Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:873/15.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores: COIMA
ELEMENTOS DO TIPO DE ILÍCITO.
Sumário:1. O juízo de adequação dos factos descritos à norma só pode ser formulado pelo tribunal por referência à norma punitiva indicada na decisão de fixação da coima.
2. A conduta traduzida em reportar na declaração periódica de IVA um montante de crédito de imposto a recuperar superior ao devido, o qual por via das correcções levadas a efeito pela AT passou de 57.016,31€ para 49.853,38€, não preenche o tipo previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º114.º do RGIT, por não ocorrer falta de entrega da prestação tributária ao credor, que é um elemento objectivo do tipo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que no recurso judicial interposto pela arguida “P…. – Sociedade Gestora de Franchising, S.A.” anulou a decisão de fixação da coima no valor de 2.148,87€ aplicada no processo de contra-ordenação n.º3336……. .

A Recorrente conclui as alegações assim:

«1. Determinou a douta sentença a quo pela anulação da decisão que aplicou à Recorrente a coima no valor de € 2.148,87 ao abrigo do processo de contra-ordenação supra identificado, com fundamento na sua desconformidade com o tipo legal de punição de que a Recorrente vem acusada (artigo 114.0, n.º 1 e n.º 2, do RGIT), posto que encontrando-se esta numa situação de crédito de imposto de IVA, não havia lugar à entrega de qualquer prestação tributária.
li. Com a devida vénia e ressalvado melhor entendimento, dissente esta RFP da decisão tomada, por considerar que não se mostra suficientemente valorado o facto de subjacente à decisão de aplicação da coima sindicada, se encontrar um relatório inspectivo que observou e registou a conduta típica punível
Ili. E de acordo com o citado relatório, como tal mencionado na douta sentença a quo, não fora aceites determinadas regularizações de valores e períodos, o que significa que a correcção aqui efectuada consubstancia a prática de um ilícito traduzido na consideração de imposto deduzido que não preenchia os requisitos legais para o efeito.
IV. Pelo que dúvidas não restam de que verdadeiramente também se mostra aqui preenchido o tipo legal previsto na alínea a) do nº 5 do art.º 114° do RGIT, consubstanciado na menção do IVA, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais.
V. Posto que neste caso não estamos perante uma situação de falta de entrega da prestação tributária que deva ser entregue há administração fiscal mas sim de omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido.
VI. E pese embora a omissão da citada norma no despacho que aplicou a coima, deve prevalecer in casu, a jurisprudência expressa no acórdão STA de 25 de Junho de 2015, rec. n.º 0382115, nos termos da qual: "A decisão de aplicação da coima não indica, é certo, a alínea a) do nº 5 do artigo 114.º do RGIT, apenas o n.0 2 do mesmo preceito legal. Sucede, porém, que o que a lei impõe como requisito legal da decisão é a indicação da norma punitiva, ou seja, daquela que prevê a penalidade aplicável à infracção, a respectiva sanção, e esta encontra-se no n..º 2 do artigo 114.º– coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, na redacção vigente à data da prática do facto; desde a Lei n.º 64-812011, de 30 de Dezembro, coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, elevando-se para o dobro os limites mínimos e máximos da coima quando aplicada a pessoa colectiva (artigo 26. n.º 4 do RGIT)."
VI 1. Destarte e contrariamente ao entendimento firmado na douta sentença a quo, deve entender-se que estando o tipo legal objectivo e punitivo previsto no artigo 114.º, n.º 1 e
n.º 2, do RGIT, é de recorrer à norma auxiliar contida no nº. 5 do artigo 114.0 do RGIT para enquadramento do facto típico a que corresponde a infracção praticada..
VIII. Assim, considerando que, respeitosamente, a douta sentença a quo violou o disposto nas normas dos n.ºs 1 e 2 e 5 do artigo 114.º do RGIT, aplicáveis no âmbito da contra­ ordenação imputada à Recorrente, deve, consequentemente, ser a mesma substituída por acórdão que determine pela manutenção da decisão que aplicou a coima na ordem jurídica.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR ACÓRDÃO QUE DECLARE IMPROCEDENTE O PRESENTE RECURSO DE CONTRA­ ORDENAÇÃO.

PORÉM, V. EXAS. DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».

O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes Conclusões:

A) A Douta Sentença recorrida faz correcta aplicação do Direito ao caso sub judice, pelo que não merece reforma nem censura;

B) A P…… apresentou, dentro do prazo legal, declaração periódica referente ao período de Dezembro de 2012, da qual não resultou qualquer obrigação de entrega de imposto ao Estado;

C) É facto assente, constando do ponto II – 3.3.1 do relatório de inspecção tributária que a Recorrida P….. “entregou todas as declarações periódicas de IVA a que está legalmente obrigado nos termos dos artigos 29.º, n.º 1, al. c), e 41.º , ambos do CIVA”;

D) É facto assente na Douta Sentença recorrida que, tendo a P…… sido alvo de inspecção tributária, no âmbito da qual foram efectuadas correcções, no valor de
€ 7.162,93, ao montante que poderia deduzir no período de Dezembro de 2012, esta ainda se manteve numa situação de crédito de imposto a seu favor, sendo parcialmente deferido o pedido de reembolso efectuado na declaração periódica de Maio de 2013, no valor de € 44.675,92;

E) Não tendo as correcções efectuadas pela Administração Fiscal resultado em qualquer imposto a entregar nos cofes do Estado, mas antes num reembolso de imposto à P......

F) Decorrente de a P...... se encontrar, mesmo após as correcções por parte da Administração Fiscal, numa situação de crédito de IVA a recuperar, correspondente ao valor de IVA em excesso que foi efectivamente entregue nos cofres do Estado, o qual corresponde, não a receita tributária, mas antes a um valor detido, transitoriamente, com a obrigação de ser restituído ao sujeito passivo, não se verificou qualquer acção ou comportamento que conduzisse a uma “falta de cobrança de imposto devido”;

G) Punindo o art.º 114.º, n.º 1 e n.º 2 do RGIT, a “não entrega (…) da prestação deduzida nos termos da lei”, podendo a mesma, nos termos da alínea a) do n.º 5 do mesmo preceito legal subsumir-se a “falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto me factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais”,

H) Verifica-se que, inexistindo a obrigação da P...... de entregar qualquer montante de IVA ao Estado, e bem assim, verificando-se que não ocorreu qualquer situação que conduzisse a eventual “falta de cobrança de imposto devido”, facto admitido pela Recorrente Fazenda Pública que, no seu recurso admite que “a recorrente iria obter um valor de reembolso superior”,

I) Não estão preenchidos os elementos do tipo objecto de contra-ordenação previsto nos n.ºs 1, 2 e 5, alínea a) do RGIT, como, aliás, nunca poderia a referia infracção ser aplicável ao caso sub judice;

J) Assim, andou bem a Douta Sentença recorrida ao dispor que, “em face das normas legais tidas como violadoras a decisão de aplicação da coima – os artigos 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1 b) do CIVA, não seria sequer possível entender estar preenchido o tipo legal de contra-ordenação dos números 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT, pois, como tem afirmado a jurisprudência do STA, ‘no âmbito do IVA os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram (…) mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram’”, tendo correctamente decidido o Tribunal a quo que se impõe “a anulação da decisão recorrida por desconformidade com o tipo legal de punição de que a Arguida vem acusa”;

K) Em face do exposto, a Douta Sentença recorrida faz correcta aplicação do Direito ao caso sub judice, pelo que não merece reforma ou censura;

L) Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite à cautela, por dever de prudente patrocínio e sem conceber, atendendo ao diminuto grau de culpa na actuação da Recorrida P......, já que se encontrava me situação credora de IVA entregue em excesso nos cofres do Estado, e procurou, de forma voluntária, conformar-se com as regras legais que lhe são aplicáveis, sempre deveria ocorrer a dispensa de aplicação de coima, nos termos do art.º 32.º do RGIT.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida in totum a Douta Sentença recorrida.
Assim se fazendo JUSTIÇA!»
O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão essencial que importa resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que os factos descritos na decisão de fixação da coima não se subsumem ao tipo de ilícito imputado à arguida.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
A. O autuante, J….., verificou pessoalmente, no exercício das suas funções que “P...... Sociedade Gestora de Franchising, SA.,” com sede na Av …….., 337 1849-… Lisboa não entregou o imposto (IVA) exigível conjuntamente com a respectiva declaração periódica relativamente ao período de tributação 201303 no montante de € 7.162,93, face aos factos relatados no relatório de inspecção tributária – tudo conforme consta do auto de notícia a fls. 2-b) v dos autos.
B. O auto de notícia supra mencionado foi elaborado face à OI20….. e deu origem ao processo de contra-ordenação n.º 3336……., cuja parte administrativa correu seus termos no Serviço de Finanças de Lisboa 6 - cfr. fls.2-b) e 2-b) v dos autos;
C. O aqui arguido, foi alvo de uma acção inspectiva por parte dos Serviços de Inspeção T – Departamento B Divisão IV da Direção de Finanças de Lisboa no âmbito da OI20……. emitida em 09-08-2013 e OI20….. emitida em 16/05/2014, donde foi apurado que, cito parte do respectivo relatório:
“(…)

II- 2.1. Motivo

Deu origem à abertura das ordens de serviço internas, de âmbito parcial em sede de IVA para os exercícios de 2012 e 2013, (…) o pedido de reembolso n.º 132….. formalizado pelo sujeito passivo na declaração periódica n.º 1120….. do período 2013 -05, no valor de € 93.537,70 (…)
(…)

III-2.3.2 Análise fiscal dos acordos

(…)

Pelo exposto, não aceitamos a regularização dos seguintes valores e períodos:

A) Com o “Acordo C….. Lda, no valor de € 7.162,93 no período 2012012;

B) Com a “F…. F…. – Auto Reparadora Lda.,” no montante de € 22.427,34, no período 2003 03; e

C) Com a “C….. Unipessoal Lda”, no valor de € 19.271,51 no período 2013 03

III-2.4 Conclusões

Pelo exposto nos pontos anteriores, propomos o deferimento parcial do reembolso formalizado pelo sujeito passivo na declaração periódica do período 2013 05 no valor de € 44.675,92.

III-2-5 Correções Técnicas - IVA

Em conformidade com o relatado, as correcções propostas ao imposto em falta são as seguintes:

    Ponto do relatório
      Período
    Imposto em Falta
III-2.3.2.
      2012 12
        7.162,93
      2013 03
        41.698,85
TOTAL
        48.861,78
(…)”

Tudo de acordo com fls. 3 e seguintes dos autos

D. A Arguida teve conhecimento da instauração do processo de contra-ordenação a que nos vimos referindo, por carta registada com a indicação de que, querendo, poderia apresentar defesa – cfr. fls. 21 dos autos – não contestado
E. Do processo supra identificado, antecedendo a decisão de fixação da coima, consta a seguinte informação:

“(…)

Normas Inf ringidas e Punitiv as
Os f actos relatados constituem v iolação do(s) artigo(s) do RGIT ref eridos no quadro, aprov ado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões)
Normas Inf ringidas
Artigo
Normas Punitiv as
Artigo
Período
Tributação
Data
Inf ração
    Coima
    f ixada
Art. 27.º n.º 1, 41 CIVA – Falta de entrega de Imposto exigiv el conjuntamente com a respectiv a declaração periódica (M)Art. 114.º n.º 2 e 26 n.º 4 do RGIT
– Falta de entrega da prest. tributária dentro do prazo
2012122013-02-112.148,87
(…)
Re
quisitos / Contribuinte
1 P...... SOCIEDADE
GESTORA DE FRANSCISING SA
      Actos de Ocultação
Não
      Beneficio Económico
0,00
      Frequência da Prática
Acidental
      Negligência
Simples
      Obrigação de não cometer a infracção
Não
      Situação Económica e Financeira
Baixa
      Tempo decorrido desde a prática da infracção
      < 6 meses
Tudo conforme fls. 30 dos autos.

F. Do despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 6 datado de 22/08/2014, consta:
“ Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto

no art. 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de € 2.148,87 cominada no(s) Art(s) 114.º n.º 2 b) e 26.º, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do n.º 2 do Dec. Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se (…)”

Tudo conforme fls. 31 dos autos.

G. Do teor desta decisão foi dado conta à arguida por carta, datada de 22/08/2014, com prazo para pagamento da coima e da possibilidade de efectuar o pagamento com redução de 25% do valor fixado e ainda, para, querendo, apresentar recurso - tudo conforme fls. 16 dos autos, não contestado.
H. Em 03/09/2014 foi intentado recurso da decisão de aplicação da coima – cfr. consta dos autos

*

Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pelo recorrente, todos objeto de análise concreta, não se provaram outros, suscetíveis de afetar a decisão de mérito e que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.
*

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nas informações constantes dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Em processo de contra-ordenação foi aplicada à arguida, ora Recorrida, a coima de 2.148,87€, constando da decisão de fixação da coima, no espaço reservado a “descrição sumária dos factos”, nomeadamente, o seguinte: “O presente PCO teve como origem auto de notícia levantado pela IT (OI 201……), na sequência de um pedido de reembolso de IVA do período 201305, no montante de 93.537,70, tendo sido deferido parcialmente no montante de 44.675,92, com reflexo no apuramento do IVA devido a final, derivando consequente liquidação adicional em 201212, no valor de 7.162,93”; e como “normas infringidas” e “normas punitivas”, constam do mesmo acto, respectivamente: “Art.º27 n.º1, 41 CIVA – Falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respectiva declaração periódica (M)” e “Art.º114 n.º2 e 26 n.º4 do RGIT – Falta entrega prest. tributária dentro do prazo” – cf. pontos A) e E) do probatório.
Perante o vertido na decisão de fixação da coima, a sentença discreteou assim:

«Na situação em análise a arguida vem acusada da falta do imposto exigível conjuntamente com a declaração periódica do IVA e esta, vem, em primeira linha, insurgir-se por considerar que não se encontram preenchidos os elementos do tipo objectivo de contra-ordenação previsto no n.º 1 e 2 do art. 114.º do RGIT e com razão, senão vejamos:

Refere o texto legal que:
Artigo 114.º
Falta de entrega da prestação tributária

1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido

Donde resulta que a conduta tipificada no número 1 da norma citada é a “a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei (…) ”

Sendo que o número dois se limita à qualificação da gravidade da conduta supra descrita.

Ora, em face do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida, os factos a descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima têm de ser subsumíveis no tipo legal em apreço, sob pena de o mesmo não se verificar e consequentemente não haver punição.

Na verdade do n.º 1 do art. 114.º do RGIT resulta expressamente uma descrição típica “a não entrega total ou parcial por um período de 90 dias ou superior da prestação tributária deduzida nos termos da lei”, ou seja a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima mas terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida e ser devida.
Da factualidade supra resulta claramente que na situação subjudice não há prestação tributária a ser entregue já que que o valor corrigido e exigido (€ 7.162,93) é inferior ao valor do reembolso inicialmente apurado, logo não há lugar á entrega de qualquer prestação tributária.

Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima – os artigos 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1 b) do CIVA - , não seria sequer possível entender estar preenchido o tipo legal de contra-ordenação dos números 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT, pois, como tem afirmado a jurisprudência do STA, “no âmbito do IVA os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram (…), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram”.

Face ao exposto, impõe-se a anulação da decisão recorrida por desconformidade como o tipo legal de punição de que a Arguida vem acusada» (fim de cit.).

Concordamos com este modo de ver. Em reforço e em vista do inconformismo expresso pela ATA nas doutas alegações e sumariado nas conclusões, acrescentaremos apenas o seguinte: no essencial, a Recorrente alega que os factos descritos no relatório de inspecção tributária que integra o Auto de Notícia a que se refere a impugnada decisão de fixação da coima, subsumem-se no tipo sancionatório da alínea a) do n.º5 do art.º114.º do RGIT, que dispõe:

«5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:

a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais;
b) ….».


Não sentimos necessidade de indagar se a descrita conduta da arguida – que se traduziu em reportar na declaração periódica de IVA um montante de crédito de imposto a recuperar superior ao devido, o qual por via das correcções levadas a efeito pela AT passou de 57.016,31€ para 49.853,38€ - se integra no tipo de ilícito previsto e punido pela alínea a) do n.º5 do art.º114.º do RGIT, porquanto, não foi essa a norma punitiva que se fez constar da decisão de aplicação da coima, mas sim a norma do n.º2 do art.º114.º que remete na sua previsão para o antecedente n.º1.

E foi em vista desse enquadramento, que a sentença decidiu e a arguida estruturou a sua defesa, para ambas concluírem pelo erro de subsunção jurídica.

Cumpre salientar que as infracções tributárias estão sujeitas aos princípios da legalidade e da tipicidade e, segundo este, para haver infracção tributária, o facto praticado tem de estar descrito em anterior norma publicada – art.º2.º do RGIT.

Ora, se a ATA entendia, como agora propugna em sede recursiva, que os factos descritos preenchiam o tipo de ilícito da alínea a) do n.º5 do art.º114.º do RGIT, então deveria ter mencionado de forma expressa na decisão de fixação da coima essa norma, o que não fez.

Nessa medida, o juízo de adequação do facto à norma formulado pelo tribunal apenas poderia ser feito, como foi, por referência à norma indicada do n.º 1 e 2 do art.º114.º do RGIT e não merece qualquer censura, pois que o facto descrito não é subsumível naqueles preceitos, pelas razões que a sentença explica e que se prendem com a não verificação do elemento objectivo do tipo que é a falta de entrega da prestação tributária ao credor, o que a própria Recorrente parece admitir (vd. Conclusões IV e V).

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019



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Vital Lopes




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Patrícia Manuel Pires





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Benjamim Barbosa