Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:78/17.8BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO.
Sumário:1. A sentença de execução não enferma de nulidade por pronúncia indevida ou condenação para além do pedido, se unicamente conhece das questões colocadas e do pedido formulado pelo exequente;
2. Se a sentença de execução não se mostra conforme com o julgado anulatório, tal constitui vício de erro de julgamento, sindicável como tal pelo tribunal de recurso.
3. Na sentença de execução não podem corrigir-se erros de julgamento, nem erros materiais, do julgado anulatório.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A EXMA. SENHORA DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a acção deduzida por C.............., LDA., visando a execução da sentença proferida no processo 24/02-G – I.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«






».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«

».



Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista à Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta que emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo manter-se o julgado por não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente, os que lhe são imputados.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a dirimir, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, são estas as questões que importa decidir: (i) se a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto ao sentido, âmbito e extensão do julgado anulatório cuja execução é visada nestes autos.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:
a) A 30/07/2002 foi entregue na Repartição de Finanças da Guarda, pela aqui requerente, impugnação judicial contra os actos de liquidação de IRC, n……… e, n.º…………, relativos ao exercício de 1999 e 2000, respectivamente (cfr. PI de fls. 2 do processo 24/02G-I, e respectivo carimbo aposto);
b) A 27/02/2015 foi proferida sentença no processo n.º24G-I, onde, além do mais, se lê (cfr. sentença de fls. 327 a 341 do processo 24/02G-I, II volume):

“…
3. Fundamentação
3.1 De facto
G) Do relatório elaborado pelos serviços de inspecção tributária, mencionado na alínea anterior, destaca-se o seguinte teor:
(…)
Propostas
8.1 IRS
Com base nos fundamentos descritos no ponto 3. Deste relatório, vão-se processar os DC22 dos exercícios de 1999 e 2000, para correcção do resultado fiscal declarado, como a seguir se discrimina:


(…)
c) Lê-se da decisão proferida naquela sentença (cfr. Ponto 4. Decisão, de fls. 341 do processo 24/02G-I):

“Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação e, em consequência:
- Anula-se a liquidação de IRC do ano de 1999, na parte relativa à correcção por vendas omitidas, no montante de €358.292,14 (correspondente a 77.244.139$00), bem como, na parte em que não foi deduzido ao lucro tributável o montante de €297.685,73, mantendo-se a liquidação de IRC de 2000.”
d) A sentença foi confirmada por acórdão do TCAS, de 428 dos autos n.º24/02G-I);

e) Do relatório de inspecção, que esteve na base da liquidação impugnada, lê-se (cfr. relatório de inspecção de fls. 19 e ss. do PAT, em concreto, fls. 30):


f) A FP contestou a impugnação n.º24/02G-I, defendendo que o reporte de prejuízos de 1997 devia ser incluído na liquidação impugnada relativa a 1999, visto que prejuízos de 1998 já haviam sido considerados na liquidação impugnada, dessa forma defendendo a procedência de impugnação, quanto a essa parte (cfr. contestação, de fls. 15 dos autos n.º24/02G-I)

g) A 17/05/2002, foi emitida à impugnante, liquidação de IRC n.º………., relativa ao exercício de 1999, lendo-se da nota demonstrativa da liquidação do imposto (cfr. documento n.º1, de fls. 6 dos presentes autos):


«imagens no original»


h) A 23/01/2017 foi emitida a liquidação relativa ao exercício 1999, lendo-se da nota demonstrativa da liquidação do imposto (cfr. documento n.º2, de fls. 6 dos presentes autos):
«imagens no original»

a) A 17/05/2002 foi emitida a liquidação relativa ao exercício 2000, n.º………….., lendo-se da nota demonstrativa da liquidação do imposto (cfr. documento n.º3, de fls. 7 dos presentes autos)

«imagens no original»


Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.».

*
B.DE DIREITO

A Recorrente invoca nulidade da sentença por pronúncia indevida e condenação para além do pedido.

As causas de nulidade da sentença estão taxativamente enunciadas no art.º 615/1 do CPC e, em especial, no processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT.

Ocorre pronúncia indevida quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).

A ocorrência do vício de nulidade por pronúncia indevida prende-se com o comando do n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras(sublinhados nossos).

De acordo com o disposto na alínea e), do n.º1 do art.º 615.º do CPC, também ocorre nulidade da sentença quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Como fundamento da pronúncia indevida e condenação em objecto diverso do pedido, alega a recorrente que a sentença de execução condenou para além da causa de pedir e do pedido formulado “pela impugnante na p.i. concernente ao processo de impugnação n.º 24/02 G – I”.

Ora, é irrelevante para apreciação do vício de pronúncia indevida da sentença de execução, aquilo que a impugnante pediu e com que fundamentos o fez na P.I. do processo n.º 24/02 G – I, em que foi proferido o julgado anulatório.

Na sentença que executa o julgado anulatório, ora sob sindicância, o vício de pronúncia indevida ou de condenação indevida só pode verificar-se caso nela se conheçam de questões não compreendidas na P.I. de execução, ou quando a condenação exorbite o pedido, o que manifestamente não é o caso.

Com efeito, a exequente, ora recorrida, termina a P.I. assim: «…deve proceder o requerido e ser a Fazenda Pública… condenada à correcção das liquidações de 1999 e 2000 conforme atrás demonstrado (e declarando-se nulas quer a referida “nova” liquidação relativa ao ano de 1999 – doc.2 – quer a liquidação relativa ao ano de 2000 – doc.3), e ao pagamento do valor de 23.564,82€ apurado conforme os cálculos também atrás especificados, valor este acrescido dos juros vencidos e vincendos desde a data da obrigação de pagamento do referido valor à requerente até à data do pagamento efectivo».

Portanto, como se vê, ao anular a liquidação de IRC n.º……….., relativa ao ano de 2000 e condenar a Administração Tributária a emitir outra liquidação relativa a esse ano, a sentença não exorbitou o pedido, nem os respectivos fundamentos, que assentam na leitura que a exequente faz de que os efeitos da anulação da liquidação de 1999 se projectam necessariamente sobre a liquidação do ano seguinte de 2000.

Não ocorre, pois, nulidade da sentença por excesso de pronúncia ou condenação para além do pedido.

Por outro lado, se a sentença de execução não interpretou bem o julgado anulatório, tal não inquina a sentença de nulidade por pronúncia indevida mas sim e, eventualmente, de erro de julgamento, vício a sindicar como tal.

É o que faremos de seguida, posto que se trata de vício também invocado pela recorrente.

Consta do dispositivo da sentença recorrida:
«Nos termos supra expendidos, procede totalmente a presente acção de execução de julgados e, em consequência:
- Declara-se nula a liquidação de IRC, relativa a 1999, emitida em 26/01/2007;
- Anula-se a liquidação de IRC, relativa a 2000, n.º 8310008605;
- Condena-se a AT a emitir liquidação de IRC; relativa ao exercício de 1999, que respeite a decisão transitada em julgado, proferida no processo nº 24/02 G – I, e, nesses termos:
- Anule, no valor da matéria colectável, o valor das vendas no montante de 358.292,14 euros;
- Considere no cálculo do valor dos lucros tributáveis, o valor do reporte de prejuízos fiscais, relativos ao exercício de 1997 e 1998, no valor de 297.685,73 euros e, de 252.971,48 euros, respectivamente;
- Condena-se a AT a emitir liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2000, que respeite a decisão transitada em julgado, proferida no processo n.º 24/02 G – I, e nesses termos, considere no cálculo do valor dos lucros tributáveis, o valor do reporte de prejuízos fiscais que sobrevier da emissão da liquidação relativa ao ano de 1999».

Antes, na respectiva fundamentação jurídica, pode ler-se na sentença de execução:
- «Alega ainda o impugnante que as correcções à matéria tributável do ano de 1999 totalizam o montante de €226.313,30, no entanto, na liquidação a matéria colectável corrigida é de € 569.038,00.
Sobre esta questão a Fazenda Pública, na sua contestação, refere que tal divergência se deve à falta de reporte, na liquidação, dos prejuízos do exercício de 1997, concluindo que assiste razão à impugnante nesta parte, devendo ser considerada a dedução ao lucro tributável do montante de €297.685,73.
Verifica-se, assim, que em relação a esta questão não existe discórdia entre as partes, devendo, em consequência, a liquidação de 1999 ser anulada na parte em que não foi deduzido ao lucro tributável o montante de €297.685,73» (sublinhado nosso).


Entende a recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento no segmento em que mandou atender no cálculo dos lucros tributáveis de 1999 ao valor do reporte de prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1998, no valor de 252.971, 48 euros.

E tem razão. De facto, do dispositivo do julgado anulatório proferido no processo n.º 24/02 G – I (e confirmado por acórdão deste TCA de 29/06/2016), consta:
- «Anula-se a liquidação de IRC do ano de 1999, na parte relativa à correcção por vendas omitidas no montante de € 358.292,14 (correspondente a 77.244.139$00), bem como, na parte em que não foi deduzido ao lucro tributável o montante de € 297.685,73, mantendo-se a liquidação de IRC de 2000».

Integrando a leitura do julgado anulatório com o que se deixou consignado no art.º 14.ºda contestação ali apresentada pela Fazenda Pública (consta a fls.100 do proc.º 24/02 G – I, vol. I), nesta parte sem controvérsia factual, resulta evidenciado o erro em que incorreu a sentença de execução. Na verdade, pode ler-se naquele artigo da contestação: «No tocante ao erro apontado nos pontos 52 a 54 da p.i., onde se alega que as correcções efectuadas à matéria tributável do exercício de 1999 foram de 226.313,30€ e que na liquidação o valor corrigido evidenciado é de 569.038,00€, não se trata de erro na transferência de valores, mas na falta de reporte, na liquidação, dos prejuízos de 1997, no valor de € 297.685,73 (foi apenas considerado o reporte de prejuízos de 1998, da importância de € 252.971,48), como bem esclarecido a fls.30 do processo administrativo anexo».

Assim, contrariamente ao decidido, não há que considerar na liquidação de 1999 o reporte de prejuízos de 1998, pois estes já foram relevados naquela liquidação.
A sentença não pode manter-se na ordem jurídica quanto a esse particular segmento condenatório, sendo de revogar parcialmente e conceder provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar parcialmente a sentença recorrida no segmento em que condenou a AT a deduzir no lucro tributável de 1999, o valor do reporte de prejuízos fiscais, relativos ao exercício de 1998, no montante de 252.971,48 euros.

Custas a cargo da Recorrida.


Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes