Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:115/05.9BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:- IVA
- DIREITO À DEDUÇÃO
- AFETAÇÃO HABITACIONAL
Sumário:I. O direito à dedução é essencial ao funcionamento do imposto e permite assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade.

II. Para conferir o direito à dedução necessário se torna que os bens ou serviços se destinem efetivamente a ser utilizados na atividade tributada, não conferindo direito à dedução se se destinarem a uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou para fins estranhos à própria empresa.

III. A mera afetação habitacional do prédio não é, porém, suficiente para que seja vedado o direito à dedução do IVA respetivo, quando este se encontrar integrado no património da empresa e tenham sido ou venham a ser usados pelos trabalhadores da empresa, nomeadamente para alojamento dos trabalhadores.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A FAZENDA PUBLICA, veio interpor recurso parcial da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela S…, Lda., contra o ato de liquidação adicional n.º 0… de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respetivos juros compensatórios, referente ao período de 2003, no valor global de € 6.936,10.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Representante da Fazenda Pública, ora Recorrente, formula as seguintes conclusões:

a) A douta sentença violou os artigos 20/1 alínea a) do CIVA (e ainda do artigo 35/5 al. b) do CIVA).

b) A fazenda pública circunscreve o presente recurso ao IVA deduzido pela impugnante constante das facturas n° 4…, de 09/09/2003, 4… de 01/10/2003 e 4… de 03/11/2003, todas emitidas pela firma “T…, Lda.”, e apenas concernente às obras realizadas na “casa dos patrões” existente na exploração agrícola.

c) Nos termos do art° 20/1 al. a) do CIVA o sujeito passivo só tem direito à dedução do imposto suportado em aquisições de bens ou serviços que se destinem à realização de operações efectivamente tributadas e das operações isentas nele referidas.

d) Ora, no caso em apreço, o IVA suportado nas despesas com obra em imóveis destinados à “residência” do empresário agrícola, que de facto não é residência de ninguém, uma vez não ser aí residente nenhum dos sócios ou gerentes da impugnante, não é dedutível, visto que se trata de imposto suportado em despesas que não se destinam às operações previstas no art° 20° do CIVA, ainda que os imóveis estejam integrados na exploração e pertençam ao seu imobilizado.

e) Assim, pois, nenhum dos sócios da “S…, Lda.”, reside na exploração agrícola ora em causa, sendo referido pela testemunha R…, no que concerne à “casa dos patrões” que, “a casa estava degradada”, as obras foram “só para evitar uma maior degradação das casas”. Aliás, é por esta testemunha ainda referido que “a factura dizia casa dos patrões mas servia para utilidade agrícola”, a corroborar o facto das obras efectuadas na “casa dos patrões” nada terem a ver com a exploração agrícola, que a “casa dos patrões” não tem qualquer utilidade agrícola, “não é utilizada para nada”. E embora a testemunha A… refira que “a casa dos patrões seria para arrumação de material”, a testemunha J… refere também que “a quinta tem mais um armazém onde são guardadas as alfaias agrícolas e os adubos”.

f) Está, pois, em causa, relativamente às obras realizadas na “casa dos patrões”, a aquisição de bens e/ou serviços que não se destinam à realização de operações efectivamente tributadas, tendo apenas em vista “evitar uma maior degradação da casa”, uma vez que a esta casa não é dada qualquer utilidade agrícola, servindo apenas para lazer e uso pessoal esporádico dos sócios da impugnante.

g) Por outro lado ainda, no sentido de reforçar a não dedutibilidade do IVA suportado pela impugnante nas obras da “casa dos patrões”, nas três facturas ora em causa não é especificado de que tipo de obras se trata. Refere a ora impugnante nos n° 11, 15 e 16 da p.i. que estas obras se reportam “à maioria das obras de manutenção realizadas (obra orçamentada), referentes a todas as edificações existentes na Quinta. Enquanto que as restantes facturas se reportam a trabalhos mais específicos, não orçamentados, e, por isso mesmo, mais especificamente identificados no descritivo das facturas”. O que é certo é que a impugnante não junta qualquer orçamento ou auto de medição das obras a identificar os trabalhos realizados, de forma a comprovar o alegado.

h) Referindo as facturas n° 4…e 4... apenas “casa dos patrões” não satisfazem os requisitos do art° 35/5 al. b) CIVA, por não conterem qualquer referência à quantidade e à denominação dos serviços prestados, não conferindo direito à dedução do IVA nelas mencionado, independentemente da efectiva realização da operação a que as mesmas se referem. Aliás, tal facto é corroborado pelo técnico de contas da ora impugnante, R…, que reconhece que “não há discriminação das obras por culpa dos prestadores de serviços”. Prestador de serviços que, no entanto, por exemplo em relação às obras efectuadas no “wc da casa dos patrões” - factura n° 4… - discriminou os serviços feitos e materiais aplicados, estando em causa apenas o valor de 429,00€, nada discriminando em relação à “casa dos patrões”, apenas referindo, sem mais, o enorme valor de 18.750,00€.

i) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»



Nas contra-alegações, a Recorrida S…, Lda., formula as seguintes conclusões:

A. Como matéria central, o que nos presentes autos sub iudice se encontra em decisão é se, efectivamente, é permitido a dedução relativa ao IVA constante das facturas relativas às obras realizadas nas três edificações existentes na Quinta: a denominada “casa dos patrões”, a “casa dos caseiros” e “edifício destinado aos trabalhadores agrícolas”. E entronca na questão central se tal dedução de IVA deverá ser permitida em função do destino das despesas de investimento efectuadas, ou seja, se as despesas de conservação e melhoramento dos imóveis integradas na Quinta do V… são consideradas e integradas no âmbito do investimento e melhoramento da sua unidade de produção.

B. Em sentido contrário ao entendimento da IMPUGNANTE E DA DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, a Administração Tributária considerou que estas mesmas despesas foram realizadas nos mesmos bens imóveis mas que se consideram destinados à habitação, originado o acto de liquidação adicional n.° 0…, relativo a Imposto sobre Valor Acrescentado (“IVA”) do ano de 2003, no montante de 6.815,11 euros, bem como da respectiva liquidação adicional de juros compensatórios, período de Dezembro de 2003, no montante de € 120,99.

C. A aqui IMPUGNANTE (e Recorrida) acompanha em absoluto e na íntegra tudo o que foi dado como provado pela Douta Sentença, toda a motivação bem sustentada por ampla prova documental e testemunhal, bem como a Douta Decisão proferida, considerando, aliás, absolutamente exemplar e perfeita a douta sentença em relação aos presentes autos, que considera aqui integralmente reproduzida.

D. O próprio Relatório da Inspecção Tributária notificado à sociedade, enquanto fundamentação dos actos aqui impugnados, cite-se, «constatou-se que nos anos objecto desta inspecção o sujeito passivo esteve numa fase de investimento e melhoramento da unidade de produção. De facto nos anos em causa o sujeito passivo efectuou diversos investimentos, nomeadamente: plantação de novas vinhas que, pelas características do terreno envolvem custos avultados (...)». Concluindo-se que foram «tais investimentos que justificam os sucessivos pedidos de reembolso que vem solicitando».

E. Ficou amplamente provado nos autos e reconhecido de forma clara e inequívoca por todas as testemunhas arroladas pela IMPUGNANTE que, no âmbito da sobredita política de investimentos, esta sociedade realizou vários investimentos, entre os quais obras de conservação e melhoramento nas instalações destinadas à habitação dos caseiros, destinado aos trabalhadores existentes na sua exploração agrícola, incluindo, também, na denominada “casa dos patrões”. De facto, foi amplamente comprovado nos autos e de forma detalhada todas as obras de investimento, incluindo as de conservação, realizadas nas três edificações existentes na Quinta: a denominada “casa dos patrões”, a “casa dos caseiros” e “edifício destinado aos trabalhadores agrícolas”;

F. No caso de explorações agrícolas complexas e com alguma dimensão, como a explorada pela sociedade V…, é óbvio - como é de conhecimento geral - que a exploração tem forçosamente de possuir a tempo inteiro um caseiro, pois só dessa forma todos os assuntas do dia-a-dia da Quinta - muitas das vezes tão imprevisíveis, como a própria natureza - são devidamente tratados. Neste sentido, as casas de caseiros só existem nas Quintas - como na Quinta explorada pela V…-, para que os caseiros possam, a tempo inteiro, encarregar-se de todos os assuntas práticos da Quinta. Ou seja, são instalações absolutamente necessárias para a “máquina produtiva”.

G. Ficou provado nos autos que a denominada “casa dos caseiros'’ sofreu obras de beneficiação ou manutenção geral, servindo esta habitação para a instalação do caseiro responsável pela Quinta;

H. O edifício dos trabalhadores agrícolas, apesar de servir de dormitório ocasional para os trabalhadores, o mesmo não tem obviamente uma função “habitacional” enquanto “casa de morada de família” dos mesmos. Por outras palavras, nenhum trabalhador vive/habita nesse edifício a tempo inteiro. Estes trabalhadores, tal como os caseiros, são elementos fundamentais na actividade produtiva de uma Quinta, como ficou, igualmente, provado pelos testemunhos apresentados nos autos.

I. A denominada “casa dos patrões” é uma habitação que não tem condições de habitabilidade e que, por isso mesmo, não está habitualmente a uso (mesmo depois das obras realizadas), servindo, esporadicamente, no primeiro andar como escritório da S…, e no rés-do-chão, para guarda e arrumação de material e máquinas destinadas à actividade produtiva e laboração da Quinta V….

J. Pelo que, por todo o decurso da prova documental e testemunhal efectuada, falece por completo toda a fundamentação e prova realizada em relação ao alegado pela Inspecção Tributária de que as obras de conservação foram realizadas em “casa que pelas suas características se consideram habitacionais.” Nem poderia comprovar tal facto, acrescente-se, uma vez que todas as edificações existentes na Quinta são um elemento fundamental na exploração agrícola em questão e à sua actividade exclusivamente afectos.

L. Cite-se, em conclusão e porque absolutamente cristalina e a todos os títulos exemplar, o mencionado na pág. 10 da Douta Sentença, ao referir que “Nos autos, como já vimos, a AT afasta a dedutibilidade em virtude das características dos imóveis em questão, o que de tudo o que se escreveu resulta insuficiente, desde logo, porque como decorre do supra transcrito Acordão. o IVA suportado com as despesas com alojamento dos designados “caseiros” e bem assim com a sua conservação, são nos termos do artigo 21°. n° 2 b). do CIVA dedutíveis. E são-no também as despesas realizadas com dormitórios, pelo que não é possível concluir nos termos da indevida dedução, como concluiu a AT, com os fundamentos que apontou.

É que é a própria AT a, na sua fundamentação, apesar de se fundar no artigo 20° do CIVA para afastar a dedução efectuada, referir que aquela casa do caseiro, assim como o dormitório e a “casa dos patrões” fazem parte da exploração agrícola, nada referindo que permita ver as mesmas excluídas da realização das operações de transmissão de bens e serviços sujeitas a imposto, sendo certo que a AT enquadrou no seu relatório a impugnante como sujeito passivo de IVA, no regime normal trimestral.

E toda a fundamentação supra aplica-se também às despesas realizadas com a designada “casa dos patrões”, em relação à qual a AT não avançou fundamento diferente”.

M. Efectivamente, o que importa referir é que tais casas (caseiros, edifício para os trabalhadores e “casa dos patrões”) são um elemento fundamental em explorações agrícolas, concluindo-se que o IVA suportado nas obras de manutenção e conservação dessas mesmas casas deve ser dedutível, porque está intimamente associado à própria exploração agrícola, logo, às operações tributadas da sociedade V….

N. Isto porque, para que o sujeito passivo esteja autorizado, nos termos da lei (Código do IVA), a deduzir o imposto suportado a montante, é necessário determinar se os bens ou serviços adquiridos são utilizados para efeitos das necessidades práticas de operações tributáveis.

O. Para os devidos efeitos, valore-se ainda que, grande parte dos factos enunciados pela IMPUGNANTE, vêm devidamente reconhecidos pela Inspecção tributária no seu Relatório, e a propósito do Direito de Audição que foi exercido, a Inspecção Tributária acrescenta que «nem todos os edifícios estão afectos ao alojamento e habitação do caseiro. (...)

d) Efectivamente a reparação dos dormitórios do pessoal foi efectuada em edifício localizado a certa distância da casa denominada casa dos caseiros. No momento da visita foi afirmado que, efectivamente, ela se destinava ao alojamento e vestiário dos trabalhadores.

A casa denominada por casa dos patrões dos trabalhadores diz respeito a uma casa sediada na Quinta que no momento e pelo que nos foi dado a verificar e confirmado por quem nos acompanhou, não tinha no momento qualquer utilização».

P. Assim, e por referência ao artigo 20° do CIVA, entende a ora IMPUGNANTE que as obras realizadas tiveram como finalidade inequívoca o exercício de uma actividade tributada, pelo que a dedução da totalidade do imposto suportado nas respectivas aquisições deve ser considerada absoluta e integralmente correcta.

Q. Acresce que, e ficou amplamente provado, a sociedade V… realizou avultados investimentos de reestruturação da sua exploração agrícola, designadamente com a plantação de novas vinhas e, simultaneamente, obras nas suas instalações, uma vez que as mesmas encontravam-se em condições notoriamente precárias e degradas.

R. Por tudo o exposto, e em suma, a ora IMPUGNANTE entende que a globalidade das obras de beneficiação foram imprescindíveis e são um elemento fundamental na exploração agrícola - como são também as suas vinhas, os seus armazéns e a sua maquinaria.

S. Consequentemente, o IVA suportado nas obras de manutenção e conservação dessas casas deve ser integralmente dedutível, pois está intimamente associado à própria exploração agrícola e ao desenvolvimento da sua actividade produtiva, logo, às operações tributadas da sociedade V….

T. Aliás, é esse o sentido e espírito da lei, como é o sentido da interpretação dada pelos Serviços do IVA nas mais variadas situações, permitindo, por exemplo, aos sujeitos passivos deduzirem o IVA suportado em obras realizadas em edifícios alheios, quando tais edifícios são utilizados na sua actividade produtiva (Informação n.° 1… de 21.09.98 da DSIVA).


TERMOS EM QUE, o Recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública deve improceder totalmente, mantendo-se a douta decisão da Sentença em relação aos autos supra identificados que julgou procedente a presente Impugnação Judicial, mantendo-se assim a anulação da respetiva liquidação de IVA n° 0…, no valor de 6.815,11 euros, e respetiva anulação dos juros compensatórios referentes à liquidação n° 0…, e ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios por pagamento pela IMPUGNANTE de dívida tributária em montante superior ao devido.

SÓ DESTA FORMA, FARÃO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA!»



Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença que julgou procedente a impugnação padece de erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) Entre 0/06/2004 e 29/07/2004 decorreu uma inspecção à contabilidade da impugnante (cfr. relatório de inspecção, a fls. 5 e seguintes do PAT);

b) A AT no relatório de inspecção descreve a impugnante como sujeito passivo de IVA no regime normal trimestral de periodicidade trimestral, pela actividade “produção de vinhos comuns e licorosos.” (cfr. Capítulo II, C do relatório de inspecção a fls. 5 e seguintes do PAT);

c) Lê-se do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. relatório de inspecção, a fls. 5 e seguintes do PAT):

“Capítulo III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas.

(…)

2.1.2 – Dedução indevida de imposto – IVA

Na declaração periódica ao período 0312T mais precisamente no campo 24, o sujeito passivo efectuou dedução do IVA contante dos documentos que a seguir se indicam:


«Imagem no original»


A dedução efectuada considera-se indevida pelos seguintes fundamentos:

As despesas mencionadas a título de reparação e conservação foram efectuadas em casas que pelas suas características se consideram habitacionais.

Embora integradas na exploração do sujeito passivo, o imposto suportado nas despesas de construção e conservação de bens imóveis destinados a habitação, não se considera dedutível porque não se destinam às operações previstas no art.º 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

O agora referido resume o já esclarecido pelos serviços do IVA (da informação n.º2..., de 93/10/20, da DSCA do SIVA).”

d) Com data de 09/09/2003 foi emitida, por T…, Lda., a factura n.º4…, na qual, além do mais, se descreve “executar uma cobertura (alpendre) na porta da casa do caseiro com 1 mt. largura, em madeira, ripa e telha de forma a não entrar chuva para casa”, no valor de 1.850€ (cfr. documento de fls. 25 do PAT);

e) Com data de 01/10/2003 foi emitida, por T…, Lda., a factura n.º4…, na qual, além do mais, se descreve (cfr. documento de fls. 26 do PAT):

- “fornecimento e colocação de telha nacional (…) sobre simples ripado em plástico colocado sobre o telhado existente no dormitório do pessoal da vinha”, no valor de 2.895€;

- “casa dos patrões (35% do valor total)”, no valor de 10.000€.

f) Com data de 03/11/2003 foi emitida, por T…, Lda., a factura, n.º4…, na qual, além do mais, se descreve (cfr. documento de fls. 27 do PAT):

- “Tratar e refazer a cozinha dos caseiros, fornecimento e colocação de pladur hidrofugado sob tecto (…) refazer instalação eléctrica existente e colocar lâmpadas fluorescentes, pintura geral de paredes e tectos com tinta plástica nas demãos necessárias (50% do valor)”, no valor de 1.945€;

- “reparação geral do WC da casa dos patrões, substituição de sanita, bidé, refazer azulejos, pintura geral, sendo o chão com tinta proxy, pintura de porta e janela, refazer, verificar e testar tubarias de águas e esgotos, execução de redes de água quente tendo início na cozinha dos caseiros com a montagem de um esquentador automático rede à vista inox (15% valor ”, no valor de 429€.

- casa dos patrões (conclusão), no valor de 18.750€”

g) A 21/09/2004 foi emitida a liquidação adicional de IVA, n.º 0…, relativa ao período 2003, no valor total de 6 991,80€, dos quais 176,69€ por “operações sem liquidação do imposto”, e, 6 815,11€, por “situações abrangidas pelo n.º 3 do art.º 21.º do CIVA” (cfr. documento de fls. 21 dos autos);

h) A 21/09/2004 foi emitida a liquidação adicional de IVA, n.º 0…, relativa a juros compensatórios do período 2003, no valor de 120,99€ (cfr. documento de fls. 22 dos autos);

i) Na Quinta da M… está implantada uma construção designada “casa dos patrões” (depoimento da terceira testemunha);

j) A “casa dos patrões” não serve fins habitacionais dos donos da quinta (terceira e quarta testemunha);

k) Na “casa dos patrões” no piso inferior, existe uma garagem (terceira e quarta testemunha);

l) A 07/02/2005 a impugnante pagou a dívida com origem nas liquidações ora impugnadas (cfr. documento de fls.29 dos autos).»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e constantes do PAT, assim como do depoimento das testemunhas.

Sobre a prova testemunhal cumpre referir a relevância do depoimento da terceira e quarta testemunhas, em virtude de, apenas estas testemunhas terem conhecimento directo dos factos. A primeira porque acompanhou as obras, e a segunda, a testemunha da RFP, porque visitou o local em questão, para realização da inspecção.



II.2 Do Direito

Na sequência de procedimento inspetivo a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não dedutível o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) constante de três faturas contabilizadas pela ora Recorrida e emitiu a liquidação a adicional impugnada.

O presente recurso é parcial e restrito ao segmento da sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação do IVA deduzido pela Impugnante, ora Recorrida, constante das faturas n° 4…, de 09/09/2003, 4… de 01/10/2003 e 4… de 03/11/2003, todas emitidas pela firma “T…, Lda.”, e apenas concernente às obras realizadas na “casa dos patrões” existente na exploração agrícola – cf. conclusão b) das alegações de recurso.

Nos presentes autos, está, pois, em causa o direito à dedução do IVA suportado pela Impugnante, ora Recorrida.

Preliminarmente, vejamos, ainda que de forma necessariamente sumária e sucinta, algumas das principais caraterísticas deste imposto, com relevo para a decisão do caso em análise.

Como é consabido o Imposto sobre o valor acrescentado é um imposto indireto que incide sobre o consumo (transmissão de bens e prestações de serviços), plurifásico, porque se aplica a todas as fases do circuito económico e não cumulativo, porque em cada uma delas apenas se tributa o valor acrescentado, em cada fase, por cada um dos operadores económicos.

Nas palavras de Clotilde Celorico Palma: [o] IVA é caracterizado, essencialmente, como um imposto indireto, de matriz europeia, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o ato de consumo através do método subtrativo indireto (1).

A dedução pode operar através dos métodos subtrativo indireto, do reporte ou do reembolso (2).

Significa isto que, em cada fase, os sujeitos passivos ou operadores ao montante de imposto apurado, subtraem os montantes de imposto que tenha sido suportado em fase anterior.

Com efeito, o direito à dedução é essencial ao funcionamento do imposto e permite assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade.

O exercício do direito à dedução do IVA pago a montante está, no entanto, condicionado ao preenchimento de requisitos que podem ser podem ser de cariz subjetivo (relacionados com a qualidade de sujeito passivo), objetivo (relacionados com a tipologia de bens ou serviços), finalístico (atinentes ao fim dos bens ou serviços) e temporal (relacionados com a determinação do momento da exigibilidade) – cf. Ac. TCAS de 2021.05.27, Proc nº 744/11.1BELRA, disponível em www.dgsi.pt.

Anote-se que nos presentes autos não está em causa o requisito temporal, pelo que a ele não nos iremos referir.

Vejamos a qualidade do sujeito passivo:

A impugnante ora Recorrida, é caracterizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira como sujeito passivo de IVA no regime normal trimestral de periodicidade trimestral, pela atividade “produção de vinhos comuns e licorosos – cf. alínea b) dos factos provados.

Além de os bens ou serviços adquiridos terem sido efetuada por um sujeito passivo enquanto tal, para conferir o direito à dedução necessário se torna que se destinem efetivamente a ser utilizados na atividade tributada.

Já não confere direito à dedução se os bens se destinarem a uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal, para fins estranhos à própria empresa.

Em causa está, como vimos, o IVA constante das faturas nº 4…, 4… e 4… de emitidas por T…, Lda., em 9 de setembro, 1 de outubro e 3 de novembro de 2003, respetivamente, e apenas no que se refere às obras realizadas no imóvel designado por “casa dos patrões”, existente na exploração agrícola – cf. conclusão B) das alegações de recurso.

Dizia o artigo 19º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA):

Artigo 19.º
Direito à dedução

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) O imposto devido pela importação de bens;
c) O imposto pago pela aquisição dos bens ou dos serviços indicados nos n.os 8, 11, 13 e 16, 17 alínea b) e n 19 do artigo 6.º;
d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não houverem faturado o imposto;
e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º
2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.
3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que, com o conhecimento do sujeito passivo, o transmitente dos bens ou prestador dos serviços, com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, tenha declarado o exercício de uma atividade e não disponha de adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer.


E, estipulava o artigo 20º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), aliás transcrito na sentença recorrida:

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:
I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;
II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;
III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;
IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15.º;
V) Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;
VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.”


Defende a Recorrente que o IVA que figura naquelas faturas não é dedutível, essencialmente, por duas ordens de razões.

A primeira por se tratar de obras efetuadas em bem imóvel afeto a habitação e onde ninguém reside, embora não ponha em causa que o bem esteja integrado na exploração e pertença ao seu imobilizado [cf. conclusão d) das alegações de recurso].

E ainda por as faturas não respeitarem a forma legal nem os requisitos exigidos pela alínea b) do nº 5 do artigo 35 CIVA, ou seja, por não conterem qualquer referência à quantidade e à denominação dos serviços prestados – cf. conclusão h) das alegações de recurso.

Relativamente a este último, e tal como decidido na sentença recorrida, este argumento apesar de alegado em sede de contestação, não foi levado à motivação no relatório de inspeção tributária para afastamento do direito da contribuinte à dedução do imposto suportado.

No relatório dos serviços de inspeção tributária para afastar o direito à dedução considerada indevida, apenas se refere: (i) as despesas mencionadas a título de reparação e conservação foram efectuadas em casas que pelas suas características se consideram habitacionais; (ii) embora integradas na exploração do sujeito passivo, o imposto suportado nas despesas de construção e conservação de bens imóveis destinados a habitação, não se considera dedutível porque não se destinam às operações previstas no art.º 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Com efeito, as deficiências ou insuficiências apontadas ao descritivo constante das faturas constitui fundamentação a posteriori do ato tributário, o que não é legalmente admissível e, logo, não pode ser aqui apreciado.

É pacífico que para apreciação judicial da legalidade do ato, tem de atender-se à fundamentação contextual, Sabido que o direito à fundamentação dos actos administrativos reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não será de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os actos tributários e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais (Ac. STA de 2016.01.27, Proc nº 0324/15, disponível em www.dgsi.pt).

É pacífica e consolidada a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nesse sentido, da qual citamos apenas, porque mais recente o acórdão de 2021.02.17, Proc nº 02111/14.6BEPRT, de cujo sumário transcrevemos:
O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos inicialmente enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não sendo de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.


Vejamos, agora, quanto à finalidade:

Como se escreveu na sentença recorrida:

Assim o conhecimento do objecto do processo, e bem assim da validade do acto impugnado é feito à luz do alegado pela impugnante contra o acto emitido, nos termos da fundamentação do mesmo, pelo que o que importa conhecer nos autos é da validade do acto impugnado, fundado nas características habitacionais do dormitório dos trabalhadores, da casa do caseiro e da designada “casa dos patrões”, importando desde já recuperar do probatório a fundamentação do acto - “as despesas mencionadas a título de reparação e conservação foram efectuadas em casas que pelas suas características se consideram habitacionais [e e]mbora integradas na exploração do sujeito passivo, o imposto suportado nas despesas de construção e conservação de bens imóveis destinados a habitação, não se considera dedutível porque não se destinam às operações previstas no art.º 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.”
Ora a fundamentação é cristalina no sentido de serem as características habitacionais dos imóveis sujeitos a obras de conservação e reparação, e a conclusão de, com base nessas características, se destinarem os imóveis a habitação, que esteve na base do afastamento da dedutibilidade e não, sequer, os fins concretos daqueles, com fundamento no artigo 20.º do CIVA, que previa:
(…)


Desde já diremos que não basta a mera afetação habitacional do prédio para logo concluir que o imóvel se destina a fins e usos privados, pois além de o bem se encontrar integrado no património da empresa [cf. alínea c) dos factos provados] ficou também provado que os sócios da sociedade nela não residem [cf. alínea j) dos factos provados].

Nesse sentido decidiu o TJUE no caso Charles e Charles-Tijmens, proc. C-434/03 [2005], disponível em https://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=60591&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2303870, do qual se transcreve:

Os artigos 6.°, n.° 2, e 17.°, n.°s 2 e 6, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção da Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, adoptada antes da entrada em vigor desta directiva, que não permite que um sujeito passivo afecte integralmente à sua empresa um bem de investimento utilizado em parte para as necessidades da empresa e em parte para fins estranhos a esta e, eventualmente, deduza integral e imediatamente o imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a aquisição desse bem

No caso em análise, e como referimos já, não resultou provado o uso privado do imóvel, por parte do empresário ou empresários, ou sequer uma utilização mista, no sentido de lhe ser dado um uso privado do empresário ou do seu agregado familiar e para as necessidades da empresa.

A mera afetação habitacional do prédio não é, porém, suficiente para que seja vedado o direito à dedução do IVA respetivo, porquanto, como se decidiu na sentença recorrida e também não é motivo de exclusão que os bens tenham sido ou venham a ser usados pelos trabalhadores da empresa, nomeadamente para alojamento dos trabalhadores ou dos caseiros.

No sentido de que nestes casos não está excluído o direito à dedução, veja-se a jurisprudência do TJUE no caso Leesportefeuille “Intiem” CV, proc. 165/86, [1988], disponível em https://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=94686&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2132285, no qual se decidiu:

Deve, portanto, responder-se à questão colocada pelo Hoge Raad dos Países Baixos que, quando uma entidade patronal, sujeito passivo para efeitos da regulamentação relativa ao IVA, na sequência de um acordo celebrado com um dos seus empregados e um outro sujeito passivo, fornecedor, faz entregar, por sua própria conta, determinados bens a este empregado, que os utiliza exclusivamente para as necessidades da empresa da entidade patronal, e quando esta recebe do fornecedor, por tais entregas, facturas que lhe imputam o IVA relativo aos bens entregues, as disposições da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.° da segunda directiva e da alínea a) do n.° 2 do artigo 17.° da sexta directiva, ambas relativas ao IVA, devem ser interpretadas no sentido de que essa entidade patronal pode deduzir do IVA a que está sujeita o IVA que assim lhe foi imputado.


E diz a sentença recorrida no segmento que aqui interessa:

Ora, como se fundamentou no douto Acórdão supra transcrito, e decorre do artigo 20.º, assim como do artigo 21.º, n.º1 e n.º2 do CIVA, o afastamento da dedutibilidade do IVA suportado por um sujeito passivo, depende em primeira linha da não afectação dos bens ou serviços adquiridos, à realização de operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, o que pretende afastar a dedutibilidade do imposto relativo aos bens ou prestações de serviços utilizados para a realização de operações isentas, não obstante o regime de renúncia à isenção, também previsto no artigo 9.º e 12.º do CIVA.
Em segunda linha, e sem ponderar da afectação ou finalidade dos bens ou serviços em relação aos quais o IVA tenha sido suportado, afasta o artigo 21.º a dedutibilidade em função, já não das operações a que se destinam, mas quanto à natureza das despesas propriamente ditas, logo esclarecendo o n.º2, b), do artigo 21.º que a não dedutibilidade do n.º1, alínea d) se refere a despesas de representação e não àquelas que embora despesas de alojamento, alimentação, bebidas, e similares, se ligam às condições de trabalho fornecidas ao pessoal da empresa, e assim são fornecidas pelo próprio sujeito passivo.
Nos autos, como vimos já, a AT afasta a dedutibilidade em virtude das características habitacionais dos imóveis em questão, o que de tudo o que se escreveu resulta insuficiente, desde logo, porque como decorre do supra transcrito Acórdão, o IVA suportado com as despesas com alojamento dos designados “caseiros” e bem assim com a sua conservação, são nos termos do artigo 21.º, n.º2 b) CIVA, dedutíveis. E são-no também as despesas realizadas com dormitórios, pelo que não é possível concluir nos termos da indevida dedução, como concluiu a AT, com os fundamentos que apontou.
É que é a própria AT a, na sua fundamentação, apesar de se fundar no artigo 20.º do CIVA para afastar a dedução efectuada, referir que aquela casa do caseiro, assim como o dormitório e a “casa dos patrões” fazem parte da exploração agrícola, nada referindo que permita ver as mesmas excluídas da realização de operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto, sendo certo que a AT enquadrou no seu relatório a impugnante como sujeito passivo de IVA, no regime normal trimestral.
E toda a fundamentação supra aplica-se também às despesas realizadas com a designada “casa dos patrões”, em relação à qual a AT não avançou fundamento diferente.


Assim se concluindo que não está excluído o direito à dedução, no caso.

A sentença recorrida que seguiu o decidido no Ac. STA de 2007.05.02, Proc nº 01137/06 (disponível em www.dgsi.pt), do qual transcreveu excertos, não merece, pois, a censura que lhe foi feita, e é de confirmar.

Termos em que improcedem todas as conclusões do recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pela Recorrente que ficou vencida.

Sumário/Conclusões:

I. O direito à dedução é essencial ao funcionamento do imposto e permite assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade.

II. Para conferir o direito à dedução necessário se torna que os bens ou serviços se destinem efetivamente a ser utilizados na atividade tributada, não conferindo direito à dedução se se destinarem a uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou para fins estranhos à própria empresa.

III. A mera afetação habitacional do prédio não é, porém, suficiente para que seja vedado o direito à dedução do IVA respetivo, quando este se encontrar integrado no património da empresa e tenham sido ou venham a ser usados pelos trabalhadores da empresa, nomeadamente para alojamento dos trabalhadores.



III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora

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() PALMA, Clotilde Celorico, AS ENTIDADES PÚBLICAS E O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO: Uma rutura no Princípio da Neutralidade, Almedina, dezembro de 2010, pág. 43.
(2) Cf. PALMA, Clotilde Celorico — Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 4.ª edição, Coimbra: Livraria Almedina, 2009, págs. 210-213, contendo além do mais a referência detalhada aos ofícios circulados relevantes