Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:399/22.8BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/08/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO INFORMAÇÕES
INCONSTITUCIONALIDADE
DOCUMENTOS NOMINATIVOS
Sumário:I – Não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.
II - A mera invocação do regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, sem explicar em que termos a divulgação das informações pretendidas pela requerente afeta de forma grave/séria o interesse concorrencial, o segredo sobre a vida interna da empresa, não permite, sem mais, concluir que a divulgação da informação relativa à execução de um contracto público possa gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial.
III - Perante a existência de dados pessoais ou de segredos sobre a vida interna das empresas, a entidade pública disponibilizará o solicitado, expurgando a informação insuscetível de ser prestada,
Efetivamente, impende sobre a Entidade Intimada permitir a consulta do processo, e nos termos do n.º8 do artigo 6.º da LADA, expurgar a informação relativa à matéria reservada. Dito de outro modo, a Requerente terá direito a aceder ao processo com os documentos, apenas truncados nas partes relativas à matéria abrangia pelo segredo; incumbindo ainda sobre a Entidade Intimada o dever de apresentar, caso a caso, as razões para a necessidade de ocultação desses concretos elementos, para que a Requerente também possa sindicar essa atuação.
IV - Resulta do artigo 5.º, n.º 1 da LADA, que “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A M...... – E....., EM, SA, no âmbito da Intimação para a prestação de Informações e Passagem de Certidões apresentada pela S...... , Lda., tendente a «Ser a Entidade Requerida intimada a (…) emitir e remeter à aqui Requerente, a informação/documentação solicitada no seu ofício de 4 de abril de 2022, e melhor descrita no artigo 5.º do presente Requerimento Inicial», inconformada com a decisão proferida no TAF de Sintra, em 22 de junho de 2022, através da qual foi julgado procedente o pedido de acesso formulado pela requerente, veio a Recorrer para esta Instância em 11 de julho de 2022, no qual concluiu:
“A. O presente Recurso de Apelação, vem interposto da decisão proferida na data de 22.06.2022 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra a ora Recorrente, no âmbito do processo n.º 399/22.8BESNT.
B. A sentença objeto do presente recurso condenou a Recorrente a dar satisfação integral aos pedidos formulados pela Autora S...... , Lda. (“Autora”).
C. A Recorrente não se conforma com o entendimento e decisão do Tribunal a quo.
D. A Recorrente entende, com o devido respeito, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de ilegalidade por erro na aplicação do direito, nomeadamente, por interpretar erroneamente os artigos 3.º, e 6.º, nº 5 e 6 da LADA e por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2.º, 3.º, 8.º e 18.º nº 2 da CRP.
E. Existe um extenso histórico de litigância entre Recorrente e a Ré que antecede o presente litígio.
F. O presente litígio reveste-se de caráter persecutório e vexatório.
G. O direito de informação dos administrados não é absoluto pelo que carece de ser considerado no quadro do princípio da proporcionalidade e do conflito de direitos.
H. A Autora instrumentaliza o regime de acesso a documentos administrativos consagrado na LADA, bem como os princípios da administração aberta e da transparência consagrados na CRP aos seus interesses pessoais e com o propósito de subverter as mais basilares normas da concorrência.
I. Cumpre ao julgador ponderar e hierarquizar os direitos em confronto e pugnar pela solução que melhor tutele os interesses divergentes com base nos princípios constitucionais base do sistema jurídico.
J. A violação manifesta dos princípios constitucionais no caso vertente por si só é suficiente para julgar totalmente improcedentes os pedidos da Autora e nesse sentido revogar a decisão do Tribunal a quo por manifestamente ilícita por efeitos da violação dos artigos 2.º, 3.º e 18.º da CRP.
K. No que diz respeito aos elementos requeridos nas alíneas d), e), f) e h) do articulado da Autora, entende a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro na aplicação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3.º da LADA, por não se tratar de “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”.
L. Para que determinadas informações ou documentos sejam considerados documentos administrativos é requisito implícito que estejam expressos em formato materializável, seja ele qual for.
M. Ainda que o conceito normativo de documento administrativa se revista de grande amplitude, para que os elementos requeridos estejam compreendidos no âmbito objetivo da LADA sempre seria exigível que se tratassem de verdadeiros documentos pelo menos suscetíveis de serem materializados, o que manifestamente não acontece no caso vertente.
N. Andou mal o Tribunal a quo ao decidir genericamente que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, quando manifestamente não podem ser considerados como tal à luz do conceito normativo aplicável.
O. Os pedidos formulados nas alíneas d), e), f) e h), em caso algum poderiam estar materializados, justamente por não serem documentos, nem tampouco documentos administrativos.
P. No que diz respeito aos elementos requeridos nas alíneas a), b), c), g) e i), veio o Tribunal a quo recusar acolher a tese da ora Recorrente.
Q. Tribunal a quo escudou-se do seu dever de pronúncia, não se tendo dignado a justificar a razão pela qual, ainda que estejam em causa documentos nominativos, como parece admitir, devam ser prestados embora a Autora não tenha feito prova de estar munida da autorização que lhe incumbia apresentar para esse efeito.
R. O Tribunal a quo limita-se a afirmar que “a requerente peticiona o acesso a «documentação/informação administrativa» não especificando nenhum documento em particular ou alguma reprodução de documento concreto”, facto que não corresponde à realidade uma vez que o pedido da Autora é claro no que diz respeito aos elementos a que pretende ter acesso, os quais se subsumem no conceito de documento nominativo.
S. Designadamente o pedido formulado na alínea g)3, em que é expressamente requerido o nome de uma pessoa singular, consagrado no nº 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 como dado pessoal.
T. O nome enquanto dado pessoal na acessão vertida na diretiva transposta para o ordenamento jurídico português é amplamente reconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
U. No âmbito do regime de acesso a documentos administrativos consagrados na LADA fica a entidade requerida, em princípio, vinculada ao pedido da requerente devendo satisfazê-lo nos exatos termos em que é formulado ou devendo negar-se a satisfazê-lo nas situações em que os documentos solicitados não sejam suscetíveis de serem prestados, como no caso dos presentes autos.
V. Estando manifestamente perante documentos nominativos e não tendo a Autora logrado fazer prova do preenchimento dos requisitos contemplados no nº 5 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, uma vez que não se dignou a apresentar qualquer “autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder”, nem tampouco “demonstrou fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação” cumpriria ao Tribunal a quo decidir pela improcedência do pedido.
W. Não o tendo feito, resulta manifestamente do exposto que carece a posição do Tribunal a quo de censura.
X. Os documentos/informações a que o Tribunal a quo decidiu conceder acesso dizem respeito à gestão interna dos recursos humanos da Recorrente e das suas relações com parceiros comerciais.
Y. Entende a Recorrente estar-se perante matéria manifestamente abrangida pela restrição prevista no nº 6 do artigo 6.º da LADA.
Z. O artigo 6.º, nº 6 da LADA dispõe que “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”
AA. Constituem segredos sobre a vida interna de uma empresa aqueles “não são apropriáveis e não têm um valor de mercado. Não são passíveis de replicação, mas o seu conhecimento por terceiros pode acarretar prejuízos.”
BB. Informação que não tem valor económico intrínseco, porém que se trata de informação relativa à gestão interna da Recorrente e aos métodos de organização e da própria atuação no contexto comercial da Recorrente.
CC. A qual, a ser dada a conhecer a terceiros, designadamente uma concorrente de mercado, é manifestamente suscetível de causar danos à Recorrente, bem como “gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial”.
DD. Conceder acesso à informação requerida pela Autora seria distorcer, acrescentamos, à revelia das normas da concorrência e da boa-fé, as regras de mercado uma vez que a Autora obteria informação privilegiada no que aos métodos de gestão e organização interna da Recorrente, bem como a relação da mesma com parceiros comerciais diz respeito.
EE. A manutenção da decisão ora recorrida, resultaria na obtenção de benefícios ilegítimos por parte da Autora.
FF. A Recorrente oportuna e tempestivamente invocou o regime previsto nº 6 do artigo 6.º do LADA e as razões pelas quais a documentação requerida respeita à vida interna da mesma.
GG. Trata-se de informação intimamente ligada com a gestão interna da empresa e com a relação da Recorrente com parceiros negociais.
HH. A informação a que a Autora requereu acesso constitui um exemplo paradigmático do que deve ser considerado documentação/informação a respeito da vida interna da empresa e consequentemente sujeito ao regime restritivo contemplado no nº 6 do artigo 6.º da LADA.
II. Assim, tratando-se sem espaço para dúvidas, de segredo da vida interna da empresa, resulta manifestamente da interpretação literal do nº 6 do artigo 6.º do LADA que caberia à Autora o ónus de demonstrar estar “munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”
JJ. O Tribunal a quo fez uma aplicação errada do direito através de inversão metodológica nos termos da qual inverte o ónus da prova do interesse em aceder à informação requerida, distorcendo-o de forma a fazer pender sobre a ora Recorrente o ónus de provar que a Autora não tem um interesse ou direito que fundamente o acesso, à revelia dos pressupostos de aplicação presentes na norma sob análise.
KK. A Autora não logrou fazer prova de qualquer interesse, destarte, não preenchendo os pressupostos normativos de aplicação, outra solução não restará pela improcedência do pedido.
LL. Assim, incorreu o tribunal em erro de aplicação do direito e violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade.
MM. A Autora estaria investida no ónus de fazer prova nos autos de que era titular de um direito ou interesse legalmente protegido para fundamentar o acesso aos documentos em causa.
NN. Não tendo logrado fazê-lo, incorreu o Tribunal a quo em erro na aplicação do direito e consequente violação do princípio da legalidade por efeitos de ter invertido o ónus da prova ao fazer uma interpretação do artigo 6.º, nº 6 da LADA incompatível com o elemento literal da disposição normativa.
OO. Pelo que carece o Tribunal a quo de sustentação jurídica no que diz respeito a conceder acesso aos elementos requeridos.
PP. Termos em que, deve a decisão ora recorrida ser revogada, com fundamento em violação dos princípios constitucionais da legalidade e estado de direito, proporcionalidade, vertidos nos artigos 2.º, 3.º, 8.º, 18.º, nº 2 e 61.º da CRP e por erro na aplicação do direito, nomeadamente, por interpretar erroneamente os artigos 3.º, e 6.º, nº 5 e 6 da LADA, e consequentemente substituída por outra que indefira integralmente o pedido de informação formulado pela Autora.
Nestes termos e, nos demais de direito, deve o presente recurso de apelação ser admitido como tal e considerado totalmente procedente, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Recorrente de prestar qualquer das informações requeridas.”

A aqui Recorrida/S...... , veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 01/08/2022, concluindo:
“1. No dia 4 de abril de 2022, a aqui Recorrida enviou uma carta à Recorrente a solicitar, ao abrigo do disposto na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (doravante LADA), informação/documentação administrativa relativa à execução de um contrato celebrado com o Município de Coimbra.
2. Não tendo recebido qualquer resposta por parte da Recorrente, a Recorrida viu-se obrigada a intentar a presente ação de intimação para prestação de informações, mormente para que lhe fosse disponibilizada a documentação/informação solicitada.
3. A douta sentença do Tribunal a quo julgou procedentes os pedidos de acesso formulados e, em consequência, intimou a Recorrente a disponibilizar a documenta/informação solicitada pela Recorrida. Inconformada, a Recorrente apresentou recurso desta decisão.
4. A Recorrente inicia as suas alegações de recurso afirmando que “O extenso elenco de processos judiciais nos quais as partes têm interesses antagónicos” demonstram “o caráter persecutório e vexatório das várias intimações para prestação de informações e passagem de certidões propostas pela Autora contra a ora Recorrente”.
5. De facto, a Recorrente e a Recorrida exercem a sua atividade no sector da produção de cartografia, topografia e outros análogos, e, não raras vezes, participam nos mesmos procedimentos de contratação pública. Pelo que, é normal que sejam partes em algumas ações urgentes de contencioso pré-contratual, com posições antagónicas. 6. Quanto às ações de contencioso pré-contratual elencadas pela Recorrente, repare-se que foram propostas pela própria e contra a Entidade Adjudicante (não contra a Recorrida), pelo que, não têm qualquer relação com o pedido de acesso à informação/documentação realizado pela Requerente, e muito menos com os presentes autos (pelo que, em momento algum, poderiam comprovar o caráter persecutório da postura da Recorrida, muito pelo contrário).
7. Por outro lado, as ações de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões propostas pela Recorrida são consequência da falta de resposta da Recorrente aos pedidos de informação administrativa apresentados pela Recorrida.
8. No mais, sempre se diga que, até então, as intimações enumeradas pela Recorrente foram julgadas procedentes e que, apesar disso, é a Recorrente que insiste em recorrer para instâncias superiores dessas decisões ao invés de acatar e cumprir com o dever de transparência e publicidade que lhe incumbe enquanto entidade pública - quanto a este último aspeto, ver o recente Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 01.08.2022, num dos processos enumerados pela Recorrente (proc. n.º 201/22.0BESNT), disponível em www.dgsi.pt, que julgou o seu recurso totalmente improcedente, confirmando, na totalidade, a posição da aqui Recorrida.
9. Assim, vir novamente alegar que o pedido realizado pela Recorrida ao abrigo da LADA demonstra “categoricamente, o caráter persecutório e vexatório das várias intimações para prestação de informações e passagem de certidões propostas pela Autora contra a ora Recorrente” é um completo absurdo que carece, mais uma vez, de concretização e de sustentação legal e factual.
10. Na verdade e com o devido respeito, a fundamentação de facto e de direito (se é que lhe podemos chamar assim) das alegações de recurso da Recorrente são um emaranhado de afirmações inócuas e conclusivas, sem qualquer sequência lógica e correspondência com o regime jurídico previsto na LADA, que caem invariavelmente numa constante e repetida acusação de a Recorrida pretender, com os pedidos de informação que realizou, provocar danos na sua atividade através da obtenção de informação privilegiada.
11. Conclui-se, portanto, que com presente recurso a Recorrente pretende somente obstaculizar o acesso à informação administrativa, pois nunca tenta sequer, ao longo do seu argumentário, concretizar aquilo que alega. Ao invés, demonstra um alheamento completo do regime da LADA e um esquecimento deliberado da sua natureza e do seu financiamento exclusivamente público, e da sua consequente sujeição ao cumprimento dos deveres de transparência e de sindicância pública (o artigo 48.º, n.º 2, da CRP) ou jurisdicional, no que à despesa pública e à contratação administrativa diz respeito.
12. Assim, é por demais evidente que a sentença do Tribunal a quo não viola qualquer tipo de norma, muito menos os artigos 2.º, 61.º da CRP que contêm os princípios/direitos fundamentais do Estado Direito democrático, da Soberania e da Legalidade e o direito de livre iniciativa económica e que nunca foram chamados à colação pela Recorrente. 13. A Recorrente vem ainda alegar que “andou mal o Tribunal a quo ao decidir genericamente que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, quando manifestamente não podem ser considerados como tal à luz do conceito normativo aplicável” porquanto “para que determinadas informações ou documentos sejam considerados documentos administrativos é requisito implícito que estejam expressos em formato materializável, seja ele qual for”, e os pedidos formulados nas alíneas d), e), f) e h) pela Recorrida, em caso algum poderiam estar materializados, justamente por não serem documentos, nem tampouco documentos administrativos.
14. Como indicou, e bem, o Tribunal a quo os pedidos de informação administrativa pressupõem “a existência de documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração, pelo que só é exigível à entidade requerida a informação contida em documentos administrativos existentes e não a documentos a elaborar, independentemente de a elaboração se traduzir em informação original ou conformada a partir de outros documentos existentes”.
15. O que acontece com toda a documentação/informação solicitada pela Recorrida.
16. Ademais, e ao contrário do que alega a Recorrente, a documentação suprarreferida é documentação administrativa para os efeitos do artigo 3.º da LADA, que dispõe que «Documento administrativo» é “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”.
17. A informação/documentação requerida está na posse da Recorrente e respeita à sua atividade comercial, à sua gestão financeira, orçamental, de recursos humanos e ainda à execução de um contrato público, pelo que o conhecimento da informação solicitada deve ser possível a todos, em nome dos princípios da transparência e do escrutínio público da atividade administrativa.
18. De facto, (i) considerando que a publicação dos contratos no portal dos contratos públicos é obrigatória nos termos dos artigos 127.º e 287.º CCP, sendo, inclusivamente, condição de eficácia do contrato, existirá certamente, por um lado, prova da publicação dos contratos no referido portal e, caso contrário, alguma razão para a não publicação dos contratos aqui em causa, plasmada num documento, p.e., despacho, deliberação, informação, parecer, etc.; (ii) a informação se a Recorrente já procedeu ao pagamento dos preços no âmbito dos contratos referido constará, obviamente, dos comprovativos de pagamento dos mesmos e (iii) por fim, um processo de subcontratação de uma empresa também resultará da existência de documentos, nomeadamente do próprio contrato de subcontratação que esta terá celebrado – é, pois, ao contrário do que alega a Recorrente, informação administrativa, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 da LADA, devendo a mesma ser devidamente prestada à Recorrida. 19. Não obstante, caso não exista e como bem indicou o Tribunal a quo, a Recorrente só tinha de ter informado a Recorrida de tal facto, emitindo para tal a correspondente certidão negativa.
20. A Recorrente vem ainda invocar em sede de recurso que não deve disponibilizar a documentação solicitada no ofício de 04.04.2022 da Recorrida por se encontrar verificada a restrição de acesso aos documentos administrativos prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 6.º da LADA.
21. Contudo, não basta à Recorrente afirmar que existem restrições ao acesso às informações requeridas, nomeadamente as constantes do artigo 6.º/5 e 6 da LADA – é preciso que justifique o porquê de a disponibilização daquela documentação/informação colocar em causa a proteção de dados pessoais ou a vida interna daquela empresa – motivos esses que a Recorrente não demonstrou existirem.
22. No mais, convém sempre recordar que, perante a existência de dados pessoais ou de segredos sobre a vida interna das empresas, a Recorrente continua obrigada a disponibilizar esses documentos, ainda que expurgados – tendo, contudo, que justificar cada expurgo feito. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do TCAN, proc. n.º 2139/18.7BELSB, de 7 de fevereiro de 2020, disponível em www.dgsi.pt.
23. E ainda que compete à Recorrente (mais uma vez, em oposição ao que alega) fazer prova de que a informação/documentação requerida contém matéria sujeita a segredo – de facto, não seria razoável que essa prova tivesse de ficar a cargo da Recorrida, quando esta não conhece (antes pretende conhecer) os documentos/informações que estão na posse da entidade pública e nem sequer sabe quais os interesses que estão em causa e que têm de ser ponderados à luz do princípio da proporcionalidade. Voltamos ao mesmo ponto: para poder justificar os seus interesses, nomeadamente nos termos dos artigos 6.º/5 e 6 da LADA, a Recorrida tinha de ter sido informada da natureza reservada da documentação, de forma concreta e fundamentada – para, assim, a poder sindicar.
24. Quanto à existência de documentos nominativos, na ponderação entre a proteção de dados pessoais e a disponibilização de documentação/informação administrativa releva a alteração introduzida ao referido art.º 6º, da Lei n.º 26/2016, pela Lei 58/2019, de 8/8, que aditou um n.º 9 a esse art.º 6º.
25. Assim, havendo dois interesses em causa “direito de acesso à informação administrativa” VS. “direito de proteção de dados pessoais”, e fazendo a devida ponderação casuística à luz, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade a jurisprudência (e a CADA) tem entendido que um documento administrativo não se torna num “documento nominativo”, de impossível acesso, simplesmente por conter dados pessoais. Isto porque, na verdade, não fará sentido isso verificar-se essa restrição quando estamos a referir-nos ao acesso ao nome da pessoa ou pessoas responsáveis pela ordem e a realização dos pagamentos de dinheiro público, devidos por uma entidade pública e, no âmbito de contratos públicos – de facto, tal não pode ter a virtualidade de beliscar a esfera pessoal dessas pessoas, ou seja, aquela reserva de intimidade que a Constituição e lei visam proteger; antes aquilo que se pretende é a obtenção de informação relacionada com o exercício e a gestão do dinheiro público – informação essa que também se tem considerado dever ser de acesso público e generalizado, por corresponder a informação funcional (ou seja, informação decorrente do exercício de funções públicas). 26. Em suma, e do supra exposto que a informação solicitada pela Recorrida se prende com a atividade funcional de entidades públicas (mais concretamente, com os técnicos que executam os contratos públicos; vínculos existentes entre os técnicos e a entidade pública; gestão orçamental da entidade, nomeadamente, relativa ao pagamento de salários; nomes dos funcionários que realizaram os pagamentos e processo de subcontratação de um empresa terceira no âmbito da execução de um contrato público) mormente para aferição da legalidade na execução de contratos públicos e na gestão de dinheiros públicos, devendo, por isso, a mesma ser disponibilizada, improcedendo o presente recurso.
27. Dito de outro modo, não está em causa um tipo de informação que, pela sua natureza, integre aquele núcleo de informação pessoal que deve ser resguardado e, portanto, priorizado no confronto com o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que é pressuposto de um regime de administração aberta.
28. Donde, cabe concluir que, contrariamente ao entendimento professado pela Entidade requerida, a informação a que a Requerente pretende ter acesso não merece a qualificação de documento nominativo. Razão pela qual não tem aplicação in casu a restrição ao acesso a documentos administrativos prevista no artigo 6.º, n.º 5, da LADA.”
29. Por outro lado, e quanto ao argumento de que os documentos ou informações solicitadas contêm dados sobre a vida interna da Recorrente, por um lado, esta não concretiza minimamente, nem prova que segredos contem a documentação/informação que se recusa a disponibilizar. E por outro, face à natureza da documentação, não se verifica qualquer tipo de restrição.
30. E ao contrário do que tenta alegar, o fundamento legal para o pedido efetuado pela Recorrida está inscrito e basta-se com a previsão do artigo 5.º, n.º 1 da LADA – ou seja, a Recorrida nem sequer tem de invocar um interesse para poder aceder aos documentos aqui em questão (ao contrário da Recorrente que teria de ter apresentado, nos termos do artigo 15.º da LADA e da jurisprudência, os motivos para recusar a entrega da documentação).
31. Acresce que, sendo possível o expurgo da eventual matéria reservada, tudo o demais deverá ser comunicado, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 8, da LADA - por isso, a existir real razão de restrição de alguma informação (o que não se admite) deverá apenas essa ser ocultada, com a devida fundamentação, sendo o demais facultado.
32. A alegação da Recorrente é tão inócua e infundada que a Recorrida não consegue vislumbrar como é que documentos relativos à formação e execução de contratos públicos podem conter segredos comerciais ou industriais desta empresa; na verdade, a documentação/informação solicitada jamais possibilitará à Recorrida aceder “a segredos comerciais e industriais e da vida interna” da Recorrente. 33. Pelo que, na circunstância, os elementos solicitados pela Recorrida não contêm matéria sujeita a restrição, tratando-se apenas de acesso a elementos decorrentes de procedimentos administrativos de formação e execução de contratos públicos e de gestão de “dinheiros públicos”.
34. Por fim, cumpre apenas deixar claro que, invocando a existência de segredos comerciais, é à Recorrente (e não à Recorrida) que compete, “primeiro no procedimento administrativo, por decorrência do artigo 14º, alínea c), da Lei n.º 46/2007, de 24/08, e depois no processo judicial, por aplicação dos artigos 264.º, n.º1, in fine, 490.º do CPC, 83.º do CPTA e 342.º, n.º, 2 do CC, alegar e provar quais eram as concretas matérias contidas nos documentos supra indicados que configuravam esses segredos.”
Termos em que não deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo.”
Em 3 de agosto de 2022 veio a ser proferido Despacho de Admissão do Recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 10 de agosto de 2022, nada veio dizer, requerer ou Promover.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, impondo-se verificar se, como invocado “(…) a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de ilegalidade por erro na aplicação do direito, nomeadamente, por interpretar erroneamente os artigos 3.º, e 6.º, nº 5 e 6 da LADA e por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2.º, 3.º, 8.º e 18.º nº 2 da CRP.”

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada:
“Factos Provados
1. Com data de 04/04/2022, a requerente remeteu à entidade requerida carta, subscrita por sócio-gerente, relativa ao «Assunto: Pedido de informação administrativa – Contrato de “Aquisição de serviços destinados à operacionalização dos balcões de atendimento móveis no âmbito do projeto “Sistemas de Informação Cadastral Simplificada do Município de Coimbra”», cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se o seguinte:
«A S...... – S…., Lda., (…), vem expor e requerer o seguinte:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(…) ». (cf. documento 4, junto com a petição inicial, e do acordo das partes).
2. A carta referida no facto provado anterior, foi enviada por via postal à entidade requerida, sob o registo n.º RH936598979PT (cf. documento 5, junto com a petição inicial, e do acordo das partes).
3. A carta referida no facto provado 1. foi rececionada pelo destinatário em 05/04/2022 (cf. documento 6, junto com a petição inicial, e do acordo das partes).
4. Em 29/04/2022, a petição inicial deu entrada neste Tribunal (cf. Comprovativo de entrega do SITAF).
Não se logrou provar outros factos com relevância para decidir a causa.
Factos não provados
1. Não se provou que a entidade requerida respondeu ao pedido apresentado em 04/04/2022 pela requerente (facto admitido por acordo das partes e que resulta da livre convicção do julgador).
2. Não se provou que a entidade requerida tenha emitido as certidões dos documentos e informações solicitadas pela requerente ou a respetiva certidão negativa (facto admitido por acordo das partes e que resulta da livre convicção do julgador).”

IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(…) Nos termos do aludido preceito, o “Documento administrativo” é qualificado como «qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a:
i) Procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos;
ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados;
iii) Gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades ;
iv) Gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas [que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º da LADA].(…) ».
Por conseguinte, o conceito normativo de “documento administrativo” reveste-se de grande amplitude, pois, os documentos administrativos são tidos, para efeitos do exercício do direito à informação, como os relativos ao exercício da função administrativa que, como tal, foram elaborados ou se encontram na posse de entidades públicas ou privadas, no exercício de prerrogativas de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo (princípio da transparência administrativa).
Para além da vertente que o conceito integra quanto aos procedimentos de contratação pública, incluindo os contractos celebrados, por opção do legislador, incluem-se também o(s) conteúdo(s) que respeitem à «gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades» e à «gestão de recursos humanos», nos termos das subalíneas iii) e iv), do n.º 1, do artigo 3.º da LADA.
Adite-se, ainda, que a redação da norma emprega a expressão «designadamente», pelo que as situações de acesso aí elencadas revestem-se carácter meramente enunciativo.
Ora, estando em causa o acesso a documentação/informação relativa:
i) à celebração de eventuais contractos de prestação de serviços de técnicos para execução do contracto público celebrado entre a entidade requerida e o Município de Coimbra e a respetiva publicitação no portal dos contractos públicos,
ii) à eventual contratação de uma empresa para a execução do contracto em causa; ou
iii) se tendo sido contratados técnicos para o efeito, estes já foram remunerados; e face ao elemento literal que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da LADA, dúvidas não existem de que a entidade requerida está obrigada a conceder o acesso solicitado, conquanto disponha dos mesmos e sejam respeitadas as regras previstas quanto às restrições ao direito de acesso.
A proteção dos interesses constitucionalmente relevantes das empresas do sector público que atuam concorrencialmente é feita através de restrições ou condicionamentos no acesso a determinado tipo de documentos e não através da exclusão genérica do âmbito subjetivo de incidência do dever de acesso.
O direito de acesso aos registos e arquivos administrativos é a regra e não a exceção (cf. artigo 268.º, n.º 2, da CRP e artigo 5.º da LADA).
Mais se refira que o dever de informação que impende sobre a Administração não compreende a elaboração de dossiers estruturados ou sínteses da documentação existente, nem a obrigação de produzir uma nova documentação administrativa para satisfazer o pedido da requerente, por essas atividades ultrapassarem o dever legal de informação, mas a inexistência desta obrigação não pode ser cobertura para uma interpretação de tal modo minimalista que negue o direito à informação.
No que diz respeito aos pedidos formulados nas alíneas a), b), c), g) e i) do artigo 5.º do articulado da requerente, a entidade requerida defende que deverão igualmente improceder, uma vez que têm como objeto acesso a informações sujeitas ao regime de restrição por se qualificarem como documentos nominativos, bem como segredos da vida interna da empresa, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto. Apreciando:
O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, prevê e dispõe nos seguintes termos:
«b) «Documento nominativo», o documento que contenha dados pessoais, na aceção do regime jurídico de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados;
(…)
h) «Anonimização», o processo de transformar informações, dados ou documentos, qualquer que seja a sua forma ou formato, de modo a que não possam revelar pessoa singular identificada ou identificável neles referida, ou o processo de tornar anónimos os dados pessoais, por forma a que a pessoa em causa não seja ou deixe de ser identificável;
(…)».
O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), no seu artigo 4.º determina:
«Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:
1) «Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;
2) «Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;(…) ».
Chama-se também à colação o disposto no artigo 6.º, da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, sob a epígrafe «Restrições ao direito de acesso», nos termos do qual:
«5 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos:
a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;
b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. (…)».
O direito de acesso não é um direito absoluto, tendo o legislador disciplinado as situações em que podem ocorrer restrições ao direito de acesso (cf. artigo 6.º da LADA).
Estando em causa o acesso a documentos administrativos nominativos por parte de terceiro, este só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação (cf. artigo 6.º, n.º 5, da LADA).
As restrições ao direito de acesso visam impedir que o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos, como a regra geral estatuída no nosso ordenamento jurídico, constitua uma maneira de colher, junto da Administração, informações pessoais e indicações estratégicas respeitantes a interesses fundamentais respeitantes a terceiros, distorcendo, dessa forma, a privacidade do titular dos dados e as regras do mercado.
Por dados pessoais entende-se a informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (cf. artigo 4.º do RGPD).
E por segredo comercial e segredo sobre a vida interna de uma empresa, para efeitos da LADA, visa-se a informação secreta com valor comercial e objeto de medidas internas para a manter secreta, cf. Acórdãos do TCA Sul, de 16/06/2016, no Processo n.º 13191/16; de 30/04/2015, no Processo n.º 12046/15; e Acórdão do STA, de 09/04/2015, no Processo n.º 0263/12.
A vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade - a situação contributiva face à segurança social e o fisco (exceto se a lei dispuser em sentido diferente), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas.
Estão em causa informações que não são geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão; com valor comercial pelo facto de serem secretas;
Tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas, conforme se encontra previsto no artigo 318.º no Código da Propriedade Industrial.
E são secretos os métodos de gestão, comercialização e de trabalho utilizados pelas empresas, que equivalem ao que vulgarmente se designa de “alma do negócio”.
Ora, a mera invocação do regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, sem explicar em que termos a divulgação das informações pretendidas pela requerente afeta de forma grave/séria o interesse concorrencial, o segredo sobre a vida interna da empresa, não permite, sem mais, concluir que a divulgação da informação relativa à execução de um contracto público possa gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial.
Neste sentido, vide o Acórdão n.º 117/15, do Tribunal Constitucional, de 12/02/2015, no Processo n.º 686/12, nos termos do qual:
«(…) VII – Há domínios não referidos no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição que podem conflituar com o direito de acesso, como é o caso dos documentos que contenham informação sobre a vida económica das empresas ou relacionada com direitos de propriedade intelectual ou industrial e respetivos segredos comerciais e industriais, estes interesses económicos, protegidos em várias normas constitucionais podem justificar a prevalência do secretismo de certa categoria de documentos, em termos que permitam o controlo da sua razoabilidade.
VIII – Em conformidade com o princípio constitucional do arquivo aberto, a regra geral é a submissão das empresas públicas ao direito de acesso a todos os documentos emergentes da sua atividade, independentemente do ambiente jurídico e material em que atuem;
(…)
IX - O direito ao segredo, nos casos expressamente autorizados e nas hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos, são direitos prima facie que só radicam subjetivamente após valoração e ponderação das circunstâncias do caso concreto; é possível ao legislador e ao juiz estabelecer restrições e condicionamentos ao direito de acesso, mas a tipificação dessas situações ou a elaboração da norma de decisão para o caso concreto exige sempre um juízo de ponderação dos valores ou interesses que estão em jogo numa determinada situação, impostos pelo n.º 2 do artigo 268.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. (…) ».
E, também a propósito do pedido de acesso em análise, impõe-se referir que nada obsta a que a entidade requerida disponibilize os documentos eventualmente sujeitos às restrições de acesso se for possível expurgar a informação referente à matéria reservada, os quais são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 8, da LADA.
Mais se refira que a requerente peticiona o acesso a «documentação/informação administrativa» não especificando nenhum documento em particular ou alguma reprodução de documento concreto.
Antes, vislumbra-se que pretende saber os termos em que o contracto público celebrado entre e entidade requerida e o Município de Coimbra está a ser executado, nomeadamente quanto à afetação dos técnicos habilitados para efetuar o cadastro e as condições da sua eventual contratação e remuneração.
Ora, a entidade requerida pode prestar a informação a respeito dos tópicos indicados pela requerente não lhe sendo exigível que disponibilize documentos nominativos, nomeadamente aqueles que contenham “nome, número de identificação e dados de localização”, o que, como alega, não poderia fazer, sob pena de violação das restrições legalmente previstas.
Tendo tudo isso presente e incidindo sobre o caso vertente, a documentação/informação requerida é de acesso livre, levando em conta a necessidade de garantia de transparência da atividade administrativa e de administração aberta, pese embora a entidade requerida esteja sujeita a prestar tais informações expurgadas da informação relativa à matéria reservada, comunicando parcialmente o teor da informação requerida, se necessário, sob pena de ficarem postergados os direitos da requerente.
Aqui chegados, face aos concretos pedidos de informação/documentos, impõe-se concluir que os fundamentos de recusa aduzidos, tal como o foram, não podem proceder, por ilegais, e, impedem que se possa proceder à ponderação dos interesses conflituantes: os da requerente com os da entidade requerida.
Por último, e mais uma vez, registe-se que o direito de acesso visa os documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração e, quando os documentos solicitados não existirem ou não estejam na posse da entidade requerida, o dever de informação considera-se cumprido com a informação de tal facto à requerente do acesso ou da passagem de certidão negativa.
Mais, a requerente especifica a final que pretende o acesso por certidão negativa caso alguma da documentação/informação não existisse, o que a entidade requerida também não prestou, incumprindo, também desta forma, o direito de acesso da requerente.
Donde, não tendo a entidade requerida satisfeito os pedidos de informação no prazo previsto no artigo 15.º da LADA, nem na pendência dos presentes autos, deve ser intimada para o efeito, emitindo certidão dos documentos/informações solicitadas, ou certidão negativa, no caso de inexistirem esses documentos, nos termos dos artigos 13.º e 14.º da LADA.”

Correspondentemente decidiu-se em 1ª instância:
“(…) julga-se procedente o pedido de acesso formulado pela requerente e, em consequência, intima-se a entidade requerida a, no prazo de 10 dias, emitir certidão da correspondente documentação/informação administrativa, a existir, com ressalva dos que se encontrem sujeitos a restrições ao direito de acesso e não possa a informação reservada ser expurgada, ou certidão negativa se não existirem tais documentos.”

Enquadremos e analisemos então o suscitado.
O meio processual de intimação usado pelo aqui Recorrente encontra-se legalmente previsto nos artigos 104.º e ss do CPTA.

Com efeito, o CPTA instituiu, em concretização do estatuído na Constituição da República Portuguesa (CRP) o meio de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões como um meio principal, de carácter urgente, a usar pelos interessados nos casos de incumprimento dos deveres de informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos em todas as suas modalidades (informação/consulta de processos/passagem de certidões), bem como nos casos de notificação insuficiente, remetendo para a lei substantiva (constitucional e legal), a regulação do direito à informação e respetivos limites.

Tais direitos à informação procedimental e não procedimental encontram-se constitucionalmente reconhecidos como direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias (artigo 268.º da CRP) e, assim, submetidos ao regime previsto no artigo 18.º da CRP.

Lê-se no artigo 104.º nº 1 do CPTA que “Quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação …”.

Por sua vez, nos termos previstos no artigo 105.º do CPTA a intimação deve ser requerida ao tribunal competente, no prazo de 20 dias, que se inicia com a verificação das circunstâncias ali mencionadas, sintetizadas na formulação de pedido prévio à Administração para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões não satisfeito integralmente no prazo legalmente estabelecido.

Neste contexto, o CPA consagra o direito dos interessados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam diretamente interessados, no prazo de 10 dias (Artº 82º a 85º CPA).

O Acesso à informação procedimental estende-se ainda a qualquer pessoa que, não tendo um interesse direto no procedimento, prove ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretenda, no sentido de um “qualquer interesse atendível”, protegido ou não proibido juridicamente que justifique, razoavelmente, dar-se ao Requerente tal informação” – neste sentido, entre outros, vide Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, p. 340.

No que respeita às restrições e limitações do direito de acesso à informação a CRP, no n.º 2 do seu artigo 268.º identifica-as expressamente quanto à vertente não procedimental (matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas (cfr. ainda a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos n.º 46/2007, de 24 de Agosto, e o artigo 17º do CPA).

O mesmo não sucede em relação ao direito de informação procedimental, cujas ressalvas, limites ou exceções foram previstas na lei, mais propriamente no artigo 83º do CPA (documentos classificados - a interpretar no sentido de incidirem sobre matéria secretas ou confidenciais) ou que relevem segredo comercial, industrial, relativo à propriedade literária, artística ou científica; documentos que contenham dados pessoais relativos a terceiros (a interpretar no sentido de tais dados prejudicarem direitos fundamentais, mormente a intimidade das pessoas ou reserva da vida privada.

Não obstante, considerando que o direito de informação procedimental constitucionalmente previsto não é um direito absoluto, a falta de expressa menção do legislador constitucional das “restrições” ao mesmo, diversamente do que fez em relação ao direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não legítima a interpretação de as mesmas inexistirem: basta pensar que os direitos fundamentais no nosso estado de direito e plural estão limitados pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou bens igualmente protegidos pela CRP, mormente, no caso do direito de informação procedimental, pelas restrições expressas no n.º 2.º do artigo 268.º aplicáveis por força do “princípio de harmonização valorativa” – neste sentido, vide Sofia David, in Das Intimações, Considerações Sobre Uma (nova) tutela de urgência de processo nos Tribunais Administrativos, Almedina 2005, p. 101 e ss, remetendo para, entre outros, J.M. Sérvulo Correia, “O Direito à Informação e os Direitos de Participação dos Particulares no Procedimento e em Especial, na Formação da Decisão Administrativa”, in Legislação, Cadernos de Ciência de legislação, n.º 9-10, INA, Lisboa 1994, p. 141 e Raquel Carvalho, O Direito à Informação Administrativa Procedimental, pp 220 e 221.

Em síntese, resulta do exposto que o meio de intimação em causa se destina a permitir aos interessados a obtenção de prestações materializadas em informações, certidões ou no acesso a documentos, exceto se o pedido em causa incidir sobre matérias secretas ou confidenciais relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

A procedência do presente meio depende pois da verificação dos seguintes requisitos:
1. A qualidade de interessado do Requerente;
2. A existência de um pedido prévio à interposição da intimação dirigido à Administração solicitando a prestação de informação, a emissão de certidão, ou a consulta do processo;
3. Que a Administração, por omissão ou recusa, não tenha prestado a “informação” solicitada no prazo legal;
4. Que o Requerente intime judicialmente a Administração no prazo processual de 20 dias;
5. Que não ocorram limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação” solicitada.

Importa, pois, agora verificar a situação em concreto.
Da “violação dos princípios constitucionais”
Desde logo, e no que concerne à violação de princípios, mormente de natureza Constitucional, refira-se que, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “(...) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”
No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de princípios, mormente constitucionais.

Com efeito, e no que respeita ao invocado “confronto manifesto entre os princípios da administração aberta, publicidade e transparência perante os princípios da liberdade de iniciativa económica, concorrência e sigilo profissional”, sempre se dirá que o invocado se mostra, até por conclusivo, insuficiente para que pudesse ser reconhecida a invocada inconstitucionalidade.

Efetivamente, não se reconhece que a Sentença Recorrida tenha violado qualquer norma ou princípio de natureza constitucional ao decidir como decidiu.

Do pedido de informação relativo ao contrato de prestação de serviços celebrado com o Município de Coimbra
A Recorrente vem ainda alegar que “andou mal o Tribunal a quo ao decidir genericamente que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, quando manifestamente não podem ser considerados como tal à luz do conceito normativo aplicável” uma vez que “para que determinadas informações ou documentos sejam considerados documentos administrativos é requisito implícito que estejam expressos em formato materializável, seja ele qual for”, sendo que os pedidos formulados nas alíneas d), e), f) e h) pela Recorrida, em caso algum poderiam estar materializados, justamente por não serem documentos, nem tampouco documentos administrativos.
Não se reconhece que assim seja.

Como decidido em 1ª Instância, os pedidos de informação administrativa pressupõem que o conceito normativo de “documento administrativo” se reveste de grande amplitude, pois, os documentos administrativos são tidos, para efeitos do exercício do direito à informação, como os relativos ao exercício da função administrativa que, como tal, foram elaborados ou se encontram na posse de entidades públicas ou privadas, no exercício de prerrogativas de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo (princípio da transparência administrativa).

Mais afirmou o Tribunal a quo, o que aqui se ratifica, que “Para além da vertente que o conceito integra quanto aos procedimentos de contratação pública, incluindo os contractos celebrados, por opção do legislador, incluem-se também o(s) conteúdo(s) que respeitem à «gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades» e à «gestão de recursos humanos», nos termos das subalíneas iii) e iv), do n.º 1, do artigo 3.º da LADA.
Adite-se, ainda, que a redação da norma emprega a expressão «designadamente», pelo que as situações de acesso aí elencadas revestem-se carácter meramente enunciativo.
Ora, estando em causa o acesso a documentação/informação relativa: i) à celebração de eventuais contractos de prestação de serviços de técnicos para execução do contracto público celebrado entre a entidade requerida e o Município de Coimbra e a respetiva publicitação no portal dos contractos públicos, ii) à eventual contratação de uma empresa para a execução do contracto em causa; ou iii) se tendo sido contratados técnicos para o efeito, estes já foram remunerados; e face ao elemento literal que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da LADA, dúvidas não existem de que a entidade requerida está obrigada a conceder o acesso solicitado, conquanto disponha dos mesmos e sejam respeitadas as regras previstas quanto às restrições ao direito de acesso.”

Considerando que a publicação dos contratos no portal dos contratos públicos é obrigatória nos termos dos artigos 127.º e 287.º CCP, sendo condição de eficácia do contrato, existirá necessariamente prova da publicação dos contratos no referido portal.

Sendo caso disso, inexistindo os elementos solicitados, restava à Recorrente emitir a correspondente certidão negativa, sendo que não está obrigada a certificar algo que não dispõe.

Em qualquer caso, quanto à informação relativa ao pagamento dos preços no âmbito dos contratos referidos, disporá a Recorrente presumivelmente dos comprovativos correspondentes, não se reconhecendo que tal documentação não possa ser considerada como documentação administrativa para os efeitos do artigo 3.º da LADA.

Como já afirmado por este TCAS em recente acórdão de 01.08.2022, “Atenta a natureza exemplificativa do elenco inscrito no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA, qualquer das informações cujo acesso foi requerido pela Requerente integra o conceito de «documento administrativo». Aliás, o presente pedido de acesso respeita (i) em parte, a procedimentos de contratação pública, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii), da LADA, (ii) noutra parte à execução de contrato público e (iii) numa terceira parte, a informações/documentos que se integram no âmbito da gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea iii), da LADA. Donde, não se verificando os pressupostos de aplicação de qualquer restrição legal de acesso, a Entidade requerida estará obrigada a permitir, nas suas várias formas, o acesso da Requerente a esta documentação.”

Improcede assim o suscitado vicio.

Dos Documentos Nominativos
Alega a Recorrente que a documentação/informação solicitada nas alíneas a), b), c), g) e i) no ofício enviado pela Recorrida a 04.04.2022, é documentação/informação nominativa, a saber:
i. Se os técnicos afetados à execução deste contrato fazem parte do quadro de trabalhadores da Municípia ou se foram celebrados contratos de prestação de serviços com esses técnicos para a execução deste contrato;
ii. Contratos de trabalho ou de prestação de serviços dos doze técnicos afetados pela Municípia à execução deste contrato;
iii. Recibos de vencimento ou recibos verdes, datas de pagamentos e respetivos comprovativos;
iv. Em caso de resposta afirmativa, nome e função (dentro da orgânica do Município) do responsável (ou dos responsáveis) pela ordem e realização do pagamento;
v. Cópia dos seguintes documentos, se tiver existido subcontratação de alguma empresa para a execução do contrato em questão: do contrato celebrado; da prova da sua publicação no portal dos contratos públicos; pedido de autorização de subcontratação ao Município de Coimbra, decisão do Município de Coimbra de autorização de subcontratação e faturas, recibos e comprovativos de pagamento.

A este propósito discorreu-se com clareza em 1ª instância, o seguinte:
“(…) a mera invocação do regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, sem explicar em que termos a divulgação das informações pretendidas pela requerente afeta de forma grave/séria o interesse concorrencial, o segredo sobre a vida interna da empresa, não permite, sem mais, concluir que a divulgação da informação relativa à execução de um contracto público possa gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial. Mais se refira que a requerente peticiona o acesso a «documentação/informação administrativa» não especificando nenhum documento em particular ou alguma reprodução de documento concreto. Antes, vislumbra-se que pretende saber os termos em que o contracto público celebrado entre e entidade requerida e o Município de Coimbra está a ser executado, nomeadamente quanto à afetação dos técnicos habilitados para efetuar o cadastro e as condições da sua eventual contratação e remuneração. Ora, a entidade requerida pode prestar a informação a respeito dos tópicos indicados pela requerente não lhe sendo exigível que disponibilize documentos nominativos. […] Tendo isso presente e incidindo sobre o caso vertente, a documentação/informação requerida é de acesso livre, levando em conta a necessidade de garantia de transparência da atividade administrativa e de administração aberta, pese embora a entidade requerida esteja sujeita a prestar tais informações expurgadas da informação relativa à matéria reservada, comunicando parcialmente o teor da informação requerida".

A decisão recorrida balizou o peticionado aos princípios e regras estabelecidas, de modo a que não seja facultada informação, nomeadamente de natureza pessoal.

Importa não perder de vista que perante a existência de dados pessoais ou de segredos sobre a vida interna das empresas, a Recorrente disponibilizará o solicitado, expurgando a informação insuscetível de ser prestada, como resultava já do sumariado no Acórdão deste TCAS n.º 2139/18.7BELSB, de 7 de fevereiro de 2020, onde se afirmou que “Impendendo, por isso, sobre a Entidade Demandada permitir a consulta do processo, e nos termos do n.º8 do artigo 6.º da LADA, expurgar a informação relativa à matéria reservada. Ou, dito de outro modo, a Autora terá direito a aceder ao processo com os documentos, apenas truncados nas partes relativas à matéria abrangia pelo segredo; incumbindo ainda sobre a Entidade Demandada o dever de apresentar, caso a caso, as razões para a necessidade de ocultação desses concretos elementos, para que a Autora também possa sindicar essa atuação. (...)”

O Tribunal a quo, a este respeito decidiu, pois, como o teria de fazer, não se vislumbrando qualquer omissão de pronuncia, pois que o tribunal afirmou que a documentação/informação requerida pela Recorrente é de acesso livre, sendo que, verificando-se a presença de informação reservada, esta poderá ser expurgada, desde que seja apresentada justificação fundamentada e concreta para cada expurgo efetuado.

Como resultava já do Acórdão deste TCAS de 12.4.2012, proferido no Proc. n.º 8676/12, “Invocando a existência de um segredo, competia à Administração, aqui ora Recorrente, primeiro no procedimento administrativo, por decorrência do artigo 14º, alínea c), da Lei n.º 46/2007, de 24.083, e, depois, no processo judicial, por aplicação dos artigos 264º, n.º1, in fine, 490º do CPC, 83º do CPTA e 342º, n.º 2 do CC, alegar e provar quais eram as concretas matérias contidas nos documentos supra indicados que configuravam um segredo”

Acresce que na ponderação entre a proteção de dados pessoais e a disponibilização de documentação/informação administrativa releva a alteração introduzida ao referido art.º 6.º da LADA, pela Lei 58/2019, de 8/8, que aditou um n.º 9 a esse art.º 6º com o seguinte teor:
“Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.”

No mesmo sentido, apontou já o referido acórdão deste TCAS de 01.08.2022, onde se afirma que “Quanto a estas, por se tratar de documentos nominativos, há que distinguir no seu conteúdo dados pessoais relevantes para o procedimento dos demais.
12. Os primeiros revestem natureza funcional, por serem necessários ao procedimento, é o caso do nome, habilitações académicas, formação profissional e outras informações dos currículos dos candidatos relevantes para a admissão, aplicação dos métodos de seleção e seriação.
13. O acesso a estes dados, embora pessoais, constitui uma exigência do princípio da administração aberta, da transparência e do controlo da atividade administrativa, não se enquadrando esta informação na esfera da vida privada das pessoas a quem respeitam. Assim, estando em causa dados pessoais de natureza funcional, na ponderação a que se refere o artigo 6º, nº 5, alínea b), e nº 9 da LADA, o direito de acesso prevalece sobre o direito à proteção de dados pessoais.
14. Deve, pois, ser facultado o acesso aos documentos ainda não disponibilizados que contenham dados pessoais de natureza funcional.
15. Sujeitos a reserva estão, porém, os dados pessoais cujo conhecimento não releve para a atuação da administração e garantia dos referidos princípios, v. g., morada, estado civil, números de identificação civil e fiscal (cf. artigo 6º, nºs 5 e 9 da LADA).”
[…]
“Retomando o caso vertente constata-se que a informação pretendida pela autora, isto é, o conhecimento do nome “do responsável (ou dos responsáveis) pela ordem e realização do pagamento” justifica-se para garantia do princípio da administração aberta, da transparência e do controlo (incluindo eventuais participações a entidades terceiras, maxime às responsáveis pela fiscalização da legalidade, regularidade e correção financeira da aplicação dos dinheiros e valores públicos) da atividade administrativa, designadamente da legalidade da aplicação de dinheiros públicos, pois não se enquadra na esfera da vida privada da pessoa a quem respeita, dado que o nome é um dado pessoal que reveste natureza funcional por ser necessário ao procedimento administrativo relativo ao pagamento do preço contratual, pois o trabalhador aquando da prática de tal tipo de atos de gestão de dinheiros públicos tem que revelar o seu nome, tratando-se do cumprimento do seu dever de responsabilização pelo que fez (cfr. art. 151º n.º 1, al. g), ex vi art. 2º n.º 1, ambos do CPA de 2015), ou seja, é um dado pessoal inerente ao exercício da função/atividade profissional”.

Não merece assim, mais uma vez, censura o decidido em 1ª Instância.

Do segredo comercial e da vida interna da empresa
Invoca ainda a Recorrente que a informação solicitada pela Recorrida se refere à vida interna de uma empresa, sujeita, assim, à restrição de acesso nos termos do nº 6 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, o que aqui se não reconhece.

Desde logo, a invocação feita mostra-se predominantemente conclusiva, não concretizando os pedidos formulados em que ela se verifica.

Igualmente se não concretiza, em que medida o acesso à documentação/informação solicitada coloca em causa a capacidade ou interesse concorrencial da Sociedade destinatária do pedido de informação, tanto mais que estão em causa contratos de natureza pública.

É certo que o direito de acesso a documentos administrativos não é um direito absoluto.

Em qualquer caso, o que é facto é que a aqui Recorrente não concretiza nem demonstra em que medida as informações solicitadas porão à vista quaisquer segredos.

É incontornável e resulta do artigo 5.º, n.º 1 da LADA, que “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”

O referido não obsta, no entanto, que esse acesso possa ser restringido se se verificar algum dos motivos indicados no artigo 6.º da LADA.

Por outro lado, resulta do artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da LADA, que sendo indeferido o pedido de acesso são comunicadas as razões da recusa, a qual não se pode limitar a uma afirmação meramente vaga e conclusiva.

Como sumariado no Acórdão do TCAN de 13.07.2012, proferido no Proc. n.º 00354/12.6BEPRT, “1. Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo - art.º 5.° da LADA - Lei 46/2007, de 24 de Agosto.
2. Invocando a existência de segredos comerciais, competia à entidade administrativa, primeiro no procedimento administrativo, por decorrência do artigo 14º, alínea c), da Lei n.º 46/2007, de 24/08, e depois no processo judicial, por aplicação dos artigos 264.º, n.º1, in fine, 490.º do CPC, 83.º do CPTA e 342.º, n.º, 2 do CC, alegar e provar quais eram as concretas matérias contidas nos documentos supra indicados que configuravam esses segredos.”

Em qualquer caso, sendo caso disso, “Os documentos administrativos sujeitos a restrição de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada”. (artigo 6.º, n.º 8, da LADA )

Mal se alcança, aliás, em que medida a prestação da informação viabilizada pelo tribunal a quo, possibilitaria à Recorrida aceder “a segredos comerciais e industriais e da vida interna” da Recorrente.

Com efeito, como resultava já do Acórdão n.º 117/15, do Tribunal Constitucional, de 12/02/2015, no Processo n.º 686/12, “a mera invocação do regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, sem explicar em que termos a divulgação das informações pretendidas pela requerente afeta de forma grave/séria o interesse concorrencial, o segredo sobre a vida interna da empresa, não permite, sem mais, concluir que a divulgação da informação relativa à execução de um contracto público possa gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial.”

Por fim, cumpre apenas deixar claro que, invocando-se a existência de segredos comerciais, é à Recorrente que competiria, “primeiro no procedimento administrativo, por decorrência do artigo 14º, alínea c), da Lei n.º 46/2007, de 24/08, e depois no processo judicial, por aplicação dos artigos 264.º, n.º1, in fine, 490.º do CPC, 83.º do CPTA e 342.º, n.º, 2 do CC, alegar e provar quais eram as concretas matérias contidas nos documentos supra indicados que configuravam esses segredos”, como resultou já do discorrido no Acórdão deste TCAS proferido no Proc. n.º 2232/18.6BELSB, em 27.02.2020.

Em face de tudo quanto supra se discorreu, não se reconhece que a decisão recorrida mereça censura.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 8 de setembro de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa