Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:37/22.9BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:LINA COSTA
Descritores:PROVIDÊNCIA
SUSPENSÃO
PENA DISCIPLINAR MILITAR
LEI Nº 34/2007, DE 13 DE AGOSTO
Sumário:I - Ao abrigo do disposto no artigo 3º da Lei nº 34/2007 de 13 de Agosto, o requisito do periculum in mora nas providências cautelares de suspensão de eficácia de actos de aplicação de penas disciplinares em matéria de disciplina militar implica a verificação do receio fundado de constituição de uma situação de facto consumado;
II - Já o fumus boni iuris resume-se a aferir se é evidente a procedência da pretensão a deduzir na acção principal por o acto suspendendo ser manifestamente ilegal ou aplicar norma anteriormente anulada ou consistir em acto materialmente idêntico a outro anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente - o que corresponde à revogada alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, que previa este requisito na sua intensidade máxima;
III - Por serem de verificação cumulativa, o não preenchimento de um dos critérios de decisão das providências cautelares de suspensão de eficácia de actos de aplicação de penas disciplinares em matéria de disciplina militar, obsta ao respectivo decretamento, tornando inútil averiguar do preenchimento dos demais, no caso, do periculum in mora e do de ponderação dos interesses públicos e privados em presença previsto no nº 2 do artigo 120º do CPTA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

T…, m.i. nos autos, veio, previamente à instauração da acção principal, requerer providência cautelar contra a Força Aérea Portuguesa de suspensão de eficácia da decisão de Sua Excelência, o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, de 5 de Novembro de 2021, que o puniu com a pena disciplinar de “cessação compulsiva do regime de contrato”, determinando a sua reintegração no serviço que desempenhava na Força Aérea.
Para o que alegou, em síntese, que:
- Estando em causa a aplicação de uma pena disciplinar, para além dos critérios de decisão previstos no artigo 120º do CPTA é aplicável o disposto no artigo 3º da Lei nº 34/2007, de 13 de Agosto;
- O acto suspendendo é nulo por violação das suas garantias de audiência e de defesa na acusação, por omissão das normas que qualificam juridicamente os factos que lhe foram imputados e da pena aplicável, bem como da identificação do equipamento usado para realizar os testes de alcoolemia que realizou;
- Por configurar decisão surpresa, em violação do princípio do contraditório, ao não considerar como circunstância atenuante a confissão, tal como consta da acusação, e constar, pela primeira vez, que com a prática dos factos que lhe foram imputados terá gerado uma “quebra irremediável da confiança institucional, incompatível com a sua permanência na Força Aérea;
- Por aplicar o disposto na alínea d) do nº 3 do Despacho nº 31/2009 do CEMFA, que estipula que o pessoal que desempenhe na Força Aérea a função de condução de viaturas deve apresentar um valor zero de taxa de alcoolemia, e que, tal como resulta do acórdão do TRL que indica, é inválida por restringir de forma desproporcionada o seu direito à reserva da vida privada, e ainda por o despacho carecer de norma habilitante e a matéria em causa não poder ser subtraída à reserva de lei v. o artigo 165º, nº 1, alínea b) da CRP;
- Por violação do princípio da igualdade, por a Entidade requerida tratar de forma desigual os militares contratados em relação aos militares dos quadros permanentes, pois não consta que haja um único destes militares que tenha sido alvo de uma decisão disciplinar expulsiva (reforma compulsiva ou separação do serviço) por ter estado sob o efeito de bebidas alcoólicas
- Discorda de que lhe tenha sido assacada a violação dos deveres de responsabilidade e de correcção, previstos nos artigos 19º e 23º do RDM, por não se verificarem os respectivos pressupostos no seu caso, pelo que o acto suspendendo deverá ser objecto de anulação por padecer do vício de violação de lei;
- Encontra-se assim verificado o requisito do fumus boni iuris;
- Quanto ao periculum in mora, o artigo 3º da Lei nº 34/2007, de 13 de Agosto exige que seja demonstrado o fundado receio de uma situação de facto consumado;
- Tinha como única fonte de rendimento a remuneração paga pela Entidade requerida, no valor mensal ilíquido de €1 072,88, e líquido de €776,76, encontra-se a pagar a prestação mensal de €235,85 de um mútuo para aquisição de um veículo automóvel e, por residir aos fins-de-semana na casa da mãe, comparticipa nas despesas de electricidade, gás, água, comunicações e alimentação, num valor mensal de aproximadamente €150,00, tem ainda despesas fixas, como sejam, as mensalidades do telemóvel e serviço de internet, de valor aproximado de €30,00, sendo que no ano de 2021 despendeu o valor de €3 939,19 em despesas gerais e familiares;
- A execução do acto suspendendo teve como efeito imediato a perda do direito de acesso ao subsistema de saúde Assistência na Doença dos Militares;
- E impede-o de concorrer em qualquer concurso de ingresso no quadro permanente, quer das Forças Armadas quer da GNR, mormente o aberto pelo Aviso nº 22490/2021 [DR, 2ª Série, de 30.11.2021];
- Na ponderação dos interesses em presença, salienta que após ter sido notificado do acto suspendendo, em 2.12.2021, e até à sua desvinculação, em 17.12.2021, continuou a desempenhar normalmente as suas funções, integrando, inclusive, a escala de “condutor do dia”, significando que, afinal, para a Entidade requerida os prejuízos para o interesse público pela sua continuidade em funções, não foram assim tão significativos, não vislumbrando que se continuar ao serviço se gere um sentimento de indisciplina no seio das Forças Armadas.
Indicou 1 testemunha, juntou documentos e requereu que a Entidade requerida juntasse aos autos os documentos que indica.

Citada para o efeito, a Entidade requerida deduziu oposição, pugnando pelo não decretamento da providência requerida, porquanto e em síntese:
- Aceita o alegado nos pontos 1 a 9 do requerimento inicial, a partir do ponto 10. os documentos indicados não estão correctos, por exemplo, o que chama de relatório final é o Despacho do CEMFA, de 5.11.2021, pelo que os impugna;
- O processo disciplinar em referência nos autos tem como arguidos não só o Requerente, mas outros militares que, naquele dia, estiveram envolvidos em ocorrências/condutas passíveis de procedimento disciplinar, praticadas ao arrepio dos Planos de Contingência de combate à pandemia Covid-19;
- As Forças Armadas são compostas por homens e mulheres que voluntariamente nelas ingressaram mediante contrato, tendo o serviço militar obrigatório terminado em 19.11.2004;
- Não está verificado o fumus boni iuris exigido no artigo 3º da Lei nº 34/2007, o Requerente foi notificado da instauração do processo disciplinar e da acusação, onde contam os factos que lhe foram imputados, as circunstâncias de tempo, modo e lugar, bem como os deveres militares e normas infringidas, da culpa imputada e prazo para apresentar defesa, o que não fez;
- A confissão de que se tinha embriagado nunca poderia ter relevância para a descoberta da verdade, pois a sua embriaguez era notória;
- É despropositada e sem sentido conclusivo a alegação de que na acusação não foi indicado que os factos que lhe foram imputados terão gerado uma quebra irremediável de confiança institucional, incompatível com a sua permanência na Força Aérea;
- A fls. 14 e 23 do processo disciplinar e no que respeita ao teste efectuado pelo Requerente está indicado o modelo, número de série e a última verificação do aparelho, documento que o mesmo assinou;
- Na alínea d) do nº 3 do Despacho nº 31/2009, do CEMFA, determina-se que o pessoal que conduz viaturas deve apresentar taxa de álcool no sangue negativa, isto é, de valor zero, de qualquer forma e perante qualquer legislação, os valores de álcool que o Requerente apresentou sempre o impediriam de conduzir viaturas, implicarem matéria criminal por estarem muito acima do permitido na lei;
- No ponto 57. alega que não estava sob o efeito de bebidas alcoólicas, mas no 61 diz que confessou estar;
- Quando se candidatou à Força Aérea o Requerente assinou um documento onde se pode ler “1. Compromisso. Deve ter consciência que ao entrar para a Força Aérea vai encontrar uma vida de disciplina com exigências diferentes das quais vigoram na vida civil. Algumas vezes as exigências do serviço têm prioridade sobre as necessidades pessoais, podendo, por exemplo, ser nomeado para cumprir uma missão, a qualquer hora do dia ou da noite, 24 horas por dia, e onde a Força Aérea considerar necessário.” E ainda: “5. Álcool. A embriaguez é, perante o regulamento de disciplina militar, um ato grave de indisciplina que as Forças Armadas encaram com muito rigor. Aqueles que, de forma continuada, incorram nesta situação, podem ser punidos e afastados compulsivamente. Se a situação de embriaguez se verificar em serviço constitui crime estritamente militar.”, pelo que o Requerente tinha plena consciência de que o seu comportamento não era admissível num membro das Forças Armadas”;
- Quanto ao periculum in mora qualquer prejuízo que possa advir para o Requerente foi única e exclusivamente da sua responsabilidade.
Junta processo administrativo instrutor [doravante designado por p.a.].

Foi emitido parecer pela Assessoria Militar, ao abrigo do disposto no artigo 4º, nº 2, alínea b) e nº 3, da Lei nº 79/2009, de 13 de Agosto, no sentido do indeferimento da providência requerida.

Notificado do parecer da Assessoria Militar, o Requerente pronunciou-se, requerendo o seu desentranhamento.

Na sequência de despacho, o Requerente e a Entidade requerida vieram juntar aos autos documentos, não indicado e de junção protestada pelo primeiro, e na posse da segunda.

Foram indeferidos os requerimentos de prova testemunhal e de desentranhamento do parecer da Assessoria Militar, do Requerente.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), vem o mesmo à Conferência para julgamento.

O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de vícios que o invalidem na sua totalidade.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas em juízo.
Inexistem excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
Fixamos o valor da causa em €30 000,01.

Com interesse para a decisão a proferir, mostram-se indiciariamente assentes os seguintes factos, cuja motivação será efectuada por remissão para os documentos juntos com o requerimento inicial (r.i.), os constantes do p.a. e apresentados pela Entidade requerida e Requerente, que aqui se dão, desde já, por integralmente reproduzidos, e no acordo das partes (expresso ou por falta de impugnação):

1. O “DESPACHO Nº 31/2009”, de 29 de Junho, do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, tem por “Assunto: FIXAÇÃO DOS VALORES MÁXIMOS DE ÁLCOOL NO SANGUE NA FORÇA AÉREA e o seguinte teor:
«Considerando que o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) e o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (EDTEFP) tipificam, respectivamente, como infracção disciplinar o facto de um militar ou de um trabalhador civil se encontrar incapacitado para cumprir as suas obrigações dc serviço com zelo e diligência em virtude de se ter embriagado (artigo 4.º, n.º 11, do RDM e artigo 17.º, n.º 1, alínea b) do EDTEFP);
Atendendo que existe vasta jurisprudência que considera a ordem de submeter um trabalhador a testes de álcool no sangue, legítima e a recusa no cumprimento dessa ordem, violação do dever de obediência:
Reconhecendo-se que o consumo de álcool pode determinar a perda da aptidão física e intelectual dos militares e trabalhadores civis para o exercício das suas funções;
Importa fixar os valores máximos de álcool no sangue, a partir dos quais será considerado existir afectação do vigor ou aptidão física ou intelectual, no caso dos militares, e embriaguez, no caso dos trabalhadores civis, para o exercício das respectivas funções.
Assim, ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do artigo 8.° da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (Lei nº 111/91, de 29 de Agosto), determino o seguinte:
1. A prestação de serviço sob a influência do álcool por militares e trabalhadores que exercem funções públicas na Força Aérea, bem como a sua recusa à sujeição ao controlo de álcool no sangue ou toxieologia, constituem infracções disciplinares sujeitas ao procedimento correspondente.
2. Ao pessoal navegante é proibida a ingestão de bebidas alcoólicas nas 12 horas que antecedem o voo.
3. Deve apresentar taxa de álcool no sangue negativa, isto é, de valor zero, o pessoal que, pela natureza do seu serviço regular ou por estar escalado para constituir grupo de serviço, desempenhe as seguintes funções:
(…)
d. Condução de viaturas;
(…).
4. Fora das circunstâncias descritas no ponto anterior, o pessoal não deve apresentar taxa de álcool no sangue superior a 0,5 g/I.
5. Sempre que o resultado do controlo de álcool no sangue seja igual ou superior ao disposto nos números 2.. 3. ou 4., o militar ou trabalhador civil é considerado sob a influência do álcool e declarado pela sua chefia directa inapto para o serviço, enquanto apresentar valores superiores ao permitido.
6. O controlo de álcool no sangue é efectuado nas seguintes situações:
(…)
b. Indícios de consumo de álcool ou de estupefacientes e psicotrópicos:
(…)
d. Anterior controlo de álcool no sangue ou toxicologia positivo;
7. A aferição de álcool no sangue é feita mediante testes de sopro, que indicam a percentagem de álcool no ar expirado.
8. Os alcoolímetros utilizados devem encontrar-se conformes à lei em vigor, devendo permitir a emissão de documento comprovativo do resultado obtido.
9. Quando, após três tentativas sucessivas, o militar ou trabalhador civil examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele leste, é realizada análise sanguínea.
10. Deve ser facultada ao militar ou trabalhador civil analisado com teste de sopro e que apresente valores superiores aos permitidos nos pontos 2, 3 e 4, a possibilidade de fazer contraprova, através dos seguintes meios:
a. Novo teste de sopro, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos; c/ou
b. Análise sanguínea.
11. Quando não pretenda exercer o direito conferido no n.° 10.b., o militar ou trabalhador civil deve assinar a declararão cujo modelo é aprovado em anexo.
12. A colheita de sangue referida nos números anteriores é realizada no mais curto prazo possi\el. no Hospital da Força Aérea, se possível, ou nos estabelecimentos da rede pública de saúde.» [cfr. de fls. não numeradas da terceira parte do p.a., mas correspondentes à fl. 647 a 652 (211 a 214 do documento) do SITAF];

2. A declaração aprovada em anexo ao despacho que antecede, é a seguinte:

«DECLARAÇÃO
O/A ______________(identificação do militar ou trabalhador civil), declara ter electuado um leste de aferição dc álcool no sangue mediante sopro, no dia __________(dia/mês/ano), às horas, com o resultado ____, que aceita como válido, abdicando da possibilidade de fazer contraprova através de análise sanguínea.
Assinatura do/a Declarante». [idem];

3. No dia 17.10.2019, no inicio das provas de selecção para alistamento na Força Aérea Portuguesa, o Requerente assinou o seguinte documento:
«1. Compromisso. Deve ter consciência que ao entrar para a Força Aérea vai encontrar uma vida de disciplina com exigências diferentes das quais vigoram na vida civil. Algumas vezes as exigências do serviço têm prioridade sobre as necessidades pessoais, podendo, por exemplo, ser nomeado para cumprir uma missão, a qualquer hora do dia ou da noite, 24 horas por dia, e onde a Força Aérea considerar necessário.
2. Disciplina. Há condutas que, não constituindo ilícito criminal na sociedade civil, podem ser ilícito disciplinar nas Forças Armadas. Por exemplo, pode ser punido disciplinarmente por desobedecer a uma ordem, chegar atrasado ou ausentar-se do serviço sem a devida autorização.
3. Integridade. Qualquer ato de má fé é encarado seriamente nas Forças Armadas, mais do que na sociedade civil. Por exemplo, qualquer tipo de desonestidade é inaceitável visto que pode afetar a moral, a confiança e coesão.
4. Teste obrigatório para deteção de drogas. Não é permitida a utilização de quaisquer tipo de drogas. Em qualquer momento poderá ser exigida a recolha de amostra de urina, no âmbito do programa de “Prevenção e Deteção do Consumo de Drogas". Este programa destina-se a identificar o pessoal que consome drogas por razões não médicas. A ocorrência de teste positivo confirmado ou a recusa em permitir a recolha dc amostra apropriada para a realização do teste constituem matéria para procedimento disciplinar e daí pode resultar o afastamento compulsivo do serviço.
5. Álcool. A embriaguês é, perante o regulamento de disciplina militar, um ato grave de indisciplina que as Forças Armadas encaram com muito rigor. Aqueles que, de forma continuada, incorram nesta situação, podem ser punidos e afastados compulsivamente. Se a situação de embriaguês se verificar em serviço constitui crime estritamente militar.
6. Normas de comportamento. No ambiente de serviço, onde homens e mulheres convivem em estreita relação, não é permitida nenhuma forma de discriminação/assédio sexual ou racial de qualquer natureza ou ofensa à dignidade e respeitabilidade que se exige na relação entre Militares. Os infratores ficam sujeitos a sanções disciplinares.
7. Praxe. Práticas de praxe não são toleradas, sendo os responsáveis por tais actos objeto de severas sanções disciplinares.
Se, por qualquer razão, considerar que lhe vai ser difícil cumprir com as normas estabelecidas, deverá ponderar de novo se deseja oferecer-se como Voluntário para a Força Aérea.» [cfr. de fls. não numeradas da terceira parte do p.a., mas correspondentes à fl. 645 (209 do documento) do SITAF];

4. O Requerente era militar da Força Aérea, com o posto de Primeiro-Cabo, com a especialidade de mecânico de Material Terrestre, em regime de contrato, desde 11.11.2019, e desempenhava as funções de auxiliar de manutenção auto, na Esquadra de Manutenção na Base Aérea nº 6, no Montijo [por acordo e Nota de Assentos de 19.4.2021, de fls. 55 a 56v do p.a.];

5. Do “PLANO Nº 01/BA6/2020 // PLANO DE CONTINGÊNCIA PARA PREVENÇÃO CONTROLO E VIGILÂNCIA DA COVID-19 NA BASE AÉREA Nº 6” “Alteração nº 4// 28OUT2020” determina designadamente o seguinte:
«(…)
2. Âmbito. Este plano aplica-se a todos os militares e funcionários civis da BA6, (…).
(…)
6. Medidas de prevenção gerais
a. Todas as actividades “Não prioritárias” devem ser canceladas, incluindo, entre outras, formaturas, eventos de carácter militar (…), eventos sociais ou recretativos e actividades desportivas;
(…)
k. Os clubes de oficiais, sargentos, praças e civis mantêm-se abertos apenas para aquisição e consumo de produtos, mas não como locais de convívio. (…). A permanência dos utentes nestes locais deve restringir-se ao mínimo período possível;
(…).» [cfr. de fls. 59, 62 e 62v do p.a.];

6. No dia 13.4.2021 o Requerente esteve em convívio com outros militares e ingeriu álcool em excesso, conforme resulta das declarações que prestou, designadamente: “(…)”, “(…) no Clube de Praças esteve com 2SAR/MARME D…, 1CAB/MARME A…, 1CAB/CAUT J…, 1CAB/MARME J…, 1CAB/OPINF J… e 1CAB/MMA E…”, “(…) na zona da cafetaria, no balcão em convívio enquanto bebiam cervejas”, “(…) tem ideia de que cerca das 23h00, à hora do fecho do Clube de Praças, já se encontrava embriagado (…)”, “(…), cerca das 23H00 o Clube tinha que ser encerrado, e dirigiram-se para os respetivos alojamentos; “,”(…), foram para a escadaria do alojamento e nesse momento estavam a decidir para onde iam de seguida;”, “(…) somente o próprio e o 1CAB/MARME A…, optaram por se dirigir para a ESQ501;”, “(…)”, “(…), o objetivo era beber umas cervejas no Bar Manutenção da ESQ501; “(…)”, “(…) como não estava ninguém na ESQ501, decidiram que o melhor seria dirigirem-se para a Esquadra de Aeródromo, nomeadamente no Bar dos OPSAS; “(…)”, “(…) esteve a conversar e a beber cerveja;”, “(…), não se recorda da hora de saída, mas tem ideia de que os militares de serviço precisavam de descansar e por isso saíram do local;”, “(…), tinham fome e decidiram ir ao exterior da Unidade, ao Montijo comer;”, “(…)”, “(…), estavam fardados e claramente embriagados, mas optaram por seguir;”, “(…)”, “(…), no Montijo viraram num sentido proibido;”, “(…), apareceu um carro da Polícia de Segurança Pública (PSP)”, “(…), os agentes os questionaram o que é que estavam ali a fazer (…) se tinham ingerido bebidas alcoólicas;”, “o 1CAB/MARME A… respondeu que sim;”, “(…), o agente da PSP o questionou se estava em condições de conduzir a viatura, ao que respondeu que não;”, “(…), o agente se disponibilizou para conduzir a viatura até ao G… & G…;”, “(…) os conduziu até à rotunda, à entrada da Unidade;”, “(…), o 1CAB/MARME A… conduziu até à Porta de Armas;”, “(…), na Porta de Armas foi confrontado pelo Graduado de Serviço ao Centro Coordenador de Segurança e Defesa (GSCCSD), o SAJ/PA J…;” [cfr. teor do respectivo Auto de Declarações do Arguido, de 26.4.2021, de fls. 131 a 133 do p.a.];

7. No dia 14.4.2021, pelas 3h28m o Requerente foi submetido a teste de álcool, pelo equipamento “Lion Alcolmeter 700 // Número de Série: 90479 // Última Verf de Calibração: 10:53 – 17/07/2020”, com o “Resultado: 2.02Promille W/V”, e assinou o documento comprovativo do resultado obtido [cfr. de fls. 14 e 32verso do p.a.];

8. E assinou a declaração anexa ao DESPACHO Nº 31/2009”, de 29 de Junho, declarando ter efectuado o teste que antecede, aceitando-o como válido e abdicando da possibilidade de fazer contraprova através de análise sanguínea [cfr. de fls. 13, 32 do p.a.];

9. No mesmo dia 14, pelas 9h25m o Requerente foi submetido a teste de álcool, pelo equipamento “Lion Alcolmeter 700 // Número de Série: 90479 // Última Verf de Calibração: 10:53 – 17/07/2020”, com o “Resultado: 0.80Promille W/V”, e assinou o documento comprovativo do resultado obtido [cfr. de fls. 23 do p.a.];

10. E assinou a declaração anexa ao DESPACHO Nº 31/2009”, de 29 de Junho, declarando ter efectuado o teste que antecede, aceitando-o como válido e abdicando da possibilidade de fazer contraprova através de análise sanguínea [cfr. de fls. 28 do p.a.];

11. No dia 14.4.2021 o Requerente constava na Escala de CSAO (Condutor de Serviço à Área de Operações) [cfr. de fls. 154 do p.a.];

12. Por indisponibilidade do Requerente para realizar o referido serviço no dia 14.4.2021 “avançou o Reserva, SOLD/CMV/14851-J Tiago Lima” [idem];

13. A 20.7.2021, nos termos do artigo 98º do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), o Oficial Instrutor do processo disciplinar nº 15/DISC/21 – mandado instaurar por despacho de 19.4.2021 do Comandante da Base Aérea nº6 - formulou a seguinte Acusação contra o Requerente:
«I - DO ARGUIDO
1. O Arguido é militar desde 11 de novembro de 2019.
2. Detém o posto de Primeiro-Cabo, desde 14 de dezembro de 2020, com a especialidade de Mecânico de Material Terrestre, em regime de contrato;
3. O Arguido está colocado na Base Aérea n.° 6, em Montijo, desde 16 de novembro de 2020, onde desempenha funções de Auxiliar Manutenção Auto, na Esquadra de Manutenção Base.

II - DOS FACTOS IMPUTADOS AO ARGUIDO
E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DE TEMPO, MODO E LUGAR-
4. O Arguido, na noite de 13ABR21, esteve envolvido num convívio no Clube de Praças, onde estiveram presentes os: 2SAR/MARME D…, 1CAB/MMA E…, 1CAB/MARME A…, 1CAB/CAUT J…, 1CAB/MARME J…, 1CAB/OPINF J….
5. O Arguido consumiu bebidas de teor alcoólico em excesso;
6. O Arguido e os restantes militares presentes no Clube de Praças foram advertidos pelo Graduado de Serviço ao Centro Coordenador de Segurança e Defesa (GSCCSD) que se deslocassem para os respetivos alojamentos;
7. Após o convívio, o Arguido e outros militares presentes no Clube de Praças dirigiram-se para o Alojamento de Praças masculino, na Camarata D;
8. Cerca das 23H35, o Arguido encontrava-se junto à porta de acesso da Camarata D e voltou a ser advertido pelo GSCCSD para desmobilização do local, bem como términus do ruído;
9. O Arguido saiu da Unidade com o 1CAB/MARME A…, fardados com Uniforme de Campanha;
10. Fora da Unidade 1CAB/MARME A… foi advertido pela Polícia de Segurança Pública (PSP) que não devia conduzir alcoolizado;
11. O Agente da PSP conduziu a viatura do 1CAB/MARME A… Peugeot 206, matrícula 70-…-… até à entrada da Porta de Armas;
12. O GSCCSD solicitou o parqueamento da viatura e submeteu o Arguido a teste de alcoolemia às 03H28 do dia 14 de abril de 2021 acusando 2,02g/ls;
13. O Arguido foi transportado em viatura militar, para a Camarata D, ficando a viatura do 1CAB/MARME A… parqueada no estacionamento junto à na Porta de Armas;
14. O GSCCSD solicitou a presença do Arguido no dia 14 de abril de 2021 pelas 09H00 na Esquadra de Proteção e Segurança, a fim de ser submetido novamente a teste de alcoolémia, o qual obteve o resultado de 0,80g/ls;
15. No dia 14 de abril de 2021 o Arguido estava nomeado para Serviço de Escala (Condutor de Serviço à Área de Operações (CSAO)) H24;
16. Por se encontrar embriagado à hora de apresentação ao serviço, foi considerado inapto para o mesmo e encaminhado para o respetivo alojamento;
17. O Arguido não se apresentou ao serviço por estar alcoolizado;
III - DOS DEVERES MILITARES E AS NORMAS INFRINGIDOS
18. Com a sua conduta, o Arguido não cumpriu os deveres gerais, previstos no n.º 1 do artigo 11.º
do RDM, por não pautar a sua conduta pelos princípios da ética e da honra militar, assim como não cumpriu com o previsto:
a. No Plano n.° 01/BA6/2020 - Alteração N.° 4 de 28OUT20 (Plano de Contingência para a Prevenção, Controlo e Vigilância da Covid-19 na Base Aérea N.° 6), em vigor à data da ocorrência, ou seja, a 13ABR21, que determina, na sua alínea a. e k do ponto 6. que “todas as atividades “não prioritárias” devem ser canceladas, incluindo, entre outras, (...), eventos sociais ou recreativos (...)” e nunca solicitaram autorização superior para a realização do convívio e “Os Clubes de (...) praças (...) mantêm-se abertos apenas para aquisição e consumo de produtos, mas não como local de convívio”, respetivamente;
c. Na alínea d) do n.° 3 do Despacho n.° 31/2009 do CEMFA (Fixação de valores máximos de álcool no sangue na Força Aérea), deve apresentar taxa de álcool no sangue negativa, isto é, de valor zero, o pessoal que pela natureza do seu serviço regular ou por estar escalado para constituir grupo de serviço, desempenhe a seguinte função: Condução de viaturas.
19. Com a sua conduta, o Arguido não cumpriu os deveres especiais, previstos no n.° 2 do artigo 11º do RDM, a saber:
a. Dever de obediência que incumbe aos militares, nos termos do n.° 1, do artigo 12.° do RDM, porquanto o Arguido violou as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, assim como o preceituado no Plano n.° 01/BA6/2020 - Alteração N.° 4 de 28OUT20, por não cumprir com as instruções do Comandante da Base Aérea n,° 6.
c. Dever de disponibilidade que incumbe aos militares, nos termos do n.° 1 e alínea e) do n.° 2 do artigo 14.º do RDM, conservar-se pronto e apto, física e intelectualmente, para o serviço, nomeadamente abstendo-se do consumo de excessivo de álcool, bem sabendo que no dia seguinte se encontraria de serviço de escala H24;
d. Dever de zelo que incumbe aos militares, nos termos do n.° 1 do artigo 17.º do RDM, que impõe aos militares a dedicação integral e permanente ao serviço, no conhecimento das leis e regulamentos e instruções aplicáveis;
e. Dever de responsabilidade que incumbe aos militares, nos termos do n.° 1 do artigo 19.º do RDM, pois a sua conduta colocou em risco as medidas de restrição do contágio e propagação do vírus Covid-19, designadamente pela redução ao mínimo indispensável do contacto entre pessoas, tal como definido pelo Governo da República em pleno estado de emergência e regulamentado posteriormente pela Força Aérea, Comando Aéreo e Base Aérea n.° 6, assim como, se ter permito consumir bebidas de teor alcoólico, colocando-se em situação de inaptidão, não assumindo uma postura e uma conduta ética que respeitassem integralmente o conteúdo dos deveres militares e das normas superiormente dimanadas, mormente o estatuído no Despacho n.° 31/2009 do CEMFA, de 29 de junho.
f. Dever de correção que incumbe aos militares, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 23.º do RDM, pela conduta irresponsável e violadora da postura ética, da correção e brio que exigem de todos os militares e, no que diz respeito às práticas de condução.
20. Donde, o Arguido praticou factos típicos e ilícitos.
IV - DA CULPA DO ARGUIDO
21. O Arguido agiu com dolo, na sua forma mais grave, o dolo direto, pois sendo os seus atos censuráveis e tendo consciência da sua ilicitude, atuou com intenção de realizar uma conduta que era proibida pelas leis e regulamentos militares. Uma vez que, apesar de ter conhecimento da existência do Plano, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, nomeadamente tomar todas as precauções necessárias para evitar o convívio.
22. No quadro da apreciação disciplinar do Arguido, resultante dos factos acima referenciados, são consideradas circunstâncias agravantes, nomeadamente as previstas, na alínea a) do n.° 1 do artigo 40.º do RDM, nomeadamente a prática da infração (...) em estado (...) de emergência.
23. No quadro da mesma apreciação disciplinar do Arguido, resultante dos factos acima referenciados são consideradas circunstâncias atenuantes, designadamente as previstas na alínea c) do artigo 41.° do RDM, nomeadamente, a confissão espontânea dos factos.
24. No quadro de apreciação disciplinar do Arguido resultante dos factos acima referenciados não se verifica a existência de circunstâncias dirimentes, nomeadamente as previstas no artigo 43.° do RDM.
V - DA ENTREGA DA DEFESA
25. Nos termos do n.° 1 do artigo 99.º do RDM, o Arguido dispõe do prazo de 10 (dez) dias úteis, contados a partir da data abaixo indicada, para apresentar a sua defesa por escrito, podendo dizer ou requerer o que tiver por conveniente para a mesma e indicar quaisquer meios de prova, tendo o direito ainda de escolher defensor ou constituir Advogado.
26.A defesa do Arguido deve ser entregue no Gabinete de Justiça da BA6 no horário de expediente.
27. O Arguido pode igualmente enviar a sua defesa por correio para a seguinte morada: (…)» [cfr. de fls. 198 a 201 do p.a.];

14. Em 22.7.2021 foi entregue um exemplar da acusação que antecede ao Requerente, que o recebeu e assinou [idem];

15. O Requerente não apresentou defesa à acusação [por acordo];

16. Em 12.8.2021, o Oficial Instrutor do processo, nos termos do artigo 104º do RDM, elaborou “RELATÓRIO E CONCLUSÕES”, considerando provados todos os factos elencados na acusação disciplinar, qualificando esses factos provados como infracção disciplinar por violação dos deveres indicados na acusação, emitindo parecer sobre a culpa do arguido nos mesmos termos da acusação, referindo que o arguido não apresentou defesa e concluindo:

«V-CONCLUSÕES
11. Analisados os autos e factos dados como provados e não provados, conclui-se que o Arguido praticou factos ilícitos e típicos, cujo grau se considera muito grave, pois ao não cumprir com o estipulado superiormente, colocou em causa não só a sua saúde, como também a dos restantes intervenientes do dito convívio, uma vez que não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, e que violou deveres a que, pela sua condição de militar se encontra adstrito;
12. Por se encontrar embriagado à hora de apresentação ao serviço, colocou-se em situação de inaptidão, não assumindo uma postura e uma conduta ética que respeitassem integralmente o conteúdo dos deveres militares e das normas superiormente dimanadas, mormente o estatuído no Despacho n.º 31/2009 do CEMFA, de 29 de junho.
IX- PARECER SOBRE A MEDIDA DA PENA
13. Na escolha da pena a aplicar e na medida desta, deve ainda ser considerado o seguinte, nos termos do art. 39.º do RDM:
a. O grau de ilicitude dos factos cometidos é elevado, considerando os deveres militares violados
b. O grau de culpa do Arguido é elevado, considerando que os factos foram cometidos a título doloso.
c. O Arguido é Primeiro-Cabo em Regime de contrato, foi incorporado em 11NOV2019 e presta serviço na especialidade de Mecânico de Material Terrestre, Base Aérea n.° 6, desde 16NOV2020;
14. O Arguido confessou espontaneamente os factos que contribuíram para a descoberta da verdade, assumindo a execução do ato ilícito e mostrando arrependimento.
15. O Arguido não apresenta, até à data, nenhum antecedente disciplinar ou criminal.
16.Ao Oficial Instrutor parece, este comportamento não deve passar incólume, uma vez que foram violados deveres que, apesar da sua ponderação, são a essência da hierarquia e da Instituição militar e tendo em conta as conclusões que se atingiram no processo, deve ser ponderada uma punição disciplinar elevada. (…)» [cfr. de fls. 233 a 237 do p.a.];

17. Em 12.8.2021 o Comandante da Base Aérea nº 6 concordou com o relatório que antecede e submeteu o processo à consideração superior, nos seguintes termos:

«DECISÃO FINAL
Concordo com o relatório e conclusões do oficial instrutor (fls. 233 a 237 dos autos), cujo teor aqui se dá por reproduzido e que para todos os efeitos se considera como parte integrante deste Despacho.
Entendo que a infracção disciplinar cometida é de extrema gravidade, pela conduta dolosa contrária ao que se espera de um militar da Força Aérea.
Assim, é meu parecer que, ao Arguido, o 1CAB/MMT/14……-F T…, seja aplicada pena disciplinar grave. Para esse efeito submeto o presente processo à consideração superior, para decisão, nos termos do n.° 4 do art. 104.°, do Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pela Lei n.° 2/2009, de 22JUL.» [cfr. de fls. não numeradas da terceira parte do p.a., mas correspondentes à fl. 609 (173 do documento) do SITAF];

18. Em 18.8.2021, por despacho o Comandante Aéreo da Força Aérea, “[p]or julgar que aos factos apurados no presente processo, em que é arguido o 1CAB/MMT/1…..-F T…, corresponde pena superior à da minha competência submet[eu] o processo à consideração de Sua Excelência o General Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, nos termos do artigo 104°, n.° 4 do Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pela Lei Orgânica n.° 2/2009, de 22 de julho.» [cfr. de fls. não numeradas da terceira parte do p.a., mas correspondentes à fl. 619 (183 do documento) do SITAF];

19. Em 5.11.2021, o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea [CEMFA] proferiu decisão final, aplicando ao Requerente a pena disciplinar de cessação compulsiva do regime de contrato, nos seguintes termos:
«Nos termos do artigo 106 ° do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), aprovado pela Lei Orgânica n.° 2/2009, de 22 de julho, e considerando o Despacho do Tenente-General Comandante Aéreo, de 18 de agosto de 2021, que ao abrigo do disposto no artigo 104°, n.° 4, do RDM, determinou o envio do processo para o escalão superior, para efeitos de aplicação de pena disciplinar superior à sua competência, decido o seguinte:
1. Concordo com o Relatório e Conclusões e com o Despacho do Comandante da Base Aérea n.° 6 (BA6) cujo teor aqui se dá por reproduzido e que para todos os efeitos se consideram parte integrante do presente Despacho, dando por provados os factos ali descritos (fls. 233 a 237).
2. O arguido é militar em regime de contrato, da especialidade de Mecânicos de Material Terrestre (MMT), estando colocado na Base Aérea n.° 6 desde 16 de novembro de 2020, onde desempenha funções de Auxiliar Manutenção Auto, na Esquadra de Manutenção de Base (fls. 55 a 57 dos autos).
3. Na noite de 13 de abril de 2021, o arguido, participou num convívio no Clube de Praças, onde estiveram presentes os 2SAR G…, 1CAB/MMA T…, 1CAB/MMA A…, 1CAB/CAUT O…, 1CAB/OPINF T… e o 1CAB/MARME M….
4. Após encerramento do Clube, o convívio continuou a decorrer no exterior das instalações, pelo que cerca das 22H50, devido ao ajuntamento de militares e ao barulho que provocavam, o Graduado de Serviço ao Centro Coordenador de Segurança e Defesa (GSCCSD) alertou o arguido para o dever de recolher ao alojamento e para colocar fim ao convívio indevido.
5. Ato contínuo, o arguido e demais militares ali presentes deslocaram-se para o alojamento de Praças Masculino, Camarata D, dando continuidade ao barulhento convívio no exterior edifício. Cerca das 23H35, o arguido foi novamente advertido pelo GSCCSD sendo-lhe ordenado que se dirigisse para o alojamento, bem como os restantes militares.
6. Durante o convívio o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade excessiva.
7. Cerca das 03H00, do dia 14 de abril de 2021, após ter saído da BA6, o arguido regressou à unidade na companhia do 1CAB/MARME A…, na viatura deste, e por ordem do GSCCSD às 03H28 realizou um teste de aferição de álcool no sangue, apresentando um resultado de 2,02g/l (fls 14).
8. No dia 14 de abril de 2021, pelas 09H28, o arguido, que devia entrar de serviço de escala nesse dia, realizou novo teste de aferição de álcool no sangue, apresentando um resultado de 0,80g/l (fls. 23).
9. O arguido integra a Escala de Serviço H24 de Condutor de Serviço à Área de Operações e encontrava-se nomeado para o serviço de escala do dia 14 de abril de 2021, que não pôde realizar devido ao facto de apresentar uma taxa de álcool no sangue positiva (fls. 154).
10. Com tais condutas, o arguido violou quer os deveres gerais, quer os deveres especiais de obediência, disponibilidade, zelo, responsabilidade e correção que incumbem aos militares, deveres previstos, respetivamente, nos artigos 11°, n.° 1, 12°, n.° 1, 14.°, n.° 1 e n.° 2, alínea e), 17º n.° 1, 19 °, nº 1 e 23.°, n 2, alínea a), todos do RDM.
11. O arguido agiu com dolo direto, bem sabendo que a sua conduta implicava a prática de infrações disciplinares. Demonstrou elevada desconsideração pela condição militar, violando de forma grave deveres militares essenciais, não se coibindo de participar num convívio com vários camaradas, consumindo bebidas alcoólicas em excesso e desrespeitando as normas constantes dos Planos de Contingência de combate à pandemia Covid-19, em vigor.
12. O arguido, mesmo sabendo que estava nomeado para o serviço de escala no dia 14 de abril de 2021, de extrema responsabilidade, não se absteve de consumir bebidas alcoólicas, ficando por isso inapto para o cumprimento do seu dever. Nomeado e avisado para a mesma, desconsiderou a missão de serviço.
13. No quadro da apreciação da responsabilidade disciplinar do arguido há a considerar a circunstância agravante prevista no artigo 40.°, n.° 1, alínea a) do RDM.
14. No mesmo quadro de apreciação, entende-se que não se verifica a circunstância atenuante prevista no artigo 41.°, alínea c), do RDM, dada a parca relevância da confissão para a descoberta da verdade material.
15. Não se verificam quaisquer circunstâncias dirimentes da responsabilidade, nomeadamente as que se encontram previstas no artigo 43.° do RDM.
16. A conduta do arguido ofendeu de forma grave os princípios de ética, honra, hierarquia, disponibilidade, zelo, responsabilidade e correção que se exigem de um militar desta Instituição, gerando quebra irremediável da confiança Institucional, incompatível com a sua permanência na Força Aérea.
17. Pelo exposto, considerando o elevado grau de culpa do arguido, a elevada ilicitude do facto cometido, a perturbação na disciplina e o impacto negativo na missão, puno com a pena disciplinar de CESSAÇÃO COMPULSIVA DO REGIME DE CONTRATO o 1CAB/MMTI4….-F T…, nos termos dos artigos 7.°, 30.°, n.° 3, e 38.° do RDM.
18. Notifique-se o arguido do presente Despacho, do Relatório e Conclusões da Oficial Instrutora, bem como dos Despachos do Comandante da BA6 e do Comandante Aéreo.
(…)» [cfr. de fls. não numeradas da terceira parte do p.a., mas correspondentes à fl. 641 a 644 (205 a 208 do documento) do SITAF];

20. Em 2.12.2021 o Requerente foi notificado do relatório final e da decisão disciplinar [por acordo por não impugnado];

21. No dia 17.12.2021, foi executada a decisão disciplinar, cessando o vínculo contratual do Requerente com a Força Aérea Portuguesa [cfr. Nota de Assentos de 18.2.2022, de fls. não numeradas da terceira parte do p.a., mas correspondentes à fl. 653 a 658 (217 a 222 do documento) do SITAF];

22. Nos Boletins de Vencimentos, referentes aos meses de Outubro e Dezembro de 2021, consta que o Requerente, com morada na R. da Azambuja, nº 3, 5º Esq, Marinha Grande, 2460-228 Marinha Grande [de acordo com a morada indicada no r.i.], auferia o vencimento mensal ilíquido de €1 009,06 e líquido de €766,43, e anual ilíquido de €13 078,03 efectuando, designadamente, descontos para a SS e ADM [Segurança Social e Assistência na Doença dos Militares, às taxas de 11% e 3,50%, respectivamente] e IRS Categ. Rendimentos - A // Estado Civil - Não casado // Nº Titulares - 1, Tit. Deficiente - Não e Nº Dependentes - 00 [cfr. recibos de vencimento de Outubro e Dezembro de 2021, juntos pela Entidade requerida, de fls. 714 e 716 do SITAF]

23. Na Declaração de IRS, modelo 3, referente ao ano de 2021, o Requerente apresentou apenas o Anexo A, referente a rendimentos da categoria A – trabalho dependente, com o valor ilíquido de €13 078,03 [cfr. doc. junto pelo Requerente, de fls. 741 e 744 do SITAF];

24. O Requerente encontra-se a pagar mensalmente uma prestação de €235,85 de um mútuo respeitante à aquisição de um veículo automóvel [cfr. doc. 2 junto ao r.i.];

25. O Requerente residia de segunda a sexta-feira na Base Aérea nº 6 [por acordo, não impugnado];

26. No ano de 2021 efectuou despesas gerais e familiares, registadas em 28.12.2021 no site E-Fatura, no valor total de €3 939,19 [cfr. doc. 3 junto ao r.i., porque estas despesas, comprovadas junto da AT com factura/recibo com o NIF do Requerente, compreendem, designadamente, as despesas com água, luz, gás, telecomunicações, supermercado, combustíveis, vestuário e calçado, electrodomésticos, mobiliário, viagens, abrangem não só as despesas provadas no ponto 24. supra, como a comparticipação nas despesas do dia-a-dia da mãe do Requerente por residir na casa da mesma, de favor, aos fins-de-semana, e as despesas fixas com telemóveis e serviços de internet, alegadas nos pontos 81. e 82. do r.i., respectivamente. Independentemente do que não teríamos dado por provado o que consta do documento apresentado pelo Requerente de fls. 720 e 721 do SITAF por se encontrar em nome de C…, residente na R. S. P…., nº ….-1º Esq, M…. Pequena, 2430-… M… – diferente da morada do Requerente nos recibos de vencimento e no contrato de mútuo -, que não vem identificada no r.i. como mãe do Requerente].

De acordo com o disposto nos artigos 112º e seguintes do CPTA podem ser requeridas providências de quaisquer tipos, desde que adequadas a assegurar a utilidade da decisão que vier a ser proferida no processo principal, do qual a providência depende.
Os critérios gerais de decisão para o decretamento das providências cautelares são os que se encontram previstos no artigo 120º do CPTA que, para além do enunciado no nº 2, dispõe no nº 1: “as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora] e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente [fumus boni iuris]”.

No caso em apreciação vem requerida a providência de suspensão de eficácia da decisão de 5.11.2021 do CEMFA que puniu o Requerente com a pena disciplinar de cessação compulsiva do regime do contrato, e a reintegração deste no serviço que desempenhava na Força Aérea [até, pelo menos, à decisão a proferir na acção principal], pelo que lhe é também aplicável o disposto na Lei nº 34/2007, de 13 de Agosto (que estabelece o regime especial dos processos relativos a actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar).
Estatui o artigo 3º desta Lei, com a epígrafe Critério especial de decisão de providências cautelares em matéria de disciplina militar”, que:
“Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2, 3 e 5 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, as providências cautelares em matéria de disciplina militar, nomeadamente as que envolvam a suspensão de eficácia de actos de aplicação de penas ou sanções disciplinares, só podem ser decretadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e seja evidente a procedência da pretensão, formulada ou a formular no processo principal, por se tratar de:
a) Acto manifestamente ilegal;
b) Acto de aplicação de norma já anteriormente anulada;
c) Acto materialmente idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente.
Assim, o requisito do periculum in mora nas providências cautelares de suspensão de eficácia de actos de aplicação de penas disciplinares em matéria de disciplina militar implica a verificação do receio fundado de constituição de uma situação de facto consumado, o mesmo é dizer que do juízo de prognose a efectuar pelo juiz cautelar deve resultar que a decisão da acção principal não venha a tempo de dar resposta às pretensões jurídicas envolvidas no litígio porque a evolução da situação, entretanto, a tornou totalmente inútil ou que a não se deferir a providência, o estado de coisas que a acção principal quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado - ficando tal acção inutilizada ex ante» [v. o acórdão do STA, de 14.6.2018, no proc. nº 0435/18, in www.dgsi.pt].
Já o fumus boni iuris, no que ao caso em apreciação concerne, resume-se a aferir se é evidente a procedência da pretensão a deduzir na acção principal por o acto, aqui suspendendo, ser manifestamente ilegal – cfr. a alínea a) do artigo 3º da Lei nº 34/2007, por não vir minimamente alegada qualquer das situações previstas nas alíneas b) e c) –, o que corresponde à revogada alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, que previa este requisito na sua intensidade máxima.
Sendo que, a citada evidência, “tem de ser entendida no sentido de que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do acto” [cfr. acórdão do TCA Sul, de 22.9.2005, proc. nº 01038/05, disponível in www.dgsi.pt].
Donde, as situações abrangidas por estes preceitos são as de invalidade (ou validade) ostensiva, em que o fumus boni iuris (ou o fumus malus), só por si, justifica que se conceda (ou se recuse) a providência requerida [neste sentido v. o acórdão do Pleno da Secção do CA do STA, de 13.11.2014, no proc. nº 0561/14, idem].
Atendendo à natureza cumulativa destes critérios, é indiferente a ordem da respectiva apreciação, pelo que dita a jurisprudência que, perante uma tutela que se quer urgente e célere, é adequado iniciar-se a análise pelo requisito que se apresente, à partida, como mais votado ao insucesso (v. acórdão do STA de 30.5.2007, no proc. nº 049/07, idem).
Assim, começamos pelo fumus boni iuris, podendo avançar desde já que, da análise perfunctória e sumária que se impõe a este Tribunal efectuar do alegado pelas partes, da factualidade indiciariamente assente e da legislação aplicável não resulta evidente, manifesta ou palmar a ilegalidade do acto suspendendo.

Explicitando.

Para efeitos do preenchimento deste critério, alega o Recorrente que: i) o acto suspendendo é ilegal por violar as suas garantias de audiência e defesa, previstas no nº 3 do artigo 269º (processo disciplinar) e no nº 10 do artigo 32º (nos processos de contra-ordenações), da CRP, uma vez que da acusação disciplinar não constam os preceitos legais violados e a pena aplicável, no que incorre em nulidade insanável, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 78º do RDM, até porque o nº 1 do artigo 98º deste Regulamento, que não lhes faz referência, para além de ofender essas garantias é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade lato sensu e da igualdade (artigos 18º nº 2 e 13º, da CRP), e por vício de forma por não ter sido aprovado na especialidade, violando o disposto no artigo 168º, nº 6 alínea e) da CRP, e que, ex vi o artigo 10º do RDM, sempre seria aplicável subsidiariamente a legislação processual penal, mormente o artigo 283º, nº 3, alíneas a) a c) e h) do CPP, e o CPA, o artigo 122º, nº 2, sendo que o legislador não consagrou a desnecessidade de indicação da qualificação dos factos que constam da acusação e da pena aplicável a outros militares, como os que prestam serviço na GNR, cfr. o artigo 98º, nº 1, alínea c), do respectivo Regulamento de Disciplina.

Atendendo à factualidade indiciariamente assente, mormente nos pontos 13. a 19. e que do RDM resulta:
- na referida alínea b) do nº 1 do artigo 78º é considerada nulidade insanável, de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo disciplinar, “a insuficiente individualização na acusação das infracções imputadas e dos correspondentes preceitos legais”;
- no artigo 98º, a acusação “deve especificar a identidade do arguido, os factos que lhe são imputados e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos foram praticados, os deveres militares e as normas infringidos, bem como o prazo para a apresentação da defesa” [nº 1] e deve ser notificada ao arguido para apresentar a sua defesa [nºs 2 a 5];
- finda a fase da defesa, ao abrigo do artigo 104º idem, o instrutor elabora um relatório “onde expõe os factos objecto do processo que considera provados e não provados, a sua qualificação como infracção disciplinar e o grau de culpa do arguido” [nº 1], propondo o arquivamento do processo se a acusação for infundada [nº 2], ou apresentando-o de imediato à entidade que o mandou instaurar [nº3], que, por sua vez, se entender que não dispõe de competência para decidir o processo, o envia à entidade competente [nº 4];
- a decisão punitiva é proferida, nos termo do artigo 106º, ibidem, pela entidade competente, se para tanto se considerar habilitada, mediante despacho fundamentado, que pode ser de concordância com o relatório do instrutor [nºs 1 e 2], e deve conter a identificação do arguido, a indicação dos factos dados como provados, a qualificação dos mesmos como infracção disciplinar com indicação dos preceitos legais violados, a indicação das circunstâncias, agravantes, atenuantes ou dirimentes, que possam ter influência no grau de culpa do arguido e a pena aplicada [nº 3], ou arquivar o processo [nº 4];
- das decisões em matéria disciplinar cabe reclamação facultativa e/ou recurso hierárquico necessário, a interpor pelo militar da pena que lhe foi aplicada ou se se considerar lesado nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, com efeito suspensivo, excepto de a pena for de repreensão – cfr. os artigos 121º a 123º, ibidem,
Constata-se que a acusação deduzida contra o aqui Requerente, com o teor reproduzido no referido ponto 13., observou de forma estrita o disposto no mencionado artigo 98º e, tendo a alínea b) do nº 1 do artigo 78º por referência o que deve constar da acusação [nos termos desse artigo 98º], a indicada nulidade não pode reportar-se à falta de indicação das normas que qualificam juridicamente os factos dados por provados e da pena aplicável que, ao abrigo dos artigos 104º e 106º, apenas devem constar do relatório do instrutor e do despacho/decisão a proferir pela entidade competente para decidir o processo disciplinar, respectivamente.
O RDM, aprovado pela Lei Orgânica nº 2/2009, de 22 de Julho, não se confunde com o RD da GNR [aprovado pela Lei nº 145/99, de 1 de Setembro, que prevê na alínea c) do nº 1 do artigo 98º a referência na acusação disciplinar aos preceitos legais e às penas aplicáveis, ou seja, tal redacção é a inicial, não resulta de alteração introduzida pela Lei nº 66/2014, de 28 de Agosto, ou outra, posterior à Lei nº 2/2009, o que, a ter acontecido, poderia indiciar uma alteração de entendimento do legislador] ou com outros, como o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas.
Estão em causa regimes jurídicos, mesmo os relativos aos militares, especiais e distintos entre si.
O RDM é o mais adequado à natureza e conformação da disciplina militar que visa garantir a observância dos valores militares fundamentais da missão, da hierarquia, da coesão, da disciplina, da segurança e da obediência, que norteiam a organização, a actividade e o funcionamento das Forças Armadas [v. os artigos 1º a 3º do RDM] (No mesmo sentido já decidiu este TCA no acórdão de 12.4.2012, no proc. nº 07369/11, idem).
O legislador pretendeu, de forma intencional, regulamentar o procedimento disciplinar dos militares das Forças Armadas de forma diferente do dos militares da GNR, dos funcionários públicos ou dos trabalhadores privados, estabelecendo momentos diversos na tramitação do processo para a indicação dos factos, dos deveres militares violados, da qualificação daqueles factos como infracções disciplinares, das normas e da pena, aplicáveis, pelo que, numa análise perfunctória, não há naquele lacuna que tenha de ser integrada, preenchida subsidiariamente pelo CPP ou pelo CPA.
A alegação da inconstitucionalidade material ou formal do referido artigo 98º do RDM é genericamente formulada pelo Requerente, sem densificar como, na sua concreta situação, terá ocorrido a violação do conteúdo essencial dos invocados princípios da proporcionalidade ou da igualdade. Não se afigurando também suficiente para o efeito de considerar o acto suspendendo manifestamente ilegal invocar que aquele artigo 98º não foi aprovado na especialidade, em plenário [juntando para o comprovar o doc.1 de cujo teor resulta que foi aprovado na especialidade em Comissão e os partidos, em plenário, mantêm o sentido de voto adoptado nessa sede, tal como consta do respectivo relatório da Comissão, considerando-se, pois, aprovado - com que maioria não consta deste documento nem o Requerente a indica].
Independentemente do que, para além de não ter apresentado defesa à acusação disciplinar nem ter reclamado ou interposto recurso hierárquico necessário da decisão punitiva suspendenda, em momento algum do r.i. o Requerente alega/explicita porque forma, em que termos no seu caso concreto, as respectivas garantias de audiência e de defesa foram prejudicadas ou postas efectivamente em causa, por a acusação não referir as normas do Regulamento que qualificam como infracções os factos provados e a pena a aplicar.

Alega o Requerente que: ii) o acto suspendendo viola as garantias de audiência e de defesa porque na acusação foi indicada como circunstância atenuante a confissão e naquele foi entendido que tal circunstância não se verificava dada a parca relevância da confissão para a descoberta da verdade material; e que é afirmado que a sua conduta gerou quebra irremediável da confiança institucional, incompatível com a sua permanência na Força Aérea, o que não consta da acusação; configurando decisões surpresa, que deviam ter sido sujeitas ao princípio do contraditório e, não o tendo sido, violam os artigos 32º, nº 5 e 269º, nº3, da CRP, determinando a nulidade do acto.

Na acusação consta que “(…) são consideradas circunstâncias atenuantes, designadamente as previstas na alínea c) do artigo 41.° do RDM, nomeadamente, a confissão espontânea dos factos.” [v. o ponto 13. dos factos].
Dispondo a referida norma que são circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar a confissão espontânea dos factos, quando contribua para a descoberta da verdade, o facto de o Requerente ter confessado que praticou os factos que lhe imputam, o convívio e a ingestão em excesso de bebidas alcoólicas, quando os mesmos eram evidentes (o convívio teve sete participantes e foi efectuado no Clube de Praças à vista de quem lá estava e do Graduado de Serviço, tendo os convivas feito muito barulho quer no Clube quer junto ao Alojamento, sendo notório o estado de embriaguez em que se encontravam, determinantes das advertências efectuadas pelo Graduado de Serviço e pelos agentes da PSP, sendo que um destes se viu na obrigação de conduzir o veículo em que seguia o Requerente e outro militar, de volta à Base por não estarem visivelmente em condições de conduzir), não foi relevante para aferir da verdade (embora possa ter servido para o Requerente demonstrar arrependimento, o que, no entanto, não consta da previsão da norma). Razão porque se entende o decidido de não valorar a confissão feita como circunstância atenuante e não se vê que constitua uma surpresa.
É verdade que apenas no despacho suspendendo consta que a conduta dolosa do Requerente, gerou quebra irremediável da confiança Institucional, incompatível com a sua permanência na Força Aérea, mas o que o Requerente vem alegar é que lhe deveria ter sido conferido direito a pronunciar-se, sem mais, sem atacar esse entendimento ou indicar a defesa que teria apresentado, se notificado para o efeito, e que o poderia inverter ou alterar no sentido de inexistir tal quebra de confiança.
Mais, se considerou lesado o seu direito ao contraditório poderia/deveria ter reclamado ou interposto recurso hierárquico necessário do despacho suspendendo com esse fundamento - não constando do r.i. ou mesmo do p.a. que o Requerente tenha feito uso destes meios de defesa e pronúncia.

Alega o Requerente que: iii) as suas garantias de audiência e defesa foram ainda violadas pelos facto de na acusação constar que lhe foram realizados dois testes de alcoolemia sem alusão ao equipamento utilizado, não lhe permitindo saber se o mesmo tem ou carece de certificação técnica ou se foi submetido a verificação periódica anual, nos termos do artigo 7º do Regulamento dos Alcoolímetros, violação susceptível de determinar a nulidade do acto suspendendo, nos termos do artigo 78º, nº 1, alínea b) do RDM ou a sua anulabilidade.

Como resulta dos pontos 7. a 10. dos factos indiciariamente assentes, o Requerente foi submetido a dois testes de alcoolemia no dia 14.4.2021, pelas 3h28m e 9h25, com o aparelho “Lion Alcolmeter 700 // Número de Série: 90479 // Última Verf de Calibração: 10:53 – 17/07/2020”, e assinou quer os documentos comprovativos dos resultados obtidos - “Resultado: 2.02Promille W/V” e o “Resultado: 0.80Promille W/V”, respectivamente -, onde consta a referida indicação/identificação do aparelho e data em que foi realizada a última verificação/calibração, quer a declaração anexa ao Despacho nº 31/2009, de 29 de Junho, do CEMFA, sobre a “FIXAÇÃO DOS VALORES MÁXIMOS DE ÁLCOOL NO SANGUE NA FORÇA AÉREA”, aceitando como válidos os resultados obtidos e abdicando da possibilidade de fazer contraprova através de análise sanguínea.
Pelo que, a não ser que o Requerente tenha dúvidas sobre se os testes referidos na acusação correspondem àqueles que efectuou – o que não vem alegado e resulta difícil de defender dada a indicação da hora, dia e resultado g/ls dos testes na acusação, absolutamente coincidentes com os documentos que assinou e as declarações que prestou em 26.4.2021 e que foram registadas no correspondente Auto [parcialmente reproduzido no ponto 6 da factualidade indiciariamente assente, mas dado por integralmente reproduzido na introdução da mesma] – não se afigura manifesto que tal vício possa ser dado como verificado na acção principal.

Alega o Requerente que: iv) a alínea d) do nº 3 do Despacho nº 31/2009 que estipula que os militares da Força Aérea que desempenhem a função de condução de viaturas devem apresentar um valor zero de alcoolemia, deverá ser julgada ilegal na acção principal por, à semelhança do decidido pelo TRL, no acórdão de 26.5.2021, no proc. 4712/20.1T8FNC.L1.4, restringir de forma desproporcionada o direito fundamental à reserva da vida privada dos trabalhadores, tendo por referência o disposto no artigo 81º do Código da Estrada, além de que tal regulamento carecia de lei habilitante e não pode ser subtraído à reserva de lei, nos termos do artigo 165º, nº 1, alínea b) da CRP. E a considerar-se tal regulamento válido a competência do Graduado poder realizar os testes carece de acto legislativo (lei ou decreto-lei) autorizativo, o que não sucede, tendo sido sujeito ao primeiro teste quando estava fora de serviço e era mero ocupante do veículo automóvel.

Como resulta do respectivo texto [reproduzido no ponto 1. dos factos indiciariamente assentes], o Despacho em referência foi proferido Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, em 29.6.2009, ao abrigo da alínea a) do nº 4 do artigo 8º da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, a Lei 111/91, de 29 de Agosto, que dispõe que compete ao chefe de estado-maior de cada ramo “dirigir, coordenar e administrar o respectivo ramo”.
A simples necessidade de indagação sobre se o CEMFA podia, ao abrigo desta norma, proferir despacho com o teor do agora em referência ou se o mesmo deve ser considerado um acto materialmente legislativo sujeito à forma e formalidades previstas na CRP (ou apenas um regulamento administrativo, cuja impugnação está sujeita a prazo, v. o artigo 74º do CPTA), implica concluir não ser notória a ilegalidade que do mesmo possa derivar para o acto suspendendo.
Quanto ao entendimento vertido no referido acórdão do TRL, como o Requerente reconhece no r.i., o mesmo tem por objecto uma relação juridico-laboral privatística, um regulamento interno de uma empresa privada, que não pode ser confundido com o que pode ser exigido num organismo militar e público como a Força Aérea, sujeito à disciplima militar nos termos enunciados.
Acresce que de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 81º do Código da Estrada, “[c]onsidera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.”
Ora, nos dois testes realizados o resultado obtido pelo Requerente foi superior a 0,5g/l, pelo, independentemente do que consta do referido despacho nº 31/2009, sempre seria considerado como alcoolizado e não pronto ou apto para o serviço de condução de veículos, ao abrigo da alínea e) do nº 2 do artigo 14º do RDM, com a epigrafe “Dever de disponibilidade”.
Irreleva a argumentação de que estava fora das horas de serviço e não era condutor do veículo relativamente ao primeiro teste de alcoolemia efectuado, porquanto o dever de disponibilidade pressupõe a permanente prontidão para o serviço e o Requerente encontrava-se nas instalações da Força Aérea, fardado e, mesmo alcolizado, era-lhe exigível não conduzir nesse estado nem se deixar conduzir por outro militar embriagado.
Mais, no início das provas selecção para alistamento na Força Aérea Portuguesa, o Requerente assinou documento reproduzido no ponto 3. dos factos indiciariamente assentes, sobre, designadamente, o tipo especial de compromisso, disciplina, integridade lhe iria ser exigido como militar, destacando-se a advertência de que a embriaguez é um acto grave de disciplina que as Forças Armadas encaram com muito rigor, podendo originar punição, afastamento compulsivo e se verificado em serviço, crime estritamente militar.
Não procede também a alegação de que o Graduado de Serviço não pode a seu belo prazer efectuar os testes de alcoolemia porquanto as circunstâncias que motivaram a realização dos seus testes têm pleno enquadramento nas previstas nas alíneas b. e d. do ponto 6. do Despacho nº 31//2009. A saber, o primeiro teste foi efectuado por ser evidente que tinha consumido álcool, e, o segundo, porque o anterior deu resultado positivo, pelo que a determinação da sua realização se encontra perfeitamente justificada de facto e de direito.

Alega o Requerente que: v) o despacho suspedendo viola o princípio da igualdade pois a Entidade requerida não o devia ter tradado como “proscrito” ou “lixo descartável”, mas sim tê-lo encaminhado para os respectivos serviços de saúde militar, cumprindo o “Programa para a prevenção de comportamentos aditivos e combate à dependência nas Forças Armadas”, aprovado pelo Despacho nº 11921/2015, da Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional, de 5.10.2015, como sucede com os militares dos quadros permanentes, desconhecendo que algum destes tenha sido alvo de uma decisão disciplinar expulsiva (reforma compulsiva ou separação do serviço) por ter estado sob o efeito de bebidas alcoólicas.

Mais uma vez a alegação efectuada é meramente genérica e manifestamente insuficiente para o efeito de demonstrar a exigida evidência da ilegalidade do acto suspendendo.
Com efeito, o Requerente não alega que a conduta que teve no dia 13.4.2021 configura uma demonstração de um comportamento aditivo ao álcool e que precisa de ajuda, mormente pela sua inclusão no referido Programa, nem que é igual, para os efeitos pretendidos, ser militar contratado ou militar dos quadros, não indicando sequer um caso em que um militar do quadro tenha tido uma conduta igual à sua, à que consta da acusação disciplinar deduzida contra si, e tenha apenas sido reencaminhado para os serviços de saúde da BA6.

Alega o Requerente que: vi) discorda da acusação de que violou os deveres de responsabilidade e da correcção, previstos nos artigos 19º e 23º do RDM, dado que a inobservância do primeiro dever pressupõe que o militar não assume a autoria ou a responsabilidade dos próprios actos, o que manifestamente não aconteceu até porque confessou, e a do segundo que lhe tivesse sido imputado um tratamento respeitoso, o que também não é o caso, ainda que o instrutor associe a violação deste dever “às práticas de condução”, pelo que o acto suspendendo deve ser anulado por vício de violação de lei.

Na acusação consta que o Requerente violou o dever especial de responsabilidadeque incumbe aos militares, nos termos do n.° 1 do artigo 19.º do RDM, pois a sua conduta colocou em risco as medidas de restrição do contágio e propagação do vírus Covid-19, designadamente pela redução ao mínimo indispensável do contacto entre pessoas, tal como definido pelo Governo da República em pleno estado de emergência e regulamentado posteriormente pela Força Aérea, Comando Aéreo e Base Aérea n.° 6, assim como, se ter permitido consumir bebidas de teor alcoólico, colocando-se em situação de inaptidão, não assumindo uma postura e uma conduta ética que respeitassem integralmente o conteúdo dos deveres militares e das normas superiormente dimanadas, mormente o estatuído no Despacho n.° 31/2009 do CEMFA, de 29 de junho.”
O referido nº 1 do artigo 19º dispõe que: “O dever de responsabilidade consiste em assumir uma conduta e uma postura éticas que respeitem integralmente o conteúdo dos deveres militares, com aceitação da autoria, da responsabilidade dos actos e dos riscos físicos e morais decorrentes das missões de serviço.
Como se afigura claro não é por o Requerente ter confessado os factos que lhe foram imputados que estes deixam de configurar uma actuação desrespeitadora dos deveres militares que sobre si impendiam e que são indicados na acusação, de não se juntar para convívio com os outros militares no Clube de Praças, pondo em causa as medidas de prevenção e contenção do risco de contágio do Covid-19, e ingerindo bebidas alcoólicas em excesso que o colocaram numa situação de inaptidão para o exercício das suas funções, não só na hora para que estava escalado mas a qualquer hora, atendendo ao dever geral de prontidão que recai sobre os militares.
Quanto ao dever de correcção, consta da acusação o seguinte: “(…) incumbe aos militares, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 23.º do RDM, pela conduta irresponsável e violadora da postura ética, da correção e brio que exigem de todos os militares e, no que diz respeito às práticas de condução.”
O referido artigo 23º estatui:
“1 - O dever de correcção consiste no tratamento respeitoso entre militares, bem como entre estes e as pessoas em geral.
2 - Em cumprimento do dever de correcção incumbe ao militar, designadamente:
a) Não praticar, no serviço ou fora dele, acções contrárias à moral pública, ao brio, ao decoro militar e às práticas sociais;
(…)”.
Ora, como resulta do processo disciplinar instaurado contra si, das suas próprias declarações e do teor do acto suspendendo, o Requerente andou fardado a ostentar a situação de embriaguez em que se encontrava, dentro e fora da BA6, sabendo, até porque para além de ter carta de condução, é condutor de veículos na Força Aérea e estava na escala de serviço para o dia seguinte, que não devia beber para manter o grau zero de álcool no sangue, como lhe era exigido, e, bebendo, que não podia conduzir nem ser conduzido por alguém que também se encontrava alcoolizado, por ser um potencial perigo para si e para os outros, o que o levou a circular em sentido contrário numa rua do Montijo [não indo a conduzir, não evitou essa infracção] e a ter de ser conduzido de volta à Base por um agente da PSP, actuação que evidencia óbvia falta de brio na farda que tinha vestida e de decoro militar, e desrespeito pelas regras de boa condução, até porque não tendo conseguido eliminar o álcool que tinha no sangue, no dia seguinte foi considerado inapto para as funções de condução para que estava escalado, pelo que se afigura evidente a violação do indicado dever de correcção.

Donde, não se verifica o requisito do fumus boni iuris.

Por serem de verificação cumulativa, o não preenchimento de um dos critérios de decisão das providências cautelares obsta ao respectivo decretamento, tornando inútil averiguar do preenchimento dos demais, no caso, do periculum in mora e do de ponderação dos interesses públicos e privados em presença previsto no nº 2 do artigo 120º do CPTA.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente providência de suspensão de eficácia da decisão do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, de 5.11.2021, que puniu o Requerente com a pena disciplinar de “cessação compulsiva do regime de contrato”.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 19 de Maio de 2022.


(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos – 1ª Adjunta)

(Joaquim José Carvalheira Batista Veloso – Major-General, Juiz Militar)