Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:935/08.2BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/17/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
RECOMENDAÇÃO-ERC
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário:I – As recomendações da ERC, como a própria designação indicia, têm carácter meramente opinativo - Cfr. artigo 63º, nº 3, da Lei nº 53/2005, de 8 Novembro (Criação da ERC), como, aliás, já foi confirmado pelo Tribunal Constitucional.
Estão pois em causa meros atos opinativos e não vinculativos para os seus destinatários (cf. artigo 63.°, n.º 3 dos Estatutos da ERC).
II - As recomendações previstas no n.º 2 do artigo 63.º dos Estatutos da ERC, diferem das “decisões” referidas no artigo 64.º dos mesmos Estatutos, as quais, essas sim, têm carácter vinculativo e de cumprimento obrigatório para os órgãos de comunicação social.
III - Nos termos do artigo 72.° da Lei n.º 53/2005, "Os destinatários de decisão individualizada aprovada pela ERC ficarão sujeitos ao pagamento de uma quantia pecuniária a pagar por cada dia de atraso no cumprimento, contado da data da sua entrada em vigor”.
IV – A obrigatoriedade de divulgação de uma declaração opinativa, sob cominação de aplicação de uma sanção pecuniária, é, por natureza, contraditório, suscitando perplexibilidades várias, constituindo até uma intromissão na autonomia redatorial de um qualquer órgão de comunicação social.
Não existindo norma jurídica punitiva da eventual violação do dever de divulgação das recomendações da ERC, está comprometido o sancionamento de qualquer órgão de comunicação social com esse objeto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
Entidade Reguladora para a Comunicação Social, (ERC), no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada pela S..... – S....l, S.A., tendente à impugnação da “deliberação tomada em sessão do Conselho Regulador da ERC, datada de 4 de Junho de 2008 e notificada à Requerente em 5 de Junho de 2008, que determinou, designadamente, condenar o incumprimento manifesto, pelo jornal E... on-line, das regras legais e deontológicas a que está vinculado e que impõe a salvaguarda dos direitos de personalidade; Instar os órgãos de comunicação que identifica a respeitar os princípios e normas ético-legais do jornalismo e ao rigoroso cumprimento futuro das regras relativas aos direitos de personalidade”, inconformada com o Acórdão proferido no TAF de Sintra de 21/01/2015, que julgou a ação procedente, tendo anulado a Deliberação tomada em sessão do Conselho Regulador da ERC, de 4 de Junho de 2008, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, aí tendo concluído:
“A) A Causa de pedir, nos presentes autos deriva da discordância da Autora relativamente à obrigação de publicações de recomendações da ERC e da possibilidade de imposição de uma sanção pecuniária compulsória;
B) O conjunto de questões colocadas perante o tribunal a quo dizem respeito, unicamente, à possibilidade legal de tais instruções (especialmente, e tendo em consideração a PI apresentada, a possibilidade de tal obrigação de publicação ser acompanhada de uma sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento);
C) Sucede, contudo, que tal determinação (que constitui a causa de pedir nos presentes autos) não constam do texto da Deliberação colocada em crise;
D) Consequentemente, ao decidir anular a Deliberação n.º 1/CONT/2008 (e não tais determinações), o tribunal a quo incorreu numa errada interpretação e aplicação do direito;
E) Com efeito, não se limitando a anular os atos que determinam a eventual aplicação de sanção pecuniária compulsória e obrigação de publicação, mas antes anulando a Deliberação, o Tribunal a quo acaba por anular atos inimpugnáveis, na medida em que assumem a natureza de mera recomendação, não tendo, por isso, eficácia externa.
F) Paralelamente, o Tribunal a quo andou mal ao anular uma Deliberação com base em vícios que não emergem da mesma (ou, considerando-se a determinação adicional como ato integrativo da Deliberação, para além do que seria devido – e que apenas poderiam motivar uma anulação parcial);
G) O Tribunal a quo ao determinar a anulação da Deliberação, sem qualquer restrição, anula um ato que incide sobre vários órgãos de comunicação social (mais de meia dezena) sem que tal lhe tenha sido peticionado pelas partes na relação material controvertida.
H) Finalmente, errou o Tribunal a quo ao imputar o vício de falta de fundamentação à deliberação colocada em crise nos presentes autos quando a mesma não se apresenta como meramente conclusiva (antes tendo uma extensa explicação sobre o regime dos direitos de personalidade, sua relação com o direito à informação e medidas a adotar tendo em vista mitigar a compressão de qualquer desses direitos).
I) Para além disso, o Tribunal a quo cometeu novo erro no acórdão recorrido, porquanto nunca foi dada as partes, mormente a ora Recorrente, a possibilidade de se pronunciar relativamente a um qualquer vício de falta de fundamentação (que não constitui causa de pedir nos presentes autos – verificando-se que a Autora compreendeu o sentido, alcance e razões subjacentes à Deliberação proferida, não a tento impugnado com base nesse vício), constituindo uma verdadeira decisão surpresa.
J) A decisão recorrida deve ser reformada quanto a custas porquanto a ora Recorrente atuou em defesa de direitos, liberdades e garantias de cidadãos (os protagonistas do vídeo divulgado), nos termos previstos na alínea d) do artigo 8.º dos respetivos Estatutos, gozando por isso da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, que V. Exa. Venerando Senhor Juiz Desembargador Relator mui doutamente suprirá, requer-se seja o presente recurso julgado procedente por provado e, em consequência, seja o Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que não padeça dos vícios naquele constantes.
Mais se requer que, em qualquer caso, seja o acórdão recorrido reformado quanto a custas, expressamente se reconhecendo a isenção da Recorrente nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.”

Em 20 de Abril de 2015 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.

Não foram apresentadas Contra-alegações de Recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal notificado em 16/06/2015, veio a emitir Parecer em 24 de junho de 2015 no qual, a final concluiu “(…) que o presente recurso não merece provimento.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, se como invocado “o tribunal a quo incorreu numa errada interpretação e aplicação do direito”.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
“1. A requerente é proprietária do Semanário "E..." e do respetivo suporte eletrónico, comummente designado de "E... On-Line" (por acordo);
2. No dia 20 de Março de 2008 o jornal “E...” publicou no seu site uma notícia que tinha como título “Professora brutalizada por tirar telemóvel na aula” e como antetítulo “na Escola Secundária ...” – fls. 39 dos autos.
3. A Direção Regional de Educação do Norte (DREN) apresentou queixa à Entidade Demandada contra o “E... on line”.
4. Na sequência, em 4 de Junho de 2008, o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tomou a Deliberação nº 1/CONT/2008, que adotou a Recomendação nº 5/2008, nos termos seguintes, no que ora importa:
«(...) 6.3. Apreciação em concreto / 6.3.1. Aqui chegado, o Conselho Regulador passa a analisar a forma como cada órgão de comunicação social notificado pela ERC noticiou o vídeo que retrata o episódio ocorrido na Escola Secundária .... / (...)
6.3.4. No que respeita ao jornal "E...", na sua versão eletrónica, cabe salientar que, tanto quanto este Conselho pôde apurar, este foi o único órgão de comunicação social a divulgar o vídeo tal como constava, originalmente, no site YouTube. É, como tal, evidente e inquestionável que o jornal, pelas razões acima aduzidas, incumpriu as regras legais e deontológicas a que está vinculado, pelo que não se justificam considerações adicionais. / De qualquer modo, não pode o Conselho Regulador deixar de realçar pela negativa que o "E...", na sua página eletrónica, não só refere, abertamente, que divulga o vídeo que já "foi retirado do YouTube" como incita os leitores ou internautas a visioná-lo na sua página. / (...) VI. Deliberação / Tendo apreciado, a propósito de uma participação apresentada pela Direção Regional de Educação do Norte, a cobertura jornalística do vídeo divulgado no site de internet YouTube sobre um episódio de indisciplina ocorrido na Escola Secundária ..., realizada pela R.., S…, "E..." on-line, "D…", "P…, "C..", "2.." e "S…"; / Considerando que a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa - garantida no art. 38.°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa - não é absoluta, encontrando-se circunscrita por outros valores, também eles constitucionalmente consagrados, nomeadamente pelos direitos de personalidade, aqui se incluindo a imagem e honra; / Notando que, não existindo uma hierarquia constitucionalmente fundada entre a liberdade de imprensa e os direitos de personalidade, a divulgação de factos que "ferem" estes direitos apenas pode ser justificada se a revelação for realizada por razões de autêntico interesse público; / Entendendo que os factos ocorridos na Escola Secundária ... têm manifesto interesse público, afigurando-se incontornável a divulgação mediática do vídeo; / Salientando que a divulgação mediática daquele acontecimento requer, pela sua natureza, especiais cautelas, uma vez que a divulgação de um facto suscetível de afetar a dignidade das pessoas exige, como contraponto, o máximo rigor e cautela no trabalho jornalístico e um adequado comedimento e resguardo, de modo a comprimir minimamente os direitos dos visados; / Realçando que o intuito informativo que presidiu à divulgação do vídeo não ficava prejudicado pela ocultação da identidade e da imagem dos protagonistas nele envolvidos; / Destacando que o facto de determinada imagem se encontrar disponível na Internet não desonera o órgão de comunicação social de proceder a um trabalho de seleção, edição e tratamento, de forma a adequar a sua divulgação às regras legais e deontológicas que o vinculam e que orientam a atividade jornalística; / O Conselho Regulador da ERC, no exercício das atribuições e competências de regulação constantes, respetivamente, na al. t) do art. 7.° e na al. d) do art. 8.° dos Estatutos da ERC, delibera: / 1. Condenar o incumprimento manifesto, pelo jornal "E..." online, das regras legais e deontológicas a que está vinculado e que impõem a salvaguarda dos direitos de personalidade. / (...) 7. Instar os órgãos de comunicação social acima referidos a respeitar os princípios e as normas ético-legais do jornalismo e ao rigoroso cumprimento futuro das regras relativas aos direitos de personalidade. / (...) 9. Dirigir, nos termos dos artigos 63° nº 2 e 65° nºs 2 e 3 a) dos Estatutos da ERC, ao jornal ― E...‖ a Recomendação 5/2008, que se anexam – Doc. nº 1 junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido
5. Da Recomendação 5/2008, anexa à Deliberação identificada em 4, resulta que «(...) O Conselho Regulador: 1. Insta o "E..." a cumprir os seus deveres legais e deontológicos, nomeadamente, em matéria de respeito pelos direitos de personalidade. 2. Recomenda ao "E..." a adoção de uma atitude mais zelosa no que respeita no tratamento editorial de vídeos e imagens potencialmente violadoras dos direitos de personalidade dos visados.» (idem);
6. Pelo ofício nº 2642/ERC/2008, datado de 05/06/2008, e subscrito pelo Diretor Executivo, N...... (assinatura ilegível), foi o jornal "E...", na pessoa do seu Diretor, notificado da Deliberação referenciada em 4 e Recomendação 5/2008 anexa, nos seguintes termos: «ASSUNTO: Cobertura jornalística realizada por diversos órgãos de comunicação social do vídeo divulgado no site de internet YouTube sobre um episódio de indisciplina ocorrido na Escola Secundária .../ O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, reunido a 4 de Junho de 2008, aprovou a Deliberação 1/CONT/2008, que adota a Recomendação 5/2008, relativa ao assunto supra identificado, e que se junta em anexo. / Nos termos do art. 65.°, nºs 3 e 5, dos Estatutos da ERC, determina-se que a referida Recomendação 5/2008 seja publicada no E...‖ online nas quarenta e oito horas após a receção desta notificação pelo jornal "E...", em local que lhe assegure a necessária visibilidade. / Mais se comunica que o Conselho Regulador decidiu que o não cumprimento da Deliberação ficará sujeito ao pagamento de uma quantia pecuniária de 500€ por cada dia de atraso na publicação da referida Recomendação 5/2008, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 72º dos mesmos Estatutos, adotados pela Lei nº 53/2005, de 8 de Novembro. / Com os melhores cumprimentos » - cfr. Doc nº 1, fls. 18 dos autos.
7. A execução da Deliberação 1/CONT/2008, por parte da requerente, é imediata, nos termos dela constantes e da notificação referida em 6, bem como do artº 75.°, nº4, dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei nº 53/2005, de 8 de Novembro - por acordo;
8. A Recomendação em causa foi já objeto de ampla divulgação pelos órgãos de comunicação social portugueses (cfr. Docs, nºs 3 a 7 juntos com o req. Inicial da providência cautelar em apenso, e por acordo);
9. Encontrando-se disponível no sítio eletrónico da ERC em 09/06/2008 (cfr. Doc. nº 8 junto com o req. Inicial da p. cautelar);
10. O Diretor Executivo da ERC, N......, foi encarregado, pelo Conselho Regulador da ERC, de divulgar, nomeadamente, a Recomendação 5/2008, junto de vários órgãos de comunicação social, que não eram direta, nem indiretamente, visados no procedimento da ERC em questão (cfr. Doc. nº9 junto com o Req. Inicial da p. cautelar);
11. Por Sentença de 14/11/2008, proferida no Processo Cautelar nº 641/08.8 BESNT (em apenso), e já transitada, foi “julgado procedente o pedido da requerente e, em consequência, decretada (…) a suspensão de eficácia da Deliberação 1/CONT/2008, de 4 de Junho de 2008, do Conselho Regulador da ERC. (…)” – cf. processo cautelar em apenso.

IV – Do Direito
Discorreu-se, no que aqui releva, no discurso fundamentador da decisão recorrida, o seguinte:
“Está em causa saber se deve ser anulada a Decisão impugnada e melhor identificada no nº 4 do probatório e que adotou a Recomendação nº 5/2008. E sobretudo se, “nos termos do artº 65° nºs 3 e 5, dos Estatutos da ERC”, podia ser determinado “que a referida Recomendação 5/2008 seja publicada no “E...” online nas quarenta e oito horas após a receção desta notificação pelo jornal "E...", em local que lhe assegure a necessária visibilidade”. E se a decisão do Conselho Regulador de que o não cumprimento da Deliberação ficaria sujeito ao pagamento de uma quantia pecuniária de 500€ por cada dia de atraso na publicação da referida Recomendação 5/2008, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 72º dos mesmos Estatutos, adotados pela Lei nº 53/2005, de 8 de Novembro, tal como consta da notificação ao requerente (cf. nº 6 do probatório) deve ser anulada, por “extravasar” a natureza jurídica das recomendações e a própria letra e espírito da lei invocada. Vejamos:
Diretivas e Recomendações vêm previstas no artº 63º da Lei nº 53/2005, 8/11, que aprovou os estatutos da ERC – Entidade Reguladora Para a Comunicação Social, aí se prevendo, no nº 2 do artº 63º: “O conselho regulador, oficiosamente ou mediante requerimento de um interessado, pode dirigir recomendações concretas a um meio de comunicação social individualizado‖. E acrescenta o nº 3: “as diretivas e as recomendações não têm carácter vinculativo”.
Com efeito, já o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 505/96, 20/03, ainda no âmbito da Lei nº 15/90, proclamava o carácter opinativo (não vinculativo e sancionatório) das Recomendações, ao dizer:
“(…) Tal recomendação nem traduz um ato censório -traduz-se antes num juízo opinativo de natureza deontológica relativo ao exercício de uma profissão jornalística, a propósito de uma concreta notícia - nem, manifestamente, um ato jurisdicional de resolução de um litígio cível ou de conhecimento de uma infração criminal. A publicação de recomendação no jornal destinatário, imposta pelo art. 23º, nº 1, da Lei nº 15/90, visa permitir aos leitores que tomem conhecimento do teor da recomendação e que, sobre o seu conteúdo, formulem, eles próprios, um juízo. (…)”
E a obrigatoriedade da divulgação e publicitação das recomendações vem expressamente prevista no artº 65º dos citados Estatutos da ERC.
Porém, a ERC impôs um carácter sancionatório ao decidir que “o não cumprimento da Deliberação ficará sujeito ao pagamento de uma quantia pecuniária de 500€ por cada dia de atraso na publicação da referida Recomendação 5/2008, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 72º dos mesmos Estatutos, adotados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro”. (cf. nº 6 do probatório).
Ora, dispõe o artº 72º dos Estatutos da ERC:
“Sanção pecuniária compulsória
1 - Os destinatários de decisão individualizada aprovada pela ERC ficarão sujeitos ao pagamento de uma quantia pecuniária a pagar por cada dia de atraso no cumprimento, contado da data da sua entrada em vigor.
2 - O valor diário da sanção prevista no número anterior é fixado em E 100, quando a infração for cometida por pessoa singular e em €500, quando cometida por pessoa coletiva.”
In casu, a ERC impôs à sociedade Autora a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória pela não publicação de uma recomendação, quando é certo, como já afirmado pelo Tribunal Constitucional, que uma Recomendação tem apenas carácter opinativo. Em bom rigor, uma Recomendação não é uma decisão individualizadora, nos termos do artº 72º da Lei nº 8 de Novembro 2005.
Neste aspeto assiste razão à Autora, ao Concluir:
“(…) D. A divulgação obrigatória de uma recomendação, por um ente particular, sob cominação de uma sanção pecuniária compulsória, de natureza puramente administrativa e que, portanto, em caso de violação dessa obrigação por um ocs, nem sequer merece atualmente tutela legal de cariz civil, penal ou mesmo contraordenacional, traduz-se numa restrição desproporcional, excessiva e incomportável quer aos direitos de liberdade de expressão e informação consagrados no artigo 37.º da CRP, quer ao direito de liberdade de imprensa, ínsito no artigo 38.º da mesma lei fundamental;
E. Tal obrigatoriedade de divulgação, sob ameaça de um prejuízo económico relevante, constitui uma intromissão ilegal na vida interna de um qualquer órgão de comunicação social, obrigando-o a inserir, contra a sua vontade, texto opinativo que não tem o dever de acatar, colher ou fazer seu, necessariamente contrário aos critérios internamente instituídos no exercício de informar e no uso das prerrogativas da liberdade de imprensa, pois que tal ato contém em si mesmo juízos de desvalor sobre uma concreta conduta imputável ao órgão de informação, no exercício da sua função;”
Atente-se nas atribuições da ERC, plasmadas no artº 8º da Lei nº 53/2005, de 8/11:
Artigo 8º Atribuições
São atribuições da ERC no domínio da comunicação social:
a) Assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa;
b) Velar pela não concentração da titularidade das entidades que prosseguem atividades de comunicação social com vista à salvaguarda do pluralismo e da diversidade, sem prejuízo das competências expressamente atribuídas por lei à Autoridade da Concorrência;
c) Zelar pela independência das entidades que prosseguem atividades de comunicação social perante os poderes político e económico;
d) Garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias;
e) Garantir a efetiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social;
f) Assegurar o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política;
g) Assegurar, em articulação com a Autoridade da Concorrência, o regular e eficaz funcionamento dos mercados de imprensa escrita e de audiovisual em condições de transparência e equidade;
h) Colaborar na definição das políticas e estratégias sectoriais que fundamentam a planificação do espectro radioelétrico, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei ao ICP-ANACOM;
i) Fiscalizar a conformidade das campanhas de publicidade do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais com os princípios constitucionais da imparcialidade e isenção da Administração Pública;
j) Assegurar o cumprimento das normas reguladoras das atividades de comunicação social.
Ora, conforme proclama o Parecer da PGR nº convencional 2317, Parecer P 952003, Relator P......
Conclusões: 1.ª Os artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa consagram a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa como direitos fundamentais, não podendo o exercício destes direitos ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura, no caso do falado exercício observar os limites autorizados pela própria lei fundamental;
2.ª Ao prescrever no n.º 3 do artigo 37.º que as infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, a lei fundamental está a admitir a existência de limites constitucionalmente autorizados ao respetivo exercício, cuja infração pode ser punida através da instituição de tipos penais ou contraordenacionais; (…)
5.ª A extensão do âmbito de tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada varia em função da natureza do caso e da condição das pessoas (notoriedade, exercício de cargo público, etc.), conforme o disposto no artigo 80.º do Código Civil;
6.ª A violação da reserva da vida privada constitui infração penal, nos termos do artigo 192.º do Código Penal, dependendo o respetivo procedimento criminal da apresentação de queixa, nos termos do artigo 198.º do Código Penal; (…)
10.ª Os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos casos expressamente admitidos pela Constituição, sendo que qualquer intervenção restritiva nesse domínio, mesmo que constitucionalmente autorizada, apenas será legítima se justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido, devendo respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade e não podendo afetar o conteúdo essencial dos direitos; (…)”
Daqui resulta que o direito à informação, sendo um direito fundamental, só em casos excecionais poderia ser restringido e perante outros direitos fundamentais que merecessem superior proteção.
In casu, a deliberação da entidade demandada apresenta-se conclusiva e não explicita de forma clara, de maneira a que o destinatário possa entender o seu iter de raciocínio, por que razão a divulgação daquele vídeo atentava contra os direitos de personalidade daquela professora. Por que razão, naquela concreta situação, teria de ser restringido o direito à informação.
Além disso, sujeitando a Autora ao pagamento de quantia pecuniária pela não divulgação da recomendação em causa, mostra-se a deliberação impugnada, contrária ao disposto no artº 72º da Lei nº 53/2005, que se refere apenas aos destinatários de decisão individualizada, decisões estas previstas expressamente no artº 64º da mesma Lei (coisa diferente são as recomendações previstas nos artigos 63º e 65º, como se viu).
A Deliberação impugnada sofre do vício de violação de lei, devendo, em consequência, ser anulada.
Ficam, assim, prejudicadas, as restantes questões postas a juízo, nomeadamente, a questão da constitucionalidade do artº 65º da Lei nº 53/2005, de 8/11.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª instância “(...) Julgar a presente ação procedente, e, em consequência, anular a Deliberação tomada em sessão do Conselho Regulador da ERC, datada de 4 de Junho de 2008 e melhor identificada nos nºs 4, 5 e 6 do probatório.”

Vejamos:
A Autora, S......, SA, intentou no TAF de Sintra, em 8 Setembro 2008, Ação Administrativa Especial contra a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, tendente à anulação da recomendação tomada por esta em 4 Junho 2008, e que mais determinava a aplicação de uma sanção pecuniária de natureza compulsória à Autora, cada dia de atraso na publicação de tal recomendação.

Veio a ERC recorrer do Acórdão proferido no TAF de Sintra em 21 Janeiro 2015, que anulou a Deliberação tomada em sessão do Conselho Regulador da ERC, datada de 4 de Junho de 2008 e melhor identificada nos nºs 4, 5 e 6 do probatório”.

Refira-se, desde já, que a decisão Recorrida será para manter.

Objetivamente, o Conselho Regulador da ERC aprovou em 4 Junho 2008 a Deliberação nº 1/CONT/2008, nos termos da qual determinou a publicação no jornal E... - versão online - da Resolução ali tomada, com a indicação de que o não cumprimento dessa deliberação determinaria que ficava sujeito ao pagamento de sanção pecuniária compulsória de 500€ por dia de atraso na sua publicação, invocando como fundamento para a aplicação dessa sanção a norma constante do artigo 72º, nº 2, da Lei nº 953/2005, de 8 Novembro.

Em qualquer caso, como se refere na decisão recorrida, as recomendações da ERC, como a própria designação indicia, têm carácter meramente opinativo - Cfr. artigo 63º, nº 3, da Lei nº 53/2005, de 8 Novembro (Criação da ERC), como, aliás, já foi confirmado pelo Tribunal Constitucional.

Acresce que não estamos perante uma "decisão individualizada", tanto mais que se dirige a um conjunto de órgãos de comunicação social, mas singelamente perante uma mera recomendação, o que é diverso e não se consubstancia numa mera divergência semântica.

Na realidade, em conformidade com o artigo 39.º da CRP, a Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, conferiu à Entidade Demandada diversos objetivos e atribuições, designadamente a faculdade de elaborar recomendações que visem a realização dos seus objetivos, que é exatamente o que está aqui em causa.

Estão pois em causa meros atos opinativos e não vinculativos para os seus destinatários (cf. artigo 63.°, n.º 3 dos Estatutos da ERC).

As recomendações previstas no n.º 2 do artigo 63.º dos Estatutos da ERC, diferem das “decisões” referidas no artigo 64.º dos mesmos Estatutos, as quais, essas sim, têm carácter vinculativo e de cumprimento obrigatório para os órgãos de comunicação social.

Efetivamente, têm caráter vinculativo, designadamente, com as decisões que:
a) Ordenem a publicação ou transmissão de resposta ou de retificação, de direito de antena ou de réplica política;
b) Imponham a retificação de sondagem ou de inquérito de opinião, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 10/2000, de 21 de Junho; e, ainda as que,
c) Imponham o cumprimento das obrigações inerentes ao licenciamento e autorização do acesso às atividades de comunicação social, sejam estas decorrentes da lei, de regulamento ou de contrato administrativo.
O incumprimento de qualquer uma destas decisões, porque vinculativas para os seus destinatários, são passíveis de gerar, quer responsabilidade criminal (cf. artigo 66.° dos Estatutos da ERC), quer responsabilidade contraordenacional (cf. artigos 67.º e seguintes do mesmo Estatuto).

Efetivamente, nos termos do artigo 72.° da Lei n.º 53/2005, "Os destinatários de decisão individualizada aprovada pela ERC ficarão sujeitos ao pagamento de uma quantia pecuniária a pagar por cada dia de atraso no cumprimento, contado da data da sua entrada em vigor”.

Em qualquer caso, nos termos do n.° 2 do artigo 65.º dos Estatutos da ERC, “As recomendações e decisões da ERC são obrigatória e gratuitamente divulgadas nos órgãos de comunicação social a que digam respeito, com expressa identificação da sua origem (...)”.

Em concreto, foi determinado ao Autor a divulgação da recomendação tomada pela ERC, tendente a que o “E... on-line” cumpra “(…) os seus deveres legais e deontológicos, nomeadamente, em matéria de respeito pelos direitos de personalidade” e, ainda, adotar “uma atitude mais zelosa no que respeita no tratamento editorial de vídeos e imagens potencialmente violadoras dos direitos de personalidade dos visados.”

Mais foi o “E... on-line” notificado que do incumprimento do determinado, resultaria o pagamento de 500€ por cada dia de atraso na publicação.

No entanto, estamos perante uma mera recomendação da ERC, que se consubstancia num mero juízo opinativo de natureza deontológico, carecido de natureza vinculativa para o órgão de comunicação social a que se destina.

Em bom rigor, a obrigatoriedade de divulgação de uma declaração opinativa, sob cominação de aplicação de uma sanção pecuniária, é, por natureza, contraditório, suscitando perplexibilidades várias, constituindo até uma intromissão na autonomia redatorial de um qualquer órgão de comunicação social.

De referir ainda que a sanção pecuniária aplicada se mostra insuficientemente fundamentada e conclusiva, limitando-se a identificar o caso a que se reporta, sem referenciar sequer as circunstâncias concretas determinantes da sua aplicação.

Independentemente de tudo quanto se referiu, é incontornável que não se mostrando legalmente estatuída qualquer tipo de sanção resultante do incumprimento de determinação no sentido da divulgação de recomendação da ERC, tal, desde logo, e por natureza, compromete o comando legalmente estabelecido.

Efetivamente, não existindo norma jurídica punitiva da eventual violação do dever de divulgação das recomendações da ERC, está comprometido o sancionamento de qualquer órgão de comunicação social com esse objeto.

Assim, a interpretação que a ERC faz do artigo 72.º da Lei n.° 53/2005 (Sanção pecuniária compulsória), viola o princípio da legalidade, pois que, e em qualquer caso, o referido normativo apenas se reporte a decisões individualizadas, reconduzindo-se, seguramente, às decisões vinculativas, nomeadamente, as previstas nos artigos 60.° n.° 1 (Direito de resposta), 64.º (Decisões vinculativas) e 66.°, n.° 1 alíneas a), b), e c) (Desobediência qualificada) da Lei n.° 53/2005, não se aplicando às recomendações, o que se mostraria anacrónico.

Assim e finalmente, entende-se que a ERC ao ter decidido condenar o “E... on-line” à divulgação de Recomendação e decidido que a falta dessa mesma divulgação ficaria sujeita ao pagamento de sanção pecuniária diária de 500€, ao abrigo do disposto no n° 2 do artigo 72º dos Estatutos da ERC, interpretou e aplicou de forma deficiente e abusiva o disposto no artigo 72.º dos Estatutos da ERC, o que se consubstancia na verificação de um vicio de violação de lei, determinante da anulação do ato objeto de impugnação..

Pelo exposto e sem necessidade de acrescida argumentação, entende-se que o presente recurso não merece provimento, sendo que a anulação se deverá circunscrever à situação do Recorrido “E...-on-line”.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida, circunscrita à situação do “E... on-line”.

Custas pelo Recorrente.





Lisboa, 17 de novembro de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa