Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04544/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
SUSPENSÃO DO PRAZO DE CADUCIDADE AO ABRIGO DO ARTº.46, Nº.2, AL.A), DA L.G.T.
O SIGILO PROFISSIONAL DOS ADVOGADOS. NOÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
RECURSO AO MÉTODO DE TRIBUTAÇÃO INDIRECTA. ARTº.87, DA L.G.T.
Sumário:1. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo prazo. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. A caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo tribunal.
2. O artº.46, da L.G.Tributária, visa, exclusivamente, definir as causas de suspensão do prazo de caducidade, apesar da epígrafe do preceito se referir, igualmente, à interrupção do mesmo. O preceito elenca cinco causas de suspensão do prazo de caducidade, a primeira no número 1, as restantes no número 2, continuando a não prever qualquer causa de interrupção do prazo, ao contrário de outros sistemas fiscais, em que o simples início de acção de inspecção produz esse efeito interruptivo.
3. Às causas suspensivas consagradas no artº.46, nº.2, da L.G.Tributária, aplica-se o princípio da suspensão do prazo de caducidade, quando a Administração Fiscal, por qualquer motivo legal típico, estiver impedida de proceder à liquidação do tributo. Trata-se materialmente de uma verdadeira ampliação do prazo de caducidade, justificada pelo justo impedimento do titular do direito de liquidação, a Fazenda Pública. Em caso de obstáculo insuperável ao exercício de um direito, este só pode legalmente ser exercido quando o impedimento cessar.
4. O primeiro dos casos de suspensão do prazo de caducidade tem a ver com a existência de um litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo (cfr.nº.2, al.a), do preceito). Tal doutrina tinha já consagração no artº.33, nº.2, do C.P.Tributário. Esclarece o legislador actual apenas que o período da suspensão é o decorrido entre o início do litígio e o trânsito em julgado da decisão judicial, correndo, pois, para efeitos da contagem da caducidade, o período entre o facto tributário e a interposição da acção (v.g.direito à liquidação resultar do trânsito em julgado de sentença declaratória de simulação-cfr.artº.39, da L.G.T.). Por outras palavras, enquanto pender a acção judicial tendente à anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto, suspende-se o prazo de caducidade do direito à liquidação, o qual retoma a sua contagem após o trânsito em julgado da respectiva decisão final. O mesmo se diga de litígios judiciais que se revelem como prejudiciais face ao exercício do direito de liquidação por parte da Fazenda Pública.
5. No caso concreto, o recurso de decisão de derrogação do sigilo bancário intentado ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, pode enquadrar-se na previsão da norma constante do examinado artº.46, nº.2, al.a), da L.G.Tributária, visto que estamos perante a existência de litígio judicial de cuja resolução depende, ainda que indirectamente, a liquidação de um tributo.
6. O sigilo (segredo) profissional dos advogados encontra-se actualmente previsto no artº.87, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 15/2005, de 26/1 (cfr.anterior artº.81, do E.O.Advogados, aprovado pelo dec.lei 84/84, de 16/3). O sigilo profissional do advogado, previsto no citado artº.87, do E. O. Advogados, consubstancia-se como um dever do advogado e um direito daqueles que são os seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento próprio nos termos do respectivo regulamento (cfr. Regulamento 94/2006, de 12/6), pelo que está o advogado, desde logo, legalmente impedido de consentir a derrogação de tal sigilo profissional. Na ponderação dos interesses em presença a norma eleva o segredo profissional à categoria de dogma inerente ao interesse público dominante, que é o interesse da justiça na sua mais lata acepção. Isto é, enquanto operador judiciário, contribuindo o advogado para a realização da justiça, entende o legislador que o profissional deve respeitar e fazer cumprir o dever de reserva da intimidade da vida privada de cada cliente, mas também a relação de confiança estabelecida entre um e outro e, bem assim, a relação de confiança da generalidade dos cidadãos na classe profissional dos advogados e, em última análise, na própria Justiça.
7. Ao invés do que sucede com o sigilo bancário (que, dentro de certos pressupostos, pode ser derrogado pela própria A.Tributária, através de autorização administrativa - cfr.artº.63-B, nºs.1, 2 e 4, da L.G.Tributária), para o sigilo profissional a autorização judicial é a regra em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela A. Tributária (cfr.artº.63, nº.2, da L.G. Tributária).
8. O recurso ao método de tributação indirecta funda-se numa dupla vertente preventiva e repressiva, potenciando-se a dissuasão de comportamentos de evasão fiscal, incutindo nos contribuintes um maior rigor e verdade declarativos, e, na esfera do prevaricador, a determinação de uma matéria tributável presumida mais próxima da efectivamente tida e não declarada. Esta metodologia de tributação não comporta a mesma precisão de apuramento de imposto da resultante do método declarativo, sendo alcançada mediante índices que só por coincidência concordarão com a realidade, subsistindo sempre um concreto grau de dúvida sobre a quantificação, a qual só constituirá dúvida fundada quando o contribuinte positivamente prove que a quantificação em causa é errada.
9. As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artº.87, da L. G. Tributária. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro/rendimento revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.119 a 132 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada tendo por objecto uma liquidação de I.R.S., relativa ao ano fiscal de 2002 e no montante total de € 56.109,72.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.170 a 177 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A derrogação de sigilo bancário constitui uma forma de apuramento da matéria tributável, no âmbito da avaliação indirecta, a que se referem os artigos 87 e seguintes da L.G.Tributária;
2-No caso dos autos, a Administração Tributária não fundamentou a avaliação indirecta, e consequentemente, o seu direito a aceder livremente às informações bancárias do impugnante, nomeadamente a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do I.R.S., de 2002, do recorrente;
3-Pelo contrário, a Administração Tributária solicitou as informações bancárias para comprovar o recurso à avaliação indirecta, concluindo pela legalidade desta após a obtenção daqueles elementos, em completa subversão do espírito e da letra da lei;
4-Sendo o recorrente Advogado, facto que consta dos autos e é abundantemente invocado pela Administração Tributária, este está sujeito a sigilo profissional, pelo que, e não tendo consentido no acesso às suas contas bancárias, a Administração Tributária apenas a elas poderia aceder mediante autorização judicial (cfr.artº.64, nº.2, da L.G.Tributária);
5-Sendo ilegal o recurso à derrogação do sigilo bancário para o ano de 2002, são irrelevantes as decisões judiciais de 1ª. Instância e do T.C.A. Sul referentes ao ano de 2001, para efeitos da caducidade do direito à liquidação;
6-Deste modo, à data da liquidação - 2007 - havia já decorrido o período de 4 anos a que se refere o artº.45, nº.1, da L.G.Tributária, tendo caducado o direito da Administração Tributária à liquidação do imposto em causa nos autos;
7-Mostram-se violadas pela sentença recorrida as seguintes disposições legais: os artºs.45, nºs.1 e 4, 63, nº.2, 63-B, nº.1, al.f), 87, nº.1, al.b), e 88, todos da L.G.Tributária, e o artº.87, do Estatuto da Ordem dos Advogados;
Termina, pugnando pela revogação da sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação e anulando-se a liquidação de I.R.S. de 2002 do recorrente.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso, sustentando, em síntese (cfr.fls.189 e 190 dos autos):
1-Que a Fazenda Pública não tinha legitimidade para aceder às contas bancárias do recorrente no que diz respeito ao ano de 2002, com base na autorização de derrogação de sigilo bancário relativa ao ano de 2001, judicialmente confirmada;
2-Pelo que é ilegal a utilização dos dados recolhidos da conta bancária do recorrente e que suportaram a liquidação objecto do presente processo;
3-Por outro lado, como a acção de inspecção interna que esteve na génese da liquidação sindicada não tem efeitos suspensivos do prazo de caducidade do direito à liquidação, na data em que o recorrente foi notificado da mesma (3/9/2007) já se mostrava caducado o direito de liquidar o imposto em discussão do ano de 2002;
4-Por último, exercendo o recorrente a profissão de advogado, com sujeição a sigilo profissional, e tendo-se oposto à derrogação do sigilo bancário, a A. Fiscal apenas poderia ter acesso às contas bancárias do mesmo em relação ao ano de 2002 com prévia autorização judicial, o que não se verificou na situação em apreço.
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.193 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.121 a 126 dos autos):
1-O sujeito passivo, ora impugnante, tem escritório no 8º. Dtº., do nº.35, no Edifício A1, da Av. ..., em Lisboa, e está registado, desde 6/6/1989, pelo exercício da actividade de “Advogado”, correspondente ao código 610 da Tabela de Actividades aprovada pela Portaria 1011/2001, de 21 de Agosto, auferindo rendimentos enquadrados na Categoria - B, de I.R.S., prevista na alínea b), do nº.1, do artº.3, e artº.1. do C.I.R.S., os quais, face ao montante declarado se encontram submetidos ao regime simplificado de tributação, de acordo com o estipulado nos artºs.28 e 31, do mesmo Código;
2-Em sede de I.V.A., o contribuinte está enquadrado no regime especial de isenção previsto pelo artº.53, do C.I.V.A.;
3-No âmbito da competência funcional da Direcção de Finanças de Lisboa foi aberta a ordem de serviço nº.OI200600081, datada de 6/1/2006 e com despacho para fiscalização interna da mesma data, com vista à fiscalização da situação tributária no âmbito de I.R.S., com incidência no exercício de 2002, relativamente ao Sujeito Passivo, A..., NIF, ora impugnante;
4-A referida acção inspectiva redundou da fiscalização que decorreu ao ano de 2001, uma vez que o sujeito passivo havia adquirido um veiculo automóvel de marca “Porsche Carrera”, qualificado de “manifestação de fortuna” de harmonia com os critérios estipulados no artº.89-A, da Lei Geral Tributária, quando a declaração de rendimentos apresentada para efeitos de I.R.S. revelava uma desproporção superior a 50% para menos, em confrontação com a tabela inserida no nº.4 do citado normativo;
5-No âmbito da fiscalização realizada em relação a esse exercício foi autorizada a consulta aos documentos bancários do sujeito passivo, ora impugnante, por despacho de 14/10/2005 do Exmo. Senhor Director Geral dos Impostos, tendo, no entanto, sido negativas as respostas por parte da generalidade das entidades financeiras;
6-Até à data da elaboração da informação de fiscalização respeitante ao ano de 2001, o Banco Espírito Santo, onde o contribuinte declarou possuir uma conta bancária, nada havia comunicado aos Serviços, tendo, consequentemente, sido proposta a continuidade da inspecção para os anos subsequentes de 2002, 2003 e 2004, dados os baixos rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. e o facto de o contribuinte ser administrador e representante de quatro empresas comerciais;
7-Face à actividade de advogado desenvolvida pelo impugnante, aos baixos rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. nos anos de 2001/2002, ao facto de o sujeito passivo ter sido administrador e representante de 2 empresas do ramo imobiliário no ano de 2002, bem como à situação tributária respeitante ao ano de 2001, a acção de inspecção ao exercício de 2002 enveredou prioritariamente pela averiguação dos seus movimentos bancários, que pudessem eventualmente indicar a obtenção de rendimentos não declarados;
8-Foi dirigido ao Banco de Portugal, através do ofício nº.4291, de 17/1/2006, um pedido de divulgação da decisão emanada do Sr. Director Geral dos Impostos em 14/10/2005, para a Administração Tributária ter acesso a todos os documentos e contas bancárias junto das instituições bancárias portuguesas, no caso vertente, com respeito ao ano de 2002;
9-A generalidade das entidades bancárias respondeu negativamente a essa intimação, à excepção do Banco Espírito Santo, que remeteu fotocópias de diversos documentos de lançamento a crédito na sua conta DO 018174390001, que lhe haviam sido solicitados;
10-Com base nessa documentação foi enviado à procuradora do ora impugnante, Dra. Ana Velho do Vale, um pedido de esclarecimentos, ao abrigo do artº.59, da L.G.T., e artº. 40, do C.P.P.T., através do ofício nº.34847, de 11/05/2006, sobre a natureza e proveniência de diversos movimentos a crédito inscritos na referida conta bancária;
11-Em resposta a esse pedido de esclarecimentos, o contribuinte alegou que a Administração Tributária não havia cumprido com o estabelecido na lei no respeitante à derrogação do dever de sigilo bancário, abstendo-se de emitir qualquer pronúncia sobre a notificação;
12-Na sequência do contraposto pelo contribuinte, reiniciou-se o procedimento de derrogação do dever de sigilo bancário, tendo sido notificada a sua procuradora da decisão do levantamento de sigilo bancário do Senhor Director-Geral dos Impostos, datada de 14/10/2005, mediante o ofício nº.43085 de 05/06/2006;
13-Dessa decisão de levantamento do sigilo bancário foi interposto recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, o qual julgou improcedente a petição em 26/10/2006, tendo o sujeito passivo recorrido jurisdicionalmente dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 14/2/2007, negou provimento a esse recurso e confirmou a decisão recorrida;
14-Tendo-se verificado o trânsito em julgado do acórdão do T.C.A. Sul, encetaram-se os procedimentos para acesso aos elementos bancários do contribuinte, pelo que foi novamente dirigido ao Banco de Portugal o pedido de divulgação da decisão do Senhor Director-Geral dos Impostos através do ofício nº.25151, de 26/3/2007;
15-Posteriormente, foi de igual modo solicitado ao Banco Espírito Santo a remessa de cópias de todos os documentos referentes a movimentos a crédito registados nas contas bancárias de que o contribuinte fosse titular, pelo ofício nº.25153, de 26/03/2007, e respeitantes ao período de 2002/01/01 a 2002/12/31;
16-Mais uma vez, a resposta da generalidade das instituições bancárias traduziu-se num resultado nulo, à excepção do já mencionado BES, que enviou cópias dos extractos da conta nº.DO 018174390001 inerentes ao ano de 2002, bem assim, como cópias dos documentos respeitantes a movimentos a crédito, conforme discriminação a fls.63 do processo administrativo apenso aos presentes autos e que totalizam a verba de € 205.276,69;
17-Da análise global à situação tributária do sujeito passivo relativamente ao ano de 2002, constata-se da consulta ao sistema informático que manifesta o rendimento colectável em sede de I.R.S. de € 2.436,07, não tendo declarado quaisquer outros rendimentos para efeitos fiscais;
18-Na consulta aos documentos bancários do ora impugnante, detectaram-se diversos movimentos a crédito na conta bancária nº.018174390001, de que é titular no Banco Espírito Santo e que totalizam a verba de € 205.276,69, como foi já referido;
19-Esses movimentos a crédito, que se encontram discriminados no ponto 2.3 do relatório a fls.63 do processo administrativo apenso, configuram factos concretamente identificados, de harmonia com o disposto na al.d), do artº.88, da L.G.T., que patenteiam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada para efeitos de I.R.S.;
20-Uma vez que o ora impugnante se encontra colectado em I.R.S., na qualidade de advogado, inscrito na Ordem dos advogados com a cédula nº.7142, tendo, designadamente, requisitado uma caderneta de recibos mod.6, no ano de 2002, presumiu-se que as referidas receitas (movimentos a crédito na referida conta bancária), são derivadas do exercício dessa sua actividade profissional, como rendimentos da Categoria B;
21-Por outro lado, encontrando-se enquadrado no regime simplificado de tributação em I.R.S., Categoria B (artº.31, do C.I.R.S.), a matéria colectável determina-se pela aplicação do coeficiente de 0,65 aos rendimentos apurados;
22-Face à detecção dos referidos movimentos a crédito de que beneficiou o contribuinte, a matéria colectável de I.R.S., do ano de 2002, é determinada mediante avaliação indirecta ao abrigo do estabelecido no artº.87, al.b), da L.G.T., e dos artºs.31, 39 e 65, nº.2, al.a), do C.I.R.S., dada a impossibilidade da sua comprovação directa e exacta, cifrando-se no montante de € 133.429,84 (205.276,69 x 0,65);
23-O ora impugnante foi notificado em 18/5/2007, pelo ofício nº.39487, do projecto de correcções da matéria colectável de I.R.S./2002, datado de 14/5/2007, com recurso a avaliação indirecta nos termos do artº.87, al.b), da L.G.T., para exercer o direito de audição, nos termos previstos no artº.60, da L.G.T., e artº.60, do R.C.P.I.T.;
24-O ora impugnante usou o seu direito de audição, mas a Administração Tributária considerou que os fundamentos invocados não foram relevantes para a alteração da decisão pelo que não prejudicaram as correcções anteriormente feitas e acima referidas;
25-Com base no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária concluído em 6/6/2007, foi fixado em 15/6/2007, pela Chefe de Divisão de Inspecção Tributária por subdelegação de competências da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa, o conjunto de rendimentos líquidos sujeitos a tributação em sede de I.R.S. no montante de € 133.429,84, para o ano de 2002, nos termos do nº.2, do artº.65, e artº.39, do C.I.R.S., bem como dos artºs.87, al.b), 88 e 90, da L.G.T.;
26-O ora impugnante foi notificado pessoalmente, em 19/6/2007, de todo o teor do ofício nº.048826, de 18/6/2007, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, respeitante à fixação do conjunto de rendimentos líquidos sujeitos a tributação em sede de I.R.S., tendo vindo apresentar, em 19/7/2007, um pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do artº.91, da L.G.T.;
27-O debate contraditório entre os peritos do Sujeito Passivo e da Administração Tributária efectuou-se em 13/8/2007, com a presença do perito independente, conforme Acta nº.51/07, e não tendo os peritos chegado a acordo, cada um deles lavrou o seu laudo, os quais se encontram juntos à citada acta, dela fazendo parte integrante, e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos (cfr.documentos juntos a fls.232 a 240 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
28-Assim, em conformidade com o disposto no nº.6, do artº.92, da L.G.T., foi deliberado pelo Senhor Director de Finanças Adjunto, em substituição legal (D.R. nº.125, II Série de 5/7/01), manter o rendimento tributável no montante de € 133.429,84 para o exercício de 2002 fixado pelos Serviços de Inspecção Tributária (cfr.documentos juntos a fls.241 a 250 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
29-Tendo sido notificado da liquidação de I.R.S. do exercício de 2002, o impugnante veio, em 9/10/2007, deduzir a presente impugnação.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Não se provaram outros factos com relevância para a decisão…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…Os factos provados assentam na análise crítica dos elementos constantes dos autos, nomeadamente dos títulos executivos, das informações oficiais e dos documentos juntos…”.
X
Dado que revela interesse para a decisão do presente recurso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se adita, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
30-O despacho de autorização a consulta aos documentos bancários do sujeito passivo, da autoria do Senhor Director Geral dos Impostos, datado do pretérito dia 14/10/2005 e a que se refere o nº.5 da matéria de facto supra exarada tem o seguinte conteúdo relevante:
“…Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação e da Informação da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que sustentou o Projecto de Decisão, bem como com o teor dos pareceres e despachos que sobre as mesmas recaíram, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea a), do nº.2, do artº.63-B, da Lei Geral Tributária, ponderado, ainda, o alegado, em sede de audição, pelo contribuinte, autorizo, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo nº.3 do referido normativo, que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todos os documentos e contas bancárias existentes nas instituições bancárias portuguesas, em nome de A..., com o NIF ....
Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Lisboa para efeitos do prosseguimento do procedimento de levantamento do segredo bancário.
Em 14/10/05…” (cfr.documento junto a fls.78 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
31-O recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa da decisão de levantamento do sigilo bancário a que se refere o nº.13 da matéria de facto supra exarada foi interposto em 20/6/2006 (cfr.factualidade admitida pelo impugnante no artº.137 da p.i.; informação exarada a fls.275 a 299 do processo administrativo apenso);
32-O trânsito em julgado do acórdão do T.C.A. Sul a que se refere o nº.14 da matéria de facto supra exarada ocorreu em 24/2/2007 (cfr.factualidade admitida pelo impugnante no artº.137 da p.i.; informação exarada a fls.275 a 299 do processo administrativo apenso);
33-O ofício dirigido ao Banco de Portugal identificado no nº.14 da matéria de facto supra exarada foi emitido pela Direcção de Finanças de Lisboa, fundamentando o pedido de consulta de documentos bancários do sujeito passivo no artº.63-B, nºs.2, a.b), e 3, da L. G. Tributária, e no artº.9, do R.C.P.I.T., mais pedindo cópias dos extractos bancários relativos ao período de 1/1/2002 a 31/12/2002, tudo conforme documento junto a fls.272 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
34-O ofício dirigido ao Banco Espírito Santo identificado no nº.15 da matéria de facto supra exarada foi emitido pela Direcção de Finanças de Lisboa, fundamentando o pedido de consulta de documentos bancários do sujeito passivo no artº.63-B, nºs.2, a.b), e 3, da L. G. Tributária, e no artº.9, do R.C.P.I.T., mais pedindo cópias dos extractos bancários relativos ao período de 1/1/2002 a 31/12/2002, tudo conforme documento junto a fls.272 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
35-Em 3/9/2007, o impugnante/recorrente foi pessoalmente notificado da liquidação de I.R.S. do exercício de 2002 a que se refere o nº.29 supra (cfr.documentos juntos a fls.261 a 263 do processo administrativo apenso aos presentes autos; factualidade admitida pelo impugnante no artº.92 da p.i.).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente infundada a impugnação que originou o presente processo, mais mantendo o acto tributário objecto do processo, em virtude de considerar improcedentes todos os fundamentos apresentados pelo recorrente.
X
Desde logo, se refere que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O recorrente dissente do julgado alegando em primeira linha, como supra se alude, que sendo Advogado, facto que consta dos autos e é abundantemente invocado pela Administração Tributária, está sujeito a sigilo profissional, pelo que, e não tendo consentido no acesso às suas contas bancárias, a Administração Tributária apenas a elas poderia aceder mediante autorização judicial (cfr.artº.64, nº.2, da L.G.Tributária). Por outro lado, que foi ilegal o recurso à derrogação do sigilo bancário para o ano de 2002, sendo irrelevantes as decisões judiciais de 1ª. Instância e do T.C.A. Sul referentes ao ano de 2001, para efeitos da caducidade do direito à liquidação. Deste modo, à data da liquidação - 2007 - havia já decorrido o período de 4 anos a que se refere o artº.45, nº.1, da L.G.Tributária, tendo caducado o direito da Administração Tributária à liquidação do imposto em causa nos autos (cfr.conclusões 4 a 6 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo prazo. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua competente extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª. Edição, 2003, pág.207 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.). Por último, diremos que o cômputo do referido prazo de quatro anos se faz a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, quando estamos perante tributo periódico como é o caso do I.R.S. (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária).
No caso concreto, o termo inicial do aludido prazo de quatro anos situa-se no pretérito dia 1/1/2003, dado que estamos perante liquidação de I.R.S., relativa ao ano de 2002 (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil).
Haverá, agora que achar o termo final de tal prazo.
O princípio de que o prazo de caducidade não deve interromper-se ou suspender-se por causas externas não tem carácter absoluto, tanto que o próprio Código Civil o restringe, ao dispor que tal prazo pode suspender-se ou interromper-se nos casos determinados pela lei (cfr.artº.328, do C.Civil). O mesmo sucede no ordenamento jurídico-tributário, onde, actualmente, o artº.46, da L. G. Tributária, consagra várias causas de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Importa, pois, examinar a opção do legislador fiscal no desenvolvimento do regime jurídico da caducidade no domínio do direito tributário, especialmente, na definição das causas de suspensão ou de interrupção do prazo de caducidade, atenta a previsão normativa do citado artº.46, da L. G. Tributária.
O indicado normativo visa, exclusivamente, definir as causas de suspensão do prazo de caducidade, apesar da epígrafe do preceito se referir, igualmente, à interrupção do mesmo. O preceito elenca cinco causas de suspensão do prazo de caducidade, a primeira no número 1, as restantes no número 2, continuando a não prever qualquer causa de interrupção do prazo, ao contrário de outros sistemas fiscais, em que o simples início de acção de inspecção produz esse efeito interruptivo. Enfim, o presente artigo procede a uma enumeração exaustiva, e não meramente exemplificativa, dos casos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação. O instituto da interrupção do prazo de caducidade não está, como ficou dito, previsto no Direito Fiscal português e, especialmente, no normativo em exame (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.220 e seg.).
A primeira causa da suspensão do prazo de caducidade resulta do início da acção de inspecção externa devidamente notificada ao contribuinte e desde que tal modalidade de actividade inspectiva não dure mais de seis meses (nº.1). Deve concluir-se que o normativo em exame não compreende, “a contrario”, a inspecção externa não notificada ao contribuinte ou a própria inspecção interna (cfr.artº.13, do R.C.P.I.T.), casos em que o prazo de caducidade do direito de liquidação não sofre qualquer suspensão, por força do seu início (cfr.António Lima Guerreiro, ob.cit., pág.222).
Às causas suspensivas consagradas no número 2 do presente artigo aplica-se o princípio da suspensão do prazo de caducidade, quando a Administração Fiscal, por qualquer motivo legal típico, estiver impedida de proceder à liquidação do tributo. Trata-se materialmente de uma verdadeira ampliação do prazo de caducidade, justificada pelo justo impedimento do titular do direito de liquidação, a Fazenda Pública. Em caso de obstáculo insuperável ao exercício de um direito, este só pode legalmente ser exercido quando o impedimento cessar. Assim, o primeiro dos casos de suspensão do prazo de caducidade tem a ver com a existência de um litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo (cfr.nº.2, al.a), do preceito). Tal doutrina tinha já consagração no artº.33, nº.2, do C. P. Tributário. Esclarece o legislador actual apenas que o período da suspensão é o decorrido entre o início do litígio e o trânsito em julgado da decisão judicial, correndo, pois, para efeitos da contagem da caducidade, o período entre o facto tributário e a interposição da acção (v.g.direito à liquidação resultar do trânsito em julgado de sentença declaratória de simulação-cfr.artº.39, da L.G.T.). Por outras palavras, enquanto pender a acção judicial tendente à anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto, suspende-se o prazo de caducidade do direito à liquidação, o qual retoma a sua contagem após o trânsito em julgado da respectiva decisão final. O mesmo se diga de litígios judiciais que se revelem como prejudiciais face ao exercício do direito de liquidação por parte da Fazenda Pública (cfr.António Lima Guerreiro, ob.cit.pág.222; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.97, anot.10 ao artº.33; Joaquim Casimiro Gonçalves, ob.cit., pág.248; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/7/2010, rec.341/10).
No caso concreto, atenta a matéria de facto provada (cfr.nº.3 da matéria de facto supra exarada), não podia ocorrer a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação ao abrigo do artº.46, nº.1, da L. G. Tributária, dado que a inspecção de que resultou a liquidação impugnada revestiu natureza interna.
Analisemos, agora, se ocorreu tal suspensão ao abrigo do artº.46, nº.2, al.a), da L. G. Tributária, em virtude da existência de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo. A douta sentença recorrida entende que sim, estando o prazo de caducidade suspenso entre 20/6/2006 (data da interposição do recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário-cfr.nº.31 da matéria de facto provada) e 24/2/2007 (data do trânsito em julgado do acórdão do T.C.A. Sul que julgou improcedente o mesmo recurso-cfr.nº.32 da matéria de facto provada), assim não tendo ocorrido o termo final do prazo de caducidade na data em que o recorrente foi notificado da liquidação objecto do presente processo (3/9/2007-cfr.nº.35 da matéria de facto provada).
Haverá, portanto, que saber se um recurso de decisão de derrogação do sigilo bancário intentado ao abrigo do artº.146-B, do C. P. P. Tributário, se pode enquadrar na previsão da norma constante do examinado artº.46, nº.2, al.a), da L. G. Tributária. Portanto, se estaremos perante a existência de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação de um tributo?
Pensamos que a resposta deve ser positiva. Desde logo porque o recurso em causa reveste a natureza de processo urgente e com efeitos suspensivos da decisão que lhe é objecto (cfr.artº.63-B, nºs.3 e 5, da L.G.Tributária, na redacção anterior à introduzida pela Lei 94/2009, de 1/9). Por outro lado, visto que a suspensão da mesma decisão de derrogação do sigilo bancário se deve configurar como um litígio judicial de cuja resolução depende, ainda que indirectamente, a liquidação do tributo (v.g.ao abrigo do regime previsto no artº.89-A, da L.G.Tributária).
E não se diga que a tal interpretação extensiva da norma em causa, o citado artº.46, nº.2, al.a), da L. G. Tributária, se oporia o princípio de legalidade fiscal consagrado no artº.103, nº.2, da C. R. Portuguesa, o qual se traduz na regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nela abrangendo não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, nestas se integrando as formas de extinção da obrigação tributária. Partindo da ideia de que a caducidade do direito à liquidação extingue o direito de estruturar a liquidação do tributo por parte da Fazenda Pública, fazendo nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação e incidindo, portanto, sobre um aspecto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material do contribuinte e não meramente procedimental, poderá entender-se, como vem sendo aceite pela doutrina, que integra uma garantia dos contribuintes. No entanto, no que respeita às garantias dos contribuintes, tal como aos benefícios fiscais, o que o princípio de legalidade fiscal proíbe é a integração analógica de lacunas, embora admita a interpretação extensiva (cfr.Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.F., 174, Lisboa, 1996, pág.97 e 384 e seg.; J.L.Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.134 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/5/2000, rec.24873).
Perfilhando esta opinião, “in casu”, devemos concluir que ocorreu um facto suspensivo do prazo de caducidade que invalidou para cálculo do termo final do mesmo o período que decorreu entre 20/6/2006 (data da interposição do recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário-cfr.nº.31 da matéria de facto provada) e 24/2/2007 (data do trânsito em julgado do acórdão do T.C.A. Sul que julgou improcedente o mesmo recurso-cfr.nº.32 da matéria de facto provada). Mais exactamente, o período de duzentos e quarenta e oito (248) dias (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil).
Ora, levando em consideração o período de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, o termo final deste ocorreu em 5/9/2007 (cfr.artº.279, do C.Civil). Tendo a liquidação objecto do presente processo sido notificada ao impugnante /recorrente no pretérito dia 3/9/2007 (cfr.nº.35 da matéria de facto provada), deve concluir-se que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação.
Ainda no âmbito da argumentação expendida no que respeita a este fundamento do recurso, aduz o recorrente que, sendo Advogado, facto que consta dos autos e é abundantemente invocado pela Administração Tributária, está sujeito a sigilo profissional, pelo que, e não tendo consentido no acesso às suas contas bancárias, a Administração Tributária apenas a elas poderia aceder mediante autorização judicial (cfr.artº.64, nº.2, da L.G.Tributária).
O sigilo (segredo) profissional dos advogados encontra-se actualmente previsto no artº.87, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 15/2005, de 26/1 (cfr.anterior artº.81, do E.O.Advogados, aprovado pelo dec.lei 84/84, de 16/3).
O sigilo profissional do advogado, previsto no citado artº.87, do E. O. Advogados, consubstancia-se como um dever do advogado e um direito daqueles que são os seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento próprio nos termos do respectivo regulamento (cfr.Regulamento 94/2006, de 12/6), pelo que está o advogado, desde logo, legalmente impedido de consentir a derrogação de tal sigilo profissional (sobre as questões atinentes à natureza jurídica do sigilo profissional do Advogado, enquanto dever de natureza puramente contratual, adveniente e baseado na relação estabelecida entre o advogado e o cliente, ou dever de natureza pública cfr.Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pag.337 e seg.). Na ponderação dos interesses em presença a norma eleva o segredo profissional à categoria de dogma inerente ao interesse público dominante, que é o interesse da justiça na sua mais lata acepção. Isto é, enquanto operador judiciário, contribuindo o advogado para a realização da justiça, entende o legislador que o profissional deve respeitar e fazer cumprir o dever de reserva da intimidade da vida privada de cada cliente, mas também a relação de confiança estabelecida entre um e outro e, bem assim, a relação de confiança da generalidade dos cidadãos na classe profissional dos advogados e, em última análise, na própria Justiça.
Por isso, e uma vez que a Ordem dos Advogados tem por missão contribuir para a defesa do Estado de direito democrático e dos direitos e garantias dos indivíduos, colaborar na administração da Justiça, zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado e promover o respeito pelos princípios deontológicos, viu o legislador a necessidade de lhe impor o dever de pronúncia decisiva em cada caso concreto de cessação do dever de sigilo. O que significa que o segredo profissional, além da dimensão pessoal inter-individual que encerra, contém igualmente uma dimensão institucional supra-individual (cfr.ac.S.T.A.-1ª.Secção, 15/12/2004, rec.1862/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/9/2010, rec.668/10; António Arnaut, Estatuto da Ordem dos Advogados anotado, 10ª. edição, Coimbra Editora, 2006, pág.97 e seg.).
Ao invés do que sucede com o sigilo bancário (que, dentro de certos pressupostos, pode ser derrogado pela própria A.Tributária, através de autorização administrativa - cfr.artº.63-B, nºs.1, 2 e 4, da L.G.Tributária), para o sigilo profissional a autorização judicial é a regra em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela A. Tributária (cfr.artº.63, nº.2, da L.G. Tributária).
Apesar disso, no caso concreto, o recorrente não alega factualidade, e muito menos faz prova, que leve a concluir-se estar sujeita ao sigilo profissional a conta bancária de que era titular no BES (cfr.nº.16 da matéria de facto provada). Pelo contrário, revela-se evidente que a pretensão da Administração Fiscal não abrangia a devassa do segredo profissional visto que o que se visava esclarecer respeitava unicamente ao montante dos rendimentos obtidos pelo contribuinte na sua actividade profissional no ano 2002 e não às relações estabelecidas entre este e os seus clientes. Ou seja, não estava em causa as relações sigilosas estabelecidas entre o profissional liberal e o cliente, mas antes os rendimentos do recorrente constantes da mesma conta bancária. Por outro lado, conforme consta da matéria de facto provada, a legalidade do levantamento do sigilo bancário ordenado pelo Director-Geral dos Impostos foi confirmado pelas instâncias judiciais de controlo (cfr.nºs.13 e 14 da matéria de facto provada).
Face ao exposto, deve considerar-se improcedente o vício assacado à sentença objecto de recurso e sob apreciação.
Mais argui o recorrente que a derrogação de sigilo bancário constitui uma forma de apuramento da matéria tributável, no âmbito da avaliação indirecta, a que se referem os artigos 87 e seguintes da L.G.Tributária. Que, no caso dos autos, a Administração Tributária não fundamentou a avaliação indirecta, e consequentemente, o seu direito a aceder livremente às informações bancárias do impugnante, nomeadamente a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do I.R.S., de 2002, do recorrente. Pelo contrário, a Administração Tributária solicitou as informações bancárias para comprovar o recurso à avaliação indirecta, concluindo pela legalidade desta após a obtenção daqueles elementos, em completa subversão do espírito e da letra da lei (cfr. conclusões 1 a 3 do recurso).
Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Conforme se retira da matéria de facto provada (cfr.nºs.17 a 22 da matéria de facto provada), o impugnante/recorrente apenas declarou, relativamente ao ano de 2002 e em sede de I.R.S., o rendimento colectável de € 2.436,07, quando foram detectados movimentos a crédito na conta do BES a que a A. Fiscal teve acesso no montante total de € 205.276,69. Nestes termos, de harmonia com o disposto na al.d), do artº.88, da L.G.T., concluiu-se que o sujeito passivo exibiu uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada para efeitos de I.R.S., dado se presumir que as relatadas receitas (movimentos a crédito na referida conta bancária), foram derivadas do exercício da sua actividade profissional, como rendimentos da Categoria B. Pelo que, a matéria colectável de I.R.S., do ano de 2002, foi determinada mediante avaliação indirecta ao abrigo do estabelecido no artº.87, al.b), da L.G.T., e dos artºs.31, 39 e 65, nº.2, al.a), do C.I.R.S., dada a impossibilidade da sua comprovação directa e exacta, cifrando-se no montante de € 133.429,84 (205.276,69 x 0,65). Mais se levando em consideração que o recorrente se encontrava enquadrado no regime simplificado de tributação em I.R.S., Categoria B (artº.31, do C.I.R.S.), assim sendo a matéria colectável determinada pela aplicação do coeficiente de 0,65 aos rendimentos apurados.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
O recurso ao método de tributação indirecta funda-se na dupla vertente preventiva e repressiva, potenciando-se a dissuasão de comportamentos de evasão fiscal, incutindo nos contribuintes um maior rigor e verdade declarativos, e, na esfera do prevaricador, a determinação de uma matéria tributável presumida mais próxima da efectivamente tida e não declarada. Esta metodologia de tributação não comporta a mesma precisão de apuramento de imposto da resultante do método declarativo, sendo alcançada mediante índices que só por coincidência concordarão com a realidade, subsistindo sempre um concreto grau de dúvida sobre a quantificação, a qual só constituirá dúvida fundada quando o contribuinte positivamente prove que a quantificação em causa é errada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2º.Juízo, 7/3/2006, proc.993/06).
É que a tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L. G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.-2ª. Secção, 4/11/2003, proc. 282/03). As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artº.87, da L. G. Tributária. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro/rendimento revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal.
Voltando ao caso dos autos, deve concluir-se que o procedimento da A. Fiscal com vista ao cálculo da matéria colectável do impugnante/recorrente através de avaliação indirecta se encontra devidamente fundamentado na lei, mais exactamente nos artºs.87, al.b), e 88, al.d), da L. G. Tributária, conforme se retira da descrição supra exarada. Concluindo, não padece tal procedimento de ilegalidade ao nível da utilização do critério ou dos critérios de quantificação do valor tributável, por violação das regras de determinação da matéria colectável.
Mais se dirá que o recorrente utilizou o procedimento de revisão regulado no artº.91, e seg. da L. G. Tributária, conforme igualmente se retira da matéria de facto provada (cfr.nºs.26 a 28 da matéria de facto provada), apesar de não ser líquido que a lei lhe permitisse o acesso a tal regime, atento o facto de estarmos perante contribuinte sujeito ao regime simplificado de tributação (cfr.artº.91, nº.1, da L.G.Tributária).
Face ao exposto, não vislumbra o Tribunal qualquer ilegalidade, ainda que de forma e baseada em alegada falta de fundamentação, na actuação da A. Fiscal e enquanto utilizou o método de avaliação indirecta da matéria colectável do impugnante/recorrente, pelo que deve julgar-se improcedente o vício assacado à sentença objecto de recurso e sob apreciação.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, não se concede provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
Ofício junto a fls.196 dos autos: após trânsito, satisfaça remetendo certidão com nota de trânsito em julgado do presente acórdão.
X
Lisboa, 1 de Junho de 2011
(Joaquim Condesso - Relator)
(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)
(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto) Vencido, por, quanto à questão do Levantamento do sigilo bancário, para o ano de 2002, entender que o despacho, único, do Sr. Director-Geral dos Impostos, datado de 14.10.2005, como resulta dos pontos 4 e 5 dos factos provados, apenas cobre o ano de 2001, do que derivou o cometimento da ilegalidade, no apuramento da matéria tributável que conduziu à emissão da liquidação impugnada, referente ao ano de 2002.