Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:817/21.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/14/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
IMPOSIÇÃO DE ATO DEFINIDO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário:I-A intimação para um comportamento apresenta um carácter meramente complementar ou subsidiário, sendo requisitos cumulativos para a sua admissão: i) Existência de uma omissão por parte da AT; ii) Tal omissão respeitar a um dever de uma prestação jurídica; iii) Essa mesma omissão ser suscetível de lesar direito ou interesse legítimo do contribuinte; iv) Ser o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou interesses em causa.
II- Na intimação para um comportamento estão apenas abrangidas as situações em que a AT tenha de praticar determinado ato -quer por força da lei, de decisão judicial, ou de ato anterior da própria AT- que já se encontre inteiramente definido, não visando, portanto, definir a existência de direitos ou interesses em matéria tributária, mas, tão-só, ordenar e impor a realização de atos à AT, desde que tais direitos sejam evidentes.
III-O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado. Logo, para aferir da sua existência cumpre atentar no pedido que foi formulado e na concreta pretensão de tutela jurisdicional servindo apenas de elemento coadjuvante a causa de pedir invocada.
IV-Ocorrendo cumulação de pedidos e causas de pedir correspondentes a duas formas processuais diferentes, concretamente, oposição ao processo executivo e impugnação judicial não pode o Juiz optar por uma delas, inviabilizando-se, assim, a materialização de qualquer convolação processual.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:l – RELATÓRIO

M… (doravante Recorrente) interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que rejeitou liminarmente a ação de Intimação para um comportamento, porquanto julgou verificada a nulidade de erro na forma do processo insuscetível de convolação processual.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


I. Nos termos do disposto no art.º 58.º, n.º 1, do CIRS, “ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente:

b) Rendimentos de trabalho dependente ou pensões, desde que o montante total desses rendimentos seja igual ou inferior a (euro) 8 500 e estes não tenham sido sujeitos a retenção na fonte, sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 3”.

II. Assim, inexiste motivo legal para cobrança de qualquer valor ao Autor, por parte da Ré.

III. Bem como inexiste lugar a coima por falta de entrega da declaração de IRS.

IV. Estabelece o art.º 147.º do C.P.P.T., o seguinte:

1. Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.

2. (…)

3. No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou suscetível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos no n.º 1.

V. No caso concreto, a Ré incumpre vários deveres jurídicos, que sobre a mesma impendem, causando no Autor uma violação grosseira dos seus direitos e interesses patrimoniais.

VI. A administração tributária tem o dever de esclarecer os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem - art.º 48.º do C.P.P.T.

VII. Decorre também do art.º 95.º-A, n.º 1, do C.P.P.T. que o procedimento de correção de erros visa a reparação por meios simplificados de erros materiais ou manifestos da administração tributária ocorridos na concretização do procedimento tributário ou na tramitação do processo de execução fiscal.

VIII. Considerando-se, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso.

IX. Decorre ainda do art.º 58 da L.G.T. que a Administração Tributária, no respeito pelo princípio do inquisitório, deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

X. Não será demais invocar ainda o disposto nos art.ºs 8.º, 10.º e 11.º do C.P.A., nos quais se estipulam deveres de justiça, razoabilidade, boa-fé e colaboração com os particulares.

XI. Todos estes deveres foram omitidos pela Ré, no exercício das suas funções, motivo pelo qual se impõe intimar a Ré para o comportamento devido, que consistirá na correção do erro em que incorreu, atenta a inexistência de qualquer valor em dívida, e consequentemente, extinguir a execução fiscal pendente contra o Autor, bem como proceder à devolução do indevidamente liquidado.

XII. Os pedidos formulados na petição inicial podem ser invocados em acção de intimação para comportamento, ao contrário do que defende a sentença recorrida.

XIII. Uma vez que, como atrás se mencionou, perante a violação de um dever de qualquer prestação jurídica suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.

XIV. O Tribunal a quo violou o disposto no art.º 147.º do C.P.P.T.

TERMOS EM QUE DEVERÃO V. EXAS. CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR A SENTENÇA PROFERIDA, SUBSTITUINDO-A POR UMA OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE OS PEDIDOS FORMULADOS PELO AUTOR.”


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Não foram produzidas contra-alegações.



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O DMMP junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.



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Com dispensa de vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

“Antes de mais, para o efeito, fixa-se a factualidade relevante para a decisão a proferir:


A) Foi enviado ao Autor o documento “CITAÇÃO POSTAL” com respeito ao processo de execução fiscal n.º 3166202001089412, com data de 29 de Julho de 2020 e com identificação da dívida em cobrança coerciva: “data de emissão: 2020-04-09 – Imposto: IRS - período do imposto 2018 no valor de €971,76”. [cfr. doc. 3 da pi];

B) Em 17 de Setembro de 2020, o Autor M… procedeu ao pagamento de €201,94 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3166202001089412 – correspondente à primeira prestação (art.º 196.º do CPPT). [cfr. doc. da pi];

C) Em 2 de Novembro de 2020, o Autor M… (288041755) entregou, via internet, a Declaração Modelo 3 de IRS – 1.ª declaração do ano, com referência ao ano de 2018, na qual declarou, para além do mais, rendimentos do Trabalho dependente no valor de €5.669,60 com respeito à entidade pagadora com o nif. 5……... [cfr. doc. 1 da pi];

D) Em 13 de Outubro de 2021, deu entrada, neste Tribunal, via Sitaf, a presente ação de Intimação para comportamento. [cfr. de fls.2 dos autos];

E) Com a petição inicial foi junto o ofício n.º 7847023-A de nomeação de patrono, o qual data de 30 de Junho de 2021. [cfr. de fls. 13 e 14 dos autos];


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A decisão recorrida consignou ainda que:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.”


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Em sede de motivação da matéria de facto relevou que “[q]uanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tal como se foi fazendo referência em cada um dos pontos do probatório.”

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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a rejeição liminar proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por impropriedade do meio processual e insusceptibilidade de convolação processual.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se a decisão de rejeição liminar prolatada pelo Tribunal a quo, deve manter-se na ordem jurídica ou deve ser revogada por o processo de intimação para um comportamento ser o apropriado para a defesa da sua pretensão.


Vejamos, então.


O Recorrente sustenta que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, os pedidos formulados na petição inicial podem ser invocados em ação de intimação para comportamento, na medida em que perante a violação de um qualquer dever de prestação jurídica, suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado lançar mão do expediente de intimação, visando o cumprimento desse dever.


Advogando, assim, que a AT tem o dever de esclarecer os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem conforme, expressamente, preceitua o artigo 48.º do CPPT.


O mesmo sucedendo, no atinente à correção oficiosa de erros materiais e manifestos mediante o procedimento constante no artigo 95.º A do CPPT, donde, impõe-se intimar a Ré para o comportamento devido, que consistirá na correção do erro em que incorreu, atenta a inexistência de qualquer valor em dívida, e consequentemente, extinguir a execução fiscal pendente contra o Autor, bem como proceder à devolução do indevidamente liquidado.


Apreciando.


O Tribunal a quo rejeitou liminarmente a petição inicial de intimação para um comportamento, por impropriedade do meio processual, aduzindo, desde logo, que “[o] erro na forma do processo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, a qual nunca poderá erigir-se em critério para aferir da propriedade do meio utilizado, sem prejuízo de na interpretação do pedido, em ordem a indagar da real pretensão do autor, se poder usar como elemento hermenêutico a causa de pedir invocada.”


Adensando, para o efeito, e após realizar o competente enquadramento jurídico do visado meio de intimação para um comportamento, que “[p]ara além de invocar a titularidade de um direito ou interesse o Autor deve afirmar ou revelar a necessidade de tutela judiciária através da intimação, designadamente a impossibilidade de através de outros meios contenciosos obterem a prestação devida ou a maior adequação deste meio para tal satisfação. E, por outro lado, o requerimento deverá ser acompanhado dos elementos de prova necessários para demonstração da existência da situação invocada, que terão de ser de natureza documental, uma vez que neste meio processual não se prevê a realização de instrução.”


Para depois, mediante uma concreta densificação com o pedido constante nos autos, concluir que “[d]a leitura dos pedidos efetuados no articulado aperfeiçoado em conjugação com a causa de pedir no qual o Autor fundamenta os pedidos, verifica-se que os mesmos são próprios de processo de Oposição à execução fiscal [pedido b) Condenar a ré a extinguir o processo executivo n.º 3166202001089412] e de Impugnação Judicial [pedido a) Declarar a inexistência de qualquer valor em dívida, por parte do autor, relativo ao IRS de 2018 e c) Condenar a ré a devolver ao autor a quantia de 194,35€ (…)], e não de ação de Intimação para um Comportamento.”


Sustentando, a final, que a impropriedade do meio processual é insuscetível de qualquer convolação processual na medida em que “[o]s fundamentos invocados pelo Autor na presente ação de Intimação para um comportamento correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais, torna-se inviável a convolação, já que o Tribunal está impedido de optar por qualquer uma delas.”


Ora, tendo por base o supra expendido não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no arguido erro de julgamento, na medida em que interpretou adequada e acertadamente o quadro jurídico com a devida transposição à realidade fática em contenda.


Expliquemos, então, porque assim o entendemos, começando por convocar o quadro normativo atinente ao meio processual de intimação para um comportamento e os considerandos de direito que se reputam de relevo para a apreciação do sentenciado erro na forma do processo.


Ab initio, importa ter presente que o processo judicial tributário compreende, entre outros, a intimação para um comportamento, conforme, expressamente, regulado no artigo 97.º, n.º 1, al. m), do CPPT.


Sendo que o aludido meio processual se encontra previsto no artigo 147.º do mesmo diploma legal, o qual sob a epígrafe de “intimação para um comportamento” dispõe que:

“1 - Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.

2 - O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou interesses em causa.

3 - No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou suscetível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos no n.º 1.

4 - A administração tributária pronunciar-se-á sobre o requerimento do contribuinte no prazo de 15 dias, findos os quais o juiz resolverá, intimando, se for caso disso, a administração tributária a reintegrar o direito, reparar a lesão ou adotar a conduta que se revelar necessária, que poderá incluir a prática de atos administrativos, no prazo que considerar razoável, que não poderá ser inferior a 30 nem superior a 120 dias.

5 - A decisão judicial especificará os atos a praticar para integral cumprimento do dever referido no n.º 1”.

Da letra do normativo supratranscrito, particularmente do seu nº3, resulta, desde logo, que este tipo de ação, apresenta um carácter meramente complementar ou subsidiário, aliás, à semelhança do que sucede com as ações para reconhecimento de um direito ou de um interesse legítimo em matéria tributária.


Mais dimanando que são requisitos cumulativos da intimação para um comportamento os seguintes:


i) Existência de uma omissão por parte da AT;


ii) Tal omissão respeitar a um dever de uma prestação jurídica;


iii) Essa mesma omissão ser suscetível de lesar direito ou interesse legítimo do contribuinte;


iv) Ser o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou interesses em causa.


Como doutrina Jorge Lopes de Sousa (1), “[a] utilização deste procedimento, visando obter o cumprimento de um dever pela administração tributária, supõe que esteja definida previamente a existência deste, uma vez que, ao contrário do que sucede com a acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido, não se inclui no processo de intimação uma fase declarativa. (…).”


Mais esclarecendo que, “[a] primacial utilidade deste meio processual simplificado (integrado apenas por requerimento, resposta e decisão) como meio alternativo em relação à acção para reconhecimento de direito (complementada com a subsequente execução de julgado), é a de permitir a assegurar de forma muito mais rápida a efectivação de direitos cuja existência é evidente e, nesta medida, é um meio relevante de assegurar a tutela judicial efectiva, que tem como componente importante um factor temporal (art. 20.°, nºs 1 e 4, da CRP).”


Adensando, ainda para o efeito, que “[s]e não for possível concluir com segurança pela existência do direito ou interesse invocado terá de entender-se que este não é o meio processual adequado para a satisfação da pretensão do requerente, o que obstará à sua utilização, por força do disposto no n.º 2 deste art . 147 .°”


Significa, portanto, que o processo de intimação para um comportamento não visa definir a existência de direitos ou interesses em matéria tributária, mas, tão-só, ordenar e impor a realização de atos à AT, desde que tais direitos sejam evidentes, razão pela qual “[a] eventual improcedência do pedido significará apenas que não é evidente que o direito ou interesse invocado exista, não constituindo um juízo definitivo no sentido da inexistência desse direito (2).”


De convocar, neste particular, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0229/13, datado de 15 de maio de 2013, no qual se afirma que: “I - A intimação para um comportamento, prevista no artigo 147.º do CPPT, não visa substituir o procedimento administrativo instituído pelo legislador para certificar a existência e montante do direito ao reembolso de IVA, antes reagir contra omissões ilegais do dever de prestações jurídicas lesivas de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária, o que pressupõe necessariamente, em face da inexistência de fase declarativa deste meio processual, a “evidência do direito” que se invoca como tendo sido lesado pela conduta omitida pela Administração tributária. II - Sem a certeza do direito ao reembolso e do respectivo montante não pode a Administração tributária ser intimada a efectuá-lo, por nem sequer ocorrer omissão ilegal lesiva justificativa da intimação.” (destaques e sublinhados nossos).


Mais importa ter presente que o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado (3). Porquanto, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (4). Logo, para se aferir da existência ou não de erro na forma de processo, cumpre atentar no pedido que foi formulado e na concreta pretensão de tutela jurisdicional servindo de elemento coadjuvante a causa de pedir invocada (5).


Aqui chegados, regressemos, então, ao caso vertente e atentemos nos pedidos constantes na p.i. e examinemos se os mesmos se coadunam com o presente meio processual conforme propugna o Recorrente. Com efeito, resultam os seguintes pedidos constantes no articulado inicial:

“a) declarar a inexistência de qualquer valor em dívida, por parte do autor, relativo ao IRS de 2018;

b) condenar a ré a extinguir o processo executivo n.º 3166202001089412;

c) condenar a ré a devolver ao autor a quantia de 194,35 €, que o autor liquidou indevidamente junto do balcão do Serviço de Finanças de Sintra 4 – Queluz, por não ser legalmente devida.”

Analisemos, então, casuisticamente os mesmos.


No concernente ao primeiro, o mesmo harmoniza-se, efetivamente, com o processo de impugnação judicial, na medida em que o pedido a formular neste meio processual coaduna-se com a anulação, declaração de nulidade ou de inexistência do ato impugnado, e in casu, o Recorrente pretende que seja declarada a inexistência do ato que legitimou a cobrança do IRS de 2018 (6).


No atinente ao segundo, visa o Recorrente a extinção do processo de execução fiscal nº 3166202001089412, porquanto o objetivo deve ser alcançado através do processo de oposição. Com efeito, a oposição à execução fiscal funciona como contestação à pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução, devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adotam as providências executivas, tendo por efeito paralisar a eficácia do ato tributário corporizado no processo executivo, visando a sua extinção. (7)


Subsiste, então, por analisar o último pedido, concernente à devolução de quantia indevidamente paga atenta a ilegalidade do ato, o qual, conforme referido pelo Tribunal a quo, deveria, igualmente, ser peticionado em sede de impugnação judicial, porquanto coadunado com a restituição do indevido que, no caso, estaria concatenado, a montante, com a ilegalidade do ato de liquidação que subjaz à cobrança coerciva e ao seu pagamento em sede executiva, mormente, por alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito, particularmente, preterição do artigo 58.º, nº1, do CIRS.


De relevar, outrossim, que mesmo apelando à teoria do pedido implícito, não é, de todo, possível enquadrar as causas de pedir alegadas na p.i.-e apenas, enquanto elemento coadjuvante- no pedido de intimação para um comportamento, e isto porque os factos jurídicos concretos donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, não se encontram definidos na esfera jurídica do Recorrente, sendo que a legalidade e exigibilidade das mesmas são passíveis de apreciação noutros meios processuais.


Note-se, ademais, que o próprio processo executivo é temporalmente anterior à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS, sendo que a nota de liquidação emitida, per se, não legitima a existência de qualquer imposto respeitante ao ano de 2018, por alegado erro imputável aos serviços.


Como visto, na intimação para um comportamento estão apenas abrangidas as situações em que a AT tenha de praticar determinado ato -quer por força da lei, de decisão judicial, ou de ato anterior da própria AT- que já se encontre inteiramente definido. No fundo, visa a efetivação de direitos cuja existência e titularidade no Requerente são evidentes, o que, como é bom de ver, não sucede no caso vertente.


É certo que, faz alusão a uma, alegada, assunção e reconhecimento de um erro por parte dos serviços, mas a verdade é que nada prova nesse e para esse efeito, sendo certo que foi, inclusivamente, instado a demonstrar a sua pretensão aquando da prolação do despacho de aperfeiçoamento, no âmbito do qual o Tribunal a quo, de forma bem fundamentada, requereu, designadamente, esclarecimentos atinentes a essa realidade, os quais não são minimamente esclarecidos, nem devidamente suportados.


É, igualmente, certo que convoca o artigo 95.º A do CPPT, aduzindo que os erros materiais e manifestos podem e devem ser corrigidos pela AT, e de facto, o aludido normativo legitima essa correção, no entanto não se vislumbra de que forma a aludida subsunção normativa valide, in casu, a idoneidade do presente meio processual, bem pelo contrário, na medida em que tal procedimento está regulado nos artigos 95.º B e 95.º C do CPPT, dependendo, desde logo, da iniciativa do visado, concretamente de um requerimento, nesse e para esse efeito, o que, in casu, não foi demonstrado, nem tão-pouco alegado, que tenha ocorrido nos autos.


Carecendo, igualmente, de relevância o aduzido em VI), na medida em que, mais uma vez, não resulta demonstrado, nem tão-pouco, alegado que o Recorrente tenha apresentado qualquer petição junto da entidade administrativa e que a mesma se tenha quedado ao silêncio e omitido qualquer dever de decisão.


O mesmo se diga relativamente ao princípio do inquisitório, não se vislumbrando, de todo, qualquer violação do aludido princípio que permita atestar a subsunção normativa neste meio processual. Sublinhando-se, outrossim, que não se aquilata o alcance, neste e para este efeito, do aduzido em X), não só porque a alegação não se encontra minimamente substanciada, como não se afere qualquer preterição dos deveres de justiça, razoabilidade, boa fé e colaboração com os particulares, que permitam asseverar a prévia definição da situação jurídica do Requerente.


Sem embargo do exposto, sempre importa relevar, neste particular, que a existirem os, alegados, erros imputáveis ao serviço, sempre o Recorrente pode requerer a revisão do ato tributário ao abrigo do artigo 78.º da LGT, sendo certo que, naturalmente, compete à AT, enquanto poder/dever e aquilatando uma situação de liquidação de imposto indevido, repor a legalidade e adotar os procedimentos tendentes ao efeito, também ao abrigo desse normativo e sem a iniciativa do sujeito passivo.


Como doutrinado no Aresto deste Tribunal, prolatado no âmbito do processo nº 9872/16.6BCLSB, datado de 23 de abril de 2020 (8):

“I-A Administração Tributária, face ao consignado no artigo 78.º da LGT tem o poder/dever de proceder à reposição da legalidade quando identifique uma situação de cobrança ilegal de tributos.

II-Os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, determinam que a Administração Tributária não possa demitir-se de tomar a iniciativa de revisão do ato, quando reconhece, expressamente, a ilegalidade do imposto liquidado.”

E por assim ser, face a todo o expendido anteriormente, e como bem decidiu o Tribunal a quo, os pedidos constantes nos autos não são próprios do processo de intimação para um comportamento, logo, encontramo-nos, efetivamente, perante uma impropriedade do meio processual.


É certo que “[o]correndo erro na forma do processo, constitui um poder/dever vinculado do juiz a convolação do processo na forma processual adequada (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), que somente pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado”.(9)


Mas, também neste âmbito, se secunda o juízo de insusceptibilidade de convolação processual decretado na decisão recorrida, no sentido de que a convolação se mostra inviabilizada porquanto “[o]s fundamentos invocados pelo Autor na presente ação de Intimação para um comportamento correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais, torna-se inviável a convolação, já que o Tribunal está impedido de optar por qualquer uma delas.”


E isto porque não é, efetivamente, de ponderar a convolação processual, se os diversos fundamentos invocados correspondem a diversas formas processuais, na medida em que está apartada a assunção e adoção de uma escolha por parte do Tribunal, ou seja, não compete ao Tribunal escolher de entre eles qual deve prosseguir.


Com efeito, ocorrendo, in casu, cumulação de causas de pedir e pedidos correspondentes a duas formas processuais diferentes, ou seja, existindo na p.i., três pedidos distintos a que correspondem ações, igualmente, diferentes, como visto, oposição ao processo executivo e impugnação judicial -e, de resto, também fundamentos invocados correspondentes a esses díspares pedidos- não pode, como visto, o Juiz optar por uma delas. Destarte, a convolação torna-se, efetivamente, inviável como bem decidiu a Juiz do Tribunal a quo (10).


Verifica-se, portanto, erro na forma do processo sem possibilidade de convolação para a espécie adequada, o que determina o indeferimento liminar da petição inicial (cfr. artigo 98.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, artigo 97.º, n.º 3, da LGT, e artigos 193.º, n.º 1, e 590.º, nº1, do CPC), nessa medida a sentença que assim o decidiu, não padece de qualquer erro de julgamento, devendo manter-se na ordem jurídica.






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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio jurídico.


Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de julho de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


____________________________
(1) Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 584 e 585.
(2) Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., p. 586.
(3) Vide Acórdão do STA, proferido n.º 01549/13, com data de 18 de junho de 2014.
(4) Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378
(5) Neste sentido vide Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01223/16, de 18.01.2017.
(6) Neste âmbito, vide a anotação de Jorge Lopes de Sousa, ao artigo 124.º do CPPT, in Ob. cit., Vol. I, pág. 325.
(7) vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04 de junho de 2008, processo n.º 179/08.
(8) Relatado pela, ora, Relatora e com intervenção da atual Segunda Adjunta.
(9) In Ac. STA, proferido no recurso nº 0409/12, de 16 de maio de 2012.
(10) Vide, designadamente, Acórdãos do STA proferidos nos processos. n.º 0212/18 e 01068/14 de 20.06.2018 e 13.04.2016, respetivamente, e TCAN, prolatado no processo n.º 01284/18, de 21.11.2019.