Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:397/11.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
NOTIFICAÇÃO.
Sumário:A falta de prova da efetividade de notificação da liquidação adicional de IRS, tal como exigido ao abrigo do regime vigente até 2014, determina a inexigibilidade da dívida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório


J... e M..., citados no processo de execução fiscal (PEF) n.º 36972011010..., instaurado pelo Serviço Fiscal do Seixal, por dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) relativa ao exercício de 2007, no montante total de EUR 4.095,75, deduziram oposição à execução fiscal. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença proferida a fls. 181 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 6/10/2020, julgou procedente a oposição, determinando a extinção do PEF n.º 36972011010....
A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional contra a sentença. Nas alegações de fls. 198 e ss. (numeração do processo em SITAF), formulou as conclusões seguintes:
«A. A situação em análise tem na sua origem incumprimento de entrega da declaração de IRS (Modelo 3), referente ao ano de 2007, por parte dos aqui Oponentes, em face do que a Autoridade Tributária procedeu à liquidação do imposto, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS, tendo por base os elementos de que dispunha, e com as limitações previstas no n.º 3 do artigo, do que resultaram duas diferentes liquidações, uma para cada um dos aqui Oponentes.
B. No seguimento das liquidações realizadas pelos serviços vieram os sujeitos passivos faltosos apresentar a sua Declaração de Rendimentos, no estado de casados, o que fizeram cerca de dois anos após a respetiva data de entrega legal. Por via da emissão de documento de correção, foram anuladas as liquidações anteriores e emitida a liquidação identificada no ponto 3 dos factos provados na fundamentação da Douta Sentença, constando o estado civil e os rendimentos indicados pelos contribuintes, mantendo-se, no entanto, os limites às deduções previstos no n.º 3 do art.º 76.º do CIRS.
C. A liquidação que daqui resultou foi remetida aos sujeitos passivos por Ofício seguindo o formalismo de carta registada, não constando a sua devolução, antes tendo sido junta nos Autos consulta ao site CTT (entidade externa à Autoridade Tributária) na qual é possível observar que o registo com a numeração aposta mecanicamente no respetivo Ofício consta como recebido na localidade de destino.
D. A Autoridade Tributária não procedeu a qualquer alteração aos valores dos rendimentos declarados pelos próprios contribuintes - e apenas em relação ao apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos nos termos previstos no art.º 65.º do CIRS, há obrigatoriedade de notificação com carta registada com aviso de receção, por força do previsto no artigo 66.º e n.º 2 do artigo 149.º do CIRS, que assim o determina. Pelo que é antes aplicável à situação em apreço o disposto no n.º 3, do artigo 149.º do CIRS, que determina que as restantes notificações devem ser feitas por carta registada;
E. Não foi, assim, posto em causa o disposto no n.º 1 do art.º 36.º do CPPT, a que a Douta Sentença faz referência, pelo qual "os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados" - cfr. Ponto III.2 da Sentença -, muito menos o art.º 38.º do mesmo diploma.
F. Discorda-se, por este motivo, da Sentença recorrida, considerando-se que houve erro de julgamento ao concluir que seria necessário que a liquidação fosse notificada por carta registada com aviso de receção.
G. Tendo sido seguido o formalismo de notificação legalmente exigido, entende a Fazenda que ficou também provada a receção da liquidação, ou que foram seguidos os formalismos legalmente impostos para aquela notificação, e que dos elementos constantes nos Autos terá que se concluir ter a liquidação sido depositada na caixa postal correspondente ao domicílio fiscal dos contribuintes, ficando assim à sua disposição - contra o decidido.
H. Está junto nos autos cópia devidamente certificada do Ofício pelo qual foi remetida aos sujeitos passivos a demonstração de liquidação de IRS aqui em causa, com a respetiva referência para pagamento. Naquele Ofício consta impresso o respetivo n.º de registo que lhe foi atribuído - RY515...0PT e o endereço para o qual foi remetido - Rua C... 2855 144 Corroios - morada que é ainda a mesma que vem indicada pelos autores na petição inicial da Oposição. Tratando-se de notificações "em massa", ficou ainda provado que o identificado registo foi remetido pela Autoridade Tributária aos serviços postais e ali rececionado (entidade externa à Autoridade Tributária), no dia 18.11.2010, fazendo parte de um lote de registos, cujo intervalo numérico se compreendeu entre os n.ºs RY51516...PT e RY5151...6PT. Também consultado o sistema informático da Autoridade Tributária - Sistema Eletrónico de Citações e Notificações - aquele n.º de registo, consta como recebido, com data de situação de 22.11.2010, tratando-se de "DEMONSTRAÇÃO DE LIQ. - NOTA DE COBRANÇA", respeitante ao nif. 1.... Por fim, consultada a informação constante do site dos CTT (entidade externa à Autoridade Tributária) é possível verificar que ali consta como entregue exatamente aquele número de registo no dia 22.11.2010, estando indicado como local "CORROIOS", localidade correspondente à da morada.
I. Assim, entende a Fazenda que existiu erro na fixação e apreciação dos factos, por não ter ficado a constar resultar a liquidação aqui em causa de declaração anteriormente apresentada pelos contribuintes faltosos e já após constarem liquidações oficiosas em sistema para o mesmo ano e para cada um deles. Não consta também da factualidade que a liquidação em causa resultou precisamente da recolha dos elementos indicados pelos contribuintes, ou seja, agregado familiar e rendimentos.
J. Mais entende ter existido erro de julgamento de Direito quanto ao formalismo de notificação aplicável e à consequente consideração de não ter ficado provada a respetiva notificação, tendo o Tribunal "a quo", violado o disposto no art. 149.º do CIRS e art. 38.º do CPPT.

X
Os Recorridos J... e M..., devidamente notificados para o efeito, contra-alegaram expendendo:
«I - A falta de notificação do ato de liquidação tem como consequência legal a ineficácia desse ato de liquidação e como tal a inexigibilidade da dívida.
II - No caso dos autos, está em causa uma liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2007, por falta de declaração fiscal, prevista no artigo 76º, nº 1, alínea b), 2 e 3, do CIRS.
III - Trata-se, portanto de ato de liquidação decorrente da fixação administrativa unilateral da matéria coletável, sem audição prévia dos contribuintes.
IV - A liquidação oficiosa, no caso em apreço, constitui um ato que altera a situação tributária do contribuinte, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 38º, nº 1 do CPPT, pelo que está sujeita ao regime da notificação por carta registada com aviso de receção, como impõe o disposto no nº 2 do artigo 149º, conjugado com os artigos 66º, nº 1, e 65º, nº 2 e 3, todos do CIRS.
V - Dos factos provados resulta que o ato tributário do qual emerge a dívida exequenda não foi, portanto, objeto de notificação, nos termos legais, uma vez que foi enviado por carta registada sem aviso de receção, o que equivale à falta de notificação do ato de liquidação em apreço.
VI - A recorrente não comprovou, como lhe incumbia, a receção, pelos oponentes, da liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2007.
VII - Como certeiramente se considerou na sentença recorrida, “o mero dizer no sítio dos CTT, “entrega conseguida, localidade Corroios tem como significado o depósito da carta numa caixa de correio naquela localidade, não podendo constituir prova da entrega efetiva da liquidação oficiosa de IRS aos oponentes, prova esta que o legislador quis garantir com a exigência do aviso de receção no envio postal das liquidações oficiosas”
VIII - A douta sentença recorrida mostra-se inteiramente conforme ao Direito aplicável à data dos factos, não se mostrando violado, ao contrário do que alega a recorrente, o disposto no artigo 149º do CIRS e no artigo 38º do CPPT, devendo por isso manter-se, na íntegra.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.
«1. Em 31/3/2010, os oponentes apresentaram as declarações de IRS relativas aos exercícios de 2006 e 2007 (cf. declarações de IRS a fls. 51 a fls. 55 dos autos).
2. Em 8/11/2010, a Administração Tributária emitiu em nome de J... e Maria José Quelhas, a liquidação de IRS n.º 2010 50050..., relativa ao ano de 2007, com o valor a pagar de EUR 4.095,75, com a data de compensação de 11/11/2010 e data limite de pagamento de 20/12/2010 (cf. Demonstração da liquidação e compensação a fls. 39 a fls. 41 e fls. 119 todas dos autos).
3. Em 18/11/2010, a Direção Geral dos Imposto enviou aos oponentes a nota de liquidação de IRS n.º 2010 2010090, por carta postal registada com o Registo n.º RY515...0PT, sem Aviso de Receção, relativa ao ano de 2007 (cf. Impressão a fls. 60 e 78 dos autos).
4. Do sítio dos CTT “pesquisa de objetos” resulta “ENTREGA CONSEGUIDA Local CORROIOS” da carta postal com o registo RY515...0PT, em 22/11/2010 (cf. impressão a fls. 77 dos autos).
5. Em 21/12/2010, J... e Maria José Quelhas apresentaram no Serviço de Finanças do Seixal o requerimento constante a fls. 33 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido do qual consta em síntese, o seguinte:
(…)
1. Na sequência de consulta efetuada ao sito www.portaIdasfinanças.gov.pt. detectaram os contribuintes o registo dos seguintes “alertas” sobre a sua situação tributária (Docs. nº 1 a 3):
a) Em 09/12/2010: “Está por regularizar o pagamento de IRS relativo a 2006” — Estado: Incumprimento;
b) Em 20/12/2010: “Está a decorrer o prazo para pagamento de IRS relativo a 2007” — Estado: A decorrer.
2. Os contribuintes não receberam qualquer liquidação para pagamento de IRS relativo a 2006 ou a 2007, desconhecendo se foram enviadas liquidações oficiosas para pagamento de IRS relativo a 2006 ou a 2007, ou quem as recebeu.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 38º do CPPT, as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes.
4. Sendo manifesto que as liquidações oficiosas em causa alteram a situação tributária dos contribuintes, tendo já dado origem ao registo no site www.portaldasfinancas.gov.pt dos “alertas” acima referenciados, impõe-se esclarecer a quem foram entregues (quem recebeu) as notificações dessas liquidações oficiosas. // Termos em que, para completo esclarecimento da questão, requer a V. Exa. se digne mandar enviar cópia dos avisos de recepção respeitantes às notificações das liquidações oficiosas efectuadas para pagamento de IRS relativo a 2006 e a 2007, que alteram a situação tributária dos contribuintes. // (…)”
6. Em 28/12/2010, a Chefe de Finanças do Serviço de Finanças do Seixal emitiu o Edital constante a fls. 38 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido, do qual consta o seguinte:
“(...) // H..., Chefe do Serviço de Finanças Seixal 2.
Faço saber que por este Serviço de Finanças, correm éditos de trinta dias notificando J... NIF 1... e M... NIF 1... residente na Rua A...-Vale de Milhaços -2855-403 Corroios na actualmente ausente em parte incerta, do teor da fundamentação/notificação respeitante a IRS do ano 2007, bem como para o prazo de trinta dias seguintes a contar da data da afixação destes éditos, efectuar o respectivo pagamento de IRS na importância de € 4.095,75 €(quatro mil e noventa e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
Findo esse prazo sem que se mostre efectuado o pagamento proceder-se-á, nos termos do art. 88º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, à extracção de certidão de dívida para instauração do processo executivo.
Da liquidação efectuada poderá V. Exa, apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial, de harmonia com os artigos 70º e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
E para que chegue ao conhecimento de todos, se passou o presente edital e outros de igual teor, que vão ser afixados neste Serviço e noutros lugares estipulados por Lei. // (…)”.
7. Em 11/1/2011, o Serviço de Finanças do Seixal - 2 instaurou contra os oponentes o Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º 36972011010..., para cobrança da divida de IRS relativa ao ano de 2007, no valor de EUR 4.095,75, com data limite para pagamento de 20/12/2010 (cf. autuação e certidão de divida constante a fls. 1 e fls. 2 do PEF).
8. Em 27/1/2011, os oponentes enviaram à Chefe de Finanças por carta registada com aviso de receção, o requerimento constante a fls. 42 a fls. 50 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual suscitam a nulidade da notificação edital, referem que a sua residência fiscal não é nem nunca foi a referenciada nos éditos, uma vez que residem Rua C...., 2855144 Corroios e a falta de fundamentação da liquidação oficiosa de IRS.
9. Em 9/3/2011, a Chefe do Serviço do Seixal-2, no âmbito do PEF n.º 36972011010..., emitiu o “Mandato de Citação” em nome do oponente (cf. fls. 4 do PEF).
10. Em 16/3/2011, o oponente assinou o aviso de receção que acompanhou o envio postal registado do ofício de “Citação” para o PEF n.º 36972011010... (cf. ofício, registo e Ar a fls. 6 a 8 dos autos).
11. Em 16/3/2011, o oponente assinou o aviso de receção que acompanhou o envio postal registado do ofício de “Citação” para o PEF n.º 36972011010..., dirigido a oponente M... (cf. ofício, registo e Ar a fls. 6 a 8 dos autos).
12. Em 4/4/2011, o Serviço de Finanças do Seixal 2. Enviou aos ora oponentes o ofício n.º 6055 constante de fls. 61 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido, do qual consta o seguinte: // (…) // Em resposta ao V/ requerimento/pedido certidão informa-se que relativamente as liquidações de IRS dos anos de 2006 e 2007-Liq 5115020524 e 53350... resultaram de correcções efectuadas as 1a liquidações 2006 Liq nº 5110036010 e 2007 Liq nº 5110039873 (apuradas pelos serviços como contribuinte faltoso) rectificando-se apenas o estado civil e os rendimentos), e elaborado documento oficioso pelos serviços nos termos do nº3 do artº 76º CIRS, tendo por base os elementos declarados pelo sujo passivo, com excepção das deduções à colecta e benefícios fiscais.
Quando apresentadas por V. Exa. em 31/03/2010 (para 2006 e 2007) as declarações mod 3 via internet, já existiam declarações inseridas pelos serviços como contribuinte “faltoso”, pelo que as declarações não foram consideradas. Porém e visto o estado civil do contribuinte, essa 1a declaração é corrigida oficiosamente, dando origem a uma declaração em que é considerada “o estado civil de casado" e em que são incluídos os rendimentos do sujo passivo B (conforme nº3 do artº 76º CIRS).
As notificações foram efectuadas nos termos do nº3 do artº 149º CIRS (carta registada), sendo que, as notificações por edital, erradamente processadas, por não serem necessárias, foram anuladas de acordo com os imperativos legais.
Em anexo, o nº dos registos correspondentes às referidas liquidações, cópias das declarações com “erro central”, histórico das declarações entregues pelo sujo passivo via electrónica e print do sistema eletrónico de citações e notificações. // (…)”.
13. Em 4/5/2011, o Serviço de Finanças do Seixal - 2 enviou à oponente por carta postal registada, o ofício n.º 7396 com o assunto “Advertência em virtude de a citação não ter sido feita na própria pessoa.” (cf. Ofício e registo a fls. 12 do PEF).
Considera-se não provado o seguinte facto:
A - Em 22/11/2010, os Impugnantes rececionaram a carta enviada pela Administração Tributária com o Registo postal n.º RY515...0PT.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.
Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
14. Por meio de requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Seixal, em 27.01.2011, os oponentes declararam que as notificações das liquidações de IRS de 2006 e 2007 não foram efectuadas – doc. 14, junto com a p.i.
15. As liquidações emitidas pela Administração Fiscal no que respeita ao exercício de 2007/IRS dos oponentes são as seguintes:
«Imagem no original»

16. A liquidação de 08.11.2010, referida em 2., alterou os valores da declaração de IRS de 2007, de 31.03.2010, referida em 1., seja no que se refere ao rendimento global dos sujeitos passivos, seja no que se refere ao montante das deduções – acordo (artigo 33.º da p.i. e artigos 36.º e 37.º das alegações de recurso e docs. de fls. 39/41, 51/55 e 119.
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2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento em que terá incorrido a sentença, seja quanto à determinação e apreciação da matéria de facto assente (i), seja quanto à aferição do direito aplicável ao caso (ii).
2.2.2. A sentença julgou procedente a oposição, pelo que determinou a extinção da execução, com base na inexigibilidade da dívida. Aí se consignou que «a liquidação oficiosa, por falta de apresentação da declaração de rendimentos do exercício em causa, constitui um ato que altera a situação tributária do contribuinte, pelo que está sujeita ao regime da notificação por carta registada com aviso de receção (artigo 149.º/2, do CIRS). // No caso, o ato de liquidação em apreço corresponde à determinação unilateral da matéria coletável do exercício e à liquidação do imposto devido. Donde resulta que o mesmo está sujeito ao regime de notificação dos actos tributários previsto nos artigos 38.º/1, do CPPT e 149.º/2, do CIRS. // Dos factos provados resulta que o ato tributário do qual emerge a dívida exequenda não foi objeto de notificação, nos termos legais, uma vez que foi enviado por carta registada sem aviso de receção, o que equivale à falta de notificação do ato de liquidação em apreço. // A falta de notificação do acto de liquidação constitui fundamento de inexigibilidade da dívida, subsumível ao disposto na alínea i), do artigo 204.º/1, do CPPT. (…) // Ora, no que se refere à validade e à existência das notificações das liquidações, o ónus da comprovação da sua efetivação e legalidade cabe à Administração Fiscal. // A Administração Fiscal comprova a expedição, mas não comprova a receção por parte dos oponentes da respetiva liquidação oficiosa de IRS, facto essencial para o legislador quando diferencia de forma notória o formalismo exigido para a notificação de liquidações oficiosas que alteram a situação tributária do contribuinte».
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso, referido em (i), a recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, assaca-lhe erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto assente e erro na apreciação da mesma. Invoca, em síntese, que foi feita prova da efectividade da notificação em causa.
Apreciação.
Compulsados os autos, verifica-se que a recorrente junta um registo interno (fls. 120) e um registo colectivo dos CTT (fls. 119/verso). Tais elementos, só por si, não logram comprovar a efectividade da recepção pelo destinatário da notificação em causa, dado que não existem elementos nos autos que comprovem a entrada na esfera de cognoscibilidade dos oponentes da mesma. Ao invés, são vários os elementos constantes nos autos que depõem no sentido da falta de notificação da liquidação oficiosa de IRS, de 2007 em referência (n.os 5, 6, 12 e 14, do probatório e o facto não provado). A afirmação dos oponentes de que não foram notificados da liquidação em apreço, a necessidade do recurso à notificação edital da mesma, entretanto anulada e a asserção que a notificação dos n.os 3 e 4, não foi recebida pelos destinatários corroboram a falta de efectividade da notificação em exame.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
No que se reporta à alegação do erro na apreciação da matéria de facto, dado que a liquidação oficiosa não terá alterado os elementos fornecidos pelos contribuintes, cumpre referir o seguinte.
A asserção de que a liquidação oficiosa de IRS de 2010, referida no n.º 2, do probatório, foi emitida com base em declaração dos contribuintes não corresponde aos dados constantes do processo. Dos pontos 15 e 16. do probatório resulta que os serviços alteraram os elementos inscritos na declaração dos contribuintes, de 31.03.2010, seja quanto ao rendimento global tributável, seja quanto às deduções admitidas. Pelo que, através da liquidação de 08.11.2010 (n.º 2), teve-se em vista a alteração dos valores declarados pelos contribuintes, pelo que mesma não corresponde a liquidação emitida com base em declaração do contribuinte, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 38.º/3, do CPPT (1). Tal regime de notificação por carta registada simples não é aplicável ao caso.
Em face do exposto, o alegado erro na apreciação da matéria de facto não se comprova nos autos.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso, referido em (ii), a recorrente sustenta que o regime da notificação por registo simples deve ser aplicado com base no disposto no n.º 3, do artigo 149.º do CIRS, que determina que as restantes notificações devem ser feitas por carta registada». Preceito que determina que as notificações das liquidações não abrangidas pelos preceitos dos artigos 65.º e 66.º do CIRS devem ser realizadas por carta registada simples.
Apreciação. A alegação da recorrente centra-se sobre o carácter meramente rectificativo da declaração fiscal dos contribuintes da liquidação notificanda (n.os 2 a 4 do probatório), para com base em tal observação asseverar a necessidade do registo simples, como prova da efectividade da notificação.
Do probatório resultam os elementos seguintes:
«1. Em 31/3/2010, os oponentes apresentaram as declarações de IRS relativas aos exercícios de 2006 e 2007 (cf. declarações de IRS a fls. 51 a fls. 55 dos autos).
2. Em 8/11/2010, a Administração Tributária emitiu em nome de J... e Maria José Quelhas, a liquidação de IRS n.º 2010 50050..., relativa ao ano de 2007, com o valor a pagar de EUR 4.095,75, com a data de compensação de 11/11/2010 e data limite de pagamento de 20/12/2010 (cf. Demonstração da liquidação e compensação a fls. 39 a fls. 41 e fls. 119 todas dos autos).
3. Em 18/11/2010, a Direção Geral dos Imposto enviou aos oponentes a nota de liquidação de IRS n.º 2010 2010090, por carta postal registada com o Registo n.º RY515...0PT, sem Aviso de Receção, relativa ao ano de 2007 (cf. Impressão a fls. 60 e 78 dos autos).
O regime da notificação das liquidações de IRS emitidas pela DGI (Direcção Geral dos Impostos) decorria (à data) do disposto no artigo 149.º do CIRS (2). Nos termos deste preceito, as notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante (n.º 1). As notificações referidas no artigo 66.º do mesmo diploma, quando sejam efetuadas por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção (n.º 2). As demais notificações «devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil» (n.º 3).
Por seu turno, o artigo 65.º/4, do CIRS, determinava que «[a] Direcção-Geral dos Impostos procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efectuadas correcções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correcções decorrentes de divergência na qualificação dos actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto». «Os actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respectiva fundamentação» (artigo 66.º/1, do CIRS).
No caso, a liquidação efectuada corresponde a uma liquidação adicional, rectificativa da matéria colectável dos contribuintes em IRS, 2007, pelo que o seu regime é o que decorre do disposto no artigo 149.º/2, do CIRS. Dos elementos coligidos nos autos resulta que a formalidade da carta registada com aviso de recepção não foi cumprida. Com efeito, não está demonstrado que a notificação em causa foi recebida pelos oponentes. Pelo que se impõe determinar a extinção da execução com base inexigibilidade da dívida exequenda. Ao decidir no sentido referido, a sentença sob escrutínio não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e Notifique.


O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Hélia Gameiro Silva e Ana Cristina Carvalho.

(Jorge Cortês - Relator)

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(1) «As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».
(2) Entretanto revogado pelo artigo 16.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro.