Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:179/06.8BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS
ÓNUS DA PROVA
TRANSPARÊNCIA FISCAL
Sumário:
I. Gozando as declarações de rendimentos oportunamente apresentadas pelos contribuintes de uma presunção de veracidade, cumpre, em primeiro lugar, à AT sustentadamente pôr em causa tal presunção.

II. Se a AT, com vista a afastar tal presunção de veracidade, funda a sua posição em circunstâncias descritas de forma genérica e por amostragem, não discriminando concretamente as situações subjacentes a essa mesma posição, não é exigível ao contribuinte uma prova que não se quede, igualmente, por aspetos genéricos e globais, porque a própria fundamentação do ato não permite qualquer nível de detalhe adicional.

III. Tendo o contribuinte logrado explanar e infirmar as conclusões subjacentes às afirmações genéricas da AT, esta não logrou afastar a presunção de veracidade das declarações apresentadas.

IV. Existindo situações que o próprio contribuinte assume como erróneas, mas não sendo as mesmas minimamente quantificadas pela AT, não pode deixar de se estender o juízo de ilegalidade da liquidação também a estes casos, por impossibilidade da respetiva quantificação.

V. Refletindo-se as correções efetuadas na própria mensuração da matéria coletável da sociedade transparente e tendo as mesmas implicações em simultâneo quer ao nível da categoria A quer da categoria B do IRS, ocorre uma duplicação de tributação da mesma realidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 22.04.2016, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por P..... (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e as dos respetivos juros compensatórios, atinentes aos anos de 2000 e 2001.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. Decidiu a Douta Sentença pela procedência da impugnação pois os “indícios recolhidos pela Administração Tributária não permitem suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e que determinou as correcções à matéria tributável de IRS, dos anos de 2000 e 2001, e nessa medida devem ser anuladas as liquidações de IRS por padecerem de vício de violação de lei”, com o que não se concorda;

II. A Douta Sentença, aprecia a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária, quanto ao facto de se tratarem de quantias fixas e terem regularidade mensal; a existência de múltiplos abastecimentos de combustível num só dia e em simultâneo em diversos locais, nomeadamente no estrangeiro; a existência de despesas apresentadas em duplicado e a existência de despesas de carácter pessoal. Para todas as irregularidades encontrando justificação pois é à Administração tributária que incumbe a prova da existência dos pressupostos legais da sua atuação;

III. Não se duvida que assim seja, no entanto, e salvo melhor opinião, entende-se que ficou devidamente provada a existência de tais pressupostos, desde logo porque, nos termos do disposto no art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT), presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, cessando tal presunção quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo – alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT;

IV. No caso não se pode deixar de concluir deixar de funcionar a favor do sujeito passivo a presunção de boa fé quanto às suas declarações, atentas todas as omissões e inexactidões detectadas pela autoridade Tributária E, como ficou referido em sede de Relatório Inspetivo, “foram aceites todos os levantamentos que se destinaram a despesas específicas e devidamente documentadas”, tendo sido desconsideradas todas aquelas não devidamente comprovadas;

V. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque – n.º 1 do art.º 74.º da LGT, não tendo o sujeito passivo feito prova, a título de exemplo, de quaisquer viagens a Espanha, das quais como ficou referido pelos serviços Inspetivos, nenhuma evidencia existe nos elementos contabilísticos da sociedade. Ao contrário, o que ali existe são documentos que demonstram que o Impugnante apresentava despesas incorridas em território nacional ao mesmo tempo que pedia reembolso de outras incorridas em Espanha;

VI. Nem se percebe como pode o tribunal concordar com o sujeito passivo quando afirma que “tal levaria ao entendimento de que uma parte importante dos custos de funcionamento da B..... e da B..... seriam suportadas pelo rendimento individual do Impugnante”, pois o problema parece ser exactamente o de o Impugnante não conseguir fazer prova de as despesas que apresenta foram de facto incorridas, ou em Portugal, ou em Espanha e que o foram ao exercício de funções da sociedade, por ele ou por outrem;

VII.Invoca ter de realizar pagamentos a inúmeros colaboradores. Quais, quem, onde?

Parece que não basta convocar “a realidade orgânica vivenciada nas empresas” para assim assumir e justificar tudo que o Impugnante aventa, tendo a Autoridade Tributária reunido não apenas indícios suficientes, mas tendo apontado factos que permitem verificar que a contabilidade não evidencia ou se quisermos, não permite apurar se evidencia a verdade, quanto aos documentos em causa;

VIII. Cabe então ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos, como refere o art.º 74.º da LGT e no seguimento dos mais elementares princípios da prova, o que não faz;

IX. Ficou provado não existir qualquer sistema de controlo implementado nas sociedades, ao contrário do que procurou provar o Impugnante, onde o mesmo documento de despesa chegou a originar quatro apresentações distintas e onde as próprias despesas pessoais do Impugnante, desde o ténis até às camisas eram apresentadas;

X. Não se concorda também com o decidido pelo Tribunal “a quo” quanto à duplicação de tributação, remetendo-se para o entendimento já vertido pelos Serviços de inspecção Tributária em sede de Direito de Audição e constante do fls. 96 e 97 do relatório Inspetivo (anexo A);

XI. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez não apenas errada apreciação da factualidade como errada aplicação do direito, tendo violado o disposto nos art.º 74.º e 75.º da LGT, os art.ºs e 6.º, 23.º, 41.º e 98.º do CIRC e art.º 2.º do CIRS, todos com redacção na data dos factos”.

O Recorrido não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser este TCAS incompetente em razão da hierarquia.

Notificadas as partes do mencionado parecer, para efeitos de exercício do direito ao contraditório, as mesmas nada disseram.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pelo IMMP:

a) É este TCAS incompetente para conhecimento do recurso, em razão da hierarquia?

Questões suscitadas pela Recorrente:

b) Há erro de julgamento, na medida em que o Recorrido não logrou efetuar a prova que lhe competia e em que não se verifica qualquer duplicação na tributação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A. O Impugnante, até 01 de janeiro de 2001, encontrava-se registado em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares pela categoria B-rendimentos profissionais (facto que se extrai do relatório de Inspeção Tributária a fls. não numeradas do Processo Administrativo Tributário –PAT apenso; facto que se extrai das modelo 3 de IRS junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

B. A partir de 01 de janeiro de 2001, o Impugnante passou a estar enquadrado no regime simplificado de tributação (facto que se extrai do relatório de Inspeção Tributária a fls. não numeradas do Processo Administrativo Tributário-PAT apenso; facto que se extrai das modelo 3 de IRS junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

C. O Impugnante nos anos de 2000 e 2001 esteve registado com a atividade de economista, com o CAE 0501 (facto que se extrai do relatório de Inspeção Tributária a fls. não numeradas do Processo Administrativo Tributário-PAT apenso; facto que se extrai das modelo 3 de IRS junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

D. O Impugnante nos anos de 2000 e 2001 era sócio da sociedade “B.....” (doravante “B.....”) detendo uma participação social de 10% (facto não controvertido; facto que se extrai do relatório de Inspeção Tributária junto ao PAT apenso e facto alegado na p.i.; facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

E. O Impugnante nos anos de 2000 e 2001 era sócio da sociedade “B.....”” (doravante “.....”) (facto não controvertido; facto que se extrai do relatório de Inspeção Tributária junto ao PAT apenso e facto alegado na p.i.; facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

F. A atividade de auditoria e consultoria das sociedades “B.....” e “B.....” caracteriza-se pela contínua deslocação e pelo trabalho de campo efetuado nas instalações das empresas (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

G. A “B.....” e a “B.....” dispõem de escritórios em Lisboa, Porto e Funchal (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

H. Os clientes da “B.....” e “B.....” estão dispersos pelo território nacional e estrangeiro (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);”.

I. O Impugnante pertence a vários comités a nível nacional e internacional, designadamente, “L.....”, “B.....”, “F.....”, “O.....”, entre outros (facto que se extrai do depoimento da testemunha P.....);

J. O Impugnante, por diversas vezes, representa as sociedades “B.....” e “B.....” junto dos aludidos comités, ocasionando a sua deslocação no âmbito nacional e internacional (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

K. O Impugnante assume o escalão definido internacionalmente de “PARTNER”, cabendo-lhe a supervisão técnica da execução dos trabalhos da “B.....” e da “B.....” (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

L. No âmbito da supervisão técnica dos trabalhos da “B.....” e da “B.....”, compete ao Impugnante realizar as despesas necessárias ao desenvolvimento dos trabalhos, designadamente, pagar as deslocações, viagens e estadias dos técnicos que integram as suas equipas de trabalho e que se encontram em clientes fora dos locais dos escritórios (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

M. Ambas as sociedades “B.....” e “B.....” instituíram mecanismos automáticos de reembolsos de despesas e de adiantamentos por conta de despesas (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

N. No âmbito dos mecanismos de adiantamentos referidos na alínea antecedente, as sociedades adiantavam mensalmente um montante para o “PARTNER” fazer face às despesas em que o próprio incorria e bem assim dos técnicos sob a sua supervisão com ulterior acerto de contas (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

O. No âmbito dos mecanismos de reembolso referidos na alínea M), o “PARTNER”, pagava as despesas em que incorria e bem assim dos técnicos sob a sua supervisão, com ulterior reembolso pelas sociedades (facto que se extrai do depoimento das testemunhas P....., P..... e P.....);

P. Nas sociedades “B.....” e “B.....” nenhum sócio ou colaborador é detentor de cartão de crédito da firma (facto que se extrai do depoimento da testemunha P.....);

Q. O Impugnante apresentou declaração modelo 3, de IRS, relativa ao ano de 2000, na qual declarou, entre o mais, os seguintes rendimentos:




(cfr. modelo 3 de IRS junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

R. O Impugnante apresentou declaração modelo 3, de IRS, relativa ao ano de 2001, na qual declarou, designadamente, os seguintes rendimentos:




(cfr. modelo 3 de IRS junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

S. As sociedades “B.....” e “B.....” foram objeto de uma ação de inspeção que abrangeu os exercícios fiscais de 2000 e 2001 e que se traduziu no apuramento de correções fiscais no âmbito da determinação da matéria coletável das sociedades, mas também no âmbito da esfera pessoal de outros sujeitos que com elas se relacionavam, mormente, o ora Impugnante consubstanciando-se em correções relacionadas com rendimentos a imputar nos termos do artigo 6.º do CIRC e artigo 20.º do CIRS e correções relacionadas com rendimentos da categoria A (trabalho dependente) nos termos do artigo 2.º do CIRS (facto que se extrai do relatório de Inspeção Tributária junto ao PAT apenso; facto alegado na p.i. coadjuvado com os respetivos relatórios inspetivos juntos ao PEF apenso);

T. No âmbito da ação de Inspeção Tributária da “B.....”, referida na alínea antecedente foram realizadas correções aos exercícios de 2000 e 2001, no valor global de €95.128,64 e €131.076,38, respetivamente, extraindo-se do teor do Relatório de Inspeção Tributária, designadamente, o seguinte:

(cfr. relatório de Inspeção Tributária junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

U. Na sequência das ações inspetivas referidas na alínea S) e tendo por base as Ordens de Serviço nº .....e .....de 9 de janeiro de 2004, o Impugnante foi objeto de ação inspetiva de âmbito parcial tendo decorrido de 12 de fevereiro de 2004 a 15 de março de 2004 (facto constante no item credencial e período da ação de inspeção do relatório da Inspeção Tributária a fls. numeradas do PAT apenso);

V. O Impugnante apresentou declaração modelo 3, de IRS, de substituição, relativa ao ano de 2000, na qual declarou, no que para os autos releva, os seguintes rendimentos:




(cfr. modelo 3 de IRS de substituição junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

W. O Impugnante apresentou declaração modelo 3, de IRS, de substituição, relativa ao ano de 2001, na qual declarou, designadamente, os seguintes rendimentos:




(cfr. modelo 3 de IRS de substituição junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

X. Em resultado da ação da inspeção tributária referida em U) foi elaborado, em 15 de março de 2004, o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, no âmbito do qual foram realizadas correções meramente aritméticas à matéria tributável de IRS do Impugnante nos anos de 2000 e 2001, no valor de €106.141,62 e €101.381,59 que se resumem da seguinte forma:
Ano 2000

(cfr. projeto de relatório da Inspeção Tributária a fls. não numeradas do PAT apenso );

Y. De ofício nº ....., de 29 de junho de 2004, da Direção de Finanças de Setúbal, foi o Impugnante notificado para exercer o direito de audição, faculdade que não exerceu (cfr. ofício nº .....e relatório da Inspeção Tributária a fls. não numeradas do PAT apenso);

Z. A 27 de julho de 2004, foi elaborado o relatório de Inspeção Tributária no âmbito do qual se mantêm as correções propostas e melhor referidas na alínea X), e que são enunciadas como se transcreve:


AA. Consta no Relatório de Inspeção Tributária referido na alínea antecedente, no item “III- Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções meramente aritméticas à matéria tributável”, designadamente, o seguinte:

(cfr. relatório de Inspeção Tributária a fls. não numeradas do PAT apenso);
BB. As correções referidas na alínea anterior são fundamentadas com base na informação da Direção de Finanças de Lisboa que consubstancia o Anexo A e para que remete o relatório de Inspeção Tributária e dal qual se extrai no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:















(cfr. relatório de Inspeção Tributária a fls. não numeradas do PAT apenso);

CC. A 2 de agosto de 2004, foi proferido parecer pela Coordenadora dos Serviços de Inspeção Tributária com o seguinte teor:

“Confirmo.

1. Na declaração de Rendimentos, os SP.s em causa apresentaram rendimentos de:

S.P.A- Categoria B (Transp. Fiscal)

S.P.B – Categoria A e B

2. Analisados os custos imputados às Categorias B, foram detetadas inexatidões (devidamente discriminadas em ponto III 1.1. do presente relatório) que, tendo em conta a legislação indicada não podem ser aceites como dedução específica dos Rendimentos em causa.

No decorrer da ação de Inspeção foram apresentadas Decl. Substituição para os anos de 2000 e 2001, retificando os custos em causa e de acordo com os valores apresentados pelo Serviço de Inspeção;

3. No entanto e tendo por base informação recebida da D. F. de Lisboa, os Rendimentos declarados pelo S.P.A não correspondem aos reais e serão de alterar para:

3.1. Nos termos do Artº 6º do CIRC e art. 20.º do CIRS.

Categoria B (Transparência Fiscal)

2000- 43.812,41€

2001- 37.667,38€

3.2. Nos termos do Art. 2º do CIRS, foram auferidos rendimentos de trabalho dependente-Categoria A- de:

2000- 99.378,29 €

2001- 91.161,39 €

Direito de Audição

Apesar de notificados, os S.P.´s não exerceram o seu direito de audição.”

(cfr. parecer a fls. não numeradas do PAT apenso);

DD. A 09 de agosto de 2004, foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Setúbal, por delegação do Diretor, com o seguinte teor:

“Concordo com as conclusões propostas constantes do parecer da Srª Coordenadora, elaborado com base no relatório.

Proceda-se em conformidade.

Notifique-se o S.Passivo conforme dispõe o artº 61.º do RCPIT e artº 77.º da Lei Geral Tributária.”

(cfr. despacho junto ao PAT apenso a fls. não numeradas);

EE. Em 26 de novembro de 2004, e na sequência das correções referidas em BB) supra, foi emitida a liquidação referente ao ano 2000, com o n.º ....., que se dá por integralmente reproduzida, apurando um valor a pagar de €50.268,27, e com data limite de pagamento voluntário de 05 de janeiro de 2005 (cfr. nota de cobrança a fls. 89 do PAT apenso);

FF. Em 06 de novembro de 2004, e na sequência das correções referidas em BB) supra, foi emitida a liquidação referente ao ano 2001, com o n.º ....., que se dá por integralmente reproduzida, apurando um valor a pagar de €48.479,76, e com data limite de pagamento voluntário de 02 de novembro de 2004 (cfr. nota de cobrança a fls. 90 do PAT apenso);

GG. Na sequência da notificação das liquidações adicionais referidas nas alíneas antecedentes, o Impugnante apresentou, em 31 de janeiro de 2005, reclamação graciosa contra as mesmas solicitando a anulação dos referidos atos tributários e a restituição do montante total de Euros 98.748,03 (petição de reclamação graciosa a fls. 17 a 29 do PAT apenso);
HH. A 30 de novembro de 2005, e na sequência da reclamação graciosa referida na alínea antecedente, foi proferida informação pela Técnica da Administração Tributária propondo o indeferimento da reclamação e onde consta, designadamente, o seguinte:







(cfr. informação instrutora a fls. 81 a 88 do PAT apenso):

II. A 05 de dezembro de 2005, foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Setúbal, por delegação de competências do Diretor de Finanças de Setúbal, com o seguinte teor:

“Considero a informação junta para no prazo de 10 dias contados continuamente, exercer querendo o direito de audição, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 60.º da LGT” (cfr. despacho a fls. 81 do PAT apenso);

JJ. Na sequência da notificação do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o Impugnante exerceu audição prévia reiterando todo o exposto em sede de reclamação graciosa e mais relevando que “ o projeto de decisão não atende, de facto, à realidade concreta da atividade que desenvolvo a qual tem uma natureza eminentemente empreendedora e independente (pesquisa e desenvolvimento, angariação de clientes, acompanhamento de clientes, realização de trabalho técnico, no país e no estrangeiro, etc.) e não dependente.” (cfr. fls. 96 do PAT apenso);

KK. A 02 de janeiro de 2006, foi proferida informação complementar pela Técnica da Administração Tributária onde se pode ler, designadamente, o seguinte:

“Embora notificado o reclamante exerceu o direito, não acrescentando aos autos novas situações de facto ou de direito suscetíveis de alterar o indeferimento da reclamação proposto no projeto de decisão anteriormente proferido, pelo que mantêm a decisão de indeferimento” (cfr. fls. 95 do PAT apenso);

LL. A 04 de janeiro de 2006, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Setúbal, por delegação de competências do Diretor de Finanças de Setúbal, com o seguinte teor:

“Considerando a informação dada pelos Serviços, tendo sido exercido o direito de audição, torna-se definitivo o projeto de decisão e indefere-se o pedido, conforme proposto anteriormente.” (cfr. fls. 94 do PAT apenso);

MM. De Ofício n.º ....., de 09 de fevereiro de 2006, da Direção de Finanças de Setúbal, recebido a 23 de fevereiro de 2006, foi o Impugnante notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referido na alínea antecedente (cfr. fls. 97 e 98 do PAT apenso);

NN. O Impugnante expediu a presente impugnação judicial via telecópia, a 01 de março de 2006, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (cfr. fls. 1 dos autos)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações oficiais e dos documentos, não impugnados, juntos aos autos, e bem assim no depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante tudo conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório.

Contribuiu decisivamente para a factualidade assente nas alíneas D), E), F), G), H), J), K), L), M), N), O) e P) o depoimento prestado pela testemunha P..... que revelou razões de ciência firmes dado que é sócio gerente na empresa “B.....”, e advogado na empresa “B.....” demonstrando conhecer com rigor quais os meandros operacionais das empresas. Explicou como funcionava o sistema integral dos trabalhos e o mecanismo de reembolso e pagamento das despesas inerentes aos trabalhos de campo.

Abordou a abrangência nacional e internacional da empresa, chamando à colação alguns clientes e depôs de forma isenta e sem hesitações sobre a necessidade de deslocações por parte do Impugnante e sobre a hierarquia existente nas empresas.

Valorou-se, outrossim, o depoimento da testemunha P....., que demonstrou ter conhecimento dos meandros das empresas visto trabalhar na empresa “B.....” enquanto manager, a qual funciona nos mesmos escritórios da B....., mostrando-se revelante para a prova da factualidade constante nas alíneas D), E), F), G), H), J), K), L), M), N) e O). O seu depoimento foi claro, sem quaisquer hesitações, descreveu, com pormenor, o sistema de reembolso e adiantamento das despesas, a orgânica funcional das empresas, a cadeia hierárquica e como é feito o controlo das despesas.

Foi valorado, igualmente, para a factualidade constante nas alíneas D), E), F), G), H), I), J), K), L), M), N) e O) o depoimento da testemunha P....., que disse desempenhar funções de consultor fiscal na “B.....” e que, por vezes, trabalha em conjunto com a “B.....” quando há necessidade de apoio fiscal no âmbito dos trabalhos contratados, e demonstrou ter conhecimento direto da orgânica funcional das empresas e do sistema integral dos trabalhos e o mecanismo de reembolso e pagamento das despesas inerentes aos trabalhos de campo. O seu discurso revelou-se, no essencial, claro, objetivo e espontâneo, sem contradições ou incongruências, e, como tal, merecedor da credibilidade deste tribunal”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da incompetência em razão da hierarquia

Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pelo IMMP, em virtude de, na sua perspetiva, estarem apenas em discussão questões de direito.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – redação vigente à época):

“Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:

(…) b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Por seu turno, prescreve o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer:

a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT (na redação então vigente):

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Assim, compete ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de recursos, quando a matéria for exclusivamente de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais.

Nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do CPPT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal.

Para a aferição da competência em razão da hierarquia é fundamental atentar nas alegações e conclusões do recurso.

In casu, não se acompanha o entendimento do IMMP, atento o teor das conclusões formuladas, do qual resulta a alegação de uma errónea apreciação da matéria de facto (e consequente erro de julgamento de facto), ainda que não tenha sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Face ao exposto, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que a administração tributária (AT) demonstrou os pressupostos que permitem afastar a presunção de veracidade do declarado, cabendo ao Recorrido o ónus da prova de que os valores em causa não foram rendimentos, o que não sucedeu. Considera igualmente inexistir uma duplicação de tributação.

O fundamento das correções objeto dos presentes autos reside em relatório de inspeção tributária (RIT), decorrente de ação inspetiva feita ao Recorrido, na sequência de ações inspetivas anteriores feitas às sociedades B..... e B......

Assim, atento o RIT, foi considerado rendimento da categoria A o valor relativo a levantamentos superiores ao valor imputado pelo sujeito passivo como rendimento de transparência fiscal de ambas as sociedades.

Fundou-se a AT, neste conspecto, na circunstância de “muitas das transferências bancárias serem efetuadas durante quase todos os meses do ano”, terem sido detetadas, por amostragem, situações de abastecimento de combustível de valores elevados e em diferentes sítios em simultâneo, com paralelas deslocações a Madrid, situações de duplicação de lançamentos, situações de ajudas de custo em território nacional em simultâneo com despesas de deslocação ao estrangeiro.

O Tribunal a quo, a este propósito, considerou que o Recorrido logrou justificar todas as situações que a AT reputa como discrepâncias ou irregularidades. Sublinhou ainda que, no caso de alegadas irregularidades, não foram as mesmas elencadas detalhadamente, sendo que a opção não poderia ser considerar todas as quantias como rendimento de trabalho dependente. O mesmo se refira quanto a algumas despesas de caráter pessoal, que o Recorrido assume, mas que não são individualizáveis, atento o teor do RIT. Concluiu ainda que, de todo o modo, sempre seria uma situação que se incluiria no âmbito do art.º 100.º do CPPT. Entendeu finalmente que, por outro lado, a situação controvertida implicaria a tributação de uma mesma realidade por duas vezes.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Está assim consagrado o princípio da verdade declarativa.

Caberá, nestes casos, em primeira linha, à AT pôr em causa de forma sustentada esta presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes. Afastada que seja tal presunção, passa a competir ao contribuinte o ónus da prova de que o declarado corresponde à realidade.

In casu, como resulta provado, o Recorrido apenas declarou rendimentos da categoria B de IRS durante os anos de 2000 e 2001, declarações essas que gozam da presunção de veracidade já mencionada, cabendo, pois, num primeiro momento, à AT afastar tal presunção.

Portanto, in casu, tal como feito pelo Tribunal a quo, cumpre aferir se a AT logrou pôr sustentadamente em causa a presunção de veracidade das declarações apresentadas pelo Recorrido. É neste contexto desde já de sublinhar que as correções efetuadas pela AT foram feitas através de uma metodologia de amostragem, o que, naturalmente, implica que a prova a cargo do sujeito passivo nestes casos tenha de ser, também ela, mais genérica, porque a própria fundamentação do ato não permite qualquer nível de detalhe e identificação das situações que motivaram todas as correções.

Como já referimos supra, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, é atentando na mesma que radicará a nossa apreciação.

Assim, como já mencionamos, a primeira das situações que a AT reputa como sendo de irregularidade prende-se com a circunstância de o Recorrido receber quantias fixas durante quase todos os meses do ano.

Ora, tal circunstância, per se, não permite concluir tratar-se de retribuição, sendo exigível à AT que densificasse de forma mais intensa a factualidade subjacente para se poder concluir em sentido diverso [cfr. a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.01.2015 (Processo: 0901/14) e ampla jurisprudência no mesmo citada].

Ademais, ficou provado que o Recorrido era partner nas sociedades em causa (cfr. facto K.), competindo-lhe, no exercício de tais funções, “realizar as despesas necessárias ao desenvolvimento dos trabalhos, designadamente, pagar as deslocações, viagens e estadias dos técnicos que integram as suas equipas de trabalho e que se encontram em clientes fora dos locais dos escritórios” (cfr. facto L.). Ficou ainda provado que ambas as sociedades tinham instituídos mecanismos automáticos de reembolsos de despesas e de adiantamentos por conta de despesas e que os adiantamentos feitos visavam fazer face quer a despesas do Recorrido quer dos técnicos sob a sua supervisão (cfr. factos M. e N.).

Assim, da prova produzida resultou explanada a circunstância de o Recorrido receber com alguma regularidade tais quantias fixas. Logo, esta situação não tem as consequências extraídas pela Recorrente.

O mesmo se refira quanto à existência de múltiplos abastecimentos, alguns em distintos locais e, bem assim, quanto à existência de despesas em simultâneo em Portugal e em Espanha.

Mais uma vez reiteramos que, tendo a correção sido feita por amostragem, naturalmente que a prova feita não pode ser se não global. Ora, como já referimos, ficou provado que o Recorrido, sendo partner, tinha sob a sua alçada equipas de trabalho com vários elementos, cujas funções eram desempenhadas em vários pontos do país e do estrangeiro, sendo as despesas pagas pelo Recorrido, quer por força do adiantamento que recebia e a que já nos referimos, quer por via de mecanismos de reembolso (cfr. factos F., G., H., L., N. e O.). Ora, este contexto factual é perfeitamente compatível com a existência de despesas similares em vários pontos do país e do estrangeiro, dado tratar-se de despesas relativas não só ao Recorrido, mas também às equipas pelo mesmo supervisionadas.

Portanto, acompanha-se o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que, nesta parte, e atendendo à concreta forma como o próprio RIT retrata a realidade (de forma global), o Recorrido logrou demonstrar a fragilidade da fundamentação da AT, não lhe podendo ser exigível, ao contrário do que parece defender a Recorrente, que a prova feita seja caso a caso, uma vez que nem se sabe concretamente que situações estão abarcadas na correção, atenta a metodologia adotada pela AT e a que já nos referimos.

A este propósito, e uma vez que a Recorrente nas suas conclusões alude a viagem a Espanha relativamente à qual não havia documentação de suporte, há que atentar na circunstância de nem sequer resultar do RIT cabalmente identificada a viagem em causa. É certo que do RIT decorre, de um lado, que as viagens a Madrid e a Sevilha não estavam cabalmente documentadas na sede da empresa (afirmação conclusiva, aliás, uma vez que se refere que não foram encontrados “meios de prova que demonstrem clara e inequivocamente que estas deslocações se efectuaram”, seguindo-se um elenco de viagens a Espanha). Não obstante, adiante são mencionadas várias viagens a Madrid e a Sevilha, relativamente às quais se indica em que documentos as mesmas se suportam. Ou seja, não ficou minimamente percetível qual ou quais as deslocações que a AT considerou não documentadas ou insuficientemente documentadas, o que tem como contraponto a não exigibilidade ao Recorrido de provar concretas viagens que nem sabe quais são.

Tendo ficado provado, a este propósito, que o Recorrido se deslocava ao estrangeiro em serviço, até pelas funções que desempenhava em comités nacionais e internacionais e pelo facto de haver clientes no estrangeiro, está cabalmente demonstrado o exigível ao Recorrido e que, no fundo, se centra na questão de haver despesas suportadas nos mesmos períodos temporais em diversos pontos do território nacional e do estrangeiro.

Por outro lado, como se refere na sentença, nada no RIT permite concluir que os valores em causa constituem uma contrapartida financeira por uma prestação laboral (aliás, em lado algum do RIT é evidenciado por que motivo se enquadram os valores em causa na Categoria A), argumento que, aliás, a Recorrente não põe em causa e que se revela de grande importância, porquanto não se encontra minimamente evidenciado o iter conducente a tal configuração feita pela AT como rendimento de trabalho dependente.

No tocante às situações de duplicação de lançamentos, e sem prejuízo de poderem de facto ter ocorrido, embatemos novamente, de um lado, com a falta de especificação do fundamento que leva à subsunção da correção na Categoria A de IRS e, de outro, com a ausência de uma discriminação exaustiva das situações, com uma paralela consideração de todos os valores como rendimentos da categoria A. Como referido na sentença sob escrutínio, “tendo sido constatadas duplicações e contabilizações em mais do que uma rubrica a Administração Tributária deveria ter elencado pormenorizada e detalhadamente tais situações as quais deveriam ter sido expressas em termos numéricos para que se pudesse expurgar as quantias em duplicado, e as contabilizadas em mais que uma rubrica. Não pode é, com base nessas duplicações e por amostragem, subsumir todas as quantias transferidas como rendimentos de trabalho de dependente, sob pena, como bem refere o Impugnante ser, desde logo, preterido o princípio da capacidade contributiva e bem assim do rendimento real”.

Finalmente quanto às situações de despesas pessoais do Recorrido, que o próprio assume terem sido indevidamente apresentadas como despesas, novamente colidimos com uma total e absoluta ausência de discriminação e densificação, impedindo, naturalmente, a sua quantificação – pelo que não é possível aferir que parte da correção respeita às mesmas.

Em suma, considera-se que, de facto, a AT não logrou pôr em causa de forma sustentada a presunção de veracidade da declaração do contribuinte, seja pela fragilidade dos fundamentos esgrimidos, justificados pelo Recorrido, seja pela forma conclusiva e não discriminada, qualitativa e quantitativamente, dos valores em causa por tipologia de despesa, ao que acresce, genericamente, uma ausência de evidenciação dos motivos atinentes à consideração dos valores em causa como rendimentos subsumíveis na Categoria A.

Por outro lado, e quanto à duplicação de tributação, não se acompanha igualmente o entendimento da Recorrente.

Vejamos então.

In casu, estamos perante correções efetuadas à B....., sociedade sujeita ao regime da transparência fiscal.

O regime da transparência fiscal foi criado visando atingir três objetivos (1):

a) Neutralidade fiscal, tendo em vista que rendimentos idênticos sejam tributados de forma também ela idêntica, independentemente da interposição de uma figura societária;

b) Combate à evasão fiscal, tendo por objetivo impedir que, pelo uso da tal figura societária, haja de alguma forma fuga à tributação;

c) Eliminação da dupla tributação económica(2), visando impedir que, pelos mesmos rendimentos, os sócios (ou associados) das entidades em causa paguem IRC e IRS, em simultâneo.

Este regime encontrava, à época, desde logo previsão no código do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (CIRC), sendo de chamar a este propósito à colação o seu art.º 6.º (art.º 5.º, por referência a 2000), nos termos do qual (redação em vigor em 2001, mas que globalmente, no que ora releva, corresponde à sua antecedente):

“1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

(…) b) Sociedades de profissionais;

(…) 2 - Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direção efetiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis diretamente aos respetivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.

3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.

4 - Para efeitos do disposto no nº 1, considera-se:

a) Sociedade de profissionais (…) a (…) constituída para o exercício de uma atividade profissional constante da lista a que alude o artigo 151º do Código do IRS, em que todos os sócios sejam profissionais dessa atividade…”.

Por seu turno, nos termos do art.º 20.º do CIRS (redação vigente em 2001, correspondente ao art.º 19.º, na redação em vigor em 2000):

“1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constantes.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B…”.

Portanto, quando estamos perante sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal, designadamente sociedades de profissionais, como sucede in casu, estas não são tributadas em sede de IRC (cfr. art.º 12.º do CIRC: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC”). No entanto, a sua matéria coletável é apurada nos termos do CIRC, sendo ulteriormente imputada aos sócios e tributada de acordo com o regime aplicável a esses mesmos sócios (IRC ou IRS). Caso os sócios sejam pessoas singulares, a tributação é feita ao nível da categoria B do IRS.

É ainda de chamar à colação o art.º 92.º do CIRC, nos termos do qual:

“Sempre que, relativamente às entidades a que se aplique o regime de transparência fiscal definido no artigo 6º, haja lugar a correções que determinem alteração dos montantes imputados aos respetivos sócios ou membros, a Direção-Geral dos Impostos promove as correspondentes modificações na liquidação efetuada àqueles, cobrando-se ou anulando-se em consequência as diferenças apuradas”.

In casu, a AT, no âmbito da ação inspetiva mencionada em S. e T. do probatório, efetuou diversas correções, onde se refletem despesas sobre as quais nos pronunciamos supra e que não foram aceites como custo, ao abrigo do art.º 23.º do CIRC.

Desde logo, e porque a fundamentação nesta parte não diverge da fundamentação do RIT relativo ao Recorrido, sendo até mais lacónica, verifica-se que não foi cabalmente posta em causa pela AT a não indispensabilidade dos custos em causa, quer atento o caráter global e genérico com que a correção foi feita (impedindo mesmo a mensuração das despesas pessoais), quer atenta a circunstância, já referida supra, de se encontrarem justificações efetuadas pelo Recorrido, no que respeita às demais despesas, nos termos já enunciados anteriormente.

Ademais, como refere o Tribunal a quo, encontramo-nos perante uma duplicação de tributação, situação essa, aliás, que esse regime visa justamente evitar, como já mencionado.

Com efeito, in casu, os valores foram desconsiderados como custos na esfera das sociedades, com reflexos, naturalmente, nos rendimentos da categoria B do Recorrido, na medida em que há impacto em termos de mensuração da matéria coletável. No entanto, tais valores encontram-se novamente refletidos na sede individual do Recorrido, mas, desta feita, enquanto rendimento da categoria A.

Ou seja, a mesma situação gera, na prática, uma tributação em dois momentos ao nível do imposto sobre o rendimento.

Como tal, também nesta parte não se acompanha o entendimento da Recorrente.

Refira-se, finalmente, que na sentença recorrida se considerou estar-se ainda no âmbito da aplicação do art.º 100.º do CPPT, questão relativamente à qual a Recorrente nada disse. Com efeito não foi atacado o entendimento evidenciado pelo Tribunal a quo, no sentido de, no mínimo, se estar perante uma fundada dúvida da existência de facto tributário, nos termos consignados no mencionado normativo, entendimento esse que, aliás, subscrevemos.

Efetivamente, atento o disposto no art.º 100.º, n.º 1, do CPPT, “[s]empre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.

Este regime surge desenhado sobretudo para situações em que o ónus probatório está a cargo da AT, logrando a parte abalar a prova ou os elementos em que se fundou a administração para prática do ato tributário.

Ora, in casu, face ao caráter genérico da fundamentação da AT, a prova produzida sempre abalaria de forma fundada a posição vertida no RIT.

Logo, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de janeiro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

______________
(1) Cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.06.2016 (Processo: 01508/13) e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27.03.2012 (Processo: 05287/12)
(2) V., a este respeito, Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 293.