, mas omitiu em absoluto a seleção de factos e qualquer análise de direito da questão da prescrição, em violação dos artigos 175.º do CPPT e 130.º do CPC, este último aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT.
b. A douta sentença em recurso, embora consciente de que a questão da prescrição havia sido colocada nos autos pela agora Recorrente – sem prejuízo, até, do seu dever de conhecimento oficioso, pura e simplesmente ficou esquecida, quer na fundamentação de facto (factos considerados assentes), quer seguidamente no direito aplicável e na ordem de conhecimento dos vícios.
c. No caso dos autos, o douto tribunal recorrido não fixa factos, nem aprecia e decide a questão da eventual prescrição, nem emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento.
d. Ocorrendo, pois, de forma flagrante, uma causa de nulidade da douta sentença recorrida por omissão de pronúncia, de consonância com o disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, ex vi artigo 2.º do CPPT e ainda de conformidade com o normativo do artigo 125.º n.º 1 do CPPT que expressamente indica como causa de nulidade “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.
e. Os presentes autos de impugnação judicial têm por objeto as liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998.
f. As referidas liquidações sobrevieram em Abril e Maio de 2001 e a ora Recorrente foi citada para a execução fiscal instaurada para cobrança de tais liquidações, ainda durante o ano de 2001 e nesse mesmo ano deduziu a impugnação judicial.
g. Nenhum outro facto suspensivo ou interruptivo da prescrição ocorreu posteriormente a 2001, nem a impugnante efetuou quaisquer pagamentos em prestações legalmente autorizadas.
h. A impugnação judicial não determinou a suspensão da cobrança da alegada dívida em execução, tanto mais que a Fazenda Pública operou várias penhoras indicadas no relatório da sentença, bem como a sua caducidade que foi declarada pelo tribunal a quo.
i. Desde o momento da verificação do último facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, decorreram cerca 17 (dezassete) anos.
j. Atentas as disposições conjugadas dos artigos 48.º e 49.º da L.G.T., as alegadas dívidas tributárias impugnadas nos autos (IRC de 1997 e 1998) encontram-se prescritas.
k. Termos em que, ocorrendo e devendo ser declarada a prescrição, deverá ser julgada como verificada a questão prévia da inutilidade superveniente da lide impugnatória.
Sem conceder,
l. A douta sentença em recurso não deu como provadas as diferentes condições de mercado registadas em 1997 e 1998 (artigo 45.º da pi), nem a diferença de preço por metro quadrado praticada em S…… e M……. (artigos 47.º a 49.º da pi), nem as razões inerentes às diferenças de custo e preço praticadas nas vendas das frações (artigos 57.º a 63.º da pi).
m. Quanto aos factos provados, a fls. 17, a douta sentença começa por afirmar que os depoimentos das testemunhas, designadamente de J………, foram credíveis, nele se tendo estribado a sentença para os factos que considerou provados.
n. Já “a respeito dos factos não provados, pese embora, a testemunha J……….. tenha abordado o tema com aparente conhecimento, desde logo resultante do facto de ser engenheiro civil de profissão, o seu depoimento revelou-se contraditório com os factos descritos no Relatório de inspecção onde se salienta, justamente, que os preços praticados contrariavam a lógica habitual, de atribuir menor valor às fracções dos pisos inferiores e vendidas com maior antecedência (regras que foram corroboradas pela testemunha)”.
o. A testemunha em causa depôs com credibilidade – é o tribunal recorrido que o afirma – e com “aparente conhecimento”, sendo engenheiro civil de profissão.
p. Mas porque o seu depoimento contradisse os factos descritos no relatório de inspeção, o seu depoimento não foi valorizado.
q. A forma como o tribunal recorrido motivou a sua decisão quanto a tais pontos da matéria de facto que não considerou provados, revelam com clarividência que apenas considerou credível o que não contrariasse o relatório de inspeção erguendo-o como prova plena e insofismável, incapaz de poder ser contrariado pela prova testemunhal, quanto à perceção dos factos subjacentes ao apuramento da matéria coletável – mesmo que a testemunha fosse uma pessoa com “aparente conhecimento” até por ser engenheiro civil de profissão, para além de ser profundo e concreto conhecedor da realidade objeto dos autos – v. o seu depoimento, gravado em CD de minuto 00.25.25 a 01.05.41.
r) O tribunal recorrido não explicita nem apresenta qualquer razão para só aceitar a prova testemunhal, no que a mesma puder confirmar o relatório
s. O tribunal recorrido viola o artigo 115.º n.º 1 do CPPT, desprezando sem fundamentos sérios a prova testemunhal.
t. No seu depoimento (em CD, minuto 00.25.25 a 01.05.41) a testemunha J…….. afirmou que o ano de 1997 foi um ano melhor do que o ano de 1998 e apresentou razões, explicitou que a construção efetuada pela Recorrente era de cariz social (para pessoas de mais baixos recursos, com menor poder de compra e com acabamentos de qualidade mais baixa), pelo que os preços praticados eram inferiores. Também salientou que os preços em M…… eram inferiores aos praticados em S…… .
u. Ademais, tal facto é da experiência e conhecimento comum, pois M…… era ao tempo um “dormitório” de Lisboa, para onde as famílias se foram deslocando por impossibilidade de aquisição de habitação em Lisboa, ao passo que S….. é uma Vila património mundial classificado desde 1995, com vida própria e com custo de habitação próximo dos valores praticados em Lisboa, como sucede, por exemplo, com a Vila de C…… .
v. Limitando-se a dar por certo e seguro apenas tudo o que o relatório pericial afirmou, ainda que falível e mesmo que contrariado pela prova testemunhal, de modo acrítico e desprezando a prova testemunhal como meio probatório (artigo 115.º do CPPT), o tribunal decidiu em violação do disposto nos artigos 74.º n.º 3 da LGT e 607.º n.º 4 e 5 do CPC.
w. O douto tribunal recorrido deveria, pois, ter dado como provados pelo menos os factos alegados em 46.º, 47.º e 49.º da petição.
x. O douto tribunal recorrido deu como provado em E) da matéria assente as datas e os valores declarados nas escrituras de compra e venda de 10 frações autónomas sitas nos lotes … e … em Casal da Batota, M….., nos anos de 1996 a 1998.
y. Sendo que as liquidações de IRC impugnadas dizem respeito aos anos de 1997 e 1998, ainda que tenha sido considerada também ilicitamente a fração …. constante em E) i., vendida em 1996.
z. Amparando o tribunal recorrido o relatório de inspeção que sustenta as liquidações impugnadas, o qual se baseou: 1) em preços de venda de imóveis em S…. (quando os imóveis em causa se situam em Casal do Batota, M…..); e 2) em preços de venda de imóveis que não são de construção social, ou pelo menos o relatório de inspeção nem sequer afirma que o tipo de construção (qualidade e acabamentos) é similar ao relevante para os autos;
aa.Num critério que é em tudo falível e suscetível de conduzir - como conduziu – a erros e desvios relativamente à realidade.
bb.A inspeção tributária poderia, por exemplo, ter solicitado aos adquirentes das frações em causa, prova das quantias efetivamente entregues à Recorrente – o que não fez, optando por outros métodos de quantificação do lucro tributável, devia ao menos ter selecionado imóveis da mesma área geográfica e com o tipo de construção social similar.
cc. Desde erro emergindo as liquidações impugnadas, que o douto Tribunal recorrido confirmou.

A casuística escolha do método de avaliação indireta da matéria tributável, sendo uma atribuição/competência exclusiva da administração fiscal, não pode deixar de assentar em critérios objetivos e adequados, recaindo sobre os tribunais a tarefa de verificação da sua correta interpretação e aplicação – o que o douto tribunal não fez.
ee. Não tendo razões sérias para duvidar dos valores declarados nas escrituras (pois os critérios apresentados para tal dúvida não têm adesão com a realidade e dizem respeito a imóveis de caraterísticas diferentes), a administração fiscal deveria ter aceitado a quantificação direta do lucro tributável com base nos valores de compra e venda constantes das escrituras públicas outorgadas.
ff. Não podendo a mera hipótese de tais valores terem sido declarados incorretamente pelas partes nesses atos notariais constituir para a administração tributária uma certeza ou um indício forte, tanto mais que que a vacuidade e inadequação do critério de quantificação indireto utilizado é evidentemente incorreto.
gg.Cabe perguntar: É justo e adequado, à luz de parâmetros de aferição pautados por juízos de normalidade e probabilidade, comparar vendas em S….. com vendas no Casal da Barota, em M…., só porque o concelho é o mesmo?
hh.É justo e adequado comparar preços de habitação sem se afirmar, sequer, que a qualidade construtiva é similar, considerando que em M….. as casas eram para habitação e famílias de mais baixos recursos e com menor capacidade aquisitiva?
ii. O método indireto tem caráter subsidiário e só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação direta ou objetiva, não se devendo a ela recorrer-se sem a verificação plena desse requisito. É o que determina o artigo 85.º n.º 1 da LGT.
jj. O facto de a Recorrente não ter apresentado as declarações periódicas – o que é censurável, sem dúvida – não é mote suficiente para lançar mão de métodos indiretos, quando se mostrava possível quantificar de modo objetivo os proveitos da Recorrente. Na dúvida, a administração fiscal podia pedir a colaboração de todos os adquirentes das frações para comprovarem os preços.
kk. A Administração Fiscal devia ter justificado, motivado e comprovado a relação de causa/efeito entre omissão da Recorrente e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação direta, nos termos do artigo 77.º n.º 4 da L.G.T.
ll. E posto isto, ao menos, devia cuidar da adequação dos métodos indiretos utilizados, o que também não sucede.
mm. Mal andou o tribunal recorrido ao considerar justificado o recurso a métodos indiretos para apuramento dos proveitos e, bem assim, ao achar adequado e justo o critério utilizado pela administração tributária.

VI. Pedido.

Termos em que, deve a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que, ampliando a matéria de facto à matéria pertinente para a prescrição e apreciando e julgando essa mesma questão, a declare e consequentemente julgue verificada a questão prévia de inutilidade superveniente da lide.
Caso assim não se entenda e subsidiariamente revogue a douta Sentença recorrida e em sua substituição julgue provados os factos alegados em 46.º 47.º e 49.º da petição e, bem assim, como não verificados, nem fundamentados, os pressupostos e critérios dos métodos indiretos de quantificação da matéria tributável, anulando as liquidações de IRC impugnadas.
Subsidiariamente, seja anulada a Sentença em crise e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância».
Não foram apresentadas contra-alegações no recurso da Impugnante.

A Recorrente Fazenda Pública também apresentou alegações, que culmina com as seguintes «Conclusões:

«i. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, deduzida contra a liquidação de IRC de 1997, na parte relativa à liquidação de juros compensatórios, ao concluir que “não pode subsistir a liquidação de juros compensatórios referente ao IRC e derrama de 1997, por não se encontrar fundamentada”.

ii. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e direito relevante no que concerne à liquidação de juros compensatórios, pelo que, a douta sentença está ferida de erro de julgamento.

iii. Considera a Fazenda Pública que a impugnante compreendeu perfeitamente o itinerário cognoscitivo que levou a AT a decidir da forma que decidiu, alcançou a quantia sobre que incidiriam os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada.

iv. Pelo que, ainda que existissem deficiências no discurso fundamentador daqueles actos tributários, as mesmas degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais, os actos tributários não padecem do vício de falta de fundamentação formal, já que atingiram o duplo objectivo a que se destina o dever de fundamentação formal: o cabal esclarecimento do destinatários dos actos, possibilitando-lhe conformar-se ou insurgir-se contra eles, por um lado, e, por outro, conferir à entidade decidente um maior grau de ponderação na sua prática.

v. A respeito da fundamentação dos actos de liquidação podemos socorrer-nos do entendimento defendido jurisprudencialmente: “constitui um acto em massa (...) tudo aconselha a que não se exija de tais actos o mesmo rigor formal de outros actos administrativos que se destinam a situações específicas e individualizadas. (Cfr. Acórdão do STA, de 22/11/2000, in R.25389, Acórdão Doutrinais, 475, 1007).

vi. O acto de liquidação constitui um acto em massa que consiste no apuramento matemático, processado informaticamente, do valor a pagar ou a receber pelo sujeito passivo.

vii. A concretização do dever constitucionalmente garantido à fundamentação dos actos administrativos é o mais das vezes cumprido pela Administração tributária de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da moderna gestão dos impostos (cfr. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação- Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202) apud Acórdão do STA proferido no Processo n.º 0805/15, de 09-03-2016.

viii. Na análise à liquidação sub judice não podem ser dissociados os vários actos anteriores ao acto de liquidação, projecto e relatório de inspecção tributária, na medida em que todos eles constituem suporte da decisão da administração tributária.

ix. Determinava o artigo 80.º do CIRC, com redacção à data dos factos que sempre que, por motivo imputável ao sujeito passivo, fosse retardada a liquidação do imposto devido, acresceriam juros compensatórios ao montante de imposto.

x. Deste modo, demonstrado que está o nexo de causalidade entre a actuação da impugnante e o retardamento da liquidação de Imposto, apenas e só àquela imputável, ou seja, são devidos juros compensatórios, com vista a compensar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que deixou de ser liquidada no momento em que deveria.

xi. Ora, na eventualidade da liquidação não estar devidamente fundamentada, poderia o Impugnante requerer essa fundamentação no prazo de 30 dias, face ao previsto do artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, já que esta norma não só é aplicável nas situações em que a fundamentação existe mas não foi notificada, como também é aplicável quando a fundamentação não existe.

xii. Findo este prazo o eventual vício ficou sanado, não podendo ser agora invocado nem apreciado em sede de impugnação.

xiii. De referir ainda que, ao contrário do que considerou a douta sentença, a liquidação em apreço contém a base legal (artigo 80.º, do CIRC supra mencionado), como podemos constatar a doc. 1, da petição inicial, no campo 20 da descrição consta: "Juros Compensatórios artº.80.° CIRC", indicando o montante dos juros, isto é, valor sobre o qual incidem.

xiv. Ora, o cálculo dos juros compensatórios decorre da lei, mencionando expressamente o artigo 35.º, da LGT, que os juros são calculados dia a dia, desde a data em que deveria ter sido liquidado e entregue até à detecção da falta, integrando-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados e sendo a taxa equivalente à taxa de juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º, do C.C.

xv. Ou seja, a Impugnante omitiu rendimentos e tendo em conta que os juros compensatórios fazem parte integrante da dívida do imposto com a qual são conjuntamente liquidados, atento o n.º 8 do artigo 35.º da LGT, tem-se que a fundamentação contida no projecto de relatório notificado pelos Serviços de Inspecção Tributária, é suficiente para explicar a origem dos mesmos, bem como a nota de demonstração da liquidação notificada à Impugnante onde evidencia claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios e distinguindo-os de outras prestações devidas.

xvi. Assim sendo e após tudo o que foi dito, podemos concluir que a actuação da Administração Tributária não foi mais do que dar cumprimento aos preceitos legais em vigor à data, nomeadamente aos artigos 80.º do CIRC e 35.º da LGT, pelo que, a sua actuação foi no estrito cumprimento dos mesmos.

xvii. Ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que o acto impugnado enferma de vício de forma, por falta de fundamentação, no que concerne à demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios.

xviii. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça».

A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo assim:

«III. CONCLUSÕES

A. A Sociedade Recorrida pugna pela manutenção da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 07-09-2018, na parte em que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial, no que respeita à liquidação de IRC de 1997, anulando-se parcialmente o ato liquidado, no montante de € 26.920,78, por falta de fundamentação do valor referente a juros compensatórios.
B. Entende a Recorrida que a douta sentença em questão não está ferida de erro de julgamento, como pretende a Recorrente fazer crer nas suas alegações, tendo o Tribunal a quo decidido bem sobre toda a matéria de facto e de direito integrada no probatório e pertinente para a decisão jurídica da causa, no que à liquidação de juros compensatórios respeita.
C. É a própria liquidação que carece dessa falta de fundamentação, tendo tal circunstância resultado provada na sentença que a Recorrente pretende agora pôr em crise (cfr. alínea L) da factualidade assente), dado que no ponto 20. daquela notificação, com a descrição «Juros compensatórios art.º 80.º CIRC», a Recorrente se limitou a indicar o valor de 5.397.132$00.
D. Factualidade provada que a Recorrente nem sequer impugnou.
E. Em face desta completa omissão de fundamentação, que constitui requisito necessário para a validade da liquidação de juros compensatórios, nos termos do disposto no n.º 9, do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, não podia o Tribunal a quo ter decidido de outra forma, se não pela procedência do pedido impugnatório formulado pela Recorrida.
F. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que «a respeito da fundamentação da opção por métodos indiretos e dos critérios utilizados, a simples menção de um valor global de juros, com indicação de uma norma jurídica, não se afigura suficiente para esclarecer o sujeito passivo do “itinerário cognoscitivo e valorativo do ato de liquidação, permitindo- lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinam a sua prática”, desde logo porque não permite aferir do período e da base tributável a que respeitam, nem tão pouco a que taxa foram calculados.»
G. A Recorrida não compreendeu, porque não podia, esse itinerário
cognoscitivo.
H. Por outro lado, a massificação dos processos da Administração Tributária, bem como a sua atuação “padronizada” e “informatizada” não pode significar a inobservância por absoluto de todos os outros princípios, e nomeadamente, não pode implicar a contração desmedida do direito constitucionalmente previsto da Recorrida à fundamentação de um ato lesivo praticado pela Recorrente.
I. Numa outra tentativa de questionar o decidido – e bem – pelo Tribunal a quo, a Recorrente procura, artificialmente, distinguir a notificação do ato de liquidação como condição de eficácia do ato e como requisito de validade do mesmo.
J. No caso em apreço a notificação encerra em si mesma o próprio ato de liquidação (cfr. Documento IRC Modelo 20 de cobrança, alínea L) da factualidade assente), ao contrário daquilo que a Recorrente, habilmente, pretende contradizer.
K. A notificação não existe em si mesma – é o próprio ato de liquidação, com todos os seus elementos.
L. Desta feita, é exatamente por este motivo que não pode, ao contrário do alegado pela Recorrente, operar o artigo 37.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário, dado que este apenas se aplica às comunicações ou notificações que sejam insuficientes, e já não aos atos notificados.
M. Dado que no caso em apreço o vício de falta de fundamentação é imputado ao próprio ato de liquidação, o artigo 37.º, n.º 1 do CPPT não tem aplicação.
Ainda que assim não se considere,
N. Não poderia proceder este argumento, dado que o mecanismo previsto no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT constitui uma faculdade de que podem os interessados deitar mão se assim o entenderam, não estando em caso algum sujeitos a qualquer tipo de obrigação nesse sentido.
O. Por fim, a Recorrente pretende fazer crer que o Tribunal a quo desconsiderou o facto de esta ter indicado a norma legal prevista no artigo 80.º do CIRC, aquando da notificação da liquidação, o que é falso
P. De facto, o Tribunal a quo reconhece que a Recorrente indicou uma norma jurídica (cfr. fl. 31, in fine, da sentença) e conclui que esta não se afigura suficiente para esclarecer o sujeito passivo do “itinerário cognoscitivo e valorativo do ato de liquidação (…), desde logo, porque não permite aferir do período e da base tributável a que respeitam, nem tão pouco a que taxa foram calculados.

IV. PEDIDO

TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA DA DOUTA SENTENÇA DE 07-09-2018 SER JULGADO COMO NÃO PROVADO E IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE MANTER-SE O DECIDIDO PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência de ambos os recursos.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos Recorrentes (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa apreciar: no recurso da Impugnante: (i) se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia ao não conhecer da questão da prescrição da dívida impugnada; (ii) se ocorre prescrição da dívida e se impõe conhecer dela na impugnação judicial; (iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto ao não dar como provados os factos articulados nos pontos 46.º, 47.º e 49.º da douta P.I. e ao não valorizar o depoimento da testemunha J…….., nos segmentos em que contradisse factos descritos no relatório de inspecção tributária; (iv) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir estarem verificados os pressupostos do recurso a métodos indirectos; (v) se se verifica erro na quantificação da matéria tributável; no recurso da Fazenda Pública: se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios referentes ao IRC e derrama do exercício de 1997.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:

«Com relevância para a decisão, tendo em conta a documentação junta aos autos e constante do Processo Administrativo (PA), bem como a posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:

A. A Sociedade de Construções U…… L….. e Filhos, Lda., é uma sociedade por quotas, de pequena dimensão, sem qualquer estrutura administrativa, já que a sede social se situa na residência de dois dos seus sócios, que são todos da mesma família, mais concretamente, um casaI, duas filhas e um filho. – facto não impugnado e confirmado por depoimento das testemunhas J…….., M………. e R……

B. A sociedade, e todos os seus negócios, era gerida apenas pelo sócio e gerente, Sr. J……, desde a sua fundação. – facto não impugnado e confirmado por depoimento das testemunhas J……, M…… e R……

C. O sócio da empresa, J….., realizou, além do mais, os seguintes actos médicos:
• em 4 de Maio de 1993, uma intervenção cirúrgica relacionada com um tumor da transição do cólon ascendente;
• em Junho de 1994, terminou os tratamentos de quimioterapia;

• em Maio de 1998, uma intervenção cirúrgica no fígado;

• em Junho de 1999 e Julho de 2000, fez "polipectomia macroscópica";
• em 27 de Outubro de 2000, uma intervenção cirúrgica a uma hérnia discal. - cf. Docs. 2 e 3 junto pela Impugnante – Relatórios médicos, emitidos em 24 de Abril de 2001, de fls. 17 a 19 e de fls. 21 e 22

D. Entre 1994 e 2001, o sócio da empresa, J……., teve consultas de psiquiatria, de forma regular, com o Dr. F……., padecia no início de "depressão reactiva à doença que padecia (adenocarcinoma do colon)", que se agravou nos anos sucessivos, "de tal forma, que o doente entrou em desespero, deixando de se cuidar, orientar e gerir a sua vida profissional/familiar (…), não se incomodando com nada que lhe dissesse
A.
respeito, negligenciando os aspectos profissionais/financeiros/fiscais/pessoais

/familiares", o que tinha "causa compreensível (…) não só pelas múltiplas anestesias, mas também pela deterioração cerebral orgânica" que se foi acentuando com a idade, sendo que a "perturbação mental, afectou as funções nervosas superiores, com limitações do juízo critico, capacidades de se auto avaliar e dos valores sociais, com dificuldades de prever as consequências dos seus actos", a qual "não teve consequências dramáticas, a não ser a negligência fiscal, porque era apoiado e ajudado pelos amigos e familiares". - cf. Doc. 4 junto pela Impugnante – Relatório médico, emitido pelo Médico psiquiatra, Dr. F……., em 19 de Julho de 2001, de fls. 24 e 25 e depoimento de J…….

E. Entre 23 de Dezembro de 1996 e 20 de Julho de 1999, a Impugnante vendeu, pelo menos, as seguintes fracções autónomas:
i. em 23 de Dezembro de 1996, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 15.000.000$00, a fracção …, correspondente ao 4º …., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra, Venda e Empréstimo com Hipoteca e Fiança, de fls. 126 a 131
ii. em 16 de Janeiro de 1997, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 13.500.000$00, a fracção …., correspondente ao 5º …., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, de fls. 139 a 146
iii. em 28 de Julho de 1997, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 14.500.000$00, a fracção …, correspondente ao R/C …., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra, Venda e Empréstimo com Hipoteca e Fiança, de fls. 102 a 109
iv. em 5 de Setembro de 1997, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 10.000.000$00, a fracção …, correspondente ao 3º …., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra e Venda, de fls. 123 e 124
v. em 29 de Janeiro de 1998, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 15.000.000$00, a fracção …., correspondente ao 3º ….., do prédio sito no Casal da Barota, lote
i.

…; - cf. Escritura de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança e Renúncia, de fls. 183 a 189
vi. em 8 de Abril de 1998, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 21.500.000$00, a fracção …., correspondente ao 5º ….., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, de fls. 202 a 211
vii. em 19 de Maio de 1998, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 8.000.000$00, a fracção …, correspondente ao 1º …., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Renúncia, de fls. 165 a 170
viii. em 21 de Julho de 1998, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 12.000.000$00, a fracção …, correspondente ao R/C …., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca, Fiança e Renúncia, de fls. 148 a 153
ix. em 11 de Novembro de 1998, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 15.000.000$00, a fracção …, correspondente ao R/C …., do prédio sito no Casal da Barota, lote …; - cf. Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança, de fls. 83 a 90
x. em 20 de Julho de 1999, a Impugnante vendeu, declarando na escritura o valor de venda de 2.500.000$00, a fracção …, correspondente a garagem um, do prédio sito o Casal da Barota, lote …; - cf. Doc. 9 junto pela Impugnante – Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, de fls. 49 a 53

F. Em data não apurada, o Inspector Tributário dirigiu-se à sede da Impugnante, e falou com o Sr. J….. . - depoimento das testemunhas J….. e M….

G) O filho e mulher do Sr J……., sócios da Impugnante, estavam em casa no momento da reunião, mas não assistiram à mesma, por se tratar de um assunto da empresa e do Sr. J….. . – depoimento das testemunhas J….. e M……

H) Em 18 de Janeiro de 2001, foi aprovado o Relatório da acção inspectiva realizada à Impugnante, referente aos exercícios de 1997 e 1998, por despacho com o seguinte teor:
"DESPACHO

Concordo com o pareceres, e com o Relatório da acção inspectiva, em anexo. Dos fundamentos deles constante resulta que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos no artº 51º do Código do IRC e nos artºs 87º al. b) e 88º da Lei Geral Tributária, para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, não sendo, também, possível a quantificação e comprovação directa e exacta da matéria colectável.
Desta forma, com os fundamentos referenciados, determino que se proceda, nos termos dos preceitos legais citados, bem como do artº 90º da LGT, artº 52° do CIRC, à determinação da matéria colectável com recurso á aplicação de métodos indirectos para o seu apuramento relativamente ao exercício(s) acima enunciado(s).
Determino, ainda, a fixação da matéria colectável/lucro tributável referente ao(s) exercício(s) em referência, nos montantes propostos". - cf. despacho, a fls. 257

I) O Despacho a que se refere a alínea anterior, teve por base o Parecer do Chefe de Equipe e o Relatório de cujo teor se extrai o seguinte:
"PARECER (…)

O sujeito passivo em analise enquadra-se nos não declarantes, em virtude de nunca ter entregue qualquer declaração de IRC, encontrando- se cadastrado em IVA desde 1986.
Contactado o sujeito passivo, foi o mesmo notificado para apresentar as declarações em falta, bem como os documentos e registos contabilísticos, não tendo dado cumprimento á primeira parte do solicitado.
Dos contactos efectuados constatou-se que a contabilidade não se encontrava organizada de acordo com o POC, não possuía escrituras de venda, nem inventários.

Após várias diligências exteriores ao sujeito passivo foi possível constatar a existência de vendas para os exercícios em análise, pelo que o Lucro Tributável foi apurado por recurso a métodos indirectos para 1997 e 1998 sendo encontrados os seguintes valores:


H) - Conclusões da Acção
Inspectiva Exercício de 1997
Face à utilização de métodos indirectos, foi apurado um lucro fiscal de Esc. 55.975.075$00.
Exercício de 1998

Face à utilização de métodos indirectos, foi apurado um lucro fiscal de Esc. 81.855.861$00.
I) - Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva

A ordem para fiscalização do S. Passivo teve origem em ficha de fiscalização extraída em análise interna, face à venda de fracções - relações obtidas nos notários, e à não entrega de declarações mod. 22. (…)
Foi efectuada a fiscalização geral ao S. Passivo SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES U…… L….. E FILHOS, LDA, com referência
aos exercícios de 1997 e 1998.

O objecto social e a actividade efectivamente exercida pelo S. Passivo consiste na Construção de casas para venda, a que corresponde o CAE 45…..
a) - ENQUADRAMENTO FISCAL DA ACTIVIDADE

• O S. Passivo NÃO está enquadrado no registo de Sujeitos Passivos de IRC, não tendo nunca entregue qualquer declaração mod. 22, e relativamente ao IVA está enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral. Anexos 1 e 2

O Sujeito passivo não possui escrita regularmente organizada, para registo das suas operações.
Não foi possível efectuar a análise à contabilidade do S. Passivo, ainda que notificado para o efeito, em virtude da mesma não se encontrar efectuada. (…)
IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
1 - INTRODUÇÃO - 1997 e 1998

Nos exercícios de 1997 e 1998 o S. Passivo procedeu à venda - produtos acabados - de diversas fracções de dois lotes de terreno para construção, os quais constituiu em propriedade horizontal, em M…… - Queluz. Constatou-se no entanto que este S. Passivo:
a) Não faz parte do Cadastro de S. Passivos de IRC, em virtude de nunca ter entregue qualquer declaração mod. 22 de IRC, muito embora se encontre registado no Cadastro de IVA desde 1986, onde é referido o início de actividade em 1982.02.22; Anexos 1 a 3
b) Não tem a contabilidade efectuada e encerrada, para os exercícios em análise;
c) Foi notificado para efectuar a entrega das declarações mod. 22 de IRC, bem como os documentos fiscais inerentes à referida declaração, não tendo dado cumprimento à notificação; Anexo 4
d) Embora seja um contribuinte que face à actividade que exerce - vendas de fracções (casas), onde é normal os compradores exercerem o recurso ao crédito, a sua contabilidade não movimenta a conta POC - 12 - BANCOS;
e) Não tem as vendas efectuadas, contabilizadas com documentos credíveis de suporte, isto é escrituras;
f) Em 6 de Novembro de 2.000, ainda não é possível verificar os custos de fracções vendidas em 1997 e 1998; Anexo 5
g) Não tem inventários, quer iniciais quer finais; Anexo 5

h) Foram solicitadas as escrituras de propriedade horizontal, bem como fotocópias dos modelos 129 e alguns apanhados contabilísticos, de forma a que os serviços de fiscalização reunissem os elementos necessários e indispensáveis a uma correcta tributação do S. Passivo. Anexos 8 a 11 e 20 a 22.
Por um apanhado extracontabilístico, constata-se que o S. Passivo em 1997 e 1998 efectuou vendas, as quais, dados os preços praticados, contrariam na nossa opinião as regras normais de mercado, isto é:
Anexos 12 e 13

a) quanto maior é a casa em termos de premilagem, logo mais metros quadrados " mais barato o S. Passivo a vende"
b) quanto mais alto é o andar, mais barato é vendido;

c) quanto mais tarde se compra, mais barato sai o valor do andar em termos de preço por metro quadrado;
Lote …


Lote …


Estes "pressupostos" e que o S. Passivo utiliza, não são quanto a nós viáveis na construção civil, salvo um ou outro caso pontual ligado a "crises", mas que nos exercícios em análise não aconteceram.
Face ao exposto, o S. Passivo, reúne os requisitos previstos no artº. 51º nº. 1 do CIRC e artº. 87º da LGT para aplicação dos métodos indirectos.
Na aplicação dos métodos indirectos é aplicada a Margem Bruta das Vendas em virtude do S. Passivo adquirir Matéria Prima que incorpora com Mão de Obra, a qual apresenta as seguintes percentagens nos exercícios em análise: Anexos 6 e 7

1997 - 34,88 %

1998 - 33,32 %

por ser quanto a nós, a que melhor se enquadra no exercício da actividade exercida pelo S. Passivo.
b) - Exercício de 1997

• - Proveitos

Conforme já referido na Introdução, constata-se uma oscilação de preços de venda por metro quadrado ( de Esc. 188.889$00 a Esc. 110.656$00 ), os quais como já referido, não são passíveis de acontecer.
Consultando os " índices de preços de mercado do metro quadrado de construção publicados na revista C..... Imobiliário (Zona de S….), constata-se que no exercício em análise o preço por metro quadrado é de Esc. 180.250$00, valor este, aliás, que é ainda inferior ao valor por metro quadrado, ( Esc. 188.889$00) que o S. Passivo praticou na venda da fracção … - 4° … do lote …. Anexos 14 e 15
Face ao exposto, o valor por metro quadrado obtido na referida revista, de Esc. 180.250$00 vai ser aplicado às fracções vendidas pelo S. Passivo com excepção da já referida - fracção …, onde é aceite o valor por metro quadrado praticado na venda efectuada pelo S. Passivo.
Assim, os proveitos pré apurados de vendas são corrigidos de Esc.119.500.000$00 para Esc. 160.479.000$00, conforme Anexos 13 e 20 que se juntam.
• - Custos:

Face à aplicação de métodos indirectos, é calculado também pelo mesmo método os custos inerentes às vendas efectuadas, tendo por base a margem bruta das vendas, existentes na base de dados, a qual neste exercício é de 34,88%.
Vn - CMVMC/ Vn = 34,88 %

Esc. 160.479.000$00 - x /160.479.000$00

34,88 % = ( 160.479.000$00 - x ) x 160.479.000$00 x= 160.479.000$00 x 65,12%
X = 104.503.925$00

2.3 - Calculo do IRC

Apuramento do resultado fiscal corrigido

RubricasV. CorrigidosDiferençaPontos
Vendas160.479.000160.479.0002.1
Total Proveitos160.479.000160.479.000
Outros Custos104.503.925104.503.9252.2
Total104.503.925104.503.925
Resultado L.

Exercício

55.975.07555.975.075
c) - Exercício de 1998

• - Proveitos

Conforme já referido na Introdução, constata-se uma oscilação de preços de venda por metro quadrado ( de Esc. 260.764$00 a Esc. 108.695$00 ), os quais como já referido, não são passíveis de acontecer.
Consultando os índices de preços de mercado do metro quadrado de construção publicados na revista C..... Imobiliário ( Zona de S…. ), constata-se que no exercício em análise o preço por metro quadrado é de Esc.193.000$00, valor este, aliás, que é ainda inferior ao valor por metro quadrado, ( Esc. 260.764$00 ), que o S. Passivo praticou na venda das fracções ° - 4° …, P - 5° …" e … - 5° …, todas do lote …. Anexos 16 a 19
Face ao exposto, o valor por metro quadrado obtido na referida revista, de Esc. 193.000$00 vai ser aplicado às fracções vendidas pelo S. Passivo com excepção das já referidas - fracções …, … e …, onde são aceites os valores por metro quadrado, praticados nas vendas efectuadas pelo S. Passivo.
Assim, os proveitos pré apurados de vendas são corrigidos de Esc.219.300.000$00 para Esc. 245.665.850$00, conforme Anexos 12, 21 e 22 que se juntam
• - Custos:

Face à aplicação de métodos indirectos, é calculado também pelo mesmo método os custos inerentes às vendas efectuadas as quais neste exercício é de 33,32%,
Vn – CMVMC/ Vn = 33,32 %

Esc. 245.665.850$00 - x / 245.665.850$00 = 33,32% 33,32 % = ( 245.665.850$00 - x ) x 245.665.850$00 x= 245.665.850$00 x 66,68%
x = 163.809.989$00

3.3 - Cálculo do IRC

Apuramento do resultado fiscal corrigido

RubricasV. CorrigidosDiferençaPontos
Vendas245.665.850245.665.8503.1
Total Proveitos245.665.850245.665.850
Outros Custos163.809.989163.809.9893.2
Total163.809.989163.809.989
Resultado L.

Exercício

81.855.86181.855.861
d) - Imposto sobre o valor Acrescentado

A actividade efectivamente exercida está isenta de IVA nos termos do artigo número 31 do CIVA.
V - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
O critério de utilização dos métodos indirectos encontra-se justificado no ponto 1 do presente Relatório e os cálculos encontram-se justificados nos pontos 2 a 3 do presente Relatório". - cf. Parecer e Relatório anexo, de fls. 258 a 266, cujo teor se dá por integralmente reproduzido

J) Em 2 de Fevereiro de 2001, a Impugnante entregou a Declaração Modelo 22 de IRC, de 1997, declarando um lucro de 11.324.072$00. – cf. comprovativo, a fls. 70 e 71

K) Em 2 de Fevereiro de 2001, a Impugnante entregou a Declaração Modelo 22 de IRC, de 1998 declarando um resultado negativo de 2.453.224$00. – cf. comprovativo, a fls. 72 e 73

L) Em 4 de Abril de 2001, foi emitida a Liquidação referente ao IRC de 1997, da Impugnante, com o seguinte teor:
H)
“texto integral com imagem”

- cf. liquidação n.º 83……, a fls. 400

M) Em 18 de Maio de 2001, foi emitida a Liquidação referente ao IRC de 1998, da Impugnante, com o seguinte teor:
“texto integral com imagem”

- cf. liquidação n.º 83….., a fls. 402

N) Em 6 de Setembro de 2001, a Impugnante apresentou na 3ª Repartição de Finanças da Amadora, um pedido de revisão excepcional do lucro tributável, referente ao IRC de 1997 e 1998. – cf. Doc. 1 junto pela Impugnante – folha de rosto de requerimento, a fls. 15

O) Em 24 de Janeiro de 2002, o acto de liquidação de IRC de 1998 foi parcialmente revogado, no valor de € 7.380,09 (1.479.575$00), por duplicação de colecta, por se ter constatado que "a fracção … do lote … foi considerada simultaneamente no ano de 1998 e de 1999", pelo que, tendo a escritura de venda sido concretizada em 1999, foi anulada a correcção fiscal da fracção … no exercício de 1998. – cf. Ofício n.º ….., de 28 de Janeiro de 2002, despacho, parecer e informação em anexo, de fls. 221 a 226

P) Em 17 de Abril de 2002, foi emitida a Liquidação corrigida referente ao IRC de 1998, da Impugnante, apurando os seguintes valores:
“texto integral com imagem”

- cf. liquidação n.º 83……., a fls. 404


*

FACTOS NÃO PROVADOS

A Impugnante não logrou provar as diferentes condições de mercado registadas em 1997 e 1998 (alegada no artigo 45º da sua petição), nem a diferença de preço por metro quadrado praticada em S…. e M…… (alegada nos artigos 47º a 49º da sua petição), nem as razões inerentes às diferenças de custo e preço praticadas nas vendas das fracções (alegadas nos artigos 57º a 63º da sua petição).

Quanto ao mais, inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa ou outros sobre que o Tribunal deva pronunciar-se, já que as demais asserções da douta petição ou integram conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.


*

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou desde logo da posição das partes assumida nos articulados, complementada com o depoimento das testemunhas inquiridas, e com o exame dos documentos e das

informações oficiais constantes dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, conforme referido no probatório.

Refira-se quanto às alíneas A) e B) supra, que os depoimentos de J….. e M….., respectivamente, filho e mulher do Sr. J….. (responsável pela gestão da Impugnante), bem como de R…, actual técnico oficial de contas da sociedade, se mostraram credíveis e coincidentes no que respeita à gestão e funcionamento da sociedade.

No que respeita às alíneas C) e D), pese embora os familiares do Sr. J….. tenham demonstrado desconhecer o médico que subscreve os Relatórios em que se fundamentam as referidas alíneas, o seu teor não foi impugnado, nem tal desconhecimento por parte das testemunhas é suficiente, por si só, para por em causa a credibilidade do referido médico e do documento por si emitido.

Desde logo, porquanto, como resulta do depoimento da mulher e filho do Sr. J……, no período a que se reportam os Relatórios, e salvo os períodos de internamento ou convalescença, o Sr. J….. mantinha as suas rotinas e geria a sua vida, tal como a sociedade, com autonomia. Pelo que, se afigura plausível que frequentasse um médico psiquiatra sem conhecimento da sua família.

Quanto aos factos descritos nas alíneas F) e G), o Tribunal considerou os depoimentos de J….. e M….., respectivamente, filho e mulher do Sr. J…… que relataram os factos por si presenciados, descrevendo a forma como os percepcionaram, designadamente quanto ao facto de o Sr. J…. ter reunido sozinho com o inspector tributário e de nenhuma informação lhe ter sido solicitada, e justificando tal atitude com o facto de ser este o único responsável pela gestão da empresa, afirmando que não este permitia qualquer ingerência em tal actividade.

A respeito dos factos não provados, pese embora, a testemunha J….. tenha abordado o tema com aparente conhecimento, desde logo resultante do facto de ser engenheiro civil de profissão, o seu depoimento revelou-se contraditório com os factos descritos no Relatório de inspecção onde se salienta, justamente, que os preços praticados contrariavam a lógica habitual, de atribuir menor valor às fracções dos pisos inferiores e vendidas com maior antecedência (regras que foram corroboradas pela testemunha).

Quanto à diferença de preço entre M…. e S…., a testemunha apenas realçou tal diferença como óbvia. Ora, uma vez que M…. pertence ao concelho de Sintra, a alegação e respectiva prova teria que recair na medida do afastamento dos preços praticados em M…., dos apurados para a média do concelho. O que não foi feito.

De igual modo, e justamente pelo que acima se expõe, não resulta provado que os valores de venda se encontram correctos, como alegado no artigo 40º da petição. Resultando apenas provado, na alínea E) supra, a venda das fracções e os valores declarados na escritura, os quais se encontram dessa forma evidenciados na contabilidade.

Contudo, a veracidade de tais valores foi posta em causa pela Autoridade Tributária, e a Impugnante não logrou fazer prova em contrário, como se lhe impunha».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Ø Recurso da Impugnante, Sociedade de Construções U….. L…. & Filhos, Lda.”

Constitui princípio elementar em matéria processual, o de que o tribunal de recurso deve conhecer de todas as questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto de decisão no tribunal recorrido, sejam submetidos à sua apreciação, isto é, constituam objecto de impugnação, a qual se encontra delimitada pelas conclusões da motivação do recurso.
Tal princípio, como a jurisprudência o tem vindo a salientar, comporta, porém, uma ampliação e uma restrição; a ampliação verifica-se perante questões de conhecimento oficioso, que a lei impõe sejam sempre conhecidas pelo tribunal de recurso independentemente de terem sido invocadas; a restrição é a que resulta dos poderes de cognição do tribunal de recurso.

Assim delimitado o âmbito do recurso, pelas conclusões da motivação constata-se que a Recorrente logo começa por invocar nulidade da sentença por omissão de pronúncia na medida em que nada disse sobre a questão da prescrição da dívida invocada em requerimento autónomo constante de fls.466 e, aliás, de conhecimento oficioso.

Vejamos.

Dispõe o n.º1 do art.º125.º do CPPT, que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».

A omissão de pronúncia como vício invalidante da sentença em processo tributário encontra-se pois especialmente prevista naquele n.º1 do art.º125.º do CPPT, disposição que encontra a sua congénere na alínea d) do n.º1 do art.º615.º da lei processual civil.

Como a doutrina e a jurisprudência o têm salientado repetidas vezes, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ocorre quando a sentença deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra – vd. Acórdão do STJ, de 29/11/2005, exarado no proc.º05S2137.

Vertendo aos autos, logo salta à evidência que, pese embora a questão da prescrição da dívida tenha sido colocada ao tribunal pela impugnante, ora Recorrente, em requerimento autónomo apresentado ainda na fase instrutória do processo (cf. fls.466), a sentença não conheceu dessa questão, nem explicitou as razões por que o não fez.

Assim, verifica-se vício invalidante da sentença por omissão de pronúncia sobre a invocada prescrição da dívida, pois ainda que o tribunal recorrido entendesse ser de não conhecer do mérito da excepção, sempre teria de dar a conhecer os motivos subjacentes a esse entendimento.

Trata-se, porém, de nulidade que não afecta toda a matéria da decisão recorrida, mas se restringe à questão em causa.

Passando ao conhecimento da questão omitida, de há muito a jurisprudência do STA tem vindo a considerar que “A prescrição da dívida resultante do acto tributário de liquidação não constitui vício invalidante desse acto e por isso não serve de fundamento à respectiva impugnação, nem é nela de conhecimento oficioso”. Porém, essa mesma jurisprudência não deixa de referir que nada obsta a que incidentalmente possa ser apreciada a prescrição na impugnação judicial para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição (vd. Acórdão do STA, de 02/05/2012, tirado no proc.º01174/11).

Entrando na análise da prescrição visando garantir a utilidade do prosseguimento da lide e tendo em conta que a liberdade de actuação do juiz mostra-se condicionada pelos dados disponíveis no processo, informam os autos que relativamente às liquidações de IRC impugnadas, a Recorrente foi citada pessoalmente no processo executivo n.º361….., em 16/11/2001 e foi citada pessoalmente no processo executivo n.º361….., em 02/04/2003 (cf. prints relativos à tramitação dos processos, a fls.487 e 490 e fls.466).

A presente impugnação judicial foi apresentada em 17/09/2001, conforme carimbo de entrada aposto pelo serviço de finanças na P.I., a fls.2.

Isso assente, deve começar por se precisar que o prazo de prescrição a ter em conta é o prazo de oito anos, previsto no n.º1 do art.º48.º da LGT.

Na verdade, em caso de sucessão de leis que estabelecem distintos prazos de prescrição há que ter em conta o nº1 artigo 297º do Cód. Civil, mandado aplicar ao direito fiscal pelo artigo 5º do DL nº398/98 de 17 de Dezembro, segundo a qual «a lei que estabelece, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».

Ora, quando em 01/01/1999 entrou em vigor a LGT, no confronto com o prazo de 10 anos do anterior Código de Processo Tributário, não faltava menos tempo para se completar o prazo de prescrição segundo a lei antiga. Tratando-se de um imposto periódico, de acordo com o nº2 do artigo 34º do CPT, o prazo de prescrição começa a correr a partir do início do ano seguinte ao da verificação do facto tributário. Assim sendo, esse prazo começou a correr a partir de 01/01/1998 para a dívida mais antiga de IRC/1997 terminaria em 01/01/2008. Já no caso da LGT, o prazo de oito anos é contado a partir de 01/01/1999, por força do nº 1 do artigo 297º do Cód. Civil acima citado, pelo que terminaria em 01/01/2007. Sendo o regime da LGT o aplicável à dívida mais antiga, necessariamente o será também para a dívida mais recente de IRC/1998.

Assente que é aplicável a LGT, resta verificar se ao abrigo desse diploma se produziram factos interruptivos e/ou suspensivos com interferência directa na contagem do período relevante para a prescrição de oito anos.

Em face do que consta no probatório, considerando o tipo de factos mencionados no n.º1 do artigo 49º da LGT, na redacção vigente à data em que eles se produziram (redacção dada pela Lei nº 100/99, de 26 de Julho), constata-se que há dois factos com potencialidade interruptiva do prazo iniciado em 1/1/1999: (i) a impugnação judicial, apresentada em 17/09/2001; (ii) a citação para a execução fiscal, ocorrida, respectivamente, em 16/11/2001 e 02/04/2003.

A Lei n.°53-A/2006, de 29 de Dezembro, deu nova redacção ao n.°3, do art.º49.° da LGT, estabelecendo que “sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar".

Assim, com esta Lei, os factos com potencial efeito interruptivo que ocorram após a primeira interrupção deixam de ter tal efeito.

Esta Lei (Orçamento do Estado para 2007) entrou em vigor em 01/01/2007 e, sendo aquela uma norma sobre os efeitos de factos, ela só se aplica após a sua entrada em vigor, por força da regra do art.º12.°, nº2, do Cód. Civil.

Isso significa, assim, que as causas de interrupção da prescrição que ocorram a partir de 01/01/2007 só têm efeito interruptivo se, antes de elas ocorrerem, não ocorreu qualquer outra com idêntico efeito.

Mas, como se sublinha no Acórdão do STA, de 31/03/2016, exarado no proc.º0184/16, «já as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº3 do art.º49.º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, ou seja, antes de 01.01.2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte» (fim de cit.).

No caso vertente, e relativamente a ambas as dívidas exequendas de 1997 e 1998, a última causa de interrupção da prescrição verificada antes de 01/01/2007 decorre das citações da própria impugnante/Recorrente no processo de execução fiscal, citações essas ocorridas, respectivamente, em 16/11/2001 e 02/04/2003, sem que, nessas datas, o processo de impugnação judicial estivesse parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (cf. fls.60/61 dos autos).

Ora, como vêm sublinhando a doutrina e a jurisprudência consolidada do STA, a citação do executado tem, não só o efeito instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (artigos. 326.°, n.°1, e 327.°, n.°1, do Cód. Civil).

Porém, tal efeito duradouro de obstar ao decurso do prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo, apenas é de aplicar caso antes de 01/01/2007 (data da entrada em vigor da Lei n.º53-A/2006, de 29 de Dezembro), não tenha ocorrido a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo (cf. art.º91.º da referida Lei n.º53/2006).

Ora, sobre este facto, os elementos do processo executivo que constam dos autos nada informam, como também nada informam, de seguro, sobre a ocorrência de outros eventuais factos determinantes da suspensão do processo executivo, nomeadamente, a existência de penhora de bens suficientes para garantir a dívida e acrescido (art.º 49.º, n.º2 da LGT e 169.º, n.º1 do CPPT).

Torna-se pois, impossível a este tribunal de recurso, com os elementos disponíveis nos autos, afirmar a prescrição da dívida para daí concluir que a lide impugnatória não pode ter qualquer reflexo na relação substantiva respectiva, pelo que a sua continuidade seria pura inutilidade.

Nessa medida, impõe-se conhecer das demais questões do recurso.

A Recorrente começa por impugnar a matéria de facto, não se conformando com a circunstância de a sentença recorrida não ter dado como provadas “as diferentes condições de mercado registadas em 1997 e 1998 (artigo 45.º da pi), nem a diferença de preço por metro quadrado praticada em S…. e M…. (artigos 47.º a 49.º da pi), nem as razões inerentes às diferenças de custo e preço praticadas nas vendas das fracções (artigos 57.º a 63.º da pi)”.

De acordo com o disposto no art.º640.º do CPC, exige-se do Recorrente, nos casos em que seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, que dê cumprimento ao ónus de alegação, devendo obrigatoriamente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

À matéria factual em causa, que a seu ver deveria integrar o elenco dos factos provados, a Recorrente indica o depoimento da testemunha J……, engenheiro civil de profissão. Porém, ouvido o depoimento desta testemunha, dele não se apreende um depoimento seguro e assertivo sobre nenhum dos pontos factuais em causa, tendo-se limitado a referir que os preços em M…… são mais baixos que os praticados em S….., por se tratar de zona mais degradada, com diferente envolvente, sendo S…. melhor servida de transportes e ter acesso mais facilitado. Perguntado sobre a diferença de preços, disse que às vezes se vendia numa fase inicial, daí o preço ser inferior e teria o comprador de fazer os acabamentos. No que respeita a custos de construção, disse ser o mesmo em S…. e M…, variando apenas o preço de venda.

Ora, unicamente com base neste depoimento genérico, para mais de quem não acompanhava de perto a actividade social, não pode o tribunal fundar a sua convicção quanto a melhores condições sectoriais de mercado capazes de explicar um lucro da impugnante de 11.324.072$00 em 1997 e um prejuízo de 2.453.224$00 em 1998; que com referência ao tipo e características das fracções comercializadas pela impugnante os preços médios de venda por m2 praticados em M…. são inferiores aos praticados em S…. e que as diferentes fracções vendidas pela impugnante apresentam diferentes custos de construção e diferentes preços de venda, com oscilações bastante acentuadas da margem bruta.

Por outro lado, não padece de erro de julgamento o ponto E)/ i., da matéria assente, que concorda com o conteúdo da escritura de venda constante de fls.126.

Com o que a Recorrente se não conformará será eventualmente com o facto de o RIT se ter valido de uma escritura de 1996 como um dos elementos para pôr em causa os valores escriturados das fracções vendidas em 1997 e 1998, anos a que respeitam os impostos impugnados (cf. fls. 262 dos autos), questão a que adiante voltaremos.
Improcede, por conseguinte, a impugnação da decisão de facto, não tendo a sentença incorrido no apontado erro de facto.

Prosseguindo na apreciação das demais questões do recurso, a Recorrente aponta à sentença erro de julgamento ao concluir que estavam reunidos os pressupostos de que depende o recurso à avaliação indirecta.

A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa – art.º85.º, n.º1, da LGT.
Sendo clara a preferência do legislador pelo método declarativo, até por ser aquele que, em princípio, melhor permite alcançar o objectivo programático, constitucionalmente previsto, da tributação das empresas pelo rendimento real (art.º104.º, n.º2, da CRP), o art.º81.º, n.º1, da LGT, determina que a administração tributária só possa recorrer à avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.

De modo a prevenir a utilização abusiva pela Administração tributária do método indirecto na determinação da matéria tributável, bem como a permitir aos contribuintes e aos tribunais um controlo apertado da legalidade da decisão do recurso a tal metodologia de avaliação, o legislador sujeitou tal decisão a especiais exigências de fundamentação, prevendo o art.º77.º, n.º4, da LGT, que «A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável».

Refere o RIT, na exposição de motivos que implicam o recurso à avaliação indirecta, nomeadamente, o seguinte (cf. fls.262 dos autos):

«Nos exercícios de 1997 e 1998 o S. Passivo procedeu à venda - produtos acabados - de diversas fracções de dois lotes de terreno para construção, os quais constituiu em propriedade horizontal, em M…… - Queluz. Constatou-se no entanto que este S. Passivo:
a) Não faz parte do Cadastro de S. Passivos de IRC, em virtude de nunca ter entregue qualquer declaração mod. 22 de IRC, muito embora se encontre registado no Cadastro de IVA desde 1986, onde é referido o início de actividade em 1982.02.22; Anexos 1 a 3
b) Não tem a contabilidade efectuada e encerrada, para os exercícios em análise;
c) Foi notificado para efectuar a entrega das declarações mod. 22 de IRC, bem como os documentos fiscais inerentes à referida declaração, não tendo dado cumprimento à notificação; Anexo 4
d) Embora seja um contribuinte que face à actividade que exerce - vendas de fracções (casas), onde é normal os compradores exercerem o recurso ao crédito, a sua contabilidade não movimenta a conta POC - 12 - BANCOS;
e) Não tem as vendas efectuadas, contabilizadas com documentos credíveis de suporte, isto é escrituras;
f) Em 6 de Novembro de 2.000, ainda não é possível verificar os custos de fracções vendidas em 1997 e 1998; Anexo 5
g) Não tem inventários, quer iniciais quer finais; Anexo 5
h) Foram solicitadas as escrituras de propriedade horizontal, bem como fotocópias dos modelos 129 e alguns apanhados contabilísticos, de forma a que os serviços de fiscalização reunissem os elementos necessários e indispensáveis a uma correcta tributação do S. Passivo. Anexos 8 a 11 e 20 a 22.
Por um apanhado extracontabilístico, constata-se que o S. Passivo em 1997 e 1998 efectuou vendas, as quais, dados os preços praticados, contrariam na nossa opinião as regras normais de mercado, isto é:
Anexos 12 e 13
a) quanto maior é a casa em termos de premilagem, logo mais metros quadrados " mais barato o S. Passivo a vende"
b) quanto mais alto é o andar, mais barato é vendido;
c) quanto mais tarde se compra, mais barato sai o valor do andar em termos de preço por metro quadrado;
(…)».

No que respeita à exposição dos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, resulta claramente explicado que os proveitos foram calculados com base num preço de venda por m2 de 180.250$00 em 1997 e 193.000$00 em 1998, conforme consulta feita aos “índices de preço de mercado do metro quadrado de construção publicados na revista C..... Imobiliário (zona de S….)…”; e que os custos inerentes às vendas efectuadas foram calculados tendo por base “a margem bruta das vendas existentes na base de dados”, a qual no exercício de 1997 foi de 34,88% e no de 1998, foi de 33,32%.

E do despacho que sancionou as Conclusões do relatório e o Parecer do Sr. Chefe de Equipa, fez-se constar “que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos no art.º51.º do Código do IRC e nos art.ºs 87.º alínea b) e 88.º da Lei Geral Tributária para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, não sendo, também possível a quantificação e comprovação directa e exacta da matéria colectável” (cf. fls.257).

Como se vê, o relatório contém a fundamentação legalmente exigível quer quanto à impossibilidade de comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, quer quanto à indicação dos critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.

Na verdade, como se salienta no acórdão do STA, de 12/03/2014, tirado no proc.º01674/13, aliás na linha de reiterada jurisprudência do mesmo alto tribunal, «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o “bonus pater familiae” de que fala o art.º487º nº2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual».

Ora, a fundamentação vertida no relatório mostra-se suficiente, clara e congruente, sendo acessível a sua apreensão por um destinatário médio, quer quanto às razões de facto, quer de direito, que levaram à prática do acto.

Questão diversa, que se prende com a fundamentação substantiva mas deixa intocada a fundamentação formal do acto, é indagar da correcção dos fundamentos aduzidos, ou seja, se a factualidade relatada comprometia inevitavelmente o apuramento da matéria tributável por via directa, ou seja, com base nos elementos de contabilidade e escrita do contribuinte.

Partindo da fundamentação do relatório, apoiaram-se as correcções no art.º87.º da LGT, que dispõe que a avaliação indirecta só pode efectuar-se nos casos previstos nas suas alíneas, referindo a alínea b) a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

E o também citado art.º88.º da LGT dispõe:

«A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada».

Ora, salta à evidência que os factos descritos no RIT, traduzem o incumprimento generalizado de obrigações acessórias contabilísticas, declarativas e/ou de registo (artigos 109.º, 115.º e 116.º do CIRC) que inviabilizam o apuramento directo da matéria tributável, pois este nunca se poderia basear numa inexistente declaração, contabilidade e/ou registo.

Pretende a Recorrente que os proveitos poderiam ser fixados por via directa com base nos valores escriturados de venda ou com o recurso a diligências junto dos adquirentes das fracções. Mas ainda que os proveitos pudessem ser fixados por via directa – sendo certo que a AT justificou a correcção dos valores escriturados de venda (cf. art.º39.º, n.º2, 1.ª parte, da LGT) – não se alcança como poderiam ser, pelo método directo, fixados os custos inerentes aos proveitos, pelo que o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável sempre resultaria inevitável.

Note-se que os valores declarados pela impugnante já depois de constatada em sede inspectiva a inexistência de declaração, contabilidade e/ou registo não gozam de qualquer presunção de veracidade e boa-fé, por força do disposto no n.º2 do art.º75.º da LGT, pelo que, a aceitação desses valores como bons sempre passaria pela alegação e demonstração da sua aderência realidade, ónus este da impugnante nos termos do disposto no art.º74.º, n.º1 da LGT, posto que não pode invocar a seu favor qualquer presunção legal de veracidade. Ora, essa prova não ressalta do quadro factual fixado no probatório.

Vem a propósito referir que embora a AT se tenha socorrido de uma venda de 23 de Dezembro de 1996 para concluir pelo afastamento dos preços de venda praticados face às “regras normais de mercado” nos anos de 1997 e 1998 (cf. RIT, fls.262 dos autos), tal não põe em crise o juízo extraído pela AT posto que (também) assente em outros elementos que reflectem essa mesma realidade de afastamento dos preços de venda praticados pela impugnante, ora Recorrente, face às “regras normais de mercado”.

A sentença recorrida não incorreu pois em erro de julgamento ao considerar verificados os pressupostos de que depende o recurso à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, improcedendo este segmento do recurso.

Aqui chegados, importa trazer à colação o disposto no n.º3 do art.º74.º da LGT segundo o qual, «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».

Atento esse critério legal de repartição do ónus da prova entre o contribuinte e a Administração tributária no caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, tendo a Administração tributária cumprido o ónus de prova que lhe incumbia da verificação dos pressupostos da sua aplicação (como no caso sucedeu), ao sujeito passivo impugnante passa a caber o ónus da prova do excesso de quantificação.

E como a jurisprudência, nomeadamente a deste tribunal, de há muito o vem salientando, “o contribuinte não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário, cabendo-lhe o ónus da prova de tais factos” – vd. Acórdão deste TCA Sul, de 01/06/2004, tirado no proc.º06657/02.

Ora, o quadro fixado no probatório e que se mostra estabilizado por improcedência da impugnação da decisão de facto, não suporta minimamente a conclusão de que a matéria tributável fixada enferma de erro manifesto ou grosseiro, pois do lado dos proveitos nenhuma prova foi feita da realidade dos valores escriturados, com recurso a elementos pertinentes, nomeadamente os meios de pagamento envolvidos nas transacções e os contratos-promessa que normalmente seriam celebrados, pois como afirma a testemunha J……, por vezes mediava muito tempo entre o negócio e a escritura de venda. Mas também do lado dos custos e da margem bruta das vendas (MBVM), nada alcançamos no probatório que permita concluir pelo excesso de quantificação, sendo certo que aqui o decisivo era demonstrar, caso a caso, não só que as diversas fracções comercializadas em 1997 e 1998 apresentaram custo de construção diferenciado, como que os preços de venda reflectiam margens bastante inferiores àquelas a que chegou a Administração tributária.

Não podendo a convicção do tribunal formar-se com base em meras alegações genéricas e inconclusivas que não se alicerçam em factos concretos cuja realidade tenha sido demonstrada, nem se afigurando evidente para este tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos elementos dos autos, bem andou a sentença recorrida ao concluir pela falta de prova do excesso de quantificação.

Tudo visto, nega-se provimento ao recurso da impugnante.

Ø Recurso da Fazenda Pública

No recurso da Fazenda Pública, discute-se unicamente se a liquidação de juros compensatórios referenciados ao imposto impugnado de IRC/1997, se encontra devidamente fundamentada.

A sentença recorrida, já se entrevê, entendeu que não, com base neste raciocínio:

«Por último, quanto à falta de fundamentação da notificação para pagamento da liquidação de juros compensatórios, alega a Impugnante (além de considerar que não são devidos sobre a derrama, questão já apreciada no segmento referente à "errónea quantificação"), que o seu apuramento não se encontra devidamente fundamentado, porquanto "na liquidação tão só aparece o montante dos juros e não a forma como foram calculados, nem sobre que parcelas incidiram".
Defende que, no ano de 1997, tais juros devem ser contados desde 1 de Junho de 1998, até ao dia em que se iniciou a inspecção (6 de Novembro de 2000), porquanto, nos termos do artigo 35º n.º 4 da LGT, "a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia".
Ora, com efeito, e como resulta da alínea L) da factualidade assente, a liquidação referente a 1997, nada refere quanto à fundamentação do acto, limitando-se a inserir o valor de € 5.397,132, no campo "20. Juros compensatórios art.º 80º CIRC".
Acresce que, ao contrário do que se verifica com as liquidações referentes a 1998 (cf. alíneas M) e P) da factualidade assente), que remete para "nota discriminativa junta e fundamentação já remetida",
A notificação da liquidação de IRC de 1997 não faz qualquer referência a outros documentos remetidos ao sujeito passivo. E a Autoridade Tributária também não veio sequer alegar, nem obviamente provar, que tal informação tivesse sido notificada ao sujeito passivo.
Com efeito, e conforme alegado e nos termos acima expostos a respeito da fundamentação da opção por métodos indirectos e dos critérios utilizados, a simples menção de um valor global de juros, com indicação de uma norma jurídica, não se afigura suficiente para esclarecer o sujeito passivo do "itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática", desde logo, porque não permite aferir do período e da base tributável a que respeitam, nem tão pouco a que taxa foram calculados.
Deste modo, não pode subsistir a liquidação de juros compensatórios referente ao IRC e derrama de 1997, por não se encontrar fundamentada.
Procede pois, neste segmento, a presente impugnação, o que determina a anulação parcial da liquidação de IRC de 1997, no valor de 5.397.132$00, ou seja, € 29.620,78 (cf. linha 20, da liquidação transcrita na alínea L) supra).» (fim de cit.).

Adiantamos já que não assiste razão à Recorrente. E, desde logo, quando sustenta que a liquidação, além de fundamentada, resulta da lei.

É que, como bem se refere no Acórdão do STA, de 29/02/2012, tirado no proc.º0928/11, «Resultar da lei é o requisito da própria existência da liquidação, pois só se resultar da lei a mesma pode ser efectuada, mas isso não significa que esteja fundamentada.
Um acto pode ser legal mas não estar fundamentado, ou seja não estarem exteriorizadas as razões que levaram à prática daquele acto e que possibilitem ao sujeito passivo compreender o “iter cognoscitivo” que determinou a liquidação do tributo apurada».

Para se considerar a liquidação em questão, fundamentada relativamente aos juros compensatórios, necessário seria que fosse indicado o montante do imposto sobre que incidiram os juros, mas ainda a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem, o que no caso não se verifica.

Como também se refere no citado Acórdão do STA, de 29/02/2012, tirado no proc.º0928/11, que vimos acompanhando, «Neste sentido o acórdão do STA, de 21 de Abril de 2010, proferido no proc. nº743/09, em que se pode ler “Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
Especialmente em matéria de fundamentação de decisões de cálculo de juros compensatórios, o art. 35.º, n.º 9, da LGT estabelece que «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas». Assim, é de concluir que a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo”. E mais recentemente no acórdão do STA de 30 de Novembro de 2011, proferido no Proc. nº 619/11, pode ler-se “Como é sabido, as exigências de fundamentação variam conforme as circunstâncias concretas, designadamente o tipo de acto, a não participação do interessado no procedimento anterior ao acto ou, no caso da participação, a extensão desta. No que respeita aos juros compensatórios, admitimos que as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo. Eventualmente, ainda que com algumas reservas, admitimos que nem sequer se exija a referência à norma legal ao abrigo do qual os juros foram liquidados, pois é do conhecimento geral que se o atraso na liquidação do imposto devido for imputável ao contribuinte há lugar à liquidação de juros compensatórios. Admitimos ainda que se considere que a fundamentação do “atraso na liquidação por motivo imputável ao contribuinte” se baste com a mera referência ao acto omitido que o originou, ou seja, com a referência – que a sentença na alínea B) dos factos que deu como provados considerou poder extrair-se da notificação, sendo que nessa parte não vem posta em causa – de que os juros compensatórios são «devidos pela falta de retenção na fonte e falta de entrega nos cofres do estado do IRS (Imposto de Capitais), no ano de 1993».
(...) No entanto, há ainda uma declaração mínima que se nos afigura indispensável para que se cumpram as exigências legais de fundamentação que visam, afinal, que o contribuinte possa optar conscientemente entre o conformar-se com o acto, aceitando a sua legalidade, ou contra ele reagir administrativa ou contenciosamente. Nesse conteúdo mínimo da declaração fundamentadora deverá conter-se a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, à taxa ou taxas aplicáveis e ao período de tempo em que tais juros são exigíveis (Neste sentido, o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Fevereiro de 2009, proferido no processo com o n.º 1002/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 241 a 244, também disponível emhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afda64de2d8db9438025755f0041b823?OpenDocument.). Só perante esses elementos o contribuinte poderá verificar se a liquidação foi ou não efectuada de acordo com a lei e o tribunal, se tal lhe for solicitado, poderá desempenhar a sua tarefa de sindicância dessa legalidade. Ora, no caso sub judice não há indicação de qualquer desses elementos: não há qualquer indicação do montante do imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios; não há referência à taxa ou taxas aplicadas na liquidação dos juros; não há qualquer menção das datas que terão sido consideradas como sendo as do início e do termo do prazo de contagem desses juros”». (fim de cit.).

Sendo também esses os elementos omissos no caso dos autos, é manifesto que a liquidação de juros compensatórios reportada ao impugnado imposto de 1997 não se encontra devidamente fundamentada, tal como o entendeu a sentença recorrida, que não merece qualquer censura.

Note-se, por último, que o entendimento da Recorrente de que o disposto no art.º37.º, n.º1 do CPPT [«Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento»] “não só é aplicável nas situações em que a fundamentação existe mas não foi notificada, como também é aplicável quando a fundamentação não existe”, pelo que não tendo a impugnante/Recorrida lançado mão desse meio, o vício formal apontado ao acto se encontra sanado, não tem respaldo na doutrina, nem na jurisprudência.

O que a doutrina e jurisprudência sempre têm defendido é que a falta de fundamentação do acto de liquidação afecta a respectiva validade, mas a omissão ou insuficiência da fundamentação, aquando da notificação daquele acto, apenas pode afectar a sua (do acto de liquidação) eficácia, que não a sua validade e são estas situações, em que está em causa a eficácia do acto, as únicas sobre que recai o ónus previsto no art.º37.º, n.º1 do CPPT (vd. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 4:ª ed. (2003), a pág.214).

Compreende-se que assim seja, pois a abranger nesse preceito as situações de inexistente fundamentação do acto (que não apenas notificação da fundamentação) seria abrir a porta à admissibilidade da fundamentação “a posteriori”, o que claramente afronta o entendimento consolidado do STA, expresso em inúmeros arestos de ambas as Secções, de que a fundamentação tem de ser contextual, ou seja, contemporânea do acto (Vd. Acórdão de 17/03/2005, exarado no proc.º0103/05).

O recurso da Fazenda Pública não merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento a ambos os recursos.

Condena-se a Recorrente impugnante em custas, das mesmas estando legalmente isenta a Recorrente Fazenda Pública (processo com entrada anterior a 2004).

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019


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Vital Lopes




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Patrícia Manuel Pires




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Joaquim Condesso