Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1350/15.7BELRA |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/22/2018 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | OPOSIÇÃO TOC RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ÓNUS DE PROVA |
Sumário: | 1. A efectivação da responsabilidade subsidiária dos Técnicos Oficias de Contas/TOC pelas dívidas tributárias da SDO (artigo 24.º/3, da LGT) depende da alegação e prova pela AT de que é imputável ao agente o facto ilícito e de que existe nexo de causalidade entre este e os danos ocasionados. 2. É de exigir a comprovação da ocorrência de condutas violadoras dos deveres funcionais que sejam imputáveis ao TOC, a título de negligência ou dolo. 3. É de exigir, igualmente, a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do técnico oficial de contas e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o TOC exerce as suas funções profissionais. 4. Não resultando demonstrados o nexo de imputação dos factos ao revertido, nem o nexo de causalidade entre estes e o prejuízo causado ao Fisco, não há lugar à responsabilidade subsidiária. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | 1 – RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a oposição deduzida por Maria ... à execução fiscal n.º... contra ela revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “... – Investimentos Imobiliários, Turísticos e Agrícolas” por dívidas provenientes de IVA de períodos de 2008 a 2010, no valor total de 3.655.750,54 Euros. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.402). Nas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes «Conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição à execução fiscal à margem identificada, e, em consequência decidindo julgar extinta a execução contra Maria .... B. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, padecendo a douta sentença de vício que determina a sua nulidade, bem como de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito. C. Entende a Fazenda Pública que o douto tribunal a quo (1) incorreu em nulidade da sentença por verificação do vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão – mais concretamente por falta de exame crítico da prova, (2) considerou provados dois factos a que correspondem as letras “C.” e “D.” no ponto “III.1 – De Facto” do ponto “III – FUNDAMENTAÇÃO”, dois factos com base em prova testemunhal que, não decorrem das provas apresentadas, o seu contrário decorre das regras da experiência e da prova documental junta aos autos, incorrendo em erro de julgamento de facto, (3) não considerou provado que: “Detetaram ainda os serviços da inspeção tributária a existência de outras irregularidades ao nível da contabilização, no exercício de funções da Oponente, do IVA dedutível” apesar de tal facto resultar de prova documental junta aos autos, (4) ao retirar daquele factos consequências jurídicas que eles não possuem, até porque não se verificam e ao não atribuir consequências jurídicas às restantes irregularidades detetadas na contabilidade, incorreu a sentença em erro de julgamento de direito ao concluir que a AT não cumpriu o ónus da prova que lhe impõe o n.º 3 do artigo 24.º da LGT - A prova da inobservância dos deveres profissionais da Oponente. D. A Oponente, supra identificada, foi citada, por reversão, nos termos do artigo 24º, n.º 3 da LGT, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ... inicialmente instaurado contra a devedora originária “... – Investimentos Imobiliários, Turísticos e Agrícolas, SA.”, portadora do NIPC ..., por dívidas provenientes IVA e juros compensatórios, de 2009 a 2012., uma vez que resultou das conclusões da ação inspetiva de que foi alvo a devedora originária a existência de diversas irregularidades na contabilidade ao nível da dedução do IVA, no período em que a execução da contabilidade era competência da Oponente. E. Veio a Oponente deduzir a competente OPOSIÇÃO, invocando, em síntese, o seguinte: a) Da necessidade de imediata sustação da oposição nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 23 da LGT/não preenchimento dos requisitos da reversão por existência de património da devedora originária – alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. b) A falta de fundamentação/falta de notificação de elementos essenciais. c) Ilegitimidade da pessoa citada. F. Em sede de contestação alegou, em suma, a RFP que a pretensão da Oponente não poderia ser atendida porque: 1. Relativamente à alegada falta de fundamentação/comunicação de elementos essenciais, aquilo que se retira da petição inicial é que o suposto vício de fundamentação que a Oponente atribui ao despacho de reversão, se refere a falta de [comunicação] de elementos que dizem respeito ao ato de liquidação, ora, o vício na comunicação daqueles elementos não fere o ato de reversão, mas, quanto muito a citação, e, o meio processual para reagir da invocada nulidade da citação não é, consabidamente, a oposição à execução fiscal – o que ali se invocou. 2. No entanto, entendendo-se que ali se fundamenta uma verdadeira falta de fundamentação - verificado o despacho e as informações que o integram, não se vê que mais tivesse que ser comunicado, sendo certo que o transmitido se mostrava absolutamente suficiente para que a Oponente pudesse exercer o seu direito de participação, o que fez. 3. Sobre a também invocada falta de verificação do requisito da insuficiência/ausência de bens da devedora originária – (1) a devedora originária foi declarada insolvente, ficando demonstrado, por sentença de um Tribunal judicial, que o seu património é insuficiente para fazer face às suas dívidas, (2) mesmo antes da declaração de insolvência, o órgão de execução fiscal encetou várias tentativas de penhoras de bens, conforme se descreveu em factos da contestação, as quais demonstraram a insuficiência dos bens para fazer face ao valor da quantia exequenda, (3) da análise às certidões da conservatória de registo predial juntas aos autos, relativas à totalidade dos prédios da devedora originária, facilmente se concluirá que, no momento em que foram registadas as hipotecas legais e penhoras a favor da Fazenda Nacional, tais imóveis já se encontravam fortemente onerados com elevadas hipotecas a favor de várias instituições bancárias, pelo que dificilmente os créditos tributários irão ser satisfeitos na sua totalidade e (4) apesar da Oponente invocar a não verificação deste requisito não demonstra que a devedora originária tenha bens suficientes para responderem pelo valor em dívida, aquilo que refere a Oponente é que a devedora tem bens de valor superior ao da dívida exequenda, ocorre que, aqueles estão apreendidos no processo de insolvência. 4. Relativamente à ilegitimidade da pessoa citada – resulta claramente do relatório da inspeção tributária que dos elementos constantes da contabilidade resulta que o IVA foi indevidamente deduzido, por falta de forma dos documentos que os suportam, sendo facto incontestado que a Oponente exercia as funções de TOC naquele período na devedora originária decorre da lei a fundamentação de que a Oponente agiu em violação das normas e dos seus deveres, não nos parece possível, nem sobre o ponto de vista hipotético, conjeturar a hipótese de a devedora originária ter alterado os documentos contabilísticos trocando documentos que cumprissem a forma legal por outros que não a cumprissem, prejudicando-se de forma tão gravosa, é que, a devedora originária no âmbito da inspeção tributária perante a insistência dos serviços de inspeção afirmou que não possuía os autos referidos e que os mesmos deveriam ser solicitados à empresa emitente. G. A douta sentença considerou no ponto “III.1 – De Facto” do ponto “III – FUNDAMENTAÇÃO” como provados os factos a que correspondem as letras “C.” e “D.” com base em prova testemunhal e declaração de parte sem que resulte de qualquer prova documental, aliás em contradição com a prova documental junta aos autos, sem a sua apreciação crítica, ou seja, sem que seja possível conhecer as razões porque se decidiu no sentido em que o foi e não noutro, pois, embora a decisão dê a conhecer os meios de prova em que assentou a sua apreciação, não apreciou nem valorou criticamente a prova, dentro dos parâmetros para tanto exigíveis. H. Assim a referida sentença encontra-se ferida de nulidade, por força dos artigos 151º do CPPT e alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC aqui aplicável por força do artigo 2º, alínea e) do CPPT, uma vez que, entende esta RFP, como também entendeu o Tribunal Central Administrativo do Sul no Acórdão proferido no processo 08473/15 com data de 10-07-2015 que a verificação do vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão também se verifica por falta de exame crítico da prova, já que como resulta do sumário do referido acórdão: “A fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária.” I. Consta da página 3, da sentença de que agora se recorre, sob a epígrafe “III – FUNDAMENTAÇÂO” “III.1. – De Facto” que: “C. Nos anos de 2008 a 2010, a ... – Sociedade de Construções, S.A. emitiu faturas de serviços de construção civil à sociedade devedora originária de acordo com autos de medição, os quais eram entregues pelo diretor da obra e posteriormente remetidos a esta – cf. depoimento de Márcia ... e de Ana ...;” “D. As faturas emitidas pela ... – Sociedade de Construções, S.A. referidas no ponto C. que antecede foram recebidas pela sociedade devedora originária, vindo acompanhadas de autos de medição, os quais se encontravam assinado por um administrador da sociedade devedora originária e pelo diretor da obra – cf. depoimento de Vera ...; cf. declarações de parte da Oponente;” J. Ressalvando, sempre, o devido respeito por opinião diversa, entende a RFP que os factos considerados provados na sentença, de que agora se recorre, transcritos supra, não decorrem dos elementos de prova apresentados, aliás a própria sentença referindo que aqueles resultam da prova testemunhal e declaração de parte não fundamenta a sua consideração e, o que decorre da prova documental, mormente o relatório de inspeção junto aos autos, e das regras da experiência é que aqueles autos de medição não existem e que as faturas foram contabilizadas sem os mesmos em violação das normas legais. K. Ou seja, aquilo que resulta da prova documental junto aos autos é que junto às faturas não se apresentavam quaisquer autos de medições, apesar de requeridos a devedora originária nunca os apresentou e notificada para os apresentar referiu a Administradora da devedora originária que os mesmos não tinham sido entregues àquela empresa pelo que deveriam ser solicitados à entidade emitente, decorrendo da prova testemunhal produzida que tais autos deveriam existir em triplicado o que ainda coloca mais enfase na impossibilidade de tais autos existirem e simplesmente não aparecerem. L. Resulta ainda da prova documental junta aos autos que a não apresentação dos autos de medição em causa causou à devedora originária liquidações adicionais de IVA no valor de € 3.763.347,83, decorre, assim, da prova documental das regras de experiência comum e de normalidade da vida a impossibilidade de que os autos de medição existissem à data da contabilização das faturas, já que, nem hipoteticamente se consegue admitir que existindo autos de medição que correspondessem aos valores faturados a devedora originária não os entregasse no decurso da ação inspetiva ou mesmo depois em sede de impugnação, tanto mais dado o nível de relacionamento tão próximo entre as duas entidades – prejudicando-se de forma tão gravosa. M. E, salvo o devido respeito por opinião diversa, ao contrário do decidido pela sentença de que se recorre a prova testemunhal proferida não afastou tal convicção, pelo contrário, decorreu, notoriamente, da inquirição de cada testemunha, assim como da Oponente, um esforço de meticulosamente explicar como se processava cada ato de emissão de fatura na sociedade prestadora de serviços, por um lado, e da contabilização na devedora originária por outro, tentando demonstrar uma ideia de irrepreensibilidade na execução da contabilidade quando o contrário resulta do relatório da inspeção tributária. N. Refira-se desde já que a sentença, de que se recorre não refere a valoração que atribuí às declarações de parte da Oponente, recorrendo a elas para considerar provado os factos referidos em “D.” parecendo mesmo que as valora da mesma forma que os restantes testemunhos, entende esta RFP que tal não se aceita desde logo porque aquela esteve presente em toda a inquirição, ouvindo todas as testemunhas tendo prestado as suas declarações posteriormente, e, depois pela própria natureza das declarações de parte, veja-se neste sentido, o teor do acórdão da relação do porto datado de 2014/11/20, proferido no âmbito do processo 1878/11.8TBPFR.P2, onde se pode ler que “as declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova” (realce nosso). O. Assim, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto a sentença, aqui recorrida, ao dar como provado os pontos “C.” e “D.”. P. Incorreu ainda em erro de julgamento de facto a douta sentença ao desconsiderar, conforme resulta do relatório de inspeção e das alegações desta RFP que foram detetadas outras irregularidades ao na execução da contabilidade, da responsabilidade da Oponente, ao nível da dedução do IVA, não dando como provado que: “Detetaram ainda os serviços da inspeção tributária a existência de outras irregularidades ao nível da contabilização, no exercício de funções da Oponente, do IVA dedutível”, pelo que deve ser acrescentado ao probatório R. Não podendo, por isso, a douta sentença concluir, como faz na página 13 da sentença: “Releva também para esta conclusão a circunstância de não ter ficado provado nos presentes autos qualquer outro facto do qual se possa retirar que a Oponente não exercia com diligência e rigor as suas funções de TOC da executada originária.” – porquanto é o oposto que decorre dos elementos de prova testemunhal junto aos autos. S. Assim, porque a sentença de que se recorre, considerou, por erro de julgamento de facto, conforme supra se expôs, provado que as faturas emitidas pela ... à devedora originária continham em anexo os autos de medição e que as referidas faturas e autos de medição foram recebido pela devedora originária (conforme pontos C. e D. dos factos provados) e, porque desconsiderou as restantes irregularidades praticadas pela Oponente na contabilidade da devedora originária, detetadas pelos serviços da inspeção tributária e descritas no relatório de inspeção junto aos autos, não as levando ao probatório, retirou daquele factos dados como provados consequências jurídicas que eles não possuem e ao não atribuir consequências jurídicas às restantes irregularidades detetadas na contabilidade, incorreu a sentença em erro de julgamento de direito ao concluir que a AT não cumpriu o ónus da prova que lhe impõe o n.º 3 do artigo 24.º da LGT - A prova da inobservância dos deveres profissionais da Oponente Nestes termos e nos demais de Direito: 1) Deve verificar-se a nulidade da sentença, nos termos expostos. Ou se assim não se entender, 2) Deve ser dado provimento ao presente recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida. 3) A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP». A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes «Conclusões: Quanto à arguição de nulidade da sentença: A. Do probatório fixado na sentença recorrida resulta claro não ocorrer nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de exame crítico da prova, já que a sentença recorrida é clara e minuciosa quanto à especificação dos factos provados e à síntese dos depoimentos prestados, que expressamente qualifica de «claros, congruentes e credíveis». Quanto às alegações da Recorrente - matéria de facto: B. Entende a Recorrente que o tribunal considerou provados os dois factos identificados sob as letras "C" e "D", com base em prova testemunhal e declaração de parte sem que resulte de qualquer prova documental e em contradição com a prova documental e com regras de experiência comum e de normalidade da vida. C. O Tribunal examinou e ponderou toda a prova dos autos - a documental, mas também a testemunhal - e decidiu pela fixação de determinados factos. D. O relatório do procedimento de inspecção tributária não visou o apuramento da responsabilidade subsidiária da agora Recorrida, mas tão-só «a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias» - cft. Artigo2.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária. E. Acresce que a Recorrente jamais especifica quais são os elementos probatórios em concreto que entende estarem em contradição com a prova testemunhal produzida e que foi atendida pela sentença, sendo certo que deveria fazê-lo. F. Entende a Recorrente que decorre da prova documental e das regras de experiência comum e de normalidade da vida a impossibilidade de que os autos de medição existissem à data da contabilização das facturas. G. Relativamente a esta matéria de facto, a Recorrente tem para apresentar um documento, por si mesma elaborado, no qual, constatando a falta ou insuficiência de autos de medição anexos às facturas, no momento da realização da inspecção tributária - 2011, presume que esses autos de medição nunca existiram em momento anterior. H. Trata-se aqui claramente de uma presunção que não pode ser valorizada. 1. O relatório do procedimento de inspecção tributária - qualquer relatório - contém apenas a constatação pelos funcionários de factos por eles directamente presenciados. J. E sendo certo não ser qualificável formalmente como depoimento testemunhal, deste se aproxima, o que fica plasmado no relatório final do procedimento é a percepção directa que os inspectores tiveram da realidade, pois, substancialmente, o que o relatório do procedimento de inspecção tributária contém é tão-somente o registo por escrito, de factos presenciados pelos próprios funcionários - tudo o resto é conclusivo ou presuntivo. K. A Recorrente apela igualmente às regras de experiência comum e de normalidade da vida, no seguinte raciocínio: se os autos de medição não foram apresentados pela originária devedora, então é porque não existem. L. Ignora a Recorrida se e em que termos a devedora onginana apresentou ou não apresentou à Autoridade Tributária os autos de medição, nem tem que sabê-lo, constituindo, de resto, matéria de facto afastada de sindicação na presente instância, já que a Recorrente não declara pretender que tal facto seja dado como provado, em que termos e com que alcance. M. A acção ou omissão de uma pessoa colectiva sobre a qual a aqui Recorrida não tem qualquer domínio de facto ou de Direito não podem relevar na esfera jurídica da Recorrida e, em particular, no apuramento da sua responsabilidade tributária, sendo impossível retirar consequências jurídicas do comportamento da originária devedora que vão além da esfera jurídica desta, que extravasem desta e interfiram, agridam a esfera jurídica da aqui Recorrida. N. É impossível retirar deste facto de um terceiro o facto de que os autos de medição não existiam à data da contabilização das facturas. O. Trata-se de mera conjectura, sem qualquer suporte probatório directo ou indirecto, para mais quando todas as testemunhas intervenientes no processo de facturação - desde a emissão até à respectiva contabilização - referem sem hesitações que não haveria facturação nem registo de facturas sem a presença de autos de medição. P. A Recorrida produziu cabal prova sobre todo o circuito de facturação e contabilização, demonstrando de modo seguro e coerente que os autos de medição acompanhavam sempre as facturas, em todo o circuito - Cft. depoimento de Márcia ... ..., minutos 03:28 a 04:33, de Ana ... ..., minutos 08:37 a 11:33, de Vera ... ..., minutos 15:07 a 18:42 e de Maria ..., minutos 22:18 a 24:22 e 26:56 a 27:50, todos da gravação da prova. Q. Diga-se, a este propósito, que na ausência de qualquer domínio material ou de Direito sobre o arquivo contabilístico e documental da devedora originária, o único meio de prova ao alcance da Recorrida era a prova testemunhal. R. E nem se questione a relevância do depoimento de parte, já que o facto identificado sob a letra "D", para além do depoimento de parte da aqui recorrida, vem acolitado no depoimento testemunhal de Vera ..., a qual demonstrou plena razão de ciência sobre os factos que lhe foram perguntados. S. Entende a Recorrente que nem hipoteticamente se consegue admitir que existindo autos de medição que correspondessem aos valores facturados a devedora originária não os entregasse no decurso da acção inspectiva ou mesmo depois em sede de impugnação, prejudicando-se de forma tão gravosa. T. Uma vez mais, a Recorrida afirma que não tem explicação para a falta de apresentação dos autos de medição, nem lhe é exigível de todo que tenha qualquer explicação, mas o que sabe é que quando terminou a sua relação profissional com a devedora originária esses autos existiam e se encontravam devidamente arquivados, tal como é devidamente comprovado pelo depoimento das diversas testemunhas. U. Cabe perguntar: Se os autos de medição não existiam, por que razão a Autoridade Tributária não desconsiderou a materialidade das operações descritas nas facturas? Apenas há uma resposta: porque a AT aceitou a materialidade subjacente às operações descritas nas facturas. V. Mas então assim sendo, é natural que os autos de medição existissem aquando da emissão e da contabilização das facturas, pois dizem-nos as regras de experiência comum e de normalidade da vida que, caso a AT entendesse tratar-se de facturas emitidas sem precedência de autos de medição, teria questionado a própria materialidade das operações - coisa que não fez. W. A isto acresce ser sabido e notório que os autos de medição de o_bras em curso são elaborados sem ser apenas para finalidades fiscais, pois constituem um instrumento essencial para a gestão de qualquer obra pelo que, uma vez mais fazendo apelo às regras de experiência comum e de normalidade da vida, seja possível dizer-se que nem hipoteticamente pode admitir-se a inexistência de autos de medição em obras da envergadura daquelas a que se referem as facturas em causa. X. E se assim é, então por que razão não estariam os autos de medição juntos às facturas? Y. Entende a Recorrente que é relevante que a inspecção tributária tenha apurado outros erros na contabilidade. Z. Trata-se de seis correcções, qualquer delas de valor absolutamente reduzido e relativas a três exercícios, ou seja, em média, a AT apurou duas correcções menores por cada exercício inspeccionado. AA. Só isto bastaria para desconsiderar em absoluto este argumento das outras correcções. BB. Acresce que este argumento improcede porque as referidas seis incorrecções em três exercícios foram regularizadas pela originária devedora, como a própria Recorrente reconhece e assim sendo, encontram-se necessariamente fora da presente discussão, que ocorre em sede de reversão da execução. CC. Por outro lado, trata-se de incorrecções sobre as quais nunca a aqui Recorrida foi ouvida - sendo certo que a regularização por parte da devedora originária é apenas isso e em nada obriga a aqui Recorrida, nem muito menos implica o reconhecimento por parte desta de que tais "incorrecções" se verificaram realmente. DO. A tudo isto acresce que o despacho de reversão nunca se referiu a estas alegadas seis incorrecções em três exercícios como fundamento da responsabilização subsidiária da agora Recorrida, e se não constituem fundamento da reversão, então estão afastadas da discussão nestes autos. EE. Por fim, sublinhe-se que as alegadas "incorrecções" não foram causais das liquidações a que se refere a presente reversão e, não o sendo, encontram-se afastadas da apreciação nos presentes autos. Quanto ao ónus da prova: FF. Afirma a Recorrente entender que não resulta dos meios de prova juntos aos autos que os referidos autos de medição existissem à data da contabilização das facturas, resultando mesmo o seu contrário. GG. Ora, o ónus da prova de que os autos de medição existiam ou não à data da contabilização das facturas é do Estado e não da aqui Recorrida. HH. E é-o, não aqui em sede de opos1çao, mas sim em sede de despacho de reversão, o qual fundou o chamamento da aqui Recorrida à execução, pois como acto que opera uma modificação subjectiva da instância executiva, o despacho de reversão estabelece o alcance e os limites relativamente ao que poderá vir a ser apreciado em caso de oposição à execução. li. Uma vez que os factos constantes do despacho de reversão não gozam de nenhuma presunção de veracidade, não basta ao órgão de execução fiscal invocá-los no despacho de reversão, torna-se necessário fundar a razão de ciência e a prova que tornam possível ao órgão de execução fiscal decidir de uma determina maneira e não de uma outra qualquer. JJ. Ora, no que toca à existência dos autos de medição à data da contabilização das facturas em causa, o órgão de execução fiscal apresenta nenhuma prova, limitando-se a extrair a mera presunção de que os autos de medição não existiam à data da contabilização das facturas, contudo desprovida tal presunção de adequado suporte probatório. KK. Tal falta de prova implica que tenha que dar-se como provado que os autos de medição existiam à data da contabilização - até porque nenhum facto foi apurado em sede de reversão que contrariasse tal. LL. Mas, ainda que se admitisse que a mera alegação de factos seria suficiente para fundar a reversão, nessa medida competia à agora Recorrente vir fazer prova do acerto da presunção nos autos de oposição, o que não logrou fazer. MM. A Recorrente tinha que provar que a aqui Recorrida violou culposamente os seus deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, mediante a presunção, a conclusão, de que à data da contabilização e entrega das declarações periódicas de IVA eles não existiam ou eram desconformes. NN. Era preciso demonstrar que à data da contabilização dos documentos eles não existiam ou não estavam correctos e essa prova não foi feita. Quanto ao Direito: 00. De Direito resta à aqui Recorrida transcrever a parte final da sentença sob recurso: A prova da inobservância dos deveres profissionais da Oponente constitui um ónus da AT, de acordo com o disposto no n. º 3 do artigo 24. º da LGT, pelo que o não cumprimento deste ónus deve ser valorado contra si. Assim sendo, impõe-se a conclusão de que não ficou demonstrado, com a necessária certeza, que a Oponente violou os seus deveres de TOC da executada originária. F - PEDIDO: Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer que seja julgado improcedente, por não provado, o recurso interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida nos exactos termos em que foi proferida, tudo com as necessárias consequências legais. A Oponente e aqui Recorrida requer ainda - vindo a ser esse o caso - a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - artigo 6.º, n.º 7, do RCP - por se encontrarem verificados os respectivos pressupostos». A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica por não sofrer dos vícios que lhe vêm assacados. Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir. 2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC),são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença está inquinada de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, concretamente, falta de exame crítico da prova que suporta os factos vertidos nos pontos “C” e “D” da matéria assente; (ii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto aos aludidos pontos “C” e “D” da matéria assente; (iii) se incorreu em erro de julgamento quanto ao ónus da prova dos pressupostos legais de que depende a reversão contra os técnicos oficiais de contas por dívidas da sociedade devedora originária. 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual: «Com base na documentação junta aos autos, na posição assumida pelas Partes e no depoimento das testemunhas inquiridas, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: a. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI201102328, foi a sociedade devedora originária objeto de ação de inspeção tributária, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças (DF) de Santarém, para comprovação e verificação da legalidade de um pedido de IVA, no valor de € 500.000,00, a qual foi concluída em 29.11.2011 – cf. fls. 201 a 225 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; b. No seguimento da ação de inspeção referida no ponto A. que antecede, foram emitidas pela AT liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios (JC) no valor total de € 3.763.347,83 – cf. fls. 62 a 75 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; c. Nos anos de 2008 a 2010, a ... – Sociedade de Construções, S.A. emitiu faturas de serviços de construção civil à sociedade devedora originária de acordo com autos de medição, os quais eram entregues pelo diretor da obra e posteriormente remetidos a esta – cf. depoimento de Márcia ... e de Ana ...; d. As faturas emitidas pela ... – Sociedade de Construções, S.A. referidas no ponto C. que antecede foram recebidas pela sociedade devedora originária, vindo acompanhadas de autos de medição, os quais se encontravam assinado por um administrador da sociedade devedora originária e pelo diretor da obra – cf. depoimento de Vera ...; cf. declarações de parte da Oponente; e. A Oponente foi técnica oficial de contas (TOC) da sociedade devedora originária nos anos de 2005 a 2010, tendo deixado de exercer estas funções em 22.06.2012 – cf. informação que se extrai de fls. 97 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida; cf. fls. 227 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida; f. Foi instaurado em nome da devedora originária o PEF n.º ... para cobrança coerciva do valor de € 3.763.347,83, relativo às liquidações referidas no ponto B. supra, tendo aquela sido citada em 15.05.2012 – cf. fls. 62 a 77 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; g. Por despachos de 18.06.2012 e de 19.06.2012 do Chefe do Serviço de Finanças do ..., foi constituída hipoteca legal, nos termos do artigo 195.º do CPPT, e efetuada penhora sobre os bens imóveis identificados a fls. 82 a 150 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, sendo que sobre os mesmos já incidem várias hipotecas; h. Em 02.08.2012, o Serviço de Finanças do ... procedeu à penhora dos bens móveis da devedora originária constantes do mapa de amortizações e reintegrações, junto à Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2011, tendo sido atribuído o valor global de € 618.940,00 – cf. fls. 152 a 159 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; i. O Serviço de Finanças do ... encetou diligências no sentido de proceder à penhora dos saldos das contas bancárias da devedora originária – cf. ponto 10 do campo A - Factos da informação e documentos anexos constante de fls. 180 a 190 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; j. Em 09.08.2012, a devedora originária foi notificada para prestar garantia idónea nos termos dos artigos 195.º ou 199.º do CPPT, no valor de € 4.715.084,69 – cf. fls. 153 a 155 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; k. Em 23.01.2013, o Serviço de Finanças do ... procedeu à penhora de 50% de um cavalo detido pela sociedade devedora originária, ao qual foi atribuído o valor de € 30.000,00 – cf. fls. 160 dos autos em suporte físico, que se dá por integralmente reproduzida; l. Em 08.10.2013, no âmbito do processo de insolvência que correu termos no Tribunal Judicial do ... sob o nº 1359/12.2TBCTX, a sociedade devedora originária foi declarada insolvente – cf. fls. 165 a 173 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; m. Em 09.11.2014, foi elaborada “Informação” por funcionária do Serviço de Finanças do ... na qual, além do mais, se refere o seguinte: “(…) 85. Isto porque não desconheciam, nem podiam desconhecer as deduções indevidas de IVA, por falta de suporte documental (autos de medição) que as facturas deviam fazer-se acompanhar, o que constitui um incumprimento culposo por negligência, afecto à culpa funcional, no âmbito das suas atribuições e competências enquanto TOC’s da SDO e de cujo comportamento resultaram danos para esta. o. Através de ofício de 11.11.2014, foi a Oponente notificada do projeto de despacho de reversão referido no ponto N. que antecede, tendo em 09.12.2014 apresentado requerimento referente ao exercício do direito de audição quanto ao mesmo – cf. fls. 174 a 189 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; p. Em 23.04.2015, foi elaborada “Informação” por funcionária do Serviço de Finanças do ... relativa ao requerimento apresentado pela Oponente para efeitos de exercício do direito de audição prévia quanto ao projeto de despacho de reversão referido no ponto N. supra – cf. fls. 243 e 245 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; q. Em 23.04.2015, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do ... despacho de reversão contra a Oponente do PEF n.º ..., do qual consta, além do mais, o seguinte: Factos Não Provados Motivação da Decisão de Facto A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada um dos pontos do “probatório”. As testemunhas inquiridas demonstraram ter um conhecimento directo dos factos sobre os quais foram inquiridas e depuseram de forma clara, congruente e credível». |