Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08069/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/02/2014
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:OBRA COERCIVA
Sumário:I. A dedução do pedido, por natureza, obedece ao princípio dispositivo, pelo que, sem a sua expressa formulação pela parte, não pode o Tribunal conhecer e decidir de pretensão não requerida, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia.

II. O disposto no nº 5 do artº 91º do CPTA permite a invocação de novos fundamentos do pedido nas alegações finais, mas tal possibilidade não é livre, por se encontrar limitada aos fundamentos “de conhecimento superveniente”.

III. Tendo o Município adoptado um conjunto de diligências com vista a assegurar a notificação pessoal dos interessados e resultando estas infrutíferas, notificando-os, em seguida, através de Edital e por publicação em anúncio no Boletim Municipal, não se pode falar em falta de notificação dos interessados.

IV. Apresentando-se suficientemente caracterizada de facto o estado de degradação do prédio, que permite concluir inequivocamente pelo risco iminente da sua derrocada, nos termos dos vários pareceres e informações emitidos, não alegando a Autora em juízo factualidade contrária, nem procedendo à demonstração, está justificado o estado de necessidade.

V. O estado de necessidade advém, por um lado, pelo avançado estado de degradação do imóvel e pelo risco que ele constituía para pessoas e bens, pela possibilidade de derrocada iminente, ao ponto de ter sido ordenado o corte de trânsito do local e, por outro, da situação de urgência na tomada de medidas que pusessem termo a essa situação de risco, no caso, traduzidas na demolição do prédio.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

Maria …………., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 17/03/2011 que, no âmbito da acção administrativa especial instaurada contra o Município de Lisboa, julgou a acção improcedente, absolvendo a entidade demandada do pedido, relativo ao pedido de declaração de nulidade ou anulação do acto que procede à cobrança coerciva da quantia de € 64.368,56, correspondente ao custo com a realização de obra coerciva realizada pelo Município de Lisboa, no prédio sito na Rua ……….., nº 43, em Lisboa.

Formula o aqui Recorrente nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. Nas alegações oportunamente apresentadas, a ora Recorrente ampliou o pedido ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas do nº 1, do artº 64º e nº 6 do artº 91º, ambas do CPTA;

2. A sentença recorrida, admitindo como foi o caso, a ocorrência de um invocado “estado de necessidade”, deveria ter-se pronunciado sobre o pedido subsidiário formulado pela Autora;

3. Não o tendo feito, incorre a sentença na nulidade prevista na al. d), do artº 668° do Cód. Proc. Civil, aplicável “ex vi” do artº 1º do CPTA;

4. Ainda que não fosse nula, sempre teria a sentença “sub judice” de ser revogada.

Na verdade,

5. A Recorrente não foi notificada da vistoria, nem da tomada de posse administrativa, não se justificando a notificação por edital e anúncio no boletim municipal uma vez que a sua morada era perfeitamente conhecida do R. como resulta do doc. n° 5 junto à Contestação, documento esse de data anterior à afixação do edital e publicação do anúncio:

6. A conclusão anterior, não pode ser afastada pela invocação do “estado de necessidade”, pois que este não ocorre “in casu”.

Com efeito,

7. O conflito entre os interesses - particulares e públicos - em presença encontra-se legalmente previsto e, por outro lado, é manifesto o contributo do Recorrido para a eclosão da situação.

8. A demolição do prédio da Recorrente foi levada a cabo pelo ora Recorrido, sem que tivesse sido proferido despacho ordenando aquela demolição.

Efectivamente,

9. Dos pontos 4) e 5) dos “Factos Provados” resulta que apenas a “posse administrativa” foi abrangida pelo despacho de concordância prolatado pela Vereadora …………. em 15.7.2003;

De resto,

10. O estado de necessidade apenas foi invocado para legitimar a posse administrativa do prédio, nomeadamente no Parecer sobre que incidiu o sobredito despacho.

Em todo o caso,

11. Sempre tal despacho - a existir - teria de ser precedido de deliberação da Câmara, o que se não verifica;

12. O acto de demolição, não precedido da deliberação e, também, de despacho, é nulo (al. f), do n° 2, do artº 133° do CPA);

13. A nulidade deste acto, irreversivelmente determina a nulidade dos actos consequentes, designadamente do acto impugnado;

14. Ainda que não ocorresse a nulidade, sempre teria o acto atacado de ser revogado, uma vez que a factura apresentada à Recorrente se mostra totalmente desconforme com a normalidade em matéria de demolições,

15. Mesmo admitindo a ocorrência do estado de necessidade - o que se equaciona sem que se admita - sempre teria o Tribunal de se pronunciar sobre os prejuízos sofridos pela Autora em resultado da demolição e que se traduzem na impossibilidade de apurar a responsabilidade do proprietário do prédio contíguo ao seu no desencadear da situação que provocou a degradação do seu prédio.

Deste modo,

16. Igualmente por este motivo incorre a sentença na nulidade prevista na al. d), do n° 1, do 668° do CPT.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e seja revogada a sentença recorrida.


*

O Recorrido contra-alegou, mas não formulou conclusões.

Pede que o recurso seja julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se a sentença recorrida.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.

*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, em relação:

1. Nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, sobre o pedido subsidiário e sobre os prejuízos sofridos pela Autora em resultado da demolição e que se traduzem na impossibilidade de apurar a responsabilidade do proprietário do prédio contíguo ao seu;

2. Erro de julgamento, (i) por a notificação para a vistoria não poder ter lugar pela publicação de edital ou anúncio no Boletim Municipal e não existir estado de necessidade; (ii) por o acto de demolição, não sendo precedido de deliberação, ser nulo, o que determina a nulidade dos actos consequentes, como o acto impugnado e (iii) por a factura se mostrar em desconformidade com a normalidade em matéria de demolições.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1) A aqui Autora adquiriu, em 27 de Maio de 1970, por morte de José ………………….s, 1/14 avos do imóvel aqui em questão (Cfr. doc. 3 PI);

2) Em 25.7.2003 foi emitido pelo Departamento de Conservação de Edifícios e Obras Diversas, da Câmara Municipal de Lisboa, o parecer n.º 301/03, constante de fls. 24-25, do processo instrutor n.º 21/ID/03, e de fls. 20-21, dos autos, relativo ao prédio sito na Rua ……….., n.º 43, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aí se consignando nomeadamente que:

“Face ao exposto e do que foi dado a observar, do que resulta grave insegurança, os técnicos emitem o seguinte parecer:

Todo o prédio se encontra estruturalmente com deficiências profundas nomeadamente a de sustentação ao nível do piso térreo que denota, em face do esmagamento verificado, o risco da estrutura a montante entrar em desequilíbrio a qualquer momento.

A situação verificada na fachada principal, também com esmagamento, apresenta-se o risco de deslizamento conjugado com a empena confinante.

Em conclusão, considera-se o edifício estruturalmente irrecuperável e em risco de ruína iminente, pelo que deverá proceder-se à sua demolição de imediato, sendo acautelada a contenção das edificações adjacentes.

Deverá ser determinado o despejo imediato de todo o prédio.

Como medida de segurança, e durante a execução da demolição, deverá ser determinado o despejo imediato e temporário dos ocupantes do prédio com o n.º 45/47”.

3) Na sequência desse parecer e nessa mesma data foi emitida, pelo Chefe de Divisão de Fiscalização, a informação n.º 1842/03/DCEP com o seguinte conteúdo:

“Ex.ma Sr.ª

Directora de Departamento

Na sequência de solicitação do DPC via telefone, desloquei-me ontem e hoje à Rua das Taipas, para verificação das condições de estabilidade dos edifícios com o n.º 41 e 43.

Estes edifícios foram objecto de vistoria em, 18/07/03 o n.º 43 e em 21/07/03 o n.º 41, também na sequência de comunicação do DPC cujos pareceres já preconizavam o despejo imediato dos ocupantes dos dois edifícios.

A situação verificada ontem, e por análise das fissurações existentes na fachada Principal, na zona de confluência dos dois prédios ao nível do r/c, indicava ter existido movimento da estrutura no espaço de tempo que medeia com as datas das vistorias acima mencionadas. Nesta conformidade e como medida de precaução foi cortado o trânsito no troço correspondente à implantação dos edifícios.

Na sequência do quadro de risco atrás descrito, foi hoje efectuada nova vistoria ao prédio n.º 43, tendo sido emitido o parecer n.º 301/03 o qual preconiza a sua demolição imediata.

Dada a gravidade da situação descrita e estando em causa valores e interesses de ordem pública, propõe-se que seja determinada a posse administrativa do edifício ao abrigo do disposto no art. 91° do Dec-Lei n.º 555/99 de 16/12, conjugado com o art. n.º 149 do Código de Procedimento Administrativo, para execução imediata das obras preconizadas no Parecer n.º 301/03, o que se justifica à luz do estado de necessidade, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 3° do referido Código.

Em conformidade com o Parecer n.º 301/03, propõe-se também o despejo imediato e definitivo dos ocupantes do prédio com o n.º 43, com base no n.º 4 do art. 92° do Dec.Lei 555/99 de 16/12.

Por questões de segurança e conforme o preconizado no referido parecer, propõe-se o despejo imediato e temporário de todos os ocupantes do prédio com o n.º 45/47, com base no mesmo dispositivo legal, até á conclusão da demolição do prédio n.º 43.” (cfr. fls. 27-28, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

4) Em 25.7.2003 foi, sobre essa informação, consignado o seguinte despacho, pela Directora do Departamento:

“Ex.ma Sr.ª Directora Municipal

Julgo ser de determinar a posse administrativa à luz do estado de necessidade, com base nos fundamentos de facto e de direito constantes na presente informação e no auto de Vistoria 301/03.”

(cfr. fls. 28, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

5) Na sequência desse despacho foi proferido, igualmente em 25.7.2003 e sobre a informação referida em 2), o seguinte despacho:

“À consideração da Senhora Vereadora ……….. a posse administrativa do imóvel ao abrigo do estado de necessidade, pelas razões e com os fundamentos expressos na informação.”

(cfr. fls. 27-28, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

6) Em 25.7.2003 a Vereadora ……….. proferiu sobre a informação mencionada em 2) o seguinte despacho:

“1 CONCORDO

Nos termos propostos e por delegação Despacho n.º 199/P/03, BM de 29/05/03

2 Determino posse administrativa ao abrigo do estado de necessidade.” (cfr. fls. 27, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

7) Com data de 28.7.2003 foi elaborado o ofício n.º OF/3191/103/DCEP que consta a fls. 35, do processo instrutor n.º 21/ID/03, e a fls. 18-19, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dirigido a Maria …………… ……. e Manuel ……………...

8) Esse ofício foi recebido pelos destinatários em 1.8.2003 (cfr. fls. 36, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

9) Com data de 28.7.2003 foi elaborado o ofício n.º OF/3196/103/DCEP que consta a fls. 55, do processo instrutor n.º 21/ID/03, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dirigido a Maria do Carmo ……….. e outros, com residência na Rua ………….. n.º 166, 3º Dtº, Lisboa.

10) Foram feitas várias diligências para notificação de Maria do Carmo ………….. e outros, as quais se mostraram infrutíferas (cfr. fls. 131, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

11) Dá-se por integralmente reproduzido o edital n.º 217/03/DCEP, o qual consta a fls. 30, do processo instrutor n.º 21/ID/03.

12) O edital referido em 10) foi afixado no prédio sito na Rua ……. n.º 43 e à porta da Junta de Freguesia de S. José, concelho de Lisboa (cfr. fls. 33 e 148, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

13) Dá-se por integralmente reproduzido o anúncio n.º 88/03/DCEP, o qual consta de fls. 60, do processo instrutor n.º 21/ID/03, e de fls. 62, dos autos.

14) Em 11.8.2003 deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa de um requerimento, dirigido ao Departamento de Conservação de Edifícios Particulares, subscrito por Jesus ……….., engenheiro civil, com o seguinte conteúdo:

“Assunto: “Proc. n.º 21/ID/03 – Peritagem ao prédio sito na Rua …………….. n.º 43 em Lisboa‖

Ex. mºs Senhores

Estando para o efeito mandatado pelos proprietários do prédio urbano sito na Rua ………….. n.º 43 em Lisboa, que está actualmente sob posse administrativa da C. M. de Lisboa, venho solicitar a V. Ex.as autorização para que possa realizar peritagem técnica ao estado actual deste mesmo prédio, assim como ao prédio contíguo com o número de porta 41 localizado na mesma rua” (cfr. fls. 67, do processo instrutor n.º 21/ID/03).

15) Em 28.7.2003 foi lavrado o seguinte auto de consignação de trabalhos:

“Empreitada nº 65/DCCE/DEOME/03 - “Demolição urgente e cuidada do edifício sito na Rua ……….., 43”

Adjudicatário: S………..- Sociedade de …………….& Filhos, Lda.

Aos vinte e oito dias do mês de Julho de dois mil e três, no local onde devem ser executados os trabalhos que constituem a empreitada supra indicada, adjudicada por despacho de Sr. Director Municipal, de vinte e cinco de Julho de dois mil e três, na importância de € 99.796,22 e com o prazo de 180 dias para execução, compareceram, o Chefe de Divisão e o Fiscal da obra, respectivamente, João ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, encontrando-se também presente o adjudicatário, procedendo contraditoriamente à verificação de todas as circunstâncias previstas no Caderno de Encargos que serviu de base à adjudicação.

Do resultado das operações efectuadas reconheceram não haver alterações a fazer, nem quaisquer motivos impeditivos para a realização da obra, pelo que, pelos representantes da CAMARA MUNICIPAL DE LISBOA, foi declarado que o local ficava desde já reservado para a execução daqueles trabalhos, sujeita porém às condições contratuais respectivas.

E, não havendo mais nada a tratar, foi dada por finda a consignação e elaborado o presente auto que, depois de lido, e julgado conforme, vai assinado pelos intervenientes nele indicados e, por mim Maria de Lurdes ,,,,,,,,,,,,,, que servi de secretária.” (cfr. fls. 19, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

16) O auto de consignação referido em 14) foi homologado por despacho do Director do Departamento, Fernando ,,,,,,,,,,,,,,,, de 28.7.2003, por delegação de competência (Desp. N.º 4/DMPO/2003) (cfr. fls. 19, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

17) Dá-se por integralmente reproduzido o auto de vistoria e medição de trabalhos n.º 1 e os mapas de trabalhos constantes de fls. 17 e 14 a 16, respectivamente, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03.

18) Em 7.3.2005 foi lavrado o seguinte auto de vistoria para efeito de recepção provisória:

“Adjudicatário: S………. - Sociedade …………, Lda. Empreitada nº 65/DCCE/DEOME/2003 - “Demolição urgente e cuidada do edifício sito na Rua das Taipas, 43”

AUTO DE VISTORIA PARA EFEITO DE RECEPÇÃO PROVISÓRIA

Aos sete dias do mês de Março de dois mil e cinco, reuniu a Comissão de Vistoria constituída pelos Engenheiros João …………. e Francisco ………. respectivamente o Chefe de Divisão e o Fiscal da obra estando presente o adjudicatário, para efeito de recepção Provisória da empreitada supra indicada, adjudicada por despacho de Exmo. Sr. Vereador Pedro …………, em 17/03/2004. A comissão depois de minuciosamente ter vistoriado os trabalhos e examinado a documentação relativa ao assunto, foi de parecer que a empreitada estava em condições de ser recebida provisoriamente nos termos do Caderno de Encargos.

E não havendo mais nada a tratar, foi encerrado o presente auto que vai ser assinado pelos membros da Comissão referida, pelo adjudicatário, e por mim Maria de Lurdes ………………. que o fiz escrever.” (cfr. fls. 13, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

19) O auto de vistoria referido em 17) foi homologado por despacho do Director do Departamento, Manuel ………., de 7.3.2005, por delegação de competência (Desp. N.º 2/DMPO/05) (cfr. fls. 13, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

20) Em 7.3.2006 foi lavrado o seguinte auto de vistoria para efeito de recepção definitiva:

“Adjudicatário: S……… - Sociedade ……………… & Filhos, Lda. Empreitada n° 65/DCCE/DEOME/2003 - “Demolição urgente e cuidada do edifício sito na Rua …………., 43”

AUTO DE VISTORIA PARA EFEITO DE RECEPÇÃO DEFINITIVA

Aos sete dias do mês de Março de dois mil e seis, reuniu a Comissão de Vistoria constituída pelos Engenheiros João …………. e Francisco ……… respectivamente o Chefe de Divisão e o Fiscal de Obra estando presente o adjudicatário, para efeito de recepção Definitiva da empreitada supra indicada, adjudicada por despacho de Exmo. Sr. Vereador Pedro ………., em 17/03/2004.

A comissão depois de minuciosamente ter vistoriado os trabalhos e examinado a documentação relativa ao assunto, foi de parecer que a empreitada estava em condições de ser recebida definitivamente nos termos do Caderno de Encargos.

E não havendo mais nada a tratar, foi encerrado o presente auto que vai ser assinado pelos membros da Comissão referida, pelo adjudicatário, e por mim Maria de Lurdes ………… que o fiz escrever.” (cfr. fls. 12, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

21) O auto de vistoria referido em 19) foi homologado por despacho da Directora do Departamento, Ana …………, de 7.3.2006, por delegação de competência (cfr. fls. 12, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

22) Dá-se por integralmente reproduzida a nota de pagamento datada de 22.7.2004 constante de fls. 18, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03.

23) Em 9.4.2007 foi emitida por Francisco …., engenheiro civil, da Divisão de Execução de Obras Municipais em Equipamentos, da Câmara Municipal de Lisboa, a informação n.º 102/DEOME/07, com o seguinte teor:

“LOCAL: Rua das Taipas, 43

ASSUNTO: Empreitada coerciva – Cobrança ao proprietário Senhor Eng.º Chefe da DEOME

Submete-se à consideração superior o envio dos elementos abaixo descriminados ao DCEP, para anexar elementos que permitam a emissão de factura ao proprietário nos termos do nº 3 do Artigo 15º da Lei 321-B/90.

• Empreitada nº 65/DCCE/DEOME/2003, “Demolição Urgente e Cuidada do Edifício Sito na ……………, 43”.

• Edifício onde foram realizadas as obras: ……………, 43

• Proprietário:

• Morada:

• Período de execução dos trabalhos: 07/2003 a 05/2004

• Auto de medição:

AUTO VALOR 19% IVA VALOR EMPREITADA

1 99.796,22 € 18.961,28 € 118.757,50

• Valor Total dos Trabalhos Executados com Encargos Administrativos:

VALOR EMPª 10% Enc. ADM. VALOR FINAL

118.757,50 € 9.979,62 € 128.737,12 €

(CENTO E VINTE E OITO MIL, SETECENTOS E TRINTA E SETE EUROS E DOZE CÊNTIMOS)

À consideração superior” (cfr. fls. 20, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03, e fls. 61, dos autos).

24) Também em 9.4.2007 foi, sobre essa informação, consignado o seguinte despacho, pelo Chefe de Divisão, João ……….:

“Ex.ma Sr.ª Directora de Departamento

Propõe-se o envio ao DCEP” (cfr. fls. 20, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03, e fls. 61, dos autos).

25) Na sequência desse despacho foi proferido, em 17.4.2007, pela Directora do Departamento de Construção e Conservação de Equipamentos o seguinte despacho:

“Ao DCEP.” (cfr. fls. 20, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03, e fls. 61, doa autos).

26) Em 23.4.2007 foi emitida por Isabel ………………………, assessora principal do Departamento de Conservação de Edifícios Particulares, da Câmara Municipal de Lisboa, a informação n.º 1331/07/DCEP, com o seguinte teor:

“Nome: DMPO - DCCE - DEOME - Divisão de Execução de Obras Municipais em Equipamentos

Local: …………, 43 –

Assunto: Facturação de obras coercivas

INFORMAÇÃO

Exma. Senhora Directora de Departamento,

O imóvel sito na …………, 43 foi demolido ao abrigo do estado de necessidade.

Conforme Informação 102/DEOME/07 anexa, essa demolição foi efectuada no período de Julho de 2003 a Maio de 2004, através da Empreitada n° 65/DCCE/DEOME/2003 e o valor total dos trabalhos executados com encargos administrativos foi de € 128.737,12 (cento e vinte e oito mil, setecentos e trinta e sete euros e doze cêntimos).

São proprietários deste imóvel:

Maria .................................... e Manuel ………….., com morada na Rua ……………, 14 - 2º Esqº - 2…….0- 099 ………..

Dra. Maria …………. e outros, com morada na ………………, 166 - 3º Dtº - 1150-282 Lisboa.

Esses comproprietários foram notificados, da posse administrativa, através dos Ofícios 3191/03/DCEP e 3196/03/DCEP, dos quais se junta fotocópia e através do Edital/217/03 com certidão de afixação, emitida pela Junta de Freguesia de S. José.

Em face do exposto, propõe-se o envio desta documentação à DMF/DC/DROR, para emissão de factura aos proprietários, nos termos da legislação em vigor.

Anexos:

- INF/102/DEOME/07 acompanhada de fotocópia do Auto de Consignação, Auto de Medição de Trabalhos (único), Auto de Recepção Provisória e Auto de Recepção Definitiva

- Fotocópia da INF/1842/03/DCEP, com o despacho da posse administrativa e do Auto de Vistoria/Parecer n° 301/03 de 25/07/2003

- Fotocópia dos Ofício n° 3191/03/DCEP e 3196/03/DCEP

- Fotocópia do Edital/217/03/DCEP com certidão de afixação

- Fotocópia do Anúncio n° 88/03/DCEP IG/RC” (cfr. fls. 22-23, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

27) Em 30.4.2007 foi, sobre essa informação, consignado o seguinte despacho, pela Directora do Departamento:

“À consideração do DC/DROR” (cfr. fls. 23, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

28) Na sequência desse despacho foi proferido, em 25.6.2007, por M. Palmira Inácio, Chefe da Divisão de Registos de Operações de Receitas, do Departamento de Contabilidade, Direcção Municipal de Finanças, da Câmara Municipal de Lisboa, o seguinte despacho:

“À Dra. Alexandra …………

Para (…) e facturação.” (cfr. fls. 23, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

29) Com data de 11.7.2007 foi elaborado o ofício n.º 1320/DROR/07, dirigido a Manuel ………………. e assinado por M. Palmira …………., Chefe da Divisão de Registos de Operações de Receitas, do Departamento de Contabilidade, Direcção Municipal de Finanças, da Câmara Municipal de Lisboa, com o seguinte conteúdo:

“Assunto: Cobrança de obra coerciva/demolição

Empreitada nº. 65/DCCE/DEOME/2003

Morada: ……………, 43

Fica V. Exa., notificado na qualidade de proprietário de 50% do prédio supra identificado, de que a partir do aviso de recepção e pelo prazo de 20 (vinte) dias se encontra a pagamento, a factura 40000047975, no montante de € 64.368,56 (sessenta e quatro mil trezentos e sessenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos) correspondente ao custo da obra coerciva (demolição) realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo dos art.° 64° nº 5 al. c) de Decreto-Lei n°. 169/99 de 18/9, 91° de Decreto-Lei no. 555/99 de 16/12 e 149° do Código do Procedimento Administrativo.

Para o efeito, a fim de satisfazer o referido pagamento, deverá dirigir-se à Divisão de Tesouraria, sita no Campo Grande, 25, r/c, dentro do horário de expediente (todos os dias úteis, das 9.00h às 16.00h).

Não o fazendo, e decorrido o prazo acima fixado, para o ressarcimento da dívida será instaurado o respectivo processo de execução fiscal com vista à sua cobrança coerciva.” (cfr. fls. 27, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03, e fls. 16, dos autos).

30) Anexa ao ofício referido em 28) foi enviada a factura que consta de fls. 26, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03/17, e fls. 17, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

31) Com data de 11.7.2007 foi elaborado o ofício n.º 1321/DROR/07 dirigido a Maria do Carmo …………., residente na Rua …………….., 166, 3º Dtº, Lisboa, o qual consta de fls. 31, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03, e de fls. 88, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

32) Anexa ao ofício referido em 30) foi enviada a factura que consta de fls. 30, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03, e de fls. 89, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

33) A carta registada, com AR, para notificação do ofício descrito em 30) foi devolvida (não reclamado) (cfr. fls. 29, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

34) Maria do Carmo ……………… (mãe da aqui Autora) faleceu em 29.3.1976 (Cfr. Doc. 4 PI);.

35) Em 25.7.2007 deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Lisboa do seguinte requerimento, subscrito pelo requerente, com data de 23.7.2007:

“Ref.: V/ Ofício 132/DC/DROR/07 de 2007.07.11

Empreitada n.º 65/DCCE/DEOME/2003

Rua das Taipas, 43

Reportando-me ao ofício em referência solicito a V. Exa. me esclareça como pode ser-me exigido o pagamento da factura n.º 40000047975 no montante de 64 368.56 € se a mesma factura nunca me foi remetida nem dela tenho conhecimento.

De acordo com o disposto no Artº. 66ç do C.P.A. tem a Câmara a obrigação de clarificar os interessados dos actos que lhes respeitam, o que não sucedeu.

Nem a “folha” denominada “factura” que V. Exa. anexaram ao ofício se pode considerar factura já que não discrimina o trabalho efectuado e respectivos custos. O que significa que tanto poderiam ser os 64 368.56 € como qualquer outra verba.

Só com uma verdadeira factura poderei ajuizar da regularidade da verba reclamada e seu eventual pagamento.

Em consequência deverá considerar-se prejudicado o teor do ofício em referência visto não me ser possível avaliar o serviço efectuado e o montante cobrado, anulando-se o prazo concedido pelas razões expostas.” (cfr. fls. 33 e 35-36, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

36) Em resposta, foi-lhe remetido o seguinte ofício pela Divisão de Registos de Operações de Receita, datado de 6.8.2007:

“Ofº. Nº. 1541/DC/DROR/2007

Assunto: Cobrança de Obra Coerciva - Demolição

Relativamente ao exposto na sua carta de 23 de Julho do corrente ano, cumpre-me informar o seguinte:

1. A CML notificou todos os interessados da posse administrativa e da execução da obra, nomeadamente, V. Exa. através do Oficio n° 3191/03/DCEP de 28/07/03 com aviso de recepção assinado por V. Exa. em 01/08/2003;

2. O anúncio da posse e da realização dos trabalhos também foi publicada através do anúncio n° 88/03/DCEP no Boletim Municipal nº 496 de 21/08/03.

Finalmente, junto enviamos cópia da folha de facturação e do mapa dos trabalhos.” (cfr. fls. 38, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

37) O ofício referido em 35) foi recebido em 8.8.2007 (cfr. fls. 37, do apêndice ao processo instrutor n.º 21/ID/03).

38) A Autora – Maria ………………….. - (filha de Maria do Carmo ………………..), foi notificada em 27 de Maio de 2008 para pagar 64.368,56€ (Cfr. Doc. 1 PI)

39) A aqui Autora apresentou reclamação do acto em 19 de Julho de 2008 (Cfr. doc. 6 PI);

40) O referido despacho de 27 de Maio de 2008 foi rectificado por despacho de 21 de Janeiro de 2001, sendo o valor em divida fixado em 9.195,51€ (Cfr. fls. 211 Procº físico).

41) A presente Acção deu entrada no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, em 7 de Novembro de 2008. (Cfr. fls. 2 SITAF).”.


*

Com relevância para a decisão a proferir, nos termos do artº 712º do CPC, adita-se o seguinte facto:

42) O despacho datado de 21/01/2009, a que se refere o ponto 40) da matéria de facto, foi notificado à Autora pelo ofício nº 119/DC/DROR/09, o qual assume o seguinte teor, que se reproduz, em súmula:

ASSUNTO: Cobrança de Obra Coerciva

(…)

Por despacho de 21/01/2009 do Sr. Vereador das Finanças, Dr. ……………, foi rectificado o acto que conduziu à notificação de V. Exa. consubstanciado no ofício nº 76/DC/DROR/08, referente à liquidação da factura (…), no montante de 64.368,56 €, a qual será agora corrigido para menos.

Desta forma, fica V. Exa. notificada, na qualidade de co-proprietária de 1/14 do imóvel supra identificado, de que a partir do aviso de recepção e pelo prazo de 20 (vinte) dias, encontra-se a pagamento a factura nº (…) no montante de 9.195.51 € (…) correspondente à sua quota no custo da obra coerciva (demolição) do prédio particular sito na Rua ……………. nº 43, realizada pelo Município de Lisboa, ao abrigo do estado de necessidade com conformidade com o disposto no artº 3º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (…), artigos 64º, nº 5 c) da Lei nº 169/99 de 18/09, 91º e 92º do Decreto-Lei nº 555/99 de 16/12 e 149º do Código do Procedimento Administrativo. (…)” - cfr. fls. 211-212 dos autos.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo a sua ordem de precedência.

Na presente acção administrativa especial veio a Autora impugnar o acto administrativo, notificado à Autora em 27/05/2008, pelo ofício nº 76/DC/DROR/08, que procede à cobrança da factura no valor do € 64.368,56, correspondente ao custo da obra coerciva - demolição - realizada pelo Município de Lisboa, no prédio sito na …………, nº 43, em Lisboa, posteriormente rectificado pelo despacho de 21/01/2009, notificado à Autora pelo ofício nº 119/DC/DROR/09, que fixou o valor em dívida em € 9.195,51 - cfr. ponto 40) e 42) da matéria de facto.

Nos termos da sentença sob censura veio o Tribunal a quo a julgar improcedente o pedido impugnatório.

É precisamente contra o decidido que se insurge a Recorrente, alegando enfermar a sentença recorrida de nulidade e de erro de julgamento, nos termos que se passarão a conhecer.

1. Nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, sobre o pedido subsidiário e sobre os prejuízos sofridos pela Autora em resultado da demolição e que se traduzem na impossibilidade de apurar a responsabilidade do proprietário do prédio contíguo ao seu

Segundo a alegação da Recorrente, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, quer sobre o pedido subsidiário, quer sobre a questão dos prejuízos sofridos pela Autora em resultado da demolição e que se traduzem na impossibilidade de apurar a responsabilidade do proprietário do prédio contíguo ao seu.

Porém, compulsando-se quer a petição inicial, quer o teor das alegações finais, apresentadas em juízo pela Autora verifica-se que assim não é.

Desde logo, por a Autora não ter formulado qualquer pedido subsidiário, seja no primeiro articulado, seja no segundo.

Na petição inicial, a Autora formulou apenas o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do acto impugnado, não formulando qualquer pedido a título subsidiário e nas alegações finais, também não foi deduzido qualquer pedido novo, diferente daquele que havia sido deduzido na petição inicial.

Embora a Autora, ora Recorrente, nas conclusões 14. e 15. das alegações finais, apresentadas nos termos do disposto no nº 4 do artº 91º do CPTA, tenha referido que o orçamento é inaceitável, por referir um número excessivo de horas para o trabalho e incluir o fornecimento de material e que, ainda que improceda “o pedido principal”, sempre “deve ser atendido o pedido de redução da quantia a um montante que seja consentâneo com a obra em causa e que se situará nos valores espelhados no orçamento que a A. juntou”, não se mostra deduzido qualquer pedido, diferente do que havia sido deduzido na petição inicial.

Nas alegações finais admite a ora Recorrente que “dos artºs 70º e segs. da P.I. inequivocamente decorria que a A. pretendia que este pedido subsidiário pudesse ser apreciado, apenas não o tendo transposto para a conclusão daquela peça processual”, ou seja, que na petição inicial apenas formulou um pedido, pelo que, em consequência, não há que falar em pedido principal e pedido subsidiário.

Além disso, também nas alegações finais, embora se refira a esta questão, a Autora não logrou formular qualquer pedido novo, para além da pretensão impugnatória formulada na petição inicial.

Por isso, não tem a Recorrente razão quando invoca na conclusão 1. do recurso que ampliou o pedido nas alegações.

A dedução do pedido, por natureza, obedece ao princípio dispositivo, pelo que, sem a sua expressa formulação, não pode o Tribunal conhecer e decidir de pretensão não requerida pelas partes, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia.

Além de que, a ser assim, impunha-se que a parte autonomizasse a ampliação do pedido nas suas alegações, já que essa ampliação do pedido dever ser acompanhada da respectiva causa de pedir ou fundamentos.

E nesse caso, seria ainda necessário que se verificassem os pressupostos previstos no disposto no nº 6 do artº 91º do CPTA, o que não se mostra sequer invocado em juízo pela Autora.

Assim sendo, falecem os pressupostos em que a Recorrente baseia a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, já que nenhum pedido subsidiário foi formulado em juízo que impusesse o seu conhecimento por parte do Tribunal a quo.

Pelo que, não pode proceder tal fundamento do recurso.

No que respeita ao segundo fundamento de nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia na sentença em relação à questão dos prejuízos sofridos pela Autora em resultado da demolição, traduzidos na impossibilidade de apurar a responsabilidade do proprietário do prédio contíguo ao seu, cabe dizer o seguinte.

Na petição inicial, a Autora nada alega sobre esta questão, pelo que, está em causa matéria que a Autora decide alegar, pela primeira vez, ou seja, inovatoriamente, nas alegações finais.

Trata-se de questão nova, alegada pela Autora apenas nas alegações finais, sem que tenha acompanhado a sua alegação da demonstração dos pressupostos relativos à ampliação da causa de pedir, designadamente, da sua superveniência objectiva ou subjectiva desse novo fundamento do pedido.

Não se trata da formulação de um pedido novo, já que o mesmo não foi formulado, mas da alegação de uma nova causa de pedir.

Não se verificando os pressupostos legais que determinassem a possibilidade da alegação da ampliação da causa de pedir, não se impunha ao Tribunal a quo dela conhecer, não procedendo a omissão de pronúncia.

O processo consiste num conjunto de formalidades destinadas à obtenção de um resultado final, o qual assegura os direitos e os respectivos ónus processuais das partes, com vista a assegurar um processo equitativo e pautado pela igualdade substancial entre as partes, pelo que, não é de conceder a interpretação que a Recorrente faz das normas processuais.

O disposto no nº 5 do artº 91º do CPTA permite a invocação de novos fundamentos do pedido nas alegações finais, mas tal possibilidade não é livre, como parecer fazer crer a Recorrente, por se encontrar limitada aos fundamentos “de conhecimento superveniente”.

Tal superveniência não se mostra caracterizada em juízo, pelo que, carece a Recorrente de razão quanto à censura que dirige à sentença recorrida.

Pelo que, nos termos antecedentes, não podem proceder o teor das conclusões 1. a 3., 15. e 16. do recurso, que se referem à arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por a mesma não se verificar.

2. Erro de julgamento, (i) por a notificação para a vistoria não poder ter lugar pela publicação de edital ou anúncio no Boletim Municipal e não existir estado de necessidade; (ii) por o acto de demolição, não sendo precedido de deliberação, ser nulo, o que determina a nulidade dos actos consequentes, como o acto impugnado e (iii) por a factura se mostrar em desconformidade com a normalidade em matéria de demolições.

No demais, assaca a Recorrente à sentença o erro de julgamento de Direito em relação ao conhecimento das questões da notificação para a realização da vistoria e não se verificar situação de estado de necessidade, de o acto de demolição ao não ser precedido da respectiva deliberação ser um acto nulo, acarretando a nulidade dos actos consequentes, como o que se mostra impugnado em juízo e de a factura se mostrar em desconformidade com a matéria de demolições.

Vejamos, de per si cada uma das questões suscitadas.

No que respeita à notificação para a vistoria, defende a Recorrente que a mesma não podia ter lugar pela via de publicação de edital e por anúncio no Boletim Municipal, por nos termos do artº 70º do CPA, apenas assim poder acontecer se os interessados foram desconhecidos ou em número tal que torne inconveniente outra forma de notificação, sendo que no caso em apreço, o Município sabia quem eram os interessados e sabia onde residiam.

Mas sem razão.

Confrontando a matéria de facto assente nos termos dos números 9) a 13), resulta que o Município adoptou diversas diligências, com vista à notificação pessoal dos proprietários do imóvel do despacho de tomada de posse administrativa, de entre as quais várias diligências para a notificação da Autora, ora Recorrente, as quais se mostraram infrutíferas, daí resultando a afixação de edital no prédio em causa e ainda a publicação de anúncio.

Por outro lado, resulta das várias informações, pareceres e despachos, a que se referem os pontos 2) a 6) do probatório, que desde o início os técnicos camarários deram conta das deficiências profundas em que se encontrava o prédio, considerando-o em “risco de ruína iminente” e que se deve proceder “à sua demolição de imediato” - cfr. ponto 2) da matéria de facto.

Todas as informações, pareceres e despachos que se seguiram acentuaram a necessidade do despejo imediato de todo o prédio, para a realização da execução da demolição, verificando-se ainda que, “como medida de precaução foi cortado o trânsito no troço correspondente à implantação dos edifícios” - cfr. ponto 3) da matéria de facto.

Assim, mostra-se inequívoco, por ser por várias vezes referido, que a tomada de posse administrativa do imóvel se deve a motivos e interesses de ordem pública, destinando-se a realizar a operação de demolição da construção existente, atento o seu risco iminente de derrocada - neste sentido, cfr. teor dos pontos 3), 4), 5), 6), 7).

De todo o modo, nos termos dos factos 7) e 8) resulta demonstrado que os proprietários foram notificados do ofício sob refª OF/3191/103/DCEP, para além da notificação por edital e por anúncio que ocorreu, em virtude de terem resultado infrutíferas as notificações pessoais dos proprietários.

Por outro lado, na sequência dessas diligências com vista à notificação dos interessados, vieram os proprietários do imóvel, através de um Engenheiro Civil mandatado para o efeito, solicitar autorização para realizar a peritagem técnica ao estado actual do prédio e do prédio contíguo, com o número de porta 41, localizado na mesma rua (cfr. ponto 14) da matéria de facto assente).

Assim, de entre toda a factualidade demonstrada em juízo, não tem a Recorrente razão ao assacar o erro de julgamento à sentença recorrida por negar procedência à questão da falta de notificação em relação à vistoria e à tomada de posse administrativa do imóvel e, bem ainda, quanto à questão de não se justificar a notificação por edital e por anúncio no Boletim Municipal, considerando terem resultado infrutíferas todas as notificações pessoais efectuadas.

A matéria factual é bem representativa das várias diligências para a notificação dos interessados, pelo que, tendo o Município adoptado um conjunto de diligências com vista a assegurar a notificação pessoal dos interessados e resultando estas infrutíferas, notificando-os, em seguida, através de Edital e por publicação em anúncio no Boletim Municipal, não se pode falar em falta de notificação dos interessados.

Além disso, com relevo, resulta em momento imediatamente posterior a tais diligências, que existiu a intervenção dos proprietários do imóvel no procedimento, de entre os quais a Autora, já que os proprietários do imóvel vieram mandatar Engenheiro Civil para a realização de peritagem técnica ao prédio.

Donde, em suma, não poder proceder a censura contra a sentença recorrida quanto a esta questão.

Do mesmo modo, não tem a Recorrente razão quando defende que não procede a invocação de estado de necessidade invocada nos vários pareceres, informações e despachos exarados.

Não só se apresenta suficientemente caracterizada de facto o estado de degradação do prédio, que permite concluir inequivocamente pelo risco iminente da sua derrocada, nos termos dos vários pareceres e informações emitidos, como a Autora e ora Recorrente, pela sua alegação não só não invoca a situação contrária, como não procede à demonstração da factualidade oposta.

O estado de necessidade advém, por um lado, pelo avançado estado de degradação do imóvel e pelo risco que ele constituía para pessoas e bens, pela possibilidade de derrocada iminente, ao ponto de se ter ordenado a medida do corte de trânsito do local e, por outro, da situação de urgência na tomada de medidas que pusessem termo a essa situação de risco, no caso, traduzidas na demolição do prédio.

A Recorrente que põe em causa a verificação de situação de estado de necessidade, não abala com a sua alegação os seus pressupostos, pois não põe em crise toda a factualidade em que a Administração se baseou para agir como agiu.

Não só não contraria a matéria de facto dada por assente pelo Tribunal a quo, como não a impugnou, não lhe assacando qualquer vício que viesse a determinar a sua correcção.

Por outro lado, também carece a Recorrente de razão ao defender no presente recurso o erro de julgamento da sentença com base de não ter sido proferido despacho a ordenar a demolição, com o argumento de que do despacho de tomada de posse administrativa, a mesma não resultar.

Considera a Recorrente que não tendo a demolição sido precedida do acto que a ordenou, tal acto de demolição é nulo e, do mesmo modo, os seus actos consequentes, como o ora impugnado em juízo, que ordena o pagamento da factura correspondente à execução dos trabalhos.

Porém, de modo diferente se deve entender, considerando a interpretação que deve extrai-se de toda a factualidade apurada em juízo.

Como anteriormente se aduziu, desde o primeiro momento os serviços técnicos camarários se refeririam à necessidade de demolição urgente do prédio, como medida urbanística necessária a assegurar a protecção do interesse público e a protecção de pessoas e bens, pelo que, mostra-se inequívoca que a tomada de posse administrativa foi instrumental à realização da operação de demolição do prédio.

Tal medida resulta expressa em todos os pareceres e informações proferidos, destinando-se a tomada de posse administrativa o meio administrativo adequado a permitir a actuação da Administração, in casu, da única medida adequada a assegurar a protecção dos valores e interesses em presença, que consistiu a demolição do prédio.

Mostrando-se suficientemente caracterizada de facto a situação de degradação do imóvel, sendo referido pelos serviços o risco iminente de derrocada do imóvel e a necessidade urgente da sua demolição, sendo tomada a posse administrativa do imóvel com vista a permitir a desocupação imediata e urgente de todo o prédio e a sua consequente demolição, mediante invocação do estado de necessidade, é de recusar a nulidade do acto de demolição a que se refere a Autora.

Em consequência, não procede a alegação da nulidade dos actos consequentes, como se traduz aquele que se mostra impugnado em juízo, referente à notificação para pagar a quantia referente ao custo com a demolição do imóvel, na proporção da quota da propriedade detida pela Autora.

Pelo exposto, não pode proceder a censura dirigida contra a sentença recorrida, nas conclusões 5. a 13. da alegação de recurso.

Por último, sustenta a Recorrente que sempre teria o acto impugnado de ser anulado, por a factura apresentada se mostrar em desconformidade “com a normalidade em matéria de demolições”.

Compulsada a matéria de facto assente nada resulta a este respeito, verificando-se que a Autora e ora Recorrente, embora assaque o erro de julgamento à sentença a respeito do valor da factura, não logrou produzir prova destinada a comprovar as circunstâncias de facto por si invocadas.

Da factualidade demonstrada em juízo, encontra-se provado que foi adjudicada empreitada para a execução da demolição do prédio e que no seu âmbito foram lavrados autos de consignação de trabalhos, assim como realizadas várias vistorias à obra, por parte dos técnicos da Câmara Municipal, lavrando-se os respectivos autos, sem que se possa dizer que os trabalhos facturados não correspondem aos trabalhos realizados - a este respeito, vide os pontos 15) a 23).

Considerando a matéria de facto que se dá como provada em juízo, não pode, pois, vingar a censura quanto à sentença recorrida, já que esta procedeu à análise e decisão das questões suscitadas em juízo nos termos da prova produzida pelas partes, não se mostrando impugnado o julgamento de facto da sentença.

Pelo que, forçoso se tem de concluir pela improcedência da conclusão 14. do recurso.

Em suma, nos termos antecedentes, serão de julgar improcedentes, na sua totalidade, as conclusões do presente recurso.


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Termos em que, em face do que antecede, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A dedução do pedido, por natureza, obedece ao princípio dispositivo, pelo que, sem a sua expressa formulação pela parte, não pode o Tribunal conhecer e decidir de pretensão não requerida, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia.

II. O disposto no nº 5 do artº 91º do CPTA permite a invocação de novos fundamentos do pedido nas alegações finais, mas tal possibilidade não é livre, por se encontrar limitada aos fundamentos “de conhecimento superveniente”.

III. Tendo o Município adoptado um conjunto de diligências com vista a assegurar a notificação pessoal dos interessados e resultando estas infrutíferas, notificando-os, em seguida, através de Edital e por publicação em anúncio no Boletim Municipal, não se pode falar em falta de notificação dos interessados.

IV. Apresentando-se suficientemente caracterizada de facto o estado de degradação do prédio, que permite concluir inequivocamente pelo risco iminente da sua derrocada, nos termos dos vários pareceres e informações emitidos, não alegando a Autora em juízo factualidade contrária, nem procedendo à demonstração, está justificado o estado de necessidade.

V. O estado de necessidade advém, por um lado, pelo avançado estado de degradação do imóvel e pelo risco que ele constituía para pessoas e bens, pela possibilidade de derrocada iminente, ao ponto de ter sido ordenado o corte de trânsito do local e, por outro, da situação de urgência na tomada de medidas que pusessem termo a essa situação de risco, no caso, traduzidas na demolição do prédio.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)