Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:46/17.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL;
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.
Sumário:I. Como decorrência do princípio do contraditório consagrado no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, é proibida a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
II. A surpresa que o legislador visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

L..........., LDA inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº 271/2016-T, veio ao abrigo do disposto nos artigos 27.º e 28.º, nº1, alínea d), do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), interpor impugnação dessa decisão, finalizando a sua petição inicial com a formulação das seguintes conclusões:

«A.No presente processo vem impugnada a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 271/2016-T;
B.Em causa no sobredito processo arbitral esteve a apreciação da legalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios respeitantes a todos os trimestres dos exercícios de 2012 e 2013, no valor total de € 178.697,77 - as Liquidações Contestadas -, que respeitam aos serviços prestados por três terapeutas com formação em fisioterapia e osteopatia, serviços esses prestados na Clínica da Impugnante;
C.Tais Liquidações Contestadas foram emitidas pela AT, para o que importa aos presentes autos, com base no entendimento de que tais serviços prestados pelos três terapeutas não estavam abrangidos pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA (que isenta daquele imposto as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas) uma vez que (i) tais Terapeutas prestavam serviços de osteopatia (para os quais não põe naturalmente em causa que estivessem devidamente habilitados) que não se encontram abrangidos pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA; e (ii) embora sem pôr em causa as habilitações e a formação dos Terapeutas enquanto fisioterapeutas, entendeu a AT que estes não possuíam, à data dos factos tributários, de cédulas emitidas para o efeito, o que constituía, no entendimento da AT, impedimento para a aplicação da isenção de IVA;
D.Por sua vez, a Impugnante reputou tais Liquidações Contestadas ilegais por violarem, de forma flagrante, o ordenamento jurídico tributário em vigor, designadamente o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA, já que ao prestar serviços que são indistintamente de fisioterapia e de osteopatia (por serem estes os conhecimentos de base dos Terapeutas, formados em fisioterapia e com formação adicional e complementar em osteopatia), os referidos serviços deveriam, segundo a melhor interpretação que faz a Impugnante da norma do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA e a mais conforme ao direito comunitário, considerar-se isentos daquele imposto, argumento com base no qual apresentou o pedido de pronúncia arbitral na origem dos autos arbitrais aqui em crise;
E.Sucede que, em virtude de alteração legislativa introduzida no decurso dos autos arbitrais em apreço (em concreto, após a apresentação de alegações finais por parte da Impugnante) pela Lei º1/2017, veio o legislador esclarecer, com natureza interpretativa, que "Aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º é aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas ",i.e., o regime de isenção de IVA previsto no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA;
F.Tal alteração legislativa foi oportunamente comunicada pela Impugnante aos autos, tendo a Impugnante peticionado a anulação de todas as Liquidações Contestadas com fundamento (superveniente) na alteração legislativa introduzida pela Lei 1/2017 à qual foi atribuído caráter interpretativo (cf. n.ºs 29 a 33 e 84 a 95 das alegações finais e requerimento apresentado pela Impugnante no dia 18 de janeiro de 2017);
G.Diversamente, a AT optou por ignorar e não se pronunciar sobre tal alteração legislativa, mantendo integralmente o fundamento legal no qual baseia o seu pedido de manutenção das Liquidações Contestadas na ordem jurídica já invocado no Relatório Final de Inspeção na origem das Liquidações Contestadas e de Reposta apresentada nos autos, i.e., o de que:
(i). Os Terapeutas praticam operações de osteopatia que não se encontram abrangidas pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA, pois não configuram profissões paramédicas; e
(ii). As operações de fisioterapia praticadas pelos Terapeutas não se encontram abrangidas pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA já que os Terapeutas não dispunham de cédula profissional à data dos factos, em violação do Decreto 261/93.
H.Após a análise das questões suscitadas pela Impugnante no pedido de pronúncia arbitral na origem da decisão arbitral que ora se impugna, decidiu o Tribunal Arbitral pelo deferimento parcial do pedido apresentado pela Impugnante, então Requerente, determinando a anulação parcial das Liquidações Contestadas, nos seguintes termos:
(i). É anulada a liquidação de IVA n.º 2015 014374093, referente ao quarto trimestre de IVA de 2013 (201312T), no valor de € 21.785,12 e correspondentes juros compensatórios, por se entender que os serviços prestados nesse trimestre pelos Terapeutas da Impugnante se encontravam abrangidos pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA em virtude da alteração legislativa introduzida na Lei 71/2013 pela Lei n.º 1/2017 - que veio aplicar às TNC o regime de isenção de IVA aplicável às profissões paramédicas, conforme veremos com detalhe infra -, e à qual foi conferida natureza interpretativa; e
(ii). São mantidas as demais Liquidações Contestadas no valor total de € 155.354,26 (dos quais € 139.658,95 a título de imposto e € 15.695,31 a título de juros compensatórios), por entender que tais Liquidações Contestadas:
• não beneficiam da isenção de IVA prevista no n . º 1 do artigo 9.º do Código do IVA mencionada supra por respeitarem a factos anteriores à Lei 71/2013, alterada pela referida Lei 1/2017 - segmento decisório que a Impugnante reputa nulo, por violação do princípio do contraditório nos termos da al. d) do artigo 28.º do RJAT, nos termos melhor analisados infra; e
• não beneficiam da isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA mencionada supra pois muito embora os terapeutas disponham das habilitações académicas como fisioterapeutas, não dispunham de cédula profissional regularmente emitida à data dos factos tributários e, portanto, não podiam beneficiar no exercício da sua atividade paramédica da isenção de IVA por inobservância dos requisitos de que legalmente depende a aplicação de tal isenção;
I.Independentemente da bondade e razoabilidade de tal entendimento propugnado pelo Tribunal Arbitral - que, não obstante questionadas pela Impugnante, não merecem nesta sede qualquer apreciação, por não estarmos em presença de uma instância recursiva -, a verdade é que o segmento decisório da decisão arbitral que decide manter as Liquidações Contestadas apesar da alteração da lei, padece de nulidade, já que foi proferida em atropelo e flagrante violação do princípio do contraditório que deverá nortear o processo arbitral nos termos da al. a) do artigo 16.º do RJAT e cuja violação consubstancia fundamento de impugnação da decisão arbitral, nos termos da al. d) do artigo 28.º do RJAT:
J.Com efeito, optou o Tribunal Arbitral pela manutenção na ordem jurídica das Liquidações Contestadas com um fundamento - o de que a alteração legislativa promovida pela Lei l /2017 apenas se aplica aos factos tributários ocorridos após a entrada em vigor da Lei 71/2013, i.e., 2 de outubro de 2013, assim limitando o caráter interpretativo conferido pelo legislador a tal alteração legislativa - que não veio invocado por nenhuma das partes como fundamento para os pedidos formulados e que não foi suscitado em momento algum durante os autos arbitrais e não foi, por esse motivo, objeto de pronúncia quer pela Impugnante, quer pela AT;
K.Tal fundamento é, por esse motivo, um fundamento de direito novo, sobre o qual o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, sem que tenha contudo chamado as partes a pronunciar-se sobre o mesmo;
L.Ora, o princípio do contraditório constitui um princípio processual que deverá nortear o processo arbitral, expressamente elencado na al. a) do artigo 16.º do RJAT, que estabelece que "constituem princípios do processo arbitral o contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo", princípio este de decorrência constitucional, encontrando amparo no princípio constitucional da participação dos administrados nas decisões que lhes digam respeito, já que, nos termos do n.º 5 do artigo 267.º da CRP, "o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito" [sublinhado da Impugnante] (e cf. densificado pela jurisprudência, v.g., acórdão proferido pelo TCA Sul, proferido no processo n.º 08233/14, de 4 de junho de 2015);
M.No que diz respeito à participação na decisão em matéria de direito, tem a doutrina avançado que para o cumprimento do princípio do contraditório como decorrência do princípio constitucional da participação das partes nos termos do n.º 5 do artigo 267.º da CRP se impõe que estas se pronunciem sobre os fundamentos que invocam e respondam aos argumentos de direito invocados pela contraparte, designadamente no âmbito das alegações finais;
N.Mas tal pronúncia não bastará, em alguns casos, para que se tenha por observado
o referido princípio do contraditório já que, inúmeras vezes, surgem no âmbito do processo - e mesmo após as alegações finais - questões de direito novas (v.g., LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, outubro de 2009, pág. 109);
O.Exemplo claro dessa possibilidade é o caso da decisão impugnada, já que a Lei 1/2017 entrou em vigor já após as alegações apresentadas pela Impugnante nos autos arbitrais, motivo pelo qual se impunha o convite a que as partes se pronunciem e participem da decisão, dizendo o que tiverem por conveniente sobre a solução jurídica antevista pelo Tribunal Arbitral para o caso em concreto, sempre que tal solução extravase os argumentos jurídicos ou a qualificação jurídica efetuada pelas partes da matéria de direito subjacente aos autos, como é o caso aqui em apreço;
P.Mais logra o tribunal evitar, ao chamar as partes a pronunciar-se nos casos em que o tribunal opte pela análise de uma questão nova e aplicação de uma solução de direito distinta daquela que vem equacionada pelas partes, a prolação de uma decisão surpresa, i.e., uma decisão que as partes não tinham como antever ou equacionar já que resulta de um argumento jurídico avançado pelo tribunal diretamente na decisão, sem que às partes seja dado direito de sobre ele se pronunciarem, e que é manifestamente por violadora do princípio do contraditório (v.g., JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume IV, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 368);
Q.No que respeita em especial às decisões em matéria tributária, tendo a AT fundamentado as Liquidações Contestadas num determinado fundamento jurídico - in casu, a osteopatia não consubstanciar um serviço isento de IVA nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA e os Terapeutas não poderem beneficiar da mesma isenção de IVA aplicável aos serviços de fisioterapia na medida em que não dispunham de cédulas profissionais à data dos factos tributários -, e a Impugnante peticionado a anulação das Liquidações Contestadas com base num outro fundamento de direito - a saber, o de que em virtude da publicação da Lei 1/2017 as Liquidações Contestadas se tornaram supervenientemente ilegais (ainda que o não fossem já com os demais argumentos invocados pela Impugnante e que nesta sede não se discutem) -, o facto de o Tribunal Arbitral ter optado por decidir pela manutenção das Liquidações Contestadas por entender que a alteração promovida pela Lei 1/2017 apenas merece aplicação após 2 de outubro de 2013 (data de entrada em vigor da Lei 71/2013), sempre constitui um novo fundamento de direito da decisão, que não vem invocado pelas partes e sobre o qual estas não foram chamadas a pronunciar-se e que inquina a referida decisão de nulidade por violação do princípio do contraditório.
R.Isto porque o Tribunal Arbitral optou pela aplicação de uma norma invocada pela Impugnante como fundamento de anulação das Liquidações Contestadas como um fundamento de manutenção das Liquidações Contestadas, substituindo-se à AT que não invocou tal fundamento em seu favor e baseando por esse motivo a sua decisão num argumento novo e não equacionado nem discutido pelas partes nos autos arbitrais (em violação, aliás, do princípio da separação dos poderes, nos termos do artigo 2.º da CRP);
S.Evidência de que assim é sempre será a de que tivesse a AT invocado tal argumento supervenientemente em sede de alegações finais em virtude da publicação da Lei 1/2017 - i.e., que não obstante tal alteração legal, tais Liquidações Contestadas deveriam manter-se no ordenamento jurídico já que o correspondente facto tributário antecede a entrada em vigor da Lei 71/2013, pelo que a alteração efetuada pela Lei 1/2017 não será aqui aplicável, o que manifestamente não fez já que a AT ignorou a publicação da Lei 1/2017 em sede de alegações finais -, sempre deveria o Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio do contraditório, ter concedido à Impugnante a faculdade de responder a tal novo argumento avançado pela AT, ao abrigo do princípio do contraditório nos termos da al. a) do artigo 16.º do RJAT;
T.Aliás, o princípio do contraditório assume especial relevância nos ramos de direito público como é o direito tributário, já que os interesses dos contribuintes e dos administrados, nestes ramos do Direito se opõem muitas vezes aos interesses do Estado, investido de poder público e coercivo sobre os contribuintes, motivo pelo qual o legislador lhe atribuiu especial relevância no processo arbitral e anteviu a violação do princípio do contraditório como fundamento de impugnação da decisão arbitral - que é, como bem se sabe, regra geral, irrecorrível e sendo-lhe aplicáveis fundamentos de impugnação limitados -, precisamente porque reconhece a sua relevância e influência na decisão da causa, já que não garantir a possibilidade de as partes se pronunciarem no âmbito do processo arbitral sempre consubstancia uma violação da CRP, pois este princípio do contraditório é decorrência do princípio constitucional da participação nos termos do n.º 5 do artigo 267.º da CRP (v.g., CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, novembro 2015);
U.Mais: a concretização de tal princípio em sede arbitral revela-se essencial atendendo às especiais características do processo arbitral, como são os princípios da livre condução do processo, que permitem ao tribunal arbitral a condução do processo livremente sem que se encontre vinculado à observância de formalidades processuais legalmente estabelecidas nos termos do artigo 19.º do RJAT, motivo pelo qual tal princípio deverá ser prosseguido pelo tribunal arbitral na estrita observância do princípio do contraditório, assegurando que as partes se pronunciem sobre todas as questões de facto e de direito invocadas nos autos ou que constituam fundamento da decisão arbitral (v.g., CARLA CASTELO TRINDADE, in op. cit.);
V.Apenas tendo chamado as partes a pronunciar-se teria sido assegurada a observância do princípio do contraditório, sem prejuízo do direito de o tribunal arbitral optar, após a audiência das partes sobre tal fundamento novo, pela decisão do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Impugnante com tal fundamento que entende aplicável, i.e., pela manutenção das Liquidações Contestadas na ordem jurídica por o facto tributário ser anterior à entrada em vigor da Lei 7112013, alterada pela Lei 1/2017 com caráter interpretativo;
W.Tudo quanto vem de se dizer não prejudica a aplicabilidade de derrogações ao princípio do contraditório em virtude do princípio da proibição de atos inúteis nos termos do artigo 6.º do CPC ex vi da al. e) do artigo 29.º do RJAT, mas tal derrogação apenas será aplicável quando a "solução da questão seja evidente, não sendo aceitável que haja séria controvérsia sobre ela por parte de quem possui os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos judiciais" (JORGE LOPES DE SOUSA, Guia da Arbitragem Tributária, CAAD Centro de Arbitragem Administrativa, Almedina, março de 2013, pág. 185);
X.Ora, a Impugnante não ignora que os argumentos avançados pela Impugnante contra a decisão de mérito proferida pelo Tribunal Arbitral não são o objeto dos presentes autos - já que não estamos em sede recursiva mas meramente impugnatória -, mas deles se conclui, de forma clara e cristalina, que a aplicação da Lei 1/2017 propugnada pelo Tribunal Arbitral na decisão impugnada se encontra longe de consubstanciar, nas supra citadas palavras do IL. JUIZ CONSELHEIRO, uma "questão evidente" relativamente à qual não exista "séria controvérsia (…) por parte de quem possui os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos judiciais" ;
Y.Aliás, note-se que tal fundamento de direito suscita inclusivamente questões de
(des)conformidade constitucional, que tivesse a Impugnante sido chamada a pronunciar-se, esta teria naturalmente invocado, estando o Tribunal Arbitral obrigado a pronunciar-se sobre as mesmas;
Z.Pois se este Tribunal entende que uma alegada ofensa (pela decisão arbitral) dos princípios constitucionais do acesso ao direito e do princípio da igualdade invocada pela primeira vez em alegações finais pela AT era de conhecimento e pronúncia obrigatória pelo tribunal arbitral, naturalmente que todos os vícios que a Impugnante imputa ao fundamento de direito em que o Tribunal Arbitral assenta a decisão impugnada e sobre o qual não pôde pronunciar-se, mormente aos vícios de desconformidade constitucional, não podem ter tratamento distinto (v.g., acórdão deste TCA Sul proferido no processo n.º 09210/ 15);
AA.Aliás, ao não dar cumprimento ao princípio do contraditório, estamos perante uma verdadeira e própria denegação de justiça (em violação do princípio constitucional do acesso ao direito), já que se impede a invocação de vícios (nomeadamente de desconformidade constitucional) e com eles se veda o recurso que da decisão poderia caber para o Tribunal Constitucional;
BB.E por isso mesmo esta violação é ainda mais gravosa quando praticada numa decisão arbitral, que não é sindicável quanto ao mérito e que torna por isso a negação de justiça na vertente descrita mais notória;
CC.Com efeito, todos os argumentos expendidos supra permitem concluir pela razoabilidade de um entendimento distinto daquele que foi o entendimento do douto Tribunal Arbitral e colocam em evidência que desejando decidir como decidiu, atenta a inovação do fundamento de direito em que o Tribunal Arbitral assentou a decisão, sempre deveria ter sido dada a possibilidade às partes de se pronunciarem sobre tal fundamento de manutenção das Liquidações Contestadas tal como entendido pelo Tribunal Arbitral (v.g., acórdãos proferidos pelo STA no processo 0205/ 15, de 04-02-2016, e pelo TCA Sul no processo n.º 08233/14, de 4 de junho de 2015);
DD.Em face de tudo quanto se vem expondo, deverá a presente impugnação da decisão arbitral ser julgada inteiramente procedente, por violação do princípio do contraditório nos termos da al. d) do artigo 28.º do RJAT, já que:
(i). É evidente que o fundamento no qual o Tribunal Arbitral baseou o segmento decisório que ora se impugna é novo, pois não foi invocado por nenhuma das partes nos autos como fundamento para os pedidos formulados de anulação / manutenção das Liquidações Contestadas;
(ii). Aliás, caso tal argumento viesse invocado pela AT nas suas alegações finais, teria sido dada oportunidade à Impugnante de responder a tal alegação ao abrigo do princípio do contraditório, o que coloca em evidência a preterição do princípio do contraditório no caso concreto;
(iii). Respeita a uma questão controvertida e que não é evidente, não se encontrando verificados os requisitos de que depende a possibilidade de derrogação do princípio do contraditório,;
(iv). Caso tivesse sido dada a possibilidade à Impugnante de se pronunciar, esta teria certamente influído na decisão da causa, sem prejuízo de o Tribunal Arbitral, a final, optar pela decisão nos mesmos termos da decisão arbitral que ora se impugna;
(v). Mais: a Impugnante teria certamente - por discordar de tal entendimento do Tribunal Arbitral - invocado questões de desconformidade inconstitucional que vinculariam o Tribunal Arbitral à pronunciar-se sobre as mesmas; e
(vi). Sendo ainda evidente que ao não ter sido dado cumprimento ao princípio do contraditório no caso em apreço, estamos perante uma verdadeira denegação de justiça (em violação do princípio constitucional do acesso ao direito), já que se impede a invocação de vícios (nomeadamente de desconformidade constitucional) e com eles se veda o recurso que da decisão poderia caber para o Tribunal Constitucional.


Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente impugnação da decisão arbitral proferida no processo n.º 271-2016-T ser julgada integralmente procedente e, consequentemente, declarada nula a referida decisão arbitral proferida naqueles autos por violação do princípio do contraditório.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro) nada disse.
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Por despacho exarado a fls. 126 do processo físico, proferido pelo anterior Relator, foi ordenado o desentranhamento e devolução à Entidade impugnada das contra-alegações juntas ao processo, porque intempestivas.
Por acórdão de 16 de Novembro de 2017, foi confirmado o despacho a que alude o parágrafo antecedente.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO

Atentas as alegações vertidas na petição da presente Impugnação e, em especial, as conclusões aí formuladas, conclui-se que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a decisão arbitral impugnada padece da violação do princípio do contraditório.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na decisão impugnada fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1-De acordo com a respectiva certidão permanente a Requerente é uma pessoa colectiva de direito privado, tendo sido constituída como sociedade por quotas em 1987/05/14, com o objecto social de prestação de serviços de osteopatia, com a designação de J..........., Lda, com sede na Av……………, n° ….- 2º frt., em Lisboa, sendo que, em 24/07/2007, foi efectuada uma alteração do contrato de sociedade e a deslocação da sede social, passando a Requerente a designar-se “L..........., Lda., com sede na rua…………., no ….. - B, em Lisboa.
2-Em 24/11/2015, foram inscritas na conservatória do Registo Comercial, duas alterações, da denominação social da sociedade de L………………, Lda. passando a designar-se por L..........., Lda., e do objecto social da sociedade para actividades de fisioterapia, prestação de cuidados de saúde, diagnóstico c outras actividades de saúde humana.
3-O objecto social da Requerente declarado na certidão permanente e de prestação de cuidados dc saúde, diagnóstico, osteopatia e outras actividades de saúde humana, sendo o capital social de € 5.000,00, tendo sido subscrito pelos sócios, J..........., NIF ........... e M........... NIF ..........., cabendo a cada um deles a quota de € 2.500,00.
4-Nos exercícios de 2012 e 2013 a sociedade encontrava-se enquadrada em IVA, no regime de isenção nos termos do n.° 1, do artigo 9.° do CIVA, e no regime geral em IRC.
5-A AT instaurou contra a Requerente um procedimento de inspecção de natureza externa e âmbito parcial em matéria de IVA, referente aos anos de 2012 e 2013, fundado em dúvidas no enquadramento da atividade da Requerente em sede de IVA, concretamente relativas ao regime de isenção nos termos do n.° 1 do artigo 9.° do Código do IVA.
6-A AT iniciou o procedimento dc inspecção cm 17 dc Julho de 2015, com a assinatura pelo Gerente da Requerente das Ordens dc Serviço n.°s 01201503373 e 01201503374, tendo por objecto os exercícios dc 2012 e 2013, respectivamente.
7-No âmbito do procedimento inspectivo realizado, foram efectuadas as seguintes diligências e apurados os seguintes factos:
i. A Requerente para a publicitação da Clínica Homeostasia, possuía um sítio na internet (http://homeostasia.com.pt/pt), onde fazia a divulgação da sua actividade, de prestação de serviços, na área da osteopatia, homeopatia, nutrição clínica e funcional e clínica geral;
ii. O quadro clínico que era apresentado no sítio:
«imagem no original»


iii. Na sede que são as instalações onde era exercida a actividade da Requerente, encontra-se inscrito na porta envidraçada de entrada, pintada em prata, publicidade de consultas de osteopatia.
iv. Na sala de espera clínica na parede encontrava-se afixado um artigo assinado por J..........., sobre as medicinas não convencionais, nomeadamente a osteopatia e homeopatia.
v. A profissão declarada pelo sócio gerente J..........., à companhia de seguros C........... no âmbito da celebração de um contrato de seguros com o n.° de apólice ………….. era de osteopata.
vi. Analisada a facturação da sociedade constatou-se que nas facturas emitidas aos seus clientes, na descrição das prestações de serviços, mencionam “avaliação e correção estrutural” e “consulta integrativa”.
vii. Foi notificado a Requerente na pessoa sócio gerente cm 20 de agosto de 2015, para:
a. Esclarecer e apresentar, nos termos da legislação em vigor, nomeadamente do Decreto-Lei 261/93 de 24 de Julho, do Decreto-Lei 320/99 de 11 de Agosto, da Lei 45/2003, de 22 de Agosto e da Lei 71/2013 de 2 de Setembro, os documentos que habilitavam a Requerente e os seus colaboradores a exercer actividades de prestação de serviços de saúde, enquanto paramédicos e terapeutas não convencionais.
b. A Requerente defendeu na sua resposta, que os cuidados de saúde prestados na clínica por diversos terapeutas são actos na área paramédica e que os colaboradores foram contratados para o efeito, tendo organizado um quadro onde identificou o sócio gerente, os colaboradores, fornecendo informação sobre a formação e qualificações académicas destes, especificando os serviços que prestavam na clínica, mencionando também se eram portadores ou não de cédula profissional.
c. Foi solicitada à Requerente a explicação da especialidade das prestações de serviços, facturadas como, “avaliação e correcção estrutural e consulta integrativa”, tendo esta referido que as consultas feitas na clínica se agrupavam em vários tipos, nomeadamente, clínica geral, nutrição, terapia da fala, consulta integrativa e avaliação e correcção estrutural.
d. Segundo explicação facultada, na consulta de avaliação e correcção estrutural foca-se na análise e nas relações entre as estruturas anatómicas, do ponto de vista da postura e do movimento, que resultava numa estratégia de intervenção para correcção de desequilíbrios e nas consultas são utilizadas terapêuticas específicas baseadas nas terapias manipulativas, que compreendiam várias fases, descritas na resposta à notificação.
viii. A Requerente não se pronunciou expressamente sobre se a actividade desenvolvida por si e pelos seus colaboradores, tinha enquadramento no Decreto-Lei n.° 320/99 como actividade paramédica ou se se enquadraria na Lei n.° 71/2013, como actividade de medicina não convencional,
ix. Da resposta consta que o sócio gerente no exercício da sua actividade fez consultas de fisioterapia, mas também e em simultâneo utilizou conhecimentos e técnicas de osteopatia.
8-A AT elaborou e notificou a Requerente em 27 de Outubro de 2015 do projecto de relatório de inspecção tributária, no âmbito do qual propôs as seguintes correcções:


9-A Requerente aceitou as correcções propostas pela AT em matéria de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas (“IRC”) e de tributações autónomas, e procedeu em 16 de Novembro de 2015 à regularização da sua situação para efeitos de IRC, para o que apresentou as competentes declarações de substituição para os exercícios de 2012 e de 2013 e procedeu ao pagamento do correspondente imposto nos valores de € 4.476,63 e € 8.364,78 em 17 de Novembro de 2015.
10-Embora não aceitasse as correcções propostas em sede de IVA, procedeu a ora Requerente à regularização da sua situação de IVA, tendo apresentado para o efeito as competentes declarações periódicas mensais de IVA em 15 de Novembro de 2015, nos termos e valores propostos no Projeto, e procedido ao seu correspondente pagamento em 22 de Dezembro de 2015.
11-Por não concordar com as correcções em matéria de IVA, propostas pela AT no âmbito da inspecção, exerceu a Requerente o seu direito de audiência prévia.
12-Pronunciando-se sobre os argumentos expendidos em sede de audição prévia, veio a AT a converter o projecto em relatório final de inspecção, no que respeita às correcções propostas em matéria de IVA, relatório que foi notificado à Requerente em 16 de Dezembro de 2015, na pessoa dos seus mandatários.
13-Do relatório de inspecção consta, para além do mais, o seguinte:
“Tendo em conta os elementos recolhidos durante a ação de inspeção e as respostas facultadas pelo representante do sp, sobretudo a resposta à notificação, entregue em 10/09/2015, ANEXO 6 e de acordo com os fundamentos abaixo aduzidos, o sujeito passivo não reunia as condições exigíveis nos termos do artigo 9.° n.° 1 do ClVA, para isentar parte das prestações de serviços realizadas pela sociedade, uma vez que nem todos os profissionais possuíam a qualificação legal exigível nos termos dos DL 261/1993, DL 320/1999 e, por outro lado, realizam operações previstas na Lei 45/2013 e Lei 71/2013, não abrangidas pela isenção de IVA e por consequência é proposta a liquidação de IVA, à taxa de 23%, sobre o valor de serviços prestados pelo sp, nos exercícios de 2012 e 2013, respeitantes a consultas efetuadas pelo sócio gerente e pelos colaboradores abaixo identificados.
No caso concreto, do sócio gerente J........... - NIF ........... não satisfaz duas condições, por um lado, a condição de equivalência de habilitação académica não foi exibida, por outro, nos termos do disposto nos artigos 4° n° 1 al. d) e artigo 5º, nº 1 do DL 320/99, ao não exibir a carteira profissional para o exercício de atividade.
Relativamente aos colaboradores Dr. J..........., NIF ........... e Dr. V........... NIF ..........., nos termos do disposto no artigo 5° n° 1 do DL 320/99, por não terem cumprido com o disposto nesta norma, ao não exibirem os títulos profissionais para o exercício de atividade.”
14-As declarações de substituição apresentadas pela Requerente em 15 de Novembro de 2015 não foram validadas pelo sistema, “em virtude de haver uma contradição entre o enquadramento no regime trimestral e as declarações de IVA mensais entregues”.
15-A AT procedeu à preparação de documento de correcção e das correspondentes declarações trimestrais oficiosas para os exercícios de 2012 e 2013, e à emissão de uma primeira via das liquidações de IVA objecto da presente acção arbitral em 19 de Dezembro de 2015, com prazo de pagamento voluntário até ao dia 18 de Fevereiro de 2016.
16-Tendo a Requerente procedido ao pagamento dos montantes em causa, em autoliquidação no dia 22 de Dezembro de 2015, não procedeu pela segunda vez e em duplicado ao pagamento do imposto já pago, pelo que foram instaurados pela AT os competentes processos de execução fiscal para a cobrança da dívida de imposto e de juros liquidada.
17-A AT veio a imputar os pagamentos efetuados em autoliquidação, às liquidações do imposto que emitiu, e emitiu em 29 de Abril de 2016 segunda via das liquidações adicionais de IVA, fazendo delas constar o pagamento em autoliquidação e recalculando os juros compensatórios devidos pela Requerente, extinguindo os processos de execução fiscal que havia instaurado.
18-A Requerente pagou a integralidade do imposto que a AT considerou devido no valor de € 161.441,10.
19-A Requerente explora, e explorava à data dos factos tributários em questão nos presentes autos, uma clínica de cuidados de saúde, sita na Rua…………., n.°……., em Lisboa.
20-A Requerente exerce desde 1987 actividade no sector da saúde, designadamente nos domínios da fisioterapia e da osteopatia, tendo passado a disponibilizar, a partir de 2007, outro tipo de terapêuticas e cuidados de saúde, designadamente de clínica geral, diagnóstico, nutrição e terapia da fala.
21-Nos anos de 2012 e 2013 foram prestados pela Requerente os seguintes cuidados de saúde na referida Clínica:
i. clínica geral;
ii. nutrição/dietista;
iii. terapia da fala;
iv. avaliação e correção estrutural; e
v. consulta integrativa.
22 -As consultas de clínica geral eram prestadas nos anos em causa aos pacientes da Clínica por H..........., médico devidamente licenciado e credenciado.
23-As consultas de nutrição eram prestadas aos pacientes da Clínica por C..........., terapeuta devidamente licenciada e credenciada.
24-As consultas de terapia da fala eram prestadas aos pacientes da Clínica por M..........., terapeuta devidamente licenciada e credenciada.
25-As consultas integrativas e avaliações estruturais eram prestadas aos pacientes da Clínica, nos anos de 2012 e 2013, por J..........., gerente da Requerente, por J........... e V............
26 -J........... é formado em Fisioterapia, tendo terminado a sua licenciatura na Bélgica em 1979, sendo que, em 1980, o Departamento de Recursos Humanos do Ministério dos Assuntos Sociais, em 16 de Outubro de 1980, apôs um carimbo com os seguintes dizeres:
“nos termos legais fica o presente diploma de técnico auxiliar, fisioterapeuta, registado no livro n.º um, página oito, sob o n. “ cento e oitenta e quatro. DR., Lisboa 16 de Outubro de 1980".
27-J........... foi responsável pela criação do serviço de Fisioterapia da Aliança Seguradora.
28-J..........., no ano de 1980, iniciou uma pós-graduação em Osteopatia, em Maidstone, Reino Unido, e no ano de 1983 abriu o seu primeiro consultório em Rio de Mouro, como fisioterapeuta.
29-Em 2015 J........... havia solicitado a inscrição junto da ACSS e a correspondente emissão de cédula como fisioterapeuta.
30-A ACSS emitiu a cédula profissional de J........... em 2016, após nova solicitação para o efeito.
31-J........... é bacharel no curso de fisioterapia desde 7 de Agosto de 1989 pela Escola Técnica dos Serviços de Saúde de Lisboa.
32-J........... realizou formação específica em osteopatia, homeopatia e em ciências, tecnologia e saúde com especialização em ensaios clínicos e validação.
33-J........... solicitou em 2015 a emissão de cédula como fisioterapeuta junto da ACSS, tendo-lhe sido atribuída a cédula n.° C-048377074.
34-V........... é bacharel no curso de fisioterapia, desde 28 de Julho de 1989 pela Escola de Reabilitação do Centro de Medicina de Reabilitação do Ministério da Saúde, reconhecido pela Escola Superior de Saúde de Alcoitão em 14 dc Outubro dc 1998 e frequentou formação específica em osteopatia.
35-V........... solicitou em 2015 a emissão de cédula como fisioterapeuta junto da ACSS, tendo-lhe sido atribuída a cédula n.° C-……….

A.2. Factos dados como não provados
1 - Que a Requerente tenha pago os juros compensatórios liquidados no valor total de € 17.256,67.


A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.° 123.°, n.° 2, do CPPT e artigo 607.°, n.° 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.°, n.° 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.°, n.° 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.°, aplicável ex vi do artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.°/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

O facto dado como não provado deve-se à ausência de prova nesse sentido, sendo que a Requerente protestou juntar tal prova no artigo 105.° do seu Requerimento inicial, mas não o fez.»
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B. DO DIREITO
Como ponto prévio sublinharemos que o regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artigo 2.º, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artigo 2.º, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artigo 16.º, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que respeita aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artigo 28.º, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16º, do diploma.
Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27,º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artigo 28º, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artigo 125.º, nº.1, do CPPT com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º, nº.1, do CPC.
No caso, como supra ficou escrito, a questão colocada à apreciação deste Tribunal Central Administrativo é a de saber se a decisão arbitral impugnada padece da violação do princípio do contraditório.
Vejamos, então.
O princípio do contraditório encontra-se ínsito na garantia constitucional de acesso ao direito consagrada no artigo 20.º da Constituição e traduz-se na possibilidade dada às partes de exercerem o seu direito de defesa e exporem as suas razões no processo antes de tomada a decisão.
Tal princípio constitui uma pedra basilar na concretização do princípio da igualdade das partes, tendo encontrado ambos expressão na lei ordinária nos artigos 3º nº 3 e 4º do Código de Processo Civil.
Enquanto princípio estruturante do processo arbitral o princípio do contraditório mostra-se consagrado no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, e por via dele deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de poderem pronunciar-se sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. A concretização deste princípio está bem patente, por exemplo, no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, no qual se concede à Administração Tributária o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo. Outro afloramento deste princípio encontra-se no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, norma em que se impõe a audição das partes quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido.
No plano das questões de direito, sejam processuais sejam materiais, o princípio do contraditório proíbe as chamadas decisões-surpresa, ou seja, impede que o tribunal tome conhecimento de questões, ainda que de apreciação oficiosa, sem que as partes tenham tido prévia oportunidade de sobre elas se pronunciarem, a não ser que a sua audição se revele manifestamente desnecessária. (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 1999, vol. 1º, págs. 8/9).
Concretamente afirma a Impugnante que peticionou a anulação de todas as liquidações impugnadas com fundamento (superveniente) na alteração legislativa introduzida pela Lei 1/2017, de 16 de Setembro, que aditou o artigo 8.°-A à Lei 71/2013 de 2 de Setembro, tendo o Tribunal Arbitral decidido sobre a pretensão formulada, sem que previamente, facultasse o exercício do direito do contraditório, violando desta forma o direito ao exercício do contraditório.
Compulsados os autos, verifica-se que a Impugnante não podia deixar de perspectivar como solução plausível do litígio a decisão tomada pelo Tribunal Arbitral perante a invocação da Lei 1/2017, de 16 de Janeiro.
Com efeito, no requerimento apresentado pela Impugnante no dia 18 de janeiro de 2017, pode ler-se:
«1.Conforme referido pela Requerente nas alegações finais por si apresentadas (cf. números 29 a 33 das alegações finais), a Assembleia da República havia aprovado um Projeto de Lei nos termos do qual se passaria a aplicar o mesmo regime de isenção de IVA das profissões paramédicas aos serviços prestados no âmbito das terapêuticas não convencionais.
2.À data das alegações finais, tinha já tal diploma sido objeto de promulgação pelo Presidente da República, tendo, no mesmo dia, ido a referenda do Primeiro Ministro.
3.Em face do exposto, vem a Requerente informar este douto Tribunal Arbitral da conclusão do processo legislativo de tal diploma no passado dia 16 de janeiro de 2017, com a publicação em Diário da República da Lei nº 1/2017, de 16 de janeiro (cf. doc. nº 1 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
4.Nos termos do artigo 2º de tal Diploma, é aditado à Lei nº 71/2013, de 2 setembro, o artigo 8.º-A, nos termos do qual "Aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º é aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas".
5.Ademais, o legislador expressamente conferiu, no artigo 3.º do novo diploma, natureza interpretativa ao referido artigo 8°-A.»
E, finalizando de forma inequívoca, clara e peremptória, a Impugnante concluiu:
«6.Assim, se já entendia a Requerente que, mesmo na ausência de previsão expressa da aplicação da isenção de JVA às terapêuticas não convencionais, padeciam as Liquidações Contestadas de ilegalidade, o que deveria resultar na sua anulação, parece agora à luz da entrada em vigor do supramencionado regime legal com natureza interpretativa não restar qualquer fundamento para que possa ser sustentado entendimento diverso, cm particular, o entendimento sustentado pela AT nos presentes autos formulando o seguinte pedido:
«7.Termos em que a Requerente reitera, em face deste novo regime legal já entrado em vigor, os pedidos formulados no pedido de pronúncia arbitral e reiterados nas alegações finais.».
Não estamos pois, perante uma decisão baseada em fundamento não previamente considerado pela Impugnante, pois que o Tribunal Arbitral se limitou precisamente apreciar a pretensão que lhe foi dirigida, centrada, como acima vimos, na alteração legislativa reflectida na Lei 1/2017, de 16 de Janeiro, que aditou o artigo 8.°-A à Lei 71/2013 de 2 de Setembro.
Logo, na situação concreta dos autos, a questão em torno da referida alteração legislativa constituía questão já abordada pela Impugnante, e neste quadro a audição das partes revelar-se-ia de manifesta desnecessidade, pelo que a omissão apontada não é susceptível de configurar a violação do aludido princípio do contraditório.
Na verdade, a surpresa que o legislador visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista.

IV.CONCLUSÕES
I. Como decorrência do princípio do contraditório consagrado no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, é proibida a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
II. A surpresa que o legislador visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista.

V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente impugnação.

Custas pela Impugnante.


Lisboa, 8 de Outubro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


Ana Pinhol