Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:52/17.4BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DELONGA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA; VIOLAÇÃO DO DIREITO À JUSTIÇA EM PRAZO RAZOÁVEL;
DANOS NÃO PATRIMONIAIS;
COMPORTAMENTO DAS PARTES;
ORGANIZAÇÃO DE UM SISTEMA JUDICIÁRIO;
MONTANTE DO DANO.
Sumário:I – Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
II - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
III – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a uma acção declarativa de mediana complexidade, que teve alguma complicação ao nível da prova e em termos de incidentes, mas que acabou com uma transacção na data da audiência final, a referida lide teve uma duração total de cerca de 4 anos e 6 meses;
IV - O TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais vêem indicando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância de 3 anos;
V - Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;
VI - Incumbe ao Estado criar mecanismos processuais para obstaculizar ou para evitar o prolongamento da tramitação processual decorrente das própria vicissitudes processuais e dos comportamentos de alguma das partes. O facto da lei processual permitir que uma das partes não adopte as diligências mais correctas e que tornam a lide mais célere, não afasta a ilicitude do Estado decorrente da não organização de um sistema judiciário que viabilize lides rápidas e efectivas;
VII - Fora dos casos em que existe um uso abusivo do processo ou claramente determinado a atrasar os autos, o comportamento menos diligente e pro activo de uma das partes, que não foi aquela a quem o desfecho do litígio foi favorável, não afasta a responsabilidade do Estado de criar um sistema judicial e processual que garanta a todos os intervenientes processuais a justiça em tempo razoável;
VIII - Deve presumir-se a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial;
IX - Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC. Porém, ainda aqui há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes, o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país;
X- Pelos cerca de 18 meses que a acção terá demorado a mais, será razoável fixar a indemnização a conceder a cada um dos AA. em 1.500,00€.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

J......... e M.......... intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria a presente acção administrativa contra o Estado Português (EP), peticionando a condenação do R. a pagar aos AA:
a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a oito mil euros, a cada um dos autores, pela duração do processo nº 1401/10.1TBABT;
b) Uma indemnização de dois mil euros por cada ano de duração do presente processo, até ao seu termo, também a título de danos morais a cada um dos autores;
c) Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas a) e b);
d) Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pelos autores, despesas de certidões e todas as despesas de tradução de documentos;
e) Honorários a advogado neste processo, em quantia a fixar equitativamente conforme consta da petição inicial ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados, incluindo os honorários da liquidação de honorários e outras;
f) Quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;
g) Pagamento de sanção pecuniária compulsória de quinhentos euros por dia, por cada despacho, decisão do tribunal ou acto dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários de cada um dos autores;
h) Pagamento de custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e quaisquer outras pagas pelos autores.
Por decisão proferida em 29-06-2019 foi a acção julgada parcialmente procedente e condenado o R. a pagar, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em virtude da duração excessiva do processo n.º 1401/10.1TBABT, a quantia de €1.000,00 a cada um dos AA., acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, pagamento aos AA. dos honorários do advogado nos presentes autos, na parte em que comprovadamente sejam superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas e no pagamento de todas as quantias devidas a título de imposto sobre os montantes pagos aos AA.. Absolveu-se o R. do demais peticionado.

Em alegações são formuladas pelos Recorrentes, as seguintes conclusões: “1- Ficou provado nos presentes autos que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo n° 1401/10.1TBABT, desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 15/10/2010 e até 15/06/2015.
2 - Dos factos assentes resultou também que os Recorrentes acreditavam que o processo em causa se resolveria mais rapidamente e a demora causou-lhes desgaste, preocupação, nervosismo e desgosto, até à sua resolução;
3 - De acordo com entendimento jurisprudencial aceite sem reservas, as normas de Direito interno respeitantes à responsabilidade civil do Estado Juiz, devem ser objecto de interpretação conforme à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e devem ser aplicados tomando em consideração a jurisprudência do TEDH;
4 - Segundo a Jurisprudência do TEDH, existe um núcleo de processos em que a indemnização por cada ano de demora do processo pode subir do patamar de € 1.000,00 a € 1.500,00 para € 2.000,00;
5 -Aliás, o Acórdão Apicella C. Italie de 10/11/2004, considerando n°’’-, “O montante global será aumentado até 2.000€ se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas";
6 - No caso concreto, os Recorrentes intentaram acção relativa à plena utilização da casa de habitação, sendo a indemnização por danos morais pela morosidade da mesma fixada no valor de 1000,00€ para cada um dos Recorrentes, cuja fixação não encontra eco na Jurisprudência do TEDH ou Nacional, sendo o montante inaceitável e desfasado dos parâmetros daquelas duas Jurisprudências;
7 - No processo 1401/10.1TBABT inexistiu recurso, as partes chegaram a acordo, pelo que nem foram ouvidas quaisquer testemunhas, ou deduzidos incidentes complexos, não se tendo verificado comportamento da parte, nem dificuldade da causa ou da tramitação justificação para tamanha demora, desde a data de entrada da Petição Inicial até à prolação da decisão de homologação do acordo, e respectivas notificações, a não ser a falha do sistema judicial;
8 - Para efeitos de contabilização da duração do processo deve ser considerados também os períodos em que o Tribunal diligenciou pela notificação da decisão final, uma vez que só com o trânsito em julgado a mesma se pode considerar definitiva, sendo esses prazos igualmente considerados na pré-determinação do critério de duração média de processos judiciais estabelecida entre os 3 a 6 anos de duração.
9 - Por conseguinte, deve considerar-se que a duração global do processo imputável ao Tribunal corresponde a 4 anos e 10 meses.
10 - O Tribunal a quo também se distanciou dos critérios de determinação da razoabilidade da duração processual, porquanto não se pode considerar aceitável a duração de um processo por três anos, quando em causa estava a simples apreciação de acção declarativa, sem instância de recurso.
11 - A apreciação e integração do conceito obtenção de decisão em “prazo razoável” constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido “in concreto.
12 - Pelo que, analisando o caso concreto, o processo 1401/10.1TBABT nunca devia te ultrapassado a duração de dois anos.
13 - De modo que, face à duração global imputável ao Tribunal onde correu o processo moroso, foi excedido o prazo razoável em 2 anos, e 10 meses
14 - Ora, o Tribunal a quo afastou-se, de forma escandalosa, dos critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, dado que o caso sub judice possui todos os requisitos para que lhe seja fixado, por cada ano de duração do processo, uma indemnização não inferior a € 2000,00, num total de € 5500,00 euros para cada um dos Autores;
15 - A ser de outro modo, o Recorrido teria um imerecido prémio, dado que este tipo de decisões tem e deve assumir um carácter penalizador no sentido de se evitar a repetição de práticas que levem a que, um processo desta natureza, demore a mais de cinco anos a ser resolvido.
16 - As exigências do artigo 6° do TEDH, do artigo 20°, n° 2 da CRP e 2° do CPC, foram completamente demovidas do caso concreto, em benefício do infractor, atendendo a que a indemnização fixada consiste numa indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável e que tem que ser acolhida pelos nossos Tribunais, sob pena do Estado acabar por ser condenado no TEDH, esgotadas que sejam todas as etapas recursivas possíveis nos Tribunais Nacionais;
17 - Mostram-se violados os artigos 20° CRP, 6° CEDH, 496° do Código Civil e 615°, 1, c) do CPC;”

O Recorrido Estado Português, aqui representado pelo Ministério Público (MP), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. Tendo em consideração a factualidade dos presentes autos e respeitada a doutrina e a jurisprudência actualmente maioritárias quer no TEDH, quer nos Tribunais Nacionais, foi decidido, pela Mma. Juiz subscritora da sentença recorrida, condenar o demandado no pagamento da quantia de 1.000 Euros (mil euros), a cada um dos Autores, “a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em virtude da duração excessiva do Proc. n° 1401/10.1 TBABT”.
2. Face à fundamentação de facto e de direito da mesma, entendemos não assistir qualquer razão aos recorrentes, no que respeita ao quantum indemnizatório o que, em nosso entender, resulta evidente da mera leitura atenta da douta decisão recorrida e das normas legais, doutrina e jurisprudência aplicáveis, in casu, as quais foram integralmente respeitadas, no presente caso concreto.
3. De facto, o Tribunal apurou devidamente a matéria factual dos autos e respeitou os critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, como facilmente se pode constatar da leitura dos diversos Acórdãos citados a fls. 14 a 62 da sentença recorrida, cujo teor aqui damos como integralmente reproduzido.
4. Por todo o exposto e tendo em consideração as especificidades do presente caso concreto, bem como a deficitária situação económico-financeira do país, resulta óbvia, em nosso entender, a conclusão de que nunca poderia ser legitimamente aplicável, in casu, o quantum indemnizatório pretendido pelos Autores, o qual afigura-se-nos carecer de qualquer fundamento plausível ou razoável, sendo certo que o Tribunal pode reduzir equitativamente o quantum debeatur se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano alegadamente sofrido.
5. No que respeita, por seu lado, à segunda e à terceira questões suscitadas pelos Autores Recorrentes, entende-se que as mesmas são igualmente desprovidas de fundamento, tendo em consideração que “de acordo com a jurisprudência do TEDH, a duração média - que corresponde à duração razoável - de um processo em primeira instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais” (cfr. Isabel Celeste Fonseca, in CJA, n° 72, p. 45 e 46), sendo que o que resultou provado na sentença recorrida e, como tal foi considerado, foi um atraso de 1 ano e 6 meses, por se ter considerado que o processo esteve pendente na primeira instância durante 4 anos e 6 meses (imputáveis ao Estado Português).
6. A este respeito, cumpre recordar que, como bem referido na sentença recorrida, “ao contrário do defendido pelos Autores, a data que se deverá ter como relevante, para efeitos de apreciação do seu direito a decisão em prazo razoável é, precisamente, a data em que a sentença judicial foi proferida. Tal é o que resulta da própria designação do direito que se aprecia, como do teor literal do art. 6° da CEDH e do art. 20° n° 4 da CRP, em ambos os casos se colocando a tónica na obtenção de uma decisão pelos Tribunais. São assim irrelevantes, a esta luz, as notificações referidas pelos Autores (...) sendo certo que a partir de 15.06.2015, os mesmos já haviam obtido a satisfação do seu direito, ou seja, obtido a solução do litígio em causa, tanto mais que as partes apresentaram transacção sem sede de audiência final, tendo sido imediatamente notificadas da sentença de homologação proferida”.
7. Do exposto, bem como do teor da fundamentação da decisão recorrida, facilmente se pode depreender que o Tribunal não se distanciou “dos critérios de determinação da razoabilidade da duração processual” e que as exigências do art. 6° do TEDH, do art. 20° n° 2 e 2° do CPC não foram “completamente demovidas do caso concreto, em benefício do infractor”, tanto mais que não se pode considerar a atribuição de um montante de 1.000 Euros de indemnização, a cada um dos Autores, por um atraso de 1 ano e 6 meses, “uma indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável”, como pretendido pelas recorrentes, não se justificando, de todo, a atribuição de um montante de indemnização superior ao estipulado.
8. Não se nos afigura, por todo o exposto, merecer qualquer reparo a douta sentença recorrida, no que respeita à questão supra referida, tanto mais que, ao proferi-la, a Mma. Juiz, apurou de forma detalhada todos os factos pertinentes in casu e fundamentou devidamente a sua convicção, quer de facto, quer de direito, respeitando integralmente as normas legais aplicáveis ao presente caso concreto.”

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por provada a seguinte factualidade, não impugnada:
1) Em 15/12/2010, M....... e mulher A........ instauraram no Tribunal Judicial de Abrantes contra os aqui Autores acção de processo comum sob a forma sumária, ao qual foi atribuído o n.° 1401/10.1TBABT — fls. 2-32 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
2) Na acção a que se refere o ponto anterior, à qual os ali autores atribuíram o valor de € 5.000,01, estes peticionavam o seguinte:
“(...) deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência:
a) Reconhecer-se os AA. como proprietários do muro;
b) Condenar-se os RR. a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça os AA. de proceder à remoção do portão e à reconstrução do muro e ainda à colocação na parte frontal da casa de habitação de um portão;
c) Condenar-se os RR. a absterem-se de praticar actos que lesem a propriedade dos AA., nomeadamente de colocarem e despejarem dejectos de animais, água e estrume na propriedade dos AA., removendo a suas expensas o canal lá colocado para aquele fim;
d) Condenar-se os RR. a indemnizarem os AA. na quantia de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais;
e) Condenar-se os RR. a indemnizar os AA. na quantia de €495,20 (...) a título de danos patrimoniais;
f) E ainda em custas e procuradoria condigna e demais encargos legais (..)”
- fls. 2-32 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
3) Em 14/01/2011, os ora Autores apresentaram contestação, na qual, para além do mais, deduziram reconvenção, à qual atribuíram o valor de € 8.000,00, peticionando a final o seguinte:
“(...) Nestes termos
E nos melhores de Direito, e com o Douto suprimento de V. Exa. deve:
a) A acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com as legais consequências;
b) O pedido reconvencional julgado procedente, se provado, condenando-se os AA. a reconhecer os RR. como donos, legítimos proprietários e possuidores de um prédio urbano, sito em M……. - Bairro Novo, nº 23, freguesia de S….. M….. C….., concelho de Constância, composto de casa de rés do chão para habitação, dependência e logradouro, com a superfície coberta de 104,27m2 e logradouro com 219,61m2, com a área total de 323,88m2, matricialmente inscrito sob o artigo ...…º da citada freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Constância sob o nº ..... e aí inscrito a favor dos RR. pela ap. 1 de 2005/04/22, e que adquiriram por si e seus ante possuidores também através do instituto da usucapião;
c) Os AA. condenados a reconhecer que beneficiando o logradouro das traseiras do prédio dos RR., referido em b) e anexos aí existentes, e onerando o logradouro do prédio dos AA. identificado no artigo 1º da p.i., matricialmente inscrito sob o artigo ......º da freguesia de S….. M….. C….., se encontra constituída uma servidão de passagem a pé e carro de mão, que parte a sul, tomando como referência a empena do prédio dos AA. e afastada desta cerca de 1,50 metros, e se desloca no sentido de sul para norte, em terra batida, por 18 metros, de comprimento e 1,50 metros de largura, até flectir para a direita, em cerca de 8 metros de comprimento por 1,50 metros de largura, no sentido de poente para nascente, apanhando uma zona já cimentada, até atingir um local onde existe um portão verde que permite o acesso ao logradouro traseiro do prédio dos RR., a qual foi constituída originariamente por destinação de pai de família;
d) Os AA. condenados a fornecer aos RR. uma chave do portão que instalaram na zona sul do seu prédio e que impede o acesso à servidão, o qual foi referenciado nos artigos 54º a 137º da reconvenção;
e) Os AA. condenados a manter livre e desimpedida toda a zona da serventia assinalada em c), e a não estorvar, por qualquer modo, o uso por parte dos RR. da referida servidão, decretando-se a proibição dos AA. taparem, com blocos ou através de qualquer outro elemento construtivo, o portão assinalado nos artigos 92º a 93º da contestação e no documento n.º 6;
f) Os AA condenados a absterem-se de destruir o muro divisório entre os dois logradouros, edificado no terreno dos RR., ou o portão de acesso ao logradouro traseiro propriedade dos RR;
g) Os AA. condenados a reconhecer que beneficiando o prédio dos RR., identificado na al. b) do pedido reconvencional e onerando o prédio dos AA., identificado nos artigos 75º a 78º da p.i, foi constituída uma servidão de escoamento das águas de lavagens provenientes do prédio dos RR. e que, por virtude da mudança acordada, actualmente se processa através de um tubo subterrâneo, com cerca de 3 polegadas e que parte em linha recta do logradouro traseiro do prédio dos RR., atravessa o prédio dos AA, em linha recta, no sentido de nascente para poente, em cerca de 20 metros de comprimento, por 20cm de profundidade e desaguando no logradouro do prédio dos AAR., a qual foi constituída originariamente por destinação de pai de família;
h) Os AA. condenados a não estorvar o uso desta servidão ou de a impedir por qualquer modo;
í) E para o caso de não procederem os pedidos das alíneas c) e g), quanto à constituição das servidões por destinação de pai de família, alternativamente requer-se o reconhecimento das mesmas por via do instituto da usucapião;
j) Os AA. condenados a pagar a cada um dos RR. uma indemnização não inferior a € 1.500,00, num total de € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; (...)” — fls. 35-121 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
4) Em 16/02/2011, os aqui Autores apresentaram requerimento de junção aos autos de documento referente à concessão de apoio judiciário — fls. 126-135 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
5) Em 21/02/2011, foi apresentada resposta ao pedido reconvencional — fls. 137-154 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
6) Em 16/03/2011 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho nessa mesma data, a designar o dia 03/05/2011 para realização de audiência preliminar, o que foi alterado posteriormente para 06/05/2011 a requerimento das partes — fls. 156-157 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
7) Em 06/05/2011 foi realizada audiência preliminar — fls. 164-165 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
8) Em 23/05/2011, os ali autores juntaram aos autos procurações com poderes especiais — fls. 166-170 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
9) Em 26/05/2011 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho saneador em 04/07/2011, no qual, para além do mais, foi fixada a matéria assente e a base instrutória — fls. 176-194 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
10) Em 02/09/2011, as partes apresentaram os respectivos requerimentos probatórios — fls. 196-205 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
11) Em 27/09/2011 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho em 28/09/2011 quanto aos requerimentos probatórios das partes — fls. 206 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
12) Por requerimentos de 11/10/2011, 26/10/2011 e 30/11/2011 as partes juntaram aos autos documentos - fls. 207-228 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
13) Em 07/12/2011 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho em 06/01/2012 a solicitar aos aqui Autores esclarecimentos quanto ao respectivo requerimento de prova — fls. 229 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
14) Em 09/02/2012 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho em 10/02/2012, a admitir a prova pericial — fls. 230 do suporte físico dos autos de Proc. n° 1401/10.1TBABT;
15) Em 18/05/2012 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho nessa mesma data, pelo qual foram nomeados os peritos e determinada a notificação dos mesmos para realização da perícia — fls. 231 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
16) Em 14/02/2013 foi junto aos autos o relatório pericial, o qual foi notificado às partes em 15/02/2013 — fls. 263-274 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
17) Em 16/04/2013, a ali autora procedeu à junção aos autos de certidão de óbito do autor M........................., a qual se encontrava redigida em língua francesa — fls. 275-278 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
18) Em 17/07/2013, a autora apresentou incidente de habilitação de herdeiros, identificando como tais, para além de si, os seus filhos M……, F……. e M……. — fls. 2-13 do suporte físico do apenso que constitui o Proc. n.° 1401/10.1TBABT-A;
19) Em 21/10/2013 foi junta aos autos tradução da certidão de óbito referida no ponto 17) - fls. 281-283 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
20) Em 28/10/2013 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho nessa mesma data, a determinar a suspensão da instância — fls. 284 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
21) Em 26/02/2014 foi aberta conclusão no apenso com o n.° 1401/10.1TBABT-A, tendo sido proferida sentença de habilitação dos herdeiros de M........ nessa mesma data, sendo eles A......., M........., F........ e M........ — fls. 18-19 do suporte físico do apenso que constitui o Proc. n.° 1401/10.1TBABT-A;
22) Em 26/03/2014 a mandatária dos ali autores renunciou ao mandato - posição das partes nos articulados e doc. n.° 6 junto com a contestação;
23) Em 28/03/2014 foi remetido à ali autora A....... ofício de notificação pessoal da renúncia a que se refere o ponto anterior, tendo o ofício em causa sido devolvido ao Tribunal em 03/04/2014 — fls. 293-294 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
24) Após realização de pesquisas em bases de dados, foi remetido novo ofício a A....... para nova morada apurada, o qual foi devolvido ao Tribunal em 16/05/2014 — fls. 295-299 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
25) Por ofício de 25/06/2014 foi remetida ao Tribunal Judicial de Albufeira carta precatória para notificação de A......., tendo-se frustrado a citação por funcionário judicial, conforme certidão negativa de 30/07/2014 — fls. 300-308 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
26) Tendo sido determinada a notificação de A....... por autoridade policial, a mesma frustrou-se, conforme informação junta aos autos em 12/11/2014 — fls. 314-315 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
27) Após ter sido concretizada a sua citação, em 16/02/2015 a autora A....... juntou aos autos procuração — fls. 317-320 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
28) Em 16/03/2015 foram juntos aos autos esclarecimentos prestados pelos peritos — fls. 322-323 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
29) Por ofício de 08/04/2015, os ora Autores foram notificados do agendamento de audiência final para o dia 15/06/2015 — posição das partes, bem como fls. 325 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
30) Em 15/06/2015 foi realizada audiência final, na qual as partes apresentaram transacção, a qual foi judicialmente homologada por sentença, extraindo-se da acta da diligência em causa, para além do mais, o seguinte:
“(...)
“Texto integral com imagem”




(...)” —fls. 336-341 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
31) Após frustração da notificação, por via postal e por oficial de justiça, da sentença à autora habilitada M......., em 18/11/2015 foi afixado edital para o efeito — fls. 346-347, 351-356 e 358-364 do suporte físico dos autos de Proc. n.° 1401/10.1TBABT;
32) Os Autores tinham a expectativa que o Proc. n.° 1401/10.1TBABT se resolveria mais rapidamente do que sucedeu, concretamente que demorasse um ou dois anos;
33) A demora do Proc. n.° 1401/10.1TBABT causou aos Autores ansiedade, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos, por terem estado sem saber qual o desfecho do processo durante anos;
34) A petição inicial correspondente aos presentes autos foi remetida a Tribunal via SITAF em 06/01/2017 — fls. 1-33 dos autos, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 2.º, 615°, 1, al. c), do CPC e 496.º do Código Civil (CC), por não se ter contabilizado para efeitos da duração do processo o tempo que demorou a notificação da decisão final a todas as partes e até ao trânsito em julgado dessa decisão, designadamente um tempo de 4 anos e 10 meses;
- e aferir do erro decisório por a indemnização por prejuízos não patrimoniais, de 1.000,00€ a cada um dos AA., não respeitar os valores de indemnização que são exigidos atendendo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e o processo em questão, face à sua tramitação, não dever ter uma duração superior a 2 anos.

O direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está também consagrado nos art.ºs. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Por seu turno, o art.º 22.º da CRP consagrava desde a revisão de 1982 (Lei-Constitucional n.º 1/82, de 30-09-1982) um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas.
Naquela data inicial, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, que não consagrava em termos expressos a responsabilidade do Estado pelo funcionamento defeituoso do serviço público de justiça e designadamente pela delonga anormal na administração da justiça.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias passaram a considerar que o artigo 22.º da CRP determinava um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das suas funções – política, legislativa, jurisdicional ou administrativa – e que era uma norma directa e imediatamente aplicável, servindo, por isso, de fundamento para a interposição de uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e culposo (cf. neste sentido, o Ac. do STA, n.º 26535, de 07-03-1989, que deu o mote à alteração jurisprudencial nesta matéria, ou mais recentemente fazendo a referência à anterior jurisprudência o Ac. do STJ n.º 368/09.3YFLSB, de 08-09-2009. Vide também, entre outros, os Acs. do, do STA n.º 0533/09, de 19-11-2009 ou n.º 0122/10, de 05-05-2010 ou n.º 0144/13, de 27-11-2013. Na doutrina, vide, entre muitos outros Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927-934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, pp. 60- 61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 576-620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, pp. 7-13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, pp. 40-46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pp. 8-9).
Entretanto, foi publicada a Lei nº 67/2007, de 31-12, que no seu artigo 12.º vem prever em termos expressos que “é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Nos termos da Lei nº 67/2007, de 31-12, são pressupostos - cumulativos - para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas na administração da justiça, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados.
O facto é entendido como um acto conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
No caso, o facto corresponderá ao acto ou à omissão da administração (da justiça, vg. aos tribunais), de proceder à regular tramitação e decisão num processo.
Exige-se, depois, a ocorrência de uma ilicitude, reconduzível à violação por aquele facto de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou à prática de actos materiais que infrinjam tais normas e princípios, ou que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser consideradas (cf. art.ºs. 7.º e 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12).
Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional, seguindo o entendimento que já vinha sendo tomado pelo TEDH, a propósito da aplicação do art.º 6.º, n.º 1, da CEDH, vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litigio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, Sürmeli c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, Comingersoll SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, Martins Castro e Alves Correio de Castro c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, Pinto de Oliveira C. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, Scuderi c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, Viezzer c. Itália).
Refiram-se, a este propósito, as palavras de Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).
Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar.
Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito.
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova só nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Seguindo a jurisprudência do TEDH será também possível atribuir às pessoas colectivas uma indemnização por danos não patrimoniais, mas aqui e ficarem alegados e provados nos autos, vg. porque se verifique que da demora resultaram dificuldades de gestão, organização ou planeamento da empresa, danos para a sua imagem ou dificuldades financeiras.
Tal presunção da existência de danos não patrimoniais é, no entanto, ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até nenhum dano moral (cf. art.ºs 346.º e 351.º do CC).
Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH).
Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália).
Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Sobre o assunto, indicando os vários montantes para os casos “semelhantes”, pronunciou-se detalhadamente o STA no Ac. n.º 01004/16, de 11-05-2017, ali se referindo o seguinte: ”quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C…… &V….. n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento N....... e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C..... & V....... e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. -Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].
Mais se refira, que atendendo à jurisprudência do TEDH, vão sendo apontados a título meramente indicativo os valores que oscilam entre 1.000,00€ e 1.500,00€ por cada ano de demora do processo – cf. neste sentido os Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália. Assim apontando Fonseca, Isabel Celeste - “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46; Ac. do STA n.º 07472/11, de 12-05-2011.
Para a efectivação da responsabilidade exige-se, ainda, a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstracto, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
De referir, ainda, que a mais recente jurisprudência do STA em matéria de responsabilidade civil do Estado Português decorrente de atraso na administração da justiça, na esteira do Ac. do TEDH n.º 73798/13, de 29-10-2015, Valada Matos c. Portugal, vem entendendo uniformemente que por força de um princípio da subsidiariedade, e por aplicação dos art.ºs 6.º, 113.º, 34.º, 35.º e 41.º da CEDH, compete, em primeira linha, ao juiz nacional reparar de forma razoável as violações dos direitos e liberdades que vem consagrados naquela Convenção, intervindo o TEDH apenas numa segunda linha, se esgotados os mecanismos nacionais e quando não tenha havido uma resposta reparatória que possa considerar-se satisfatória – cf. neste sentido os Ac. do STA n.º 488/16, de 30-03-2017 e Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017.
Nesta mesma lógica, se se entender que a resposta nacional não é satisfatória, é possível o recurso àquele TEDH para efectivar correspondente o direito indemnizatório, como que duplicando-se as apreciações judiciais sobre o mesmo assunto.
Como se explica no Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017, a possibilidade “de “duplicação” de meios essa que será tão mais frequente quanto menor for a efetividade dos meios indemnizatórios internos em matéria de duração excessiva dos processos judiciais, efetividade a ser aferida à luz dos critérios definidos pelo próprio «TEDH» [e que são os seguintes: i) a ação de indemnização deve ser decidida em prazo razoável; ii) a indemnização deve ser prontamente paga, em princípio, no mais tardar seis meses após a data em que a decisão que concede a indemnização se tornou exequível; iii) as regras processuais que regem a ação de indemnização devem ser conformes aos princípios de equidade garantidos pelo art. 06.º da «CEDH»; iv) as regras sobre custas judiciais não devem representar um encargo excessivo para os litigantes cuja ação é fundada; v) o montante das indemnizações não deve ser insuficiente em comparação com os montantes concedidos pelo Tribunal em casos semelhantes] [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 10.04.2008 (c. «Wasserman v. Rússia/n.º 2», §§ 49 e 51), de 15.01.2009 (c. «Bourdov v. Rússia/n.º 2», § 99), e de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 72/73)], e inerentes decorrências relativamente ao grau de certeza jurídica e de efetividade quanto ao uso do meio contencioso interno para que este possa e deva ser utilizado para os efeitos do art. 35.º, § 1 daquela Convenção [necessidade de esgotamento de «todas as vias de recurso internas»], o qual, no caso português, foi considerado existir, a partir de 27.05.2014, impondo-se, assim e para efeitos do contencioso junto daquele Tribunal, a necessidade do uso/esgotamento dos meios internos após tal data [cfr. o citado Ac. do «TEDH» de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 102/106) em contraposição com o que o mesmo Tribunal havia concluído, anteriormente, no Ac. de 10.06.2008 (c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 56)].
XIV. De notar, ainda, que no quadro do processo deduzido junto do «TEDH» e da possibilidade da sua apresentação quando foi usado também o meio contencioso interno aquele Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 34.º da «CEDH», afere e controla tal uso pela exigência do dever de preenchimento por parte do requerente, mormente, da condição relativa ao ter de deter e de manter a qualidade de “vítima” em todos os estádios do processo [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 07.05.2002 (c. «Bourdov v. Rússia», § 30), de 29.03.2006 (Pleno/Grande Câmara - doravante «GC») (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», §§ 179/182) e de 07.06.2012 (c. «Centro Europa 7 S.R.L. e Di Stefano v. Itália», §§ 80/82)].
XV. E que uma decisão ou uma medida favorável ao requerente só é suficiente para lhe retirar a qualidade de “vítima”, para os efeitos do referido preceito, se as autoridades nacionais reconheceram explicitamente ou em substância, e se repararem a violação da Convenção [cfr. nomeadamente, para além do citado Ac. do «TEDH» de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 180); ainda os Acs. do mesmo Tribunal de 26.07.2005 (c. «Siliadin v. França», §§ 61/63), de 01.06.2010 (GC) (c. «Gäfgen v. Alemanha», § 115), e de 12.09.2012 (GC) (c. «Nada v. Suíça», § 128)], sendo que apenas quando estas condições estejam preenchidas a natureza subsidiária do mecanismo de proteção da Convenção se oporá ou impedirá um exame da queixa [cfr., entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.03.2003 (c. «Jensen e Rasmussen v. Dinamarca (dec.)», I), e de 31.01.2008 (c. «Albayrak v. Turquia», § 32)], na certeza de que a questão de saber se o requerente continua a ser vítima pode também depender do montante da indemnização concedida pelas jurisdições internas e da efetividade (incluindo a prontidão) do “recurso indemnizatório” [vide, entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.12.2001 (c. «Normann v. Dinamarca - dec.», §§ 7/9), e de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 202)].”
Feito o anterior enquadramento, apreciemos, em concreto, o caso dos autos, considerando o que antes ficou dito.
Os Recorrentes recorrem do segmento decisório que atribuiu a indemnização de 1.000,00€ a cada a título de indemnização por danos não patrimoniais, sofridos em virtude da duração excessiva do processo n.º 1401/10.1TBABT. Não vem recorridos os demais segmentos decisórios.
Dizem os Recorrentes que o presente processo não poderia ter uma duração superior a 2 anos e que a sentença recorrida errou quando não contabilizou para efeitos da duração do processo o tempo que demorou a notificação da decisão final a todas as partes e até ao trânsito em julgado dessa decisão, designadamente um tempo de 4 anos e 10 meses.
Como decorre da matéria de facto apurada, a PI do P. n.° 1401/10.1TBABT, uma acção com processo sumário, foi apresentada em 15-12-2010. Na contestação os RR., ora Recorrentes, apresentaram reconvenção. Os AA. responderam ao pedido reconvencional em 21-02-2011. Em 06-05-2011 ocorreu uma audiência preliminar. Em 04-07-2011 foi proferido o despacho saneador onde se fixou a matéria assente e a base instrutória. As partes apresentaram os requerimentos probatórios em 02-09-2011, que foram conhecidos em 28-09-2011. Foram apresentados mais requerimentos de prova pelas partes, foi pedido um esclarecimento pelo Tribunal e foi prolatado despacho a admitir prova pericial, com a nomeação de peritos e a notificação aos mesmos para a realização da perícia determinada. Em 14-02-2013 foi junto aos autos relatório pericial, que foi notificado às partes. Em 16-04-2013 foi junta aos autos a certidão de óbito do A........, mas redigida em língua francesa, sendo que a tradução só foi junta aos autos em 21-10-2013. Em 17-07-2013 foi apresentado pela então A. o incidente de habilitação de herdeiros. Em 28-10-2013 foi suspensa a instância. Em 26-02-2014 foi proferida sentença de habilitação de herdeiros. Em 26-03-2014 a mandatária da A. apresentou renúncia ao mandato. Foram tentadas várias notificações à A. dessa renúncia, inclusive com cartas precatória e por intermédio de autoridade policial, que se frustraram. A A. veio a juntar procuração aos autos em 16-02-2015. Em 16-03-2015 foram juntos aos autos esclarecimentos prestados pelos peritos. Em 15-06-2015 foi realizada audiência final e nessa audiência as partes transigiram, transacção que foi judicialmente homologada em 15-06-2015. Foi tentada e ficou frustrada a notificação da sentença à habilitada M........ e em 18-11-2015 fez-se a notificação por edital.
Assim, da apreciação analítica da tramitação daquela acção, é possível concluir que após a fase dos articulados ocorreram diversas vicissitudes processuais, relacionadas com diligências de prova e com uma habilitação de herdeiros, que levaram a uma maior delonga de todo o processo.
Sem embargo, os despachos judiciais foram sendo prolatados sem delongas excessivas ou injustificadas.
O processo apresentava uma configuração de média complexidade, mas exigiu diligências de prova demoradas ou exigentes. O indicado processo tramitou também até à fase do julgamento e só nessa altura as partes transigiram.
As maiores delongas no processo foram introduzidas por decorrência do óbito do A……, que obrigaram à suspensão da instância. Após tal óbito a A. sobreviva não diligenciou pela apresentação imediata da habilitação de herdeiros, mas só o fez em 17-07-2013.
Entre as delongas imputadas à própria parte - a falha sua, por não ter cumprido pronta e diligentemente os seus ónus processuais - aponta-se a entrega da certidão de óbito em língua estrangeira e por traduzir, como lhe era devido. A então A. apresentou tal certidão por traduzir em 16-04-2013 e só cerca de 6 meses mais tarde, em 21-10-2013, veio a entregar a necessária e exigida tradução.
Verifica-se, depois, que em 26-03-2014 a mandatária da A. apresentou renúncia ao mandato e que a morada da A. que constava do processo - por ser essa a que tinha sido por ela indicada - não estaria correcta, tentando-se varias notificações, que se foram frustrando. Introduziu-se, pois, neste momento, uma nova delonga no processo que só pode ser imputada à então A. dessa acção, que não indicou nos autos, ou não actualizou prontamente, a morada para a qual se dirigiam as notificações.
Assim, o tempo que demorou entre a renúncia do mandato e a sua notificação e até à entrega de nova procuração nos autos pela então A. – em 16-02-2015 – também só a esta parte pode ser imputado.
Em suma, apreciada analiticamente a tramitação dos autos, verifica-se que não houve atrasos relevantes e injustificados decorrentes da acção do Tribunal.
Porém, por banda dos AA. e da A. sobrevinda dessa acção, verificaram-se diversos comportamentos omissivos e menos diligentes que introduziram nos autos uma demora, pelo menos de 1 ano e meio. Na verdade, o comportamento da A. sobrevinda quando demorou cerca de 6 meses a entregar uma tradução, quando não foi pronta a requerer a habilitação de herdeiros e, ainda, quando não cuidou de indicar ou de actualizar a sua morada no processo, exigindo tentativas de notificação sucessivas, deve ser rotulada como um comportamento que foi prejudicial à lide mais célere.
Neste enquadramento, não se pode concluir que pela tramitação analítica do processo se deva considerar existir uma demora excessiva que se possa imputar ao próprio Tribunal.
Apreciado o tempo total para a tramitação dos autos, verifica-se que decorreu de 15-12-2010 até 15-06-2015, isto é, por cerca de 4 anos e 6 meses.
Assim, confirma-se a decisão recorrida quando não considerou o tempo que demorou após a prolação da decisão de homologação da transacção e até que essa decisão fosse notificada a uma das A., habilitadas.
Os RR. naquela acção, ora AA. e Recorrentes, obtiveram a satisfação do seu direito através da sentença homologatória, de que foram notificados em 15-06-2015. Logo, para eles, a justiça ficou feita a partir dessa data.
Quanto ao tempo que demorou a notificação da sentença a uma das A. habilitadas é algo que não relevou para aquela satisfação.
Como acima se indicou, o TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais, vêm assinalando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, o período de 3 anos.
Se da tramitação analítica do processo não derivarem atrasos imputáveis ao Tribunal ou esses atrasos forem justificados, fica afastada a ideia de violação do conceito de “prazo razoável”. Mas, ainda assim, há que fazer um segundo raciocínio, relativo ao atraso global do processo, em que já não se analisa cada acto processual e o correspondente atraso, mas o tempo total do processo, desde a entrada da PI até que o direito que se tutela esteja decidido judicialmente ou satisfeito.
Ora, nesta apreciação global há que considerar que as demoras que foram introduzidas no P. n.° 1401/10.1TBABT pelos seus AA. originais, ou pelos AA. habilitados, com os seus comportamentos menos diligentes ou contrários a uma lide mais célere, não podem relevar para efeitos da diminuição da ilicitude por banda do Estado na demora na administração da justiça. Ou seja, os RR. nessa acção, ora Recorridos, têm o direito a obter justiça num prazo razoável e não podem ficar prejudicados nesse direito pelo facto da contraparte adoptar comportamentos menos diligentes.
Incumbe ao Estado criar mecanismos processuais para obstaculizar ou para evitar o prolongamento da tramitação processual decorrente das própria vicissitudes processuais e dos comportamentos de alguma das partes. O facto da lei processual permitir que uma das partes não adopte as diligências mais correctas e que tornam a lide mais célere, não afasta a ilicitude do Estado decorrente da não organização de um sistema judiciário que viabilize lides rápidas e efectivas. Assim, fora dos casos em que existe um uso abusivo do processo ou claramente determinado a atrasar os autos, o comportamento menos diligente e pro activo de uma das partes, que não foi aquela a quem o desfecho do litígio foi favorável, não afasta a responsabilidade do Estado de criar um sistema judicial e processual que garanta a todos os intervenientes processuais a justiça em tempo razoável. Cabe ao Estado criar as leis internas – máxime processuais – que evitem a eternização de processos nos Tribunais, ainda que a demora ocorra por se verificar o incumprimento, o cumprimento defeituoso, ou o cumprimento tardio, dos deveres e ónus processuais dos respectivos intervenientes processuais (cf. neste sentido, o Acs. do STA P. n.ºs 336/10, de 01-03-2011 e 144/13, de 27-11-2017).
Assim, na apreciação global do tempo em que se processou o P. n.° 1401/10.1TBABT há que atender à sua demora total, independentemente de quem causou tal demora.
Neste seguimento, atendendo às circunstâncias do caso – e considerando a jurisprudência nacional e do TEDH, acima indicadas - teremos que admitir que foi excessivo um tempo total de 4 anos e 6 meses como tempo global para o litígio havido no P. n.° 1401/10.1TBABT.
Tratava-se de um processo de mediana complexidade, que teve diversas diligências de prova, que exigiu peritagem. Apesar do processo ter terminado com uma transacção, teve prova pericial produzida antes da audiência final e mostrou-se relativamente complicado a este nível. Teve também uma substituição processual, com a complexidade e demora que necessariamente daí deriva.
Assim, o tempo razoável para este processo, face às suas circunstâncias concretas, não se aparta do que vem indicado pelo TEDH para uma acção declarativa em 1.ª instância: o período de 3 anos.
Por conseguinte, mesmo que não se possa rotular o tempo de 4 anos e 6 meses como um tempo claramente exagerado, quando comporte a tramitação que ora se indicou, com todas as vicissitudes que já se apontaram, frente ao caso concreto – e atendendo à jurisprudência do TEDH, que se tem de seguir - há aqui que concluir pela ocorrência de uma violação do direito à justiça num prazo razoável, pois a presente acção perdurou por um tempo superior a 3 anos.
Em suma, está certa a decisão recorrida quando considerou que ocorria o requisito ilicitude, no caso, por o tempo de tramitação do processo ter demorado 4 anos e 6 meses quando deveria ter demorado um máximo de 3 anos.
No que concerne à culpa, existirá uma culpa de serviço, uma culpa globalmente considerada. Ou seja, a administração da justiça não funcionou de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, desde logo porque não conseguiu efectivar num tempo mais curto e portanto mais razoável a justiça devida e, consequentemente, porque não se prolatou a decisão com maior prontidão (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Como decorre do antes indicado, o TEDH tem também entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Tal prova só se exigirá quando os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações.
Nos autos ficou provado que os ora Recorrentes esperavam que o P. n.° 1401/10.1TBABT tivesse um desfecho mais rápido e que a demora desse processo lhes causou ansiedade, angustia, incerteza, preocupações e aborrecimentos.
Tais danos, tal como ficaram provados, não vão para além de uma situação normal em que o processo já perdura há algum tempo, havendo de rotular-se como danos comuns para uma situação deste tipo.
Aqui, o montante do dano não patrimonial há que se fixado equitativamente, seguindo as regras dos art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC (e art.º 41.º da CEDH).
O lesante é o Estado, o lesado um particular e a culpa do agente será diminuta, considerando que a demora ocorreu por culpa do serviço e, sobretudo, porque uma parte muito significativa, se não total, para a demora introduzida no processo resulta do comportamento pouco célere ou menos escrupuloso por banda dos AA. daquela acção.
Quanto à importância do litígio para os interessados, no caso para os ora Recorrentes, estava em causa um litigio que envolvia o acesso às traseiras da casa onde habitavam e onde tinham um cultivo e animais.
Consequentemente, atendendo ao que se visava no P. n.° 1401/10.1TBABT, um tempo de atraso de 1 ano e 6 meses é de relevar, mas não é uma situação muito delicada ou que tivesse um grande relevo na vida dos então RR., ora Recorrentes.
Sintomático desse relevo relativo, é que os ora Recorrentes não foram AA na indicada acção, mas RR. Ou seja, a situação de vida que estava subjacente ao litigio não obrigou os ora Recorrentes a recorrerem à via judicial. Esse recurso só ocorreu porque os então AA. assim o fizeram e demandaram os ora AA. e Recorrentes no P. n.° 1401/10.1TBABT. Só nessa circunstância é que os RR. e ora Recorrentes foram “forçados” a reconvir.
A jurisprudência do TEDH impõe que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico à atribuída por aquele TEDH para casos semelhantes. Nesse mesmo sentido, segue a jurisprudência do STA.
Assim, seguindo a indicação que é dada no Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017 e a jurisprudência do TEDH – vg. nos Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália – pelo ano e meio que a acção terá demorado a mais, será razoável fixar a indemnização a conceder a cada um dos ora Recorrentes em 1.500,00€.
Tal valor compensará os AA. e Recorrentes pelos danos que terão tido advenientes do inconveniente de verem tramitar com uma maior delonga a acção que os envolveu em Tribunal.
Nesta medida, há que revogar a decisão recorrida quando se bastou com €1.000,00 como o valor adequado a atribuir a cada um dos AA. e ora Recorrentes.
Quanto ao pedido feito pelos AA. e Recorrentes para que tal indemnização se compute em 5.500,00€, a cada um, falece claramente, por se tratar de um valor muito acima daquele que vem sendo apontado pelo TEDH e pelo STA.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida na parte em que fixou a indemnização devida por danos não patrimoniais por atraso na administração da justiça em €1.000,00 a cada AA.;
- condena-se o Demandado a pagar aos AA. e ora Recorrentes a quantia de 1.500,00€, a cada um dos autores, a título de indemnização devida por danos não patrimoniais por atraso na administração da justiça;
- sem custas por isenção objectiva do Recorrido.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2020.
(Sofia David)

(Paula de Ferreirinha Loureiro)

(Pedro Nuno Figueiredo)