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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:282/11.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:03/08/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
MEIO DE PROVA CONFISSÃO. NOÇÃO.
PROVA DO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:1. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
2. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
3. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
4. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
5. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
6. Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (cfr.artº.352, do C.Civil).
7. O exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos actos que exprimem poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade. São estes concretos actos, de representação ou administração (v.g.contacto com os fornecedores; pagamento do salário aos empregados), que devem ser levados ao probatório, que não o conceito de natureza conclusiva “gerência de facto” (matéria de carácter conclusivo que não pode ser dada como provada).
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

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RELATÓRIO

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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Almada, exarada a fls.81 a 87 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, Noémia ..., visando a execução fiscal nº.... e apensos, a qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de ..., contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.R.C., I.R.S., I.V.A. e coimas, relativas aos anos de 2008 e 2009 e no montante total de € 48.033,62.

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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.106 a 109 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:

1-Ressalvado o merecido respeito, que é muito, não pode a Fazenda pública conformar- se com o decidido na sentença ora sob recurso na parte em que julgou procedente a oposição relativamente às dívidas de IVA, IRS e IRC;

2-No que concerne à alegada falta de prova do exercício pela oponente, da gerência de facto da sociedade originária devedora, é de referir constar dos autos Auto de Declarações, em que a oponente confessa, que nos anos de 2002 a 2010, a gerência de facto da sociedade foi exercida por si e por seu marido;

3-Em face da confissão, afigura-se-nos que o depoimento da 1.ª testemunha, marido da oponente, não é suficiente para permitir a conclusão que a oponente não foi gerente de facto da sociedade nos anos a que respeitam as dívidas exequendas;

4-Desde logo, porque a testemunha admitiu que a oponente terá, na sua ausência, assinado cheques e outros documentos vinculativos da sociedade perante terceiros;

5-Entende estar assim, provado que a oponente exerceu a gerência de facto da sociedade originária devedora;

6-Ora o Tribunal “a quo” não faz qualquer referência ao Auto de Declarações mencionado supra, e deveria ter levado o mesmo ao probatório;

7-Caso o tivesse feito, teria sido dado como provado o requisito do exercício da gerência de facto, pela oponente, exigido para legitimar e operar a reversão, nos termos do artigo 24.º n.º 1 da LGT;

8-Tendo a própria oponente afirmado que no período a que se reportam as dívidas exequendas, a gerência de facto da sociedade era exercida por si e por seu marido, afigura-se-nos dispensável a junção ao autos de outros meios probatórios visando demonstrar algo que já esta provado por confissão: quem exercia a gerência de facto da originária executada;

9-Razão porque, com o devido respeito, não poderá manter-se a sentença ora recorrida, visto que ao decidir como o fez o douto Tribunal recorrido, quanto a este segmento decisório fez errada aplicação e interpretação, entre outros, da al. b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT;

10-Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento judicial, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue a presente oposição parcialmente improcedente quanto ao oponente, no que concerne às dívidas de IVA de 2008, IRS de 2008 e 2009 e IRC de 2008, tudo com as devidas e legais consequências.


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Não foram produzidas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.118 a 128 dos autos).

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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO

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DE FACTO

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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.82 e 83 dos autos - numeração nossa):

1-A sociedade “..., Lda.”, foi registada na Conservatória do Registo Comercial do ... em 14/03/1995 sendo sócios António ... e Noémia ..., obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente, tendo sido designados gerentes António ... e Noémia ... (cfr.documento junto a fls.73 e 74 dos presentes autos);

2-Em 17/10/2008 foi instaurado no 1º. Serviço de Finanças de ... em nome de “..., Lda.”, o processo de execução fiscal nº.... e apensos por dívida de IRS de 2008 e 2009, IRC de 2008, IVA de 2008 e coimas de 2008 e 2009 no montante total de € 48.033,62 (cfr.documentos juntos a fls.1 a 5 do processo de execução fiscal apenso);

3-Em 22/09/2010 foi elaborada informação pelo 1º. Serviço de Finanças de ... no sentido da reversão da execução contra a ora oponente, Noémia ... (cfr.documento junto a fls.10 a 12 do processo de execução fiscal apenso);

4-Em 22/09/2010 foi proferido despacho para audição da ora oponente sobre o projeto de reversão da execução (cfr.documentos juntos a fls.22 a 25 processo de execução fiscal apenso);

5-Em 13/10/2010 a ora oponente exerceu por escrito o direito de audição sobre a reversão, tendo arrolado testemunhas (cfr.documentos juntos a fls.40 a 43 processo de execução fiscal apenso);

6-Em 24/11/2010 foi proferido despacho de reversão contra Noémia ... com o seguinte teor:
“(…)

“texto no original”

(cfr.documento junto a fls.57 do processo de execução fiscal apenso);

7-Em 02/12/2010 foi emitida a citação por reversão da ora oponente na qualidade de responsável subsidiária pela dívida da sociedade “..., Lda.”, no valor de € 48.033,62 (cfr.documentos juntos a fls.73 a 77 do processo de execução fiscal apenso);

8-A citação mencionada na alínea anterior foi enviada através de carta registada com aviso de receção, tendo este sido assinado em 06/01/2011 (cfr.documentos juntos a fls.78 e 79 do processo de execução fiscal apenso);

9-Em 09/02/2011 deu entrada no 1º. Serviço de finanças de ... a petição de oposição à execução (cfr.data de entrada aposta a fls.6 dos presentes autos);

10-A sociedade “..., Lda.”, tinha “lojas dos 300” (cfr.depoimento da 1ª e 2ª testemunhas);

11-A sociedade cresceu rápido e a situação complicou-se com a chegada das lojas dos chineses tendo havido uma quebra no negócio (cfr.depoimento da 1ª e 2ª testemunhas);

12-Em 2005 a sociedade “..., Lda.” deixou de funcionar (cfr.depoimento da 1ª e 2ª  testemunhas);

13-Era António ..., marido da oponente, que decidia a estratégia da sociedade, fazia as compras, contratava e despedia pessoal, decidia prazos de pagamento e era o responsável pelas contas bancárias (cfr.depoimento da 1ª  testemunha);

14-Em situações de ausência do marido, a oponente assinava cheques e documentos mediante prévia comunicação com o marido (cfr.depoimento da 1ª e 2ª testemunhas).


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.

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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo acima expressamente referidos em cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento das testemunhas melhor identificadas na ata de inquirição de fls. 50/51.

Foi relevado o depoimento da 1ª testemunha, António ..., marido da ora oponente mas também sócio e gerente da sociedade ..., Lda., que de forma credível, segura e com conhecimento direto dos factos referiu que a gestão da sociedade era da sua responsabilidade, que era ele que contratava e despedia pessoal, fazia as compras, negociava preços e prazos de pagamento e que a sua mulher poderia ter assinado alguns documentos, em situações em que esteve ausente, mas que ela sempre obtinha o seu assentimento antes dessa assinatura.

Dos factos mencionados o tribunal ficou convicto de que a intervenção da ora oponente na gestão da sociedade seria residual e pontual, sendo que era o seu marido quem na realidade determinava o modo de gestão da sociedade.

O tribunal considerou ainda o depoimento da 2ª testemunha, Maria ..., que foi trabalhadora na sociedade ..., Lda., sendo o seu depoimento credível e com conhecimento direto dos factos que referiu.

O tribunal desconsiderou o depoimento da 3ª testemunha dado que não teve conhecimento direto dos factos, não era cliente, trabalhador ou fornecedor da sociedade, não foi às lojas, tendo referido factos que lhe foram contados pela sua esposa que trabalhou na sociedade ..., Lda…”.


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ENQUADRAMENTO JURÍDICO

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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente, em consequência do que declarou a ilegitimidade do mesmo no processo de execução fiscal nº.... e apensos.

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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).

O recorrente alega, em síntese, que consta do processo Auto de Declarações, no qual a oponente confessa que, nos anos de 2002 a 2010, a gerência de facto da sociedade devedora originária foi exercida por si e por seu marido. Que o Tribunal “a quo” deveria ter levado tal factualidade ao probatório. Que é dispensável a junção ao autos de outros meios probatórios visando demonstrar algo que já esta provado por confissão. Que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontra violado o regime constante do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.

Antes de mais, deve cingir-se o objecto da apelação à fracção da decisão recorrida que julga parte ilegítima a opoente, no que se refere à reversão das dívidas de tributos (dívidas de I.R.S., de 2008 e 2009, I.R.C., de 2008, e I.V.A. de 2008), conforme se retira da primeira conclusão do recurso.  

O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).

As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).

No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2008 e 2009) a que respeitam as dívidas de tributos que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nºs.2, 6 e 7 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).

Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).

A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).

É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).

Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.   

No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).

Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).

Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.

Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.

A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.

Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):


“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.

Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L.G.Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).

A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição em consequência da Fazenda Pública, ora recorrente, não ter efectuado a prova da gerência de facto do opoente no período a que se referem as dívidas exequendas revertidas, assim não se verificando os pressupostos da reversão ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T.
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova dos pressupostos da reversão previstos no citado artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., desde logo, porque se devia relevar a confissão do exercício da gerência de facto da sociedade executada originária e por parte do opoente, tudo conforme auto de declarações cuja cópia se encontra junta a fls.23 do presente processo.
Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (cfr.artº.352, do C.Civil; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.534 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.311).
Examinando o teor do documento junto a fls.23 do presente processo, estamos perante auto de declarações onde a ora opoente admite que exerceu a “gerência de facto” da sociedade executada originária, juntamente com o seu marido, nos anos de 2002 a 2010.
Ora, como mencionado supra, o exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos actos que exprimem poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade. São estes concretos actos, de representação ou administração (v.g.contacto com os fornecedores; pagamento do salário aos empregados), que devem ser levados ao probatório, que não o conceito de natureza conclusiva “gerência de facto” (matéria de carácter conclusivo([1])que não pode ser dada como provada). E recorde-se que da factualidade provada consta matéria de facto contraditória com tal conclusão - cfr.nºs.13 e 14 do probatório. Mais não fazendo a A. Fiscal prova da prática de qualquer concreto acto de gerência por parte do opoente.  
Em conclusão, nenhum relevo se deve dar ao auto de declarações cuja cópia se encontra junta a fls.23 do processo, dado não conter qualquer confissão extra-judicial da realidade de um facto por parte do opoente.
Nestes termos, no caso concreto e concordando com o Tribunal “a quo”, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária da opoente, Noémia ..., ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., devido a falta de prova dos pressupostos da reversão face ao mesmo regime e no âmbito do processo de execução fiscal nº....  e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida.

Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


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DISPOSITIVO

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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

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Condena-se o recorrente em custas.

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Registe.

Notifique.


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Lisboa, 8 de Março de 2018

(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)



[1] (quanto à destrinça entre matéria de facto e juízos conclusivos de facto vide José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2008, pág.605 e seg.; Antunes Varela, R.L.J., ano 122, nº.3778, em anotação a acórdão do S.T.J. de 8/11/1984, ponto 8 da anotação, pág.219 a 222).