Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:599/07.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA;
DEDUÇÕES;
REGULARIZAÇÕES;
ANULAÇÕES DE FACTURA;
NOTAS DE CRÉDITO.
Sumário:1. A regularização do IVA a favor do sujeito passivo, nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, depende de um pressuposto legal (n.º 5 do art. 71.º do CIVA), sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto;

2. A exigência legal justifica-se pelo fim que visa, controlo da evasão e fraude fiscal pela AT, pois o adquirente do bem ou do serviço ao ter conhecimento dessa comunicação fica constituído na obrigação de não deduzir o imposto regularizado pelo sujeito passivo, ou constituído na obrigação de entregar o imposto ao Estado caso já tenha deduzido o imposto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

S......., LDA., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, no seguimento da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, contra essa decisão e o acto de liquidação de IVA reportado ao exercício de 1999 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de 54.099,66 Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Nas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes e doutas conclusões:
«

«imagens no original»




».
Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se, essencialmente, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir (i) não estarem reunidas as condições de que depende o direito à dedução do IVA por correcção do valor tributável facturado e (ii) que da produção da prova testemunhal requerida na P.I. nada poderia resultar de útil na apreciação das condições legais de que depende a regularização do imposto.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se factualmente consignado:
«
III. Fundamentação
a) De facto
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A impugnante é uma sociedade por quotas que tem como objecto a execução de sondagens e fundações e quaisquer outras obras de engenharia – cfr. doc. nº 2 junto com a p.i., a fls. 20-26 dos autos (suporte físico);
2) Os Serviços de Inspecção Tributária da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa desencadearam à ora impugnante procedimento de inspecção aos exercícios de 1997, 1998, 1999 e 2000, de âmbito geral, no âmbito do qual foram efectuadas correcções, designadamente, em sede de IVA, relativo ao ano de 1999, na parte referente às notas de crédito, no montante de 2.957.116$00 - cfr. fls. 15-22 do PAT apenso;
3) No âmbito da acção inspectiva identificada no ponto anterior, foi elaborado, em 04/07/2001, o relatório da inspecção tributária, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
3.1.3 – ANÁLISE AO EXERCÍCIO DE 1999
(…)
3.1.3.3 – Imposto sobre Valor Acrescentado
No exercício em análise a empresa procedeu à entrega das Declarações Periódicas de IVA, referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Maio de 1999, e efectuou os respectivos pagamentos. Quanto aos restantes períodos não entregou sequer as declarações periódicas.
No quadro que anexamos (Doc. nº 16) descrevemos, por mês, os valores apurados de IVA por entregar nos cofres do Estado, num total de Esc. 62.745.740$00, valor este deduzido do valor de Esc. 17.850$00 correspondente ao valor inscrito na D.P. de Maio de 1999 e entregue nos cofres do Estado, que não é coincidente com o valor registado na contabilidade. Junto incluímos fotocópia da D.P. entregue nos Serviços, da D.P. preenchida e não entregue e dos extractos da c/c 2435, 2436 e 2437 (Doc. nºs 17, 18, 19 com 4 fls., 20 e 21). (…)
Interessa também salientar que a empresa procedeu à dedução do IVA mencionado em Notas de Crédito, num total de Esc. 2.957.116$00, sem observar o disposto no artº 71º nº 5 do CIVA, razão pela qual procedemos à respectiva correcção. É de notar que esta correcção não está incluída no valor de Esc. 62.745.740$00. (…)
IX – PROPOSTAS/CONCLUSÕES
(…) 9.3 – Imposto sobre o Valor Acrescentado
(…) nos exercícios de 1999 e 2000 apurou IVA que não entregou nos cofres do Estado nos montantes de Esc. 62.745.740$00 e Esc. 45.252.219$00, respectivamente. (…)
Outra situação prende-se com as Notas de Crédito, cuja acusação de recepção não foi efectuada pelos clientes, infringindo assim o disposto no artº 71º nº 5 do CIVA, dando origem a correcções a favor do Estado no exercício de (…) 1999 no total de Esc. 2.957.116$00 (…). (…)
«imagem no original»

(sublinhados nossos) – cfr. fls. 15 a 63 do PAT apenso;
4) Em 09/12/2002 foi emitida a liquidação de IVA nº 02343334, referente ao período de 1999, nos montantes de 38.585,66 € e de 13.414,50 €, perfazendo o valor global de 52.000,16 €, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 28/02/2003 – cfr. fls. 5 do processo de reclamação graciosa apenso;
5) Em 09/12/2002, foi emitida a liquidação de juros compensatórios nº 02343331, relativa ao período de Janeiro de 1999, no montante de 137,74 €, os quais incidem sobre o montante de imposto de 847,96 € - cfr. fls. 27 do processo de reclamação graciosa apenso;
6) Em 09/12/2002, foi emitida a liquidação de juros compensatórios nº 02343332, relativa ao período de Fevereiro de 1999, no montante de 1.961,76 €, incidindo os mesmos sobre a quantia de imposto de 12.566,54 € - cfr. fls. 30 do processo de reclamação graciosa apenso;
7) Em 29/05/2003, a ora impugnante apresentou reclamação graciosa tendo por objecto os actos de liquidação identificados nos pontos 4, 5 e 6 antecedentes, conforme requerimento e memorando anexo, de fls. 2 e seguintes do processo de reclamação graciosa apenso, que se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “ (…) b) Para procedermos internamente às devidas correcções contabilísticas emitimos Notas de Crédito pelo valor das ditas Facturas para que as mesmas resultassem anuladas.
c) Uma vez que se trata de movimentos internos, não há lugar à aposição nas Notas de Crédito da prova da sua recepção pelo destinatário (Cliente).
d) A nossa contabilidade guarda obviamente os originais das referidas Facturas e correspondentes Notas de Crédito.
e) Durante a acção inspectiva ao referido exercício, este procedimento não foi evidenciado, pelo que o respectivo Relatório faz acrescer ao valor do IVA a declarar os montantes correspondentes a estas facturas que não chegaram a ser enviadas aos Clientes e consequentemente não foram cobradas. (…)
a) A liquidação inclui a Nota de Crédito que não foi considerada válida pela Acção Inspectiva pelo motivo de não ter sido provado o seu recepcionamento pelo Cliente.
b) Nesta data possuímos, devidamente recepcionada pelo Cliente, a Nota de Crédito a que respeita a rectificação da factura e que consta do Doc. 50 anexo ao Relatório da Inspecção.
4. Comprovamos os factos expostos pela junção de cópias dos documentos e exibição dos respectivos originais. (…)” – cfr. fls. 2 a 30 do processo de reclamação graciosa apenso;
8) No âmbito do processo de reclamação graciosa nº 763/03 foi elaborada, em 26/03/2004, a informação de fls. 75 e seguintes do PAT apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “ (…) IV-INFORMAÇÃO SUCINTA
(…) Realizada a instrução do processo, foi elaborado o projecto de decisão o qual foi comunicado à reclamante (…) para exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição (…). Direito esse que exerceu através de petição que deu entrada no dia 15 de Março de 2004, fls. 60 a 63.
Na referida petição o sujeito passivo (…) refere expressamente o ponto 25 do projecto de decisão, vindo agora alegar ter enviado à cliente a nota de crédito nº 99002.
Recordo que inicialmente a reclamante havia alegado precisamente o contrário, invocando tratarem-se de movimentos internos que apenas serviram para anular facturas após a sua emissão mas antes do seu envio ao respectivo destinatário, pelo que também a referida nota de crédito não havia sido enviada ao cliente.
Para comprovar as alegações iniciais o sujeito passivo juntou ao processo cópia do original e do duplicado da factura e nota de crédito supra mencionadas.
Deste modo, verifica-se haver uma incongruência nas alegações da reclamante, até porque, estando agora a alegar ter enviado a nota de crédito nº 99002 ao seu cliente (G.......) não se percebe como é que tem em seu poder o original e duplicado da mesma.
Assim, face à inexistência de novos argumentos que pudessem ir no sentido da anulação supra solicitada, será de manter a conclusão de acordo com o descrito em III, pelo consideramos ser de manter o indeferimento.” – cfr. fls. 75-79 do PAT apenso;
9) No âmbito do processo de reclamação graciosa identificado no ponto antecedente foi proferida, em 05/04/2004, decisão de indeferimento – cfr. fls. 75 do PAT apenso;
10) Em 13/05/2004, a ora impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão referida no ponto anterior, conforme requerimento de fls. 1 e seguintes do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 1-7 do processo de recurso hierárquico apenso;
11) No âmbito do procedimento de recurso hierárquico nº 172/05, foi elaborada pela Direcção de Serviços do IVA da Direcção-Geral dos Impostos, em 18/04/2007, a informação nº 1353, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e de que se extrai, designadamente, o seguinte: “ (…)
 Foi enviada uma série de fotocópias de documentos “notas de crédito” (99002/08/09/010/026), relacionadas com facturas anuladas e ou rectificadas, argumentado estarem assim demonstrados e comprovados os elementos referidos no nº 5 do artigo 71º do CIVA, pelo que, uma vez mais, entende dever ser anulada a respectiva liquidação adicional resultante das correcções efectuadas em sede de Inspecção Tributária.
 Da verificação desses documentos, resulta que na totalidade, não têm qualquer indicação relativa à recepção dos mesmos, por parte dos clientes, sendo fotocópia pura e simples do documento original.
 Não se verifica qualquer menção a recepcionamento por parte dos clientes, pelo que se continua sem saber a partir de que data é que o SP poderia efectuar as regularizações de IVA em causa, ou se essas regularizações se poderiam considerar ou não.
 Uma coisa é certa. À data da acção inspectiva, o SP não dispunha dos documentos necessários que lhe permitissem efectuar as deduções de IVA objecto das correcções, pelo que se torna inquestionável a legalidade das mesmas.
 Por outro lado, quando vem reclamar argumentando que “agora” já possui os referidos documentos, que anexa, chega-se à conclusão de que tais documentos, na sua totalidade, carecem de qualquer confirmação por parte dos clientes, de que os mesmos foram recepcionados, o que obriga os referidos clientes a efectuar a regularização inversa para efeitos de IVA (a favor do Estado), nos termos do artigo 71º do CIVA.
 De referir ainda, que para além disso, a maior parte dos nºs de contribuinte que constam dos documentos, não são válidos, ou pertencem a outros SP.s que não os mencionados nos documentos.
 As liquidações adicionais de IVA, resultantes das correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, foram efectuadas de forma correcta, devendo manter-se.
 As liquidações adicionais relativas a juros compensatórios, porque resultaram de retardamento na liquidação de imposto, por facto imputável ao SP, são devidas nos termos do disposto no artigo 35º da LGT (…)
CONCLUSÃO: (…)
O Recurso Hierárquico deve considerar-se improcedente, mantendo as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, nos montantes inicialmente propostos, de : € 52 000,16 e € 2 099,50, respectivamente. (…)” – cfr. fls. 87-91 do PAT apenso;
12) Foi proferida, em 10/05/2007, pelo Subdirector-Geral dos Impostos, decisão de indeferimento do recurso hierárquico identificado no ponto antecedente – cfr. fls. 87 do PAT apenso;
13) Em 19/01/1999 foi emitida a nota de crédito nº 99002, no montante de 1.170.000$00, da qual consta a seguinte descrição: “anulação da nossa factura nº 980264 por emissão indevida” – cfr. fls. 8 do processo de recurso hierárquico apenso;
14) Em 26/02/1999 foi emitida a nota de crédito nº 99008, no montante de 12.425.166$00, da qual consta a seguinte descrição: “anulação da nossa factura nº 990029 conforme auto de medição nº 13 (em anexo) e nossa proposta nº 98050” – cfr. fls. 12 do processo de recurso hierárquico apenso;
15) Em 26/02/1999 foi emitida a nota de crédito nº 99009, no montante de 4.914.000$00, da qual consta a seguinte descrição: “Anulação da nossa factura nº 990030 conforme auto de medição nº 14 (em anexo) e nossa proposta nº 98050” – cfr. fls. 16 do processo de recurso hierárquico apenso;
16) Em 03/03/1999 foi emitida a nota de crédito nº 99010, no montante de 1.755.000$00, da qual consta a seguinte descrição: “Anulação da nossa factura nº 980197 conforme auto de medição nº 4 (em anexo)” – cfr. fls. 20 do processo de recurso hierárquico apenso;
17) Em 05/07/1999 foi emitida a nota de crédito nº 99026, no montante de 437,70 €, da qual consta a seguinte descrição: “Crédito sobre uma cabeça especial, referente a factura nº 990016”, e na qual se encontra aposto o seguinte carimbo “recebido em 14/07/99” – cfr. fls. 24 do processo de recurso hierárquico apenso.
*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e dos processos administrativos apensos, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Mostram os autos e o probatório que no âmbito de uma acção inspectiva à impugnante referenciada, nomeadamente, ao exercício de 1999, se fez constar do relatório que a culminou, entre o mais e, designadamente, o seguinte: «Outra situação, prende-se com as Notas de Crédito, cuja acusação de recepção não foi efectuada pelos clientes, infringindo assim o disposto no art.º 71.º n.º 5 do CIVA, dando origem a correcções a favor do Estado no exercício de (…) 1999 no total de Esc.2.957.116$00 (…)».

As correcções de IVA relatadas tiveram origem na constatação de que o sujeito passivo impugnante regularizara a seu favor imposto correspondente à diferença entre os valores tributáveis facturados e posteriormente rectificados para menos, quer através da anulação de facturas, quer através da emissão de notas de crédito, sem que à data da regularização tivesse na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.

Em matéria de regularizações de IVA a favor do sujeito passivo, mostra-se decisivo o disposto no art.º 71.º, n.º 5 do Código do IVA, segundo o qual, “Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução”.

Como refere Emanuel Vidal Lima, “IVA – comentado e anotado”, 9.ª ed., a pág. 614, «Os sujeitos passivos só se encontram autorizados por lei a efectuar uma regularização de IVA a seu favor quando tiverem na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.
Exige-se uma prova específica na posse prévia do sujeito passivo. A lei indica o conteúdo essencial da prova, mas não refere, todavia, o tipo ou meio de prova bastante».

Definiu, pois, o legislador nacional um mecanismo que, em situações de rectificação para menos do valor tributável ou do imposto, permitisse garantir o respeito pelo princípio da neutralidade, assegurando, no entanto, o afastamento de qualquer risco de perda de receitas fiscais, sendo admissível qualquer meio de prova idóneo – neste sentido, vd. Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos (coord.), “Código do IVA e RITI – Notas e Comentários”, Almedina, Coimbra, 2014, p. 445.

Por outro lado e como constitui jurisprudência assente deste tribunal expressada nomeadamente no Acórdão de 08/03/2018, proferido no proc.º 09476/16, nos termos daquele art.º 71.º, n.º5 do CIVA, “a regularização do IVA a favor do sujeito passivo, nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, depende de um pressuposto legal, sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.

Por outras palavras, se o sujeito passivo no momento em que efectua a regularização do IVA não possuir a prova exigida no n.º 5 do art. 71.º do CIVA, e ainda assim tiver efectuado a dedução do respectivo imposto, é a própria norma que estatui que esta dedução considera-se indevida.

Portanto, é preciso ter presente que estando perante uma situação de regularização do IVA a favor do sujeito passivo é de aplicar a exigência de prova prevista no n.º 5 daquele preceito legal (…).

A exigência de que o sujeito passivo deve ter na sua posse prova “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto” justifica-se pelo fim que visa, controlo da evasão e fraude fiscal pela AT. O adquirente do bem ou do serviço ao ter conhecimento dessa comunicação fica constituído na obrigação de não deduzir o imposto regularizado pelo sujeito passivo, ou constituído na obrigação de entregar o imposto ao Estado caso já tenha deduzido o imposto.

Estamos perante um regime jurídico específico das regularizações do IVA e, portanto, para que o sujeito passivo possa utilizar esse mecanismo legal, tem de cumprir os seus pressupostos legais” (fim de cit.).

Tendo presente estas considerações e baixando aos autos, constata-se que foram objecto de regularizações pelo sujeito passivo, impugnante e ora recorrente, cinco facturas: três, com os números 990929, 990030 e 980197 por anulação total do valor tributável facturado com emissão da correspondente nota de crédito; duas, com os números 980264 e 990016 por rectificação, para menos, do valor tributável facturado, com emissão da correspondente nota de crédito pela diferença.

Sucede, porém, que o recorrente alega que anulou três facturas, as emitidas com os números 990929, 990030 e 980197, que nem sequer chegou a enviar ao adquirente por este não ter aceite o auto de medição que servira de base à sua emissão, juntando para prova do alegado os originais das facturas em causa (cf. fls.30, 31 e 32 dos autos, docs. 6, 7 e 8 juntos à P.I.).

Ora, se a recorrente conserva os originais das facturas emitidas, o adquirente nunca as poderia ter contabilizado, nem subsequentemente deduzido o imposto suportado, nessa medida, a nota de crédito interna terá servido unicamente, como o próprio recorrente afirma, para a regularização do IVA a seu favor.

Regularização que a AT não aceitou por não considerar demonstrado que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto. Só que estando o impugnante/recorrente na posse dos originais das facturas, isso significa em princípio que os clientes não as contabilizaram, nem podiam contabilizar, nem consequentemente deduzir o imposto liquidado e, a ser assim, resultará demonstrada a inexistência de risco de perda de receita fiscal, que é, no fundo, o que visa acautelar a norma do citado art.º 71/5, do CIVA. Dizemos a ser assim porque a AT, eventualmente por erro ou lapso na identificação das facturas, afirma que a recorrente está na posse de originais de facturas que o adquirente contabilizou e fez constar dos extractos de conta corrente e esta aparentemente contradição não prescinde de esclarecimentos para ser decidida.

No que em especial respeita às duas facturas rectificadas para menos, alega a recorrente que foram anuladas e emitidas novas facturas pelo valor correcto; no entanto, a ser assim, fica por esclarecer como é que aparentemente está na posse da factura 980264 que juntou à reclamação graciosa (fls.12 do apenso respectivo) e essa factura aparece reflectida no extracto de conta corrente do s.p. adquirente, a G....... (vd. fls. 35 a 37 do apenso de RG).

Também importaria esclarecer as circunstâncias em que foi aposto na nota de crédito 99026 o carimbo com menções ilegíveis (mas em que se pode ler “recebido em 14/07/99” – cf. fls. 24 do apenso de RG) que a recorrente afirma pertencer ao beneficiário da factura, NC essa que se destinou a regularizar a factura 990016, emitida à Junta de Freguesia de Castelo de Vide, bem como se aquela mencionada data corresponde ao momento em que o adquirente tomou conhecimento da rectificação, sendo que subsistem dúvidas sobre o sentido da afirmação da recorrente feita no RH de que lhe “pode ser imputado o atraso na comprovação dos factos e nunca a falta de transparência ou qualquer outra actuação a não ser falta de organização específica para evitar situações como esta em que agora se encontra” ou a afirmação “nesta data possuímos devidamente recepcionada pelo cliente, a nota de crédito a que respeita a rectificação da factura e que consta…” feita na RG, que não pode ser assumido como querendo significar que à data da regularização não estava posse de prova de que o adquirente tinha conhecimento da rectificação, podendo querer dizer que por dificuldades de organização interna não os pode apresentar logo no âmbito da acção inspectiva.

Ora, justamente alega a recorrente com relação às duas facturas cujo valor tributável foi rectificado para menos e regularizado através de notas de crédito, que faria a prova exigida no art.º 71/5 do CIVA caso fosse produzida a prova testemunhal requerida na douta P.I.

Em particular, relativamente à factura n.º 990016, que tem por adquirente a Junta de Freguesia de Cabeço de Vide, regularizada através da nota de crédito n.º 99026, de 05/07/1999 (vd. doc. 5 anexo à P.I.) e que tem aposto um carimbo com dizeres ilegíveis embora se possa ler “recebido em 14/07/99”, a sentença não tratou de esclarecer as circunstâncias em que foi aposto. Sendo que também com relação a esta última factura e sua regularização pretende a recorrente que a produção da prova testemunhal requerida permitiria evidenciar o cumprimento dos requisitos de dedução previstos no n.º 5 do art.º 71.º do CIVA.

É, pois, manifesto que os autos padecem de deficit instrutório quanto às questões factuais controvertidas e não devidamente esclarecidas acima referidas, não se podendo, outrossim, descartar a possibilidade de a produção da prova testemunhal requerida na P.I. poder trazer esclarecimentos úteis e pertinentes para a decisão, nomeadamente, no esclarecimento daquelas duas questões, que se prendem com a posse pela recorrente dos originais de facturas rectificadas que o adquirente contabilizou e com o momento em que a recorrente passou a estar na posse da prova de que o adquirente tomou conhecimento da regularização através das NC.

Lembrando o que acima dissemos, as regularizações de IVA a favor do sujeito passivo supõem uma prova especifica na posse prévia do sujeito passivo, mas a lei não determina o tipo ou meio de prova bastante, matéria que tem sido regulada por normas de direito circulatório apontando no sentido documental, mas a que os tribunais não estão vinculados, sendo de admitir qualquer meio de prova idóneo.



5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para as diligências instrutórias preconizadas, com prolação de nova decisão conforme com o resultado das mesmas.

Sem custas.

Lisboa, 19 de Novembro de 2020

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].


Vital Lopes