Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06594/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/14/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
EXCESSO DE PRONÚNCIA.
PRESSUPOSTOS DA REVERSÃO.
COIMAS.
DECISÃO ANCORADA EM DOIS FUNDAMENTOS.
Sumário:1. É nula a sentença recorrida por excesso de pronúncia, na parte em que conheceu da falta de fundamentação formal do despacho de reversão, por referência à insuficiência de bens da devedora originária para solver a dívida exequenda e pela falta de gerência de facto ou efectiva do oponente, quando os mesmos não haviam sido articulados para o efeito na sua petição de oposição;

2. Nos pressupostos para o exercício de reversão contra o responsável subsidiário pelo pagamento da dívida, não figura (só) a inexistência de bens do responsável subsidiário, podendo, também, haver lugar à mesma pela sua insuficiência, bem como não constitui um seu pressuposto a prévia excussão dos bens do mesmo devedor, ainda que o pagamento pelos bens do responsável subsidiário só possa ocorrer depois da excussão dos bens do devedor originário (benefício da excussão);

3. Encontrando-se certo segmento decisório da decisão ancorado em dois distintos e autónomos fundamentos, cada um de per si com aptidão para a ancorar, o recurso da mesma interposto, para que possa ter êxito, salvo a existência de questão de conhecimento oficioso que o impeça, ambos deve atacar, sob pena de tal segmento da decisão transitar em julgado enquanto ancorado no fundamento sobre que o recorrente nenhum argumento esgrime tendente ao seu reexame pelo tribunal de recurso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por António ……………, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I - Nunca esteve em análise nos Autos o não exercício da gerência de facto pelo Oponente, o qual a reconheceu de forma expressa, tanto em sede do exercício do direito de Audição, como na petição inicial da presente Oposição;
II - A Douta Sentença, ao referir que o Despacho de Reversão se limita a transcrever o conteúdo dos artigos da LGT invocados e embora se refira aos motivos porque rejeita a nomeação à penhora do crédito, nada diz quanto à insuficiência do património societário, ignora o conteúdo do Despacho notificado ao contribuinte, para efeitos do exercício do direito de audição;
III - O Despacho de Reversão expressamente refere "torna-se definitivo o referido projecto de despacho de reversão, com as especifidades introduzidas pelo presente Despacho", pelo que ambos os Despachos, validamente comunicados ao contribuinte, terão de ser lidos em conjunto;
IV - Estando, desta forma cumpridos os requisitos de fundamentação que a Douta Sentença invoca (por recurso a Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, CT, 2.º juízo, de 28.02.2012);
V - A fundamentação dos atos tributários tem de possibilitar um conhecimento das razões que determinaram o órgão a atuar como atuou. Esta fundamentação formal deve ser expressa, permitindo que através dos seus termos se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, das razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou) e congruente, de modo a que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão;
VI -Face à factualidade descrita, é por demais evidente que, da exposição dos motivos aduzidos pela Autoridade Tributária, ficou o Oponente a saber o porquê de tal decisão, já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela;
VII - Por aplicação do disposto na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, cabia ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento, o que não fez;
VIII - Não procede o decidido pelo Tribunal "a quo" quanto à inconstitucionalidade do art.º 8.º do RGIT, por existirem decisões posteriores do Tribunal Constitucional, em sentido contrário aos invocados Acórdãos, ou seja, da constitucionalidade do mesmos, desde que interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora.
IX – É nula a Douta Sentença de que se recorre, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 660.º e nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 668.º, ambos do Código do Processo Civil (CPC), por "conhecer questões de que não devia tomar conhecimento" , ou "condenar em objecto diverso do pedido", pois nos Autos nunca esteve em discussão a falta de fundamentação do despacho de Reversão quanto ao exercício da gerência de facto, a qual foi expressamente reconhecida pelo Oponente;
X - Viola também, a Douta Sentença, o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois não cabia, in casu, à Autoridade Tributária o ónus de provar a culpa da diminuição do património societário;
XI - Faz também uma indevida não aplicação do art.º 8.º do RGIT, por inconstitudonalidade suportada em decisões do Tribunal Constitucional, quando o mesmo, posteriormente, decidiu já em sentido contrário, nomeadamente, pelo Acórdão do Plenário daquele Tribunal Constitucional, com o n.º 437/11 de 3 Outubro, o qual, face a jurisprudência divergente das
suas secções, decidiu, pela constitucionalidade da norma.
XII - E, no seguimento de tais decisões, foi emitido o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.01.2013, proc.º 01187/12, no qual se pode ler: “IV - Atento a que o juízo do Tribunal Constitucional de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada, que da decisão de não aplicação do artigo 8.º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade cabe recurso obrigatório do Ministério Público para aquele Tribunal e ainda em face ao disposto no artigo 8.º n.º3 do Código Civil justifica-se que não se reitere o juízo de inconstitucionalidade do artigo 8.º n.º1 do RGIT.”

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Oposição improcedente.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida não padecer dos vícios que lhe são assacados, a qual se encontra bem fundamentada de facto e de direito, bem como ser inconstitucional a norma do art.º 8.º, n.º1, do RGIT.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de excesso de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E padecendo, e declarando-se nula a sentença recorrida no segmento decisório atinente, e conhecendo este Tribunal em substituição, se inexistem os pressupostos legais para ser decretada a reversão contra o oponente, por haver bens suficientes para solver a dívida, por falta de excussão prévia do património da sociedade originária devedora, por falta de culpa do oponente pela insuficiência dos bens para solver a dívida e por não ser imputável ao oponente a falta de pagamento da dívida, e se quanto às coimas, cuja decisão recorrida foi alicerçada em dois fundamentos distintos e autónomos, a falta de os afrontar a ambos, conduz, necessariamente, ao improvimento do recurso, nesta parte.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 2003.05.30, no Serviço de Finanças de Sines, foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) nº ………………….., contra a sociedade Apoio …………………….., Lda., com sede na …………….., Rua 6, Lt. 11, ………… (cf. fls. 1 do PEF);
B) Tem por base:
i. Certidão de dívida nº 2003/82722, emitida em 2003.04.25, que atesta que Apoio ………………, Lda., é devedora de € 15 239,96, de IVA do período de 2001/07 a 2001/09, com prazo de cobrança voluntária até 2001.11.15; mais atesta que são devidos juros de mora contados de 2001.11.16 (cf. fls. 2 do PEF);
C) Em 2003.06.26, foi expedido aviso de citação (cf. fls. 2-v do PEF junto);
D) Em 2006.06.22, a estes autos foram apensados os PEF nº ……………………………, ……………………….. e …………………………., ficando o processo a valer por € 29 813,38 (cf. fls. 30 do PEF);
i. Em 2004.10.10, no Serviço de Finanças de Sines foi autuado o PEF nº ………………………, contra Apoio Jovem Gabinete Topografia, Lda.;
1. Tem por base:
a. Certidão de dívida nº 2004/………….. que atesta que Apoio ………………………………….., Lda., é devedora de € 9 635,99, de IVA do período de 2002, cujo prazo de pagamento voluntário até 2004.08.31; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2004.09.01;
b. Certidão de dívida nº 2004/……………. que atesta que Apoio ……………………………….., Lda., é devedora de € 247,10, de IVA - Juros, do período de 2002-10 a 2002.12, com prazo de pagamento voluntário até 2004.08.31; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2004.09.01;
ii. Em 2004.10.10, no Serviço de Finanças de Sines foi autuado o PEF nº ………………………………, contra Apoio ………………………………….., Lda.;
1. Tem por base:
a. Certidão de dívida nº 2005/……………. que atesta que Apoio Jovem ……………………., Lda., é devedora de € 374,10, de IVA do período de 2003, com prazo de pagamento voluntário até 2005.08.12; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2005.08.13;
iii. Em 2006.05.04, no Serviço de Finanças de Sines foi autuado o PEF nº …………………., contra Apoio …………………………, Lda.;
1. Tem por base:
a. Certidão de dívida nº 2006/………………. que atesta que Apoio ……………………, Lda., é devedora de € 1.430,94, dos quais (1 386,44 de coima e (44,50 de encargos, com prazo de pagamento voluntário até 2006.04.02, acrescido de juros de mora contados de 2006.04.03, sobre a quantia de € 44,50;
b. Certidão de dívida nº 2006/…………………..que atesta que Apoio ………………………., Lda., é devedora de € 2 885,29, dos quais (2840,79 de coima e € 44,50 de encargos, com prazo de pagamento voluntário até 2006.04.02, acrescido de juros de mora contados de 2006.04.03, sobre a quantia de € 44,50;
E) Em 2006.11.06, o Chefe de Finanças proferiu projecto de despacho de reversão da execução contra o Oponente (cf. 31 do PEF);
F) Em 2006.12.12, o Oponente exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 33 a 35 do PEF);
G) Por despacho do Chefe de Finanças de 2007.01.09, que aqui se dá por Integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra o Oponente (cf. fls. 49 do PEF); deste despacho transcreve-se:
i. [Veio] António …………. exercer o direito de audição quanto ao projecto de despacho de reversão de fls. 31 destes autos, alegando que detendo a originária devedora um crédito de € 47 927,25 sobre o empreiteiro de obras públicas "João ………………….” deverá tal crédito ser penhorado, pelo que requer na mesma petição a sua nomeação à penhora, e que, consequentemente, não poderá ser efectuada a projectada reversão;
ii. (...);
iii. As dívidas da responsabilidade da originária devedora ascendem a mais de € 126 000,00;
iv. Os créditos nomeados à penhora reportam-se a Janeiro de 2003, sabendo-se que existe litígio entre a credora e devedor, conforme referido no processo de execução nº 2259-01/100616.9 e apenso;
v. Na execução fiscal a que o responsável subsidiário se refere nº ………………………., encontram-se ainda em dívida os acréscimos legais no montante de € 41.189,72, atendo o estatuído no artigo 23/6 da LGT;
vi. De harmonia com o disposto no artigo 215/3 CPPT, a nomeação de bens à penhora considera-se sempre devolvida ao exequente, termos em que não é aceite nestes autos a nomeação requerida, não obstante este Serviço de Finanças ir inquirir quanto à situação dos mesmos no âmbito do referido processo executivo nº ……………………………………;
vii. Constata-se, pois, que os créditos eventualmente penhoráveis são insuficientes para a satisfação dos créditos exequentes, situação contemplada no artigo 23/2 da LGT e artigo 153/2.b) CPPT.
viii. Assim e também porque quanto à responsabilidade subsidiária nada é alegado, toma-se definitivo o referido projecto de despacho de reversão, com as especificidades introduzidas pelo presente despacho;
ix. (...);
H) Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2007.01.11, foi enviado ofício de citação (cf. fls. 50 do PEF);
I) Em 2007.02.13, no Serviço de Finanças de Sines, deu entrada a presente oposição (cf. fls. 3 dos autos);
J) O Oponente era gerente pactício da sociedade;

b) Factos não provados
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.

IV - Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.


4. Para julgar procedente a oposição à execução fiscal deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o despacho de reversão se não encontrava devidamente fundamentado, quer quanto à gerência de facto da sociedade originária devedora pelo ora recorrido, quer quanto à insuficiência de bens da mesma originária devedora e que também a reversão por coimas fiscais se revelava ilegal, quer por inexistência de culpa do revertido pela ausência de património societário, quer por o art.º 8.º do RGIT padecer de inconstitucionalidade.

Para a Fazenda Pública, ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra estas e outras questões que vem a esgrimir argumentos em ordem a este Tribunal proceder a um reexame da sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente, desde logo, à sua nulidade por excesso de pronúncia, e à sua revogação no remanescente, pugnando que a citada norma do art.º 8.º do RGIT, de acordo com a jurisprudência mais recente do TC e do STA, não padece da invocada inconstitucionalidade.

Vejamos então.
Na matéria das suas conclusões I a VI e IX das alegações do recurso, vem a ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de excesso de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade, cujo pedido, consequente e certeiro, desde logo veio a formular na citada conclusão IX, porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz se pronuncie sobre questão que não deva conhecer, que por isso não tenha sido submetida à sua apreciação e da qual conheça, bem como, oficiosamente, a lei lhe não imponha ou permita que dela conheça, constituindo um vício aos limites formais a que se encontra submetido na elaboração da sentença, contido no art.º 660.º, n.º2, (segunda parte), do Código de Processo Civil (CPC).

Por questões a que se reportam as normas dos art.ºs 125.º, n.º1 do CPPT e 668.º, n.º1, alínea d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir(1), como se pronunciam entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, proferido no recurso n.º 738/05 (2).

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal excesso de pronúncia, por ... A Douta Sentença, ao referir que o Despacho de Reversão se limita a transcrever o conteúdo dos artigos da LGT invocados e embora se refira aos motivos porque rejeita a nomeação à penhora do crédito, nada diz quanto à insuficiência do património societário, ignora o conteúdo do Despacho notificado ao contribuinte, para efeitos do exercício do direito de audição...pois nos Autos nunca esteve em discussão a falta de fundamentação do despacho de Reversão quanto ao exercício da gerência de facto, a qual foi expressamente reconhecida pelo Oponente ..., desta forma, apontando, em concreto, onde entende existir tal excesso de pronúncia, quanto a esses dois pilares argumentativos do despacho de reversão assim, tendo apontando qual a concreta causa de invalidade que lhe assaca e que pelo Tribunal “a quo” foi conhecida como suporte ou esteio (também) da decisão recorrida, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, (mas) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, consistindo pois, tal vício formal da decisão, no conhecimento desses apontados vícios do despacho de reversão, que pelo ora recorrido, na sua petição inicial de oposição, jamais tenha vindo a esgrimir e com base neles pretendesse obter também a procedência da presente oposição, sendo assim esta a questão apontada onde entende tal excesso de pronúncia se revelar.

Lendo e analisando a sentença recorrida, a qual pode/deve ser interpretada à luz da declaração negocial contida nos art.ºs 217.º e segs do Código Civil(3), temos no caso que, a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em tal peça decisória, quanto a este fundamento por que julgou procedente a oposição à execução fiscal, o foi por ... (em tal despacho de reversão) nada se diz quanto à insuficiência do património societário para a satisfação da dívida, nem quanto ao exercício dos poderes de facto da gerência do oponente no período em causa..., mais tendo considerado prejudicados os demais fundamentos articulados como vista ao mesmo fim de procedência da oposição, desta forma tendo sido erigidos, na sentença recorrida, esses dois pilares argumentativos do despacho de reversão, que levaram à procedência da oposição, neste segmento do decidido, pelo que o conhecimento desses vícios do despacho de reversão não podem deixar de constituir uma verdadeira questão, no sentido do citado art.º 125.º do CPPT, e como tal, se indevidamente conhecida, acarretar a nulidade da mesma decisão.

Lendo e analisando a petição inicial de oposição à execução fiscal, na verdade, como bem invoca a recorrente FP, o ora recorrido jamais veio a articular qualquer vício (formal) desse despacho de reversão, com base no qual pretendesse vir a obter a procedência da oposição, designadamente nas vertentes em que foram conhecidas na sentença recorrida, mas apenas que não se encontravam preenchidos os pressupostos legais contidos nas normas dos art.ºs 22.º, 23.º e 24.º da LGT, para tal reversão ter tido lugar, por a sociedade originária devedora ser possuidora de bens suficientes para solver a dívida exequenda, não ter ocorrido a excussão do património da mesma, não ter sido provada a culpa do mesmo na insuficiência de tal património e também lhe não ser imputável a falta de pagamento pontual de tais dívidas, face à falta de meios financeiros da mesma sociedade originária devedora, pelo que a sentença recorrida, em violação do disposto no art.º 660.º, n.º2 do CPC, conheceu de questão de que não podia conhecer – falta de fundamentação formal do despacho de reversão, nesses dois pilares argumentativos – por tal questão não ter sido submetida à sua apreciação e também não ser de conhecimento oficioso pelo tribunal, o que conduz à declaração da sua nulidade, nesse segmento decisório.


Procede assim, a matéria destas conclusões do recurso, sendo de declarar nula a mesma sentença nesta parte do decidido.


No remanescente, quanto às dívidas de coimas, julgou a mesma a oposição procedente, quer porque em tal despacho de reversão não ter sido imputada culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade originária devedora, quer por a norma do art.º 8.º, n.º1 do RGIT, ser materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da intransmissibilidade das penas.

Quanto a esta parte do decidido, a recorrente Fazenda Pública, apenas veio insurgir-se contra a inconstitucionalidade material do citado art.º 8.º do RGIT, tendo deixado incólume o outro pilar argumentativo da sentença recorrida em se fundou o decidido, qual seja o de no despacho de reversão não ter sido imputada culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade originária devedora para as solver, pelo que mesmo a obter procedência do recurso quanto àquele fundamento de inconstitucionalidade material, sempre a sentença recorrida, esta parte, se teria de manter enquanto abrigada naquele fundamento de não insuficiência patrimonial, que a recorrente não veio colocar em causa no presente recurso, esgrimindo os concretos argumentos quanto aos vícios que lhe assacava.

É que o julgado, na parte não recorrida, não pode ser prejudicado pela decisão do recurso nem pela anulação do processo e nem pela declaração da sua nulidade, nos termos do então n.º4 do art.º 684.º do CPC, e não tendo a recorrente atacado todos os fundamentos da decisão, nesta parte das coimas, o recurso não pode deixar de improceder pelo trânsito em julgado da decisão enquanto ancorada no fundamento não atacado, pelo qual a recorrente, quanto a ele, nenhum argumento veio a esgrimir tendente a este Tribunal poder reexaminar a decisão em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou declaração da sua nulidade, como constitui jurisprudência corrente (4).


Improcede assim, nesta parte de coimas, o recurso interposto com a manutenção da sentença recorrida.


4.1. Declarada nula a sentença recorrida, na parte em que o foi supra, cabe a este Tribunal, em substituição, conhecer dos fundamentos da oposição que pela decisão haviam ficado prejudicados no seu conhecimento, já que os autos fornecem os necessários elementos, ao abrigo do disposto no actual art.º 665.º do CPC (correspondente ao anterior 715.º do mesmo Código), tendo mesmo sido já inquiridas as testemunhas arroladas e sem necessidade de ouvir as partes, por as mesmas se já haverem pronunciado sobre as questões a conhecer, tendo presente também que o recorrido nem veio contra-alegar e nem a requerer a ampliação do objecto do recurso, designadamente quanto à sua matéria de facto, prevenindo a necessidade da sua apreciação, ao abrigo do actual art.º 636.º do CPC (correspondente ao anterior 684.º-A do mesmo Código).

Apesar de declarada nula a sentença recorrida, na parte respectiva, a matéria de facto que nela foi fixada, de acordo com os documentos de suporte constantes dos autos, afigura-se a mesma como relevante para o conhecimento das questões que este Tribunal vai conhecer, em substituição, pelo que a mesma para aqui se aporta, a que se acrescenta mais a seguinte, subordinada às seguintes alíneas, e que se revela a adequada, segundo as várias soluções plausíveis da questão do direito aplicável:
L) A sociedade originária devedora foi constituída em 1996 e tinha por sócios, o ora recorrido e a sua mulher, Maria …………………………….., cada um com uma quota de 200.000$00, tendo sido designado seu único gerente o ora recorrido, por cuja assinatura obrigava a mesma sociedade, não constando a nomeação de mais qualquer um outro gerente – cfr. doc. de fls 16/19 do PEF apenso;
M) No art.º 33.º da sua petição de oposição o ora recorrido articulou: é certo que, o oponente, foi e é gerente da sociedade “Apoio …………………….., Lda” cabendo-lhe a obrigação formal do pagamento atempado de todos os encargos incluindo dos encargos fiscais;
N) Em 10-10-2012, no Serviço de Finanças de Sines foi penhorado o crédito de € 83.100,00 em que era devedor João …………………………………, tendo este vindo pela comunicação cuja cópia consta de fls 60 destes autos, a declarar que não reconhecia a existência de quaisquer créditos relativos à sociedade originária devedora – cfr. doc. de fls. 25 dos autos;
O) Pela certidão de diligências de fls 4 do PEF apenso, lavrada em 26-2-2004, foi constatado na sede de devedora originária, a inexistência de quaisquer bens, bem como nenhuns imóveis ou móveis se encontravam registados a seu favor – cfr. docs. de fls. 5 e 6 dos autos.


5. O direito.
A dívida remanescente, recorde-se, ora em apreciação, reporta-se ao IVA dos anos de 2001 a 2003 e respectivos acréscimos legais, tendo assim nascido no âmbito da vigência da LGT, sendo-lhe por isso aplicável a lei substantiva dela decorrente, dos art.ºs 23.º e 24.º da mesma Lei, no que à responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes, tange, sendo que no caso, ao ora recorrido, era-lhe aplicado o regime subsumível na alínea b) do n.º1 do citado art.º 24.º, já que o mesmo era gerente efectivo ou de facto, como o mesmo confessa na respectiva petição de oposição, no período de tempo em que tais dívidas foram colocadas a pagamento voluntário, como da matéria das alíneas B) e D) do probatório flui, pelo que para além do outro requisito geral contido no art.º 23.º, n.º2 da mesma lei – insuficiência de bens do devedor principal – é ao revertido que lhe cabe provar que a falta de tais pagamentos não lhe foram imputáveis.

Passando ao conhecimento dos fundamentos articulados pelo oponente em tal petição de oposição, desde logo nos seus art.ºs 6º a 21.º, ressalta a invocação da existência de bens no património da sociedade originária devedora suficientes para solver a dívida exequenda e legais acréscimos, pelo que faltaria este pressuposto legal em ordem à efectivação de tal reversão.

Porém, dos muitos bens móveis invocados pelo oponente, apenas o crédito de € 83.100,00 sobre o referido João ……………………………. foi penhorado na execução fiscal, mas como o mesmo negou a sua existência (contrariamente ao invocado pelo oponente na matéria do art.º 8.º da mesma petição), o mesmo passou a ser um crédito litigioso – cfr. art.º 856.º e segs. do CPC, na redacção de então – podendo o exequente desistir da penhora, e no caso da execução fiscal, em que o direito de nomear bens à penhora se considera sempre devolvido à exequente – cfr. art.º 215.º, n.º3 do CPPT – poderiam ser nomeados outros bens à penhora, em sua substituição, porque de tal crédito, assim negado, o seu valor poderia ser zero, mas como outros bens não foram encontrados – cfr. matéria da alínea O) do probatório – não se pode concluir que exista suficiência de bens para solver a dívida exequenda, por referência a tal penhora desse crédito, antes se devendo concluir pelo inverso, pela sua insuficiência, pelo menos, face à incerteza da existência do único bem penhorado – o referido crédito – desta forma se mostrando preenchido este pressuposto de que depende o direito à reversão, contido nos art.ºs 23.º, n.º2 da LGT e 153.º, n.º2, alínea b) do CPPT e improcedendo a oposição enquanto abrigada neste fundamento.

Na matéria do art.º 22.º da mesma petição, articula o oponente, que beneficia da prévia excussão do património da sociedade originária devedora, pelo que também entende que na falta da verificação deste pressuposto não podia o mesmo ser revertido na execução fiscal para o pagamento de tal dívida.

Como resultam das normas dos art.ºs 23.º, n.º3 da LGT e 153.º, n.º2, alínea b) do CPPT, a excussão prévia do património da devedora originária a tal reversão, inexiste, como desde logo resulta do elemento literal daquela primeira norma, já que a mesma dispõe da suspensão da execução fiscal em caso de insuficiência de bens, mas só depois de ter lugar a reversão, exactamente para se ir apurar quanto é que pode ser cobrado do património da sociedade originária devedora e por quanto, respectivamente, tem ainda o património do responsável subsidiário de responder para solver a dívida exequenda, como bem explicita Jorge Lopes de Sousa(5), tendo pois, actualmente, sido dispensada essa prévia excussão, desta forma improcedendo também a matéria de tal artigo da petição de oposição.

Na matéria dos art.ºs 23.º a 32.º da mesma petição, pugna o oponente, que em caso de insuficiência dos bens da originária devedora, cabia à exequente a prova de que tal insuficiência dependia de culpa do responsável subsidiário, que a não fez, pelo que também por aqui não podia haver lugar à reversão.

Porém, também por este fundamento não pode a oposição deixar de improceder. É que no caso, a responsabilidade do oponente não se subsume à alínea a) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, onde tal ónus cabe ao revertido, como acima se disse, mas sim à sua alínea b), onde tal culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora não tem lugar, não constitui um seu pressuposto para o efeito, antes o que a lei elege como relevante, é que o revertido venha provar que a falta de pagamento da dívida exequenda lhe não foi imputável, ónus que lhe cabe a si, que não à AT, como constitui jurisprudência corrente (6), pelo que a oposição também não pode deixar de improceder enquanto abrigada em tal fundamento.

Na restante matéria dos artigos da sua petição de oposição, veio ainda o oponente articular que a falta de pagamento de tal dívida exequenda lhe não é imputável, face à falta de meios financeiros na sociedade originária devedora ao tempo do respectivo pagamento voluntário e que sempre pautou a sua conduta pelo cumprimento das suas obrigações.

Porém, a tal respeito nada consta provado nos autos, nem do probatório originário fixado na sentença recorrida, sobre que o mesmo não requereu a respectiva ampliação, ao abrigo do disposto no então n.º2 do art.º 684.º-A do CPC, nem dos autos vislumbramos agora qualquer uma outra prova nesse sentido, pelo que também por este fundamento, não pode a presente oposição deixar de improceder.


Procede assim, em parte, o recurso interposto pela Fazenda Pública, sendo de lhe conceder provimento e de declarar nula a sentença recorrida por excesso de pronúncia, e conhecendo em substituição, em julgar improcedente a oposição nesta parte, mantendo-se a sentença recorrida no remanescente.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder parcial provimento ao recurso e em declarar nula, em parte, a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, nesta parte, em julgar a oposição improcedente, mantendo-se a sentença recorrida no remanescente (coimas e legais acréscimos).


Custas do recurso pela recorrente na medida do decaimento; na 1.ª Instância, por ambas as partes na medida dos respectivos decaimentos.


Lisboa,14 de Novembro de 2013
Eugénio Sequeira
Benjamim Barbosa
Anabela Russo
(1)Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
(2)O qual teve por Relator igualmente o do presente.
(3)Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 24-2-2011, recurso n.º 1053/10.
(4)Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 24-2-2010 e de 17-10-2012, recursos n.ºs 1027/09 e 583/12, respectivamente.
(5)In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª edição revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 701, nota 5.
(6) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 11-7-2012 e de 6-3-2013, recursos n,.ºs 824/11 e 1504/12, respectivamente.