Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:288/16.5BESNT-R1
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMI
CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
VALOR DO PROCESSO
IRRECORRIBILIDADE
Sumário:I-No contencioso de anulação de atos de liquidação, in casu, de IMI, o juiz deve fixar o valor da causa de acordo com o valor global das liquidações impugnadas, e cujo valor de anulação se requer (cfr. artigo 97.ºA, nº1, alínea a) do CPPT. Assim, sendo o objeto da impugnação os atos de liquidação de IMI visando a sua anulação, o valor da causa terá, naturalmente, de corresponder ao montante das liquidações, no caso sub judice, €1.608,94.

II-Ainda que a parte tenha, inicialmente, atribuído como valor da causa o montante de €15.000,01, a verdade é que esse montante não corresponde ao valor global das liquidações impugnadas e cuja anulação se requer.

III-Assim, tendo a impugnação sido interposta em 12 de fevereiro de 2016, e tendo sido fixado na sentença o valor da causa em €1.608,94, e sem qualquer erro de julgamento, resulta inequívoco que não excede a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância e nessa medida não merece censura o despacho reclamado que rejeitou o recurso por inexistência de alçada.

IV-Tal despacho em nada pretere e frusta qualquer expetativa jurídica, até porque, como visto, a indicação do valor do processo se encontrava desconforme com a letra da lei, faltando, por conseguinte, a legítima confiança exigível para efeitos de densificação e qualificação como “legítima expetativa jurídica”.

V-Ainda que o Juiz deva, em ordem aos normativos 20.º, nº4, e 202.º, nº1 ambos da CRP e bem assim o 146.º do CPC, dirimir e eliminar todas as questões formais que possam coartar a defesa da parte, o certo é que o mesmo não pode desrespeitar, para o efeito, as normas legais vigentes. Com efeito, a sua atuação pauta-se pela análise, interpretação e correta transposição do regime jurídico vigente à situação fática dos autos, não a podendo subverter em ordem a agilizar e admitir procedimentos e recursos que não têm a mínima correspondência com a letra da lei.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- RELATÓRIO

B....., LDA, notificado da decisão sumária proferida pela ora Relatora, com respeito à reclamação apresentada ao abrigo do artigo 643.º, nº 1, do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, visando despacho exarado pelo Mmº. Juíz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que rejeitou o recurso interposto pela Reclamante, nos termos do artigo 280.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por o mesmo não deter alçada para o efeito, veio reclamar para a conferência de tal decisão, nos termos do disposto no artigo 652.º, nº 3 do CPC, pedindo que sobre a decisão proferida recaia um acórdão, e dando por reproduzidas as argumentações apresentadas na aludida reclamação.



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Notificada a parte contrária, a mesma não emitiu qualquer pronúncia sobre a visada reclamação para a conferência.



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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) foi notificado, nada opondo a que os autos sejam trazidos à conferência.



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Vêm, assim, os autos à Conferência, sem vistos, nos termos do artigo 652.º, nº3 do CPC.

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Ab initio, importa relevar que nos encontramos, no caso vertente, perante uma reclamação para conferência, cujo instituto se encontra atualmente previsto no artigo 652.º, nº 3, do CPC, tendo o seu fundamento e ratio na existência de Tribunal Coletivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.


Logo, sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do Relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência.


Daí que, o que se visa com tal reclamação é, afinal, a substituição do órgão excecional (o Relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal coletivo) para proferir determinada decisão.


Vejamos, então.


A decisão sumária reclamada apresentava o seguinte teor:





I- RELATÓRIO


B....., LDA, com os demais sinais nos autos, veio deduzir a presente reclamação ao abrigo do artigo 643.º, nº 1, do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, visando despacho exarado pelo Mmº. Juíz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que rejeitou o recurso interposto pela Reclamante, nos termos do artigo 280.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por o mesmo não deter alçada para o efeito.








A Reclamante apresenta as seguintes alegações:

“1.Em 12/02/2016 veio a ora reclamante apresentar impugnação judicial sobre as taxas de IMI referentes aos anos de 2011 a 2014.

2. Tendo sido dado o valor de €15.000,01 (quinze mil e um euro) como sendo o valor da acção.

3. Nessa sequência, veio a ora reclamante proceder ao pagamento da quantia de €306,00, valor correspondente a acções entre os €8.000,01 e os €16.000,01.

4. Assim, a AT – Serviço de Finanças de Cascais 2 deu como valor ao processo administrativo o valor de €15.000,01.

5. Porém, veio agora o douto tribunal decidir que “não cabe recurso das decisões do T.T. em processo de impugnação quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçadas fixadas para os tribunais tributários de 1ª instância.”.

6. Ora, nos termos do artigo 105.º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 82-B/2014, a alçada dos T.T. passou a corresponder àquela a que se encontra estabelecida para os T. Judiciais, o qual se encontra fixada em € 5.000,00, conforme artigo 44.º, nº1, da Lei nº 62/2013, de 26.08 (L.O.S.J.).

7. Ora, desde o início do presente processo, através da apresentação da presente impugnação, a ora reclamante sempre agiu e diligenciou no sentido da presente impugnação ter como valor os €15.000,01.

8. Tanto assim é que procedeu ao pagamento da taxa de justiça pelo referido valor.

9. Assim, a decisão que ora se reclama consubstancia uma violação das expectativas jurídicas da ora reclamante que, durante o decurso do processo sempre diligenciou como estando perante uma acção com o valor de €15.000,01.

10. De referir ainda que a garantia de acesso aos tribunais corporiza um direito de cúpula de natureza prestacional pois que, sendo o Tribunal o órgão de soberania, a ele serão avocados os poderes de produção extrínseca de efeitos legais, sendo legítima a expectativa dos cidadãos em obter uma decisão material que conheça do mérito da pretensão suscitada junto do Tribunal.

11. Pois que qualquer outra decisão sempre se assumiria num Estado de Direito Democrático, como uma violação e uma obstaculização do acesso à justiça e da procura de tutela jurídica de um direito de que se arroga titular, in casu, da ora recorrente.

12. Com efeito, estamos perante uma situação em que, por despacho judicial, se ordenou a não admissão de uma peça processual de suprema relevância para defesa e protecção da ora recorrente.

13. Inviabilizar definitiva e irreversivelmente o direito de defesa da ora recorrente, com estrito fundamento no incumprimento de exigências de ordem formal põe em causa a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, traduzindo-se na injustificada prevalência de uma decisão meramente formal, em detrimento da decisão do mérito.

14. Ora, no presente caso, não foi concedida à ora recorrente esta possibilidade, legalmente previstas e consagradas pela lei adjectiva.

15. Tendo a ora recorrente sido amputada do exercício da tutela jurisdicional efectiva.

16. Desta forma, dúvidas não subsistem de que o recurso interposto pela ora reclamante deveria ter sido admitido.

Nestes termos e demais de direito que V.ª Exa. doutamente suprirá, e em estrita conformidade com a fundamentação supra, requer-se a V. Exa. a admissão da presente reclamação, por legal e tempestiva e, em consequência, proceda à substituição do despacho ora em crise por outro que determine a admissão do recurso interposto, em estrito cumprimento da tão douta e costumada JUSTIÇA! “


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Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 643.º, nº.2, do CPC, a Reclamada não apresentou resposta à reclamação apresentada.



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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, pronunciando-se no sentido da improcedência da reclamação.



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II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Visando a decisão da presente reclamação, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:


1- Em 12 de fevereiro de 2016, a sociedade “B....., LDA”, deduziu impugnação judicial, ao abrigo do artigo 97.º do CPPT contra as liquidações de Imposto Municipal de Imóveis (IMI), dos anos de 2011 a 2014, emitidas na sequência de inscrição oficiosa do imóvel sito na Avenida Marginal, na praia de Carcavelos, correspondente a um estabelecimento comercial designado por “B.....” (facto expressamente assumido pela Reclamante no ponto 1 da reclamação em análise; cfr. petição inicial constante no processo de impugnação judicial nº 288/16.5 disponível na plataforma SITAF);


2- Os atos impugnados, respeitantes a IMI, referentes aos anos de 2011 a 2014, evidenciados no ponto 1), no valor total de €1.608,94, apresentam os seguintes elementos identificativos:
Nº da LiquidaçãoAno do ImpostoValor em Euros
.....2011430,24
.....2012408,01
.....2013392,86
.....2014377,83
(cfr. atos de liquidação juntos pelo Impugnante a 08.02.2016, mediante interpelação do M.m. Juiz para junção dos atos impugnados).

3- A 04 de abril de 2019, na sequência da dedução da impugnação judicial referida em 1., foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a mesma, com a consequente manutenção dos atos impugnados de IMI, tendo fixado o valor da causa em €1.608,94, e determinado no dispositivo que são “[d]e manter os actos tributários controvertidos por os mesmos serem legais.”, dela se extratando enquanto fundamentação jurídica, designadamente, o seguinte:


“A questão posta a este Tribunal tem essencialmente a ver com a sujeição passiva do imposto (IMI), por banda da Impte, em razão da existência de um contrato de concessão do domínio público marítimo no âmbito do qual é devido uma taxa por aquela ocupação, e tratando-se de um imóvel detido pelo Estado não seria susceptível de ser tributado em sede daquele imposto sobre imóveis, ao invés do entendimento da Adm. Fiscal que sustenta que se trata de um superficiário na medida em que adquiriu o direito de superfície tendo por objecto a construção de um edifício sobre o prédio concessionado. O que dizer da presente controvérsia?. Muito singelamente que, se mostra evidente, por parte deste Tribunal, aquele enquadramento da situação sub Júdice naquela sujeição passiva do superficiário, a qual não se confunde com aquela concessão do domínio público, já que o mesmo respeita àquela dominialidade do Estado sobre bens retirados do comércio jurídico , o que se distingue das utilizações privadas daqueles bens do domínio público , máxime com a ocupação desses espaços com a construção de equipamentos de apoio de praia, o qual constitui um verdadeiro direito de superfície na acepção do direito civil a que se refere o nº 2, do artº 11º da LGT ( e não qualquer interpretação extensiva daquele direito), que tem por objecto a construção e utilização dos edifícios aí implantados ( cfr artº 1525º, nº 1, do C. Civil), sendo certo que tais instalações são da titularidade do superficiário , caso em que a propriedade superficiária é necessariamente sujeita a IMI, independentemente da sujeição daquela cedência do bem público a uma taxa, a qual é devida em razão da sua utilização pelo respectivo beneficiário. ( vd. nº2, do artº 4º, da LGT). - cfr nesse sentido “Os Impostos sobre o Património Imobiliário… Anotados e Comentados” de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, 1ª Ed. Engifisco 2005, pags 104 e pags 134. Assim, Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra”.


Ao abrigo do disposto no nº 2, do artº 8º, conjugado com a alínea c), do nº 1, do artº 9º, alínea b), do nº 1, do artº 10º e alínea d), do nº1 e alínea a), do nº3, do artº13º, todos do CIMI, resulta que com a edificação do prédio em propriedade superficiária passa a ser devido o tributo de acordo com o V.P. determinado nos termos do disposto nos artºs 37º e segs, do mesmo Código, pelo que entende-se como legal a liquidação ora controvertida, decisão a que se procede na parte dispositiva da presente sentença.


(cfr. sentença junta a fls. 2 a 4 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


4- Na sequência da notificação da sentença referida em 3., a Reclamante interpôs recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal (cfr. fls. 6 dos autos);


5- Em resultado da interposição do recurso identificado em 4), foi lavrado despacho de rejeição, pelo Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, objeto da presente reclamação, o qual apresenta o seguinte teor:

“ Requerimento de fls 110, dos autos:

Recurso da sentença proferida em 04.04.2019.

Nos termos do disposto no nº4, do artº 280º do CPPT, não cabe recurso das decisões do T.T. em processo de impugnação quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçadas fixadas para os tribunais tributários de 1ª instância. Ora,

Atento o disposto no artº 105º , da LGT, na redacção dada pela Lei nº 82-B/2014, a alçada dos T.T. passou a corresponder àquela a que se encontra estabelecida para os T. Judiciais, o qual se encontra fixada em € 5 000,00- cfr. artº 44º, nº1, da Lei nº 62/2013, de 26.08.(L.O.S.J.).

O valor da presente causa é o da liquidação do tributo, nos termos do disposto na alínea a), do nº 1, do artº 97º-A, do CPPT, sendo que esta é de valor de € 1 608,94, conforme resulta dos autos, pelo que correspondendo o mesmo a um valor inferior da alçada deste Tribunal, a decisão proferida não admite recurso, pelo que vai o requerimento indeferido.- cfr nº 1, do artº 629º e alínea a), do nº2, do artº 641º, todos do CPC.”(cfr. fls. 7 dos autos);


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III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO





Ab initio, importa, desde já, relevar que na atual disciplina do artigo 643.º do CPC, na redação conferida pela Lei 41/2013, de 26 de junho, a competência decisória da reclamação cabe ao Relator, no Tribunal ad quem, constituindo assim uma decisão singular sua, suprimindo a anterior competência para o efeito que pertencia aos Presidentes dos Tribunais Superiores (1).


A presente reclamação tem por objeto o despacho que julga inadmissível o recurso jurisdicional interposto da sentença de improcedência proferida no processo de impugnação judicial referido em 1, por entender que o mesmo não tem alçada atenta a nova redação conferida ao artigo 105.º da LGT.


Logo, a única questão a decidir é a de saber se o despacho reclamado fez correta aplicação da lei sobre a recorribilidade da sentença, face ao valor da causa.


A Reclamante defende que tendo sido atribuído o valor de €15.000,01, como sendo o valor da ação, e tendo a taxa de justiça sido paga por reporte a esse valor, não pode o Tribunal a quo, em ordem ao consignado no artigo 105.º da LGT, na redação dada pela Lei nº 82-B/2014, cuja alçada ficou fixada em € 5.000,00, rejeitar o presente recurso.


Ademais, a manter-se o despacho reclamado tal consubstancia uma violação das expectativas jurídicas da ora Reclamante, e uma negação de tutela jurisdicional efetiva, razão pela qual o recurso interposto pela ora Reclamante deveria ter sido admitido.


Vejamos, então.


Importa, desde já, evidenciar que a atribuição do valor da causa releva, além do mais, para efeitos de determinação da competência do Tribunal, a forma de processo, sendo caso disso, e, bem assim, a viabilidade de interposição de recurso, de acordo com a alçada do Tribunal de que se recorre.


Mais importa ter presente que em ordem ao consignado nos artigos 296.º e 299.º ambos do CPC aplicáveis ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.


No caso vertente, o valor da causa foi fixado no dispositivo da sentença no montante de €1.608,94, fundamentando-se no artigo 97.º A, nº1, alínea a), do CPPT, face ao valor das liquidações impugnadas. E refira-se, desde já, que nenhuma censura lhe pode ser apontada.


Senão vejamos.


Preceitua o normativo 306.º, nº1, do CPC que: “1-Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”.


Dispõe, por seu turno, o artigo 97.º A, nº1, alínea a), do CPPT sob a epígrafe “valor da causa” que:

“1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.

Da interpretação dos citados normativos legais resulta que no contencioso de anulação de atos de liquidação, in casu, de IMI, o juiz deve fixar o valor da causa de acordo com o valor global das liquidações impugnadas, e cujo valor de anulação se requer.


Visto o direito aplicável importa transpor para o caso dos autos.


In casu, encontramo-nos perante uma impugnação judicial cujo objeto se coaduna com os atos de liquidação de IMI dos anos de 2011 a 2014, tendo a Reclamante, na sua p.i., convocado o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, invocando como causa de pedir e em síntese que:

ü O estabelecimento em causa é objeto de concessão de domínio público, estando, por isso, sujeito ao pagamento de uma taxa anual à Agência Portuguesa do Ambiente IP, pelo que o mesmo não pode ser objeto de tributação em sede de IMI, sob pena de se verificar uma dupla tributação económica;
ü Para além disso, não pode ser sujeito passivo de IMI, porque não é proprietário do referido estabelecimento, uma vez que o mesmo pertence ao domínio público hídrico;
ü Acresce que é apenas um concessionário, não estando prevista a tributação dos concessionários em sede de IMI;
ü Neste contexto, entende que a concessão de terreno do domínio público hídrico não pode ser tributado em IMI por não revestir a natureza de terreno para construção.
ü Por último, a avaliação de um bem de domínio público não pode ser avaliada nos termos gerais, uma vez que a utilização deste bem é tributada de acordo com um regime legal específico.

Nessa medida, sendo o objeto da impugnação os atos de liquidação de IMI -aliás em conformidade com o atestado pela Reclamante, aquando interpelação por parte do Tribunal a quo para efeitos de junção dos respetivos atos impugnados, e conforme, ora, reitera nas suas alegações- visando a sua anulação, o valor da causa terá, naturalmente, de corresponder ao montante das liquidações e melhor identificadas em 2), no caso sub judice €1.608,94.


Nessa medida, contrariamente ao peticionado pela Reclamante, ainda que o valor da causa tenha, inicialmente, sido atribuído em €15.000,01, a verdade é que esse montante não corresponde ao valor global das liquidações impugnadas e cuja anulação se requer. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que a Reclamante nem, tão-pouco, justifica porque motivo o valor de €15.000,01 se afigurava correto, e quais os pressupostos que levariam à manutenção de tal valor, até porque não nos encontramos, face a todo o expendido, perante um valor indeterminável (artigo 34.º do CPTA).


E por assim ser, nenhuma censura merece o despacho de rejeição do recurso em causa, porquanto tal é o que resulta da interpretação da Lei.


Com efeito, e conforme aduzido pelo Tribunal a quo, atentando na Lei nº 82-B/2014, de 31 de dezembro (OE 2015), com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2015, a mesma veio introduzir uma nova redação ao artigo 105.º da LGT, o qual passou a estatuir que: "A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância."


Sendo que essa mesma lei veio conferir nova redação ao artigo 280.º, nº 4 do CPPT, que a propósito dos recursos das decisões proferidas em processos judiciais, passou a estatuir que:

“ 4- Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapasse o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1ª instância."

Quanto às disposições transitórias importa reter que está contemplado no artigo 225.º da aludida Lei do Orçamento de Estado de 2015 que “As alterações introduzidas pela presente lei às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas e constituição de advogados apenas produzem efeitos relativamente aos processos que se iniciem após a sua entrada em vigor”, aliás em consonância com o que dispõe o artigo 6.º, nº 6 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).


A final, importa convocar o artigo 44.º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário-Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, o qual dispõe que a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância é de €5.000,00.


Resulta, assim, que a alçada dos tribunais tributários de 1ª instância se encontra fixada a partir de 1 de janeiro de 2015, em €5.000,00.


Ora, tendo a presente impugnação sido interposta em 12 de fevereiro de 2016, e tendo sido fixado na sentença o valor da causa em €1.608,94, e como visto sem qualquer erro de julgamento, resulta inequívoco que não excede a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância e nessa medida não merece censura o despacho reclamado.


Quanto à alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva o “Tribunal Constitucional já firmou jurisprudência no sentido de que não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.º da Constituição.


Na verdade, a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil, apenas o contendo no âmbito do processo penal.


Prevendo a Lei Fundamental a existência de tribunais de recurso, há que concluir que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, não estando, no entanto, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.


Sendo certo que, a plenitude do acesso à jurisdição postula um sistema que proteja os interessados contra os próprios atos jurisdicionais, incluindo o direito de recurso, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.


O mesmo se diga em relação à invocada violação do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, preceito que rege sobre a “força jurídica” dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias e cujo conteúdo essencial se mostra inteiramente salvaguardado na questionada dimensão normativa. (2).(destaques e sublinhados).


De relevar, outrossim, que tal despacho em nada pretere e frusta qualquer expetativa jurídica, até porque, como visto, a indicação do valor do processo se encontrava desconforme com a letra da lei, faltando, por conseguinte, a legítima confiança exigível para efeitos de densificação e qualificação como “legítima expetativa jurídica”.


Neste âmbito importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 01188/02, de 18 de junho de 2003, extratando-se o seu sumário, na parte que para os autos releva, como se transcreve:

“III-O princípio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
IV - Tal princípio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração.
V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da protecção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
VI - A exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito.
VII - Contudo, a aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legítima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.
VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.
IX - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança". (destaques e sublinhados nossos).

É certo que a Reclamante aduz, igualmente, que é “[l]egítima a expetativa dos cidadãos em obter uma decisão material que conheça da pretensão suscitada pelo Tribunal”, mas a verdade é que para se obter esse desiderato é curial que sejam cumpridos os pressupostos e requisitos consignados na lei.


É certo, outrossim, que os artigos 20.º, nº4, e 202.º, nº1 ambos da CRP e bem assim o 146.º do CPC aludem a um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes em ordem à plena tutela jurisdicional efetiva, competindo, nessa medida, ao Juiz tudo fazer para dirimir/eliminar os litígios que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atos formais, sempre no sentido do alargamento e proteção desses direitos e nunca da sua restrição.


Mas a verdade é que ainda que o Juiz deva, em ordem aos aludidos normativos, dirimir e eliminar todas as questões formais que possam coartar a defesa da parte, o certo é que o mesmo não pode desrespeitar, para o efeito, as normas legais vigentes. Com efeito, a sua atuação pauta-se pela análise, interpretação e correta transposição do regime jurídico vigente à situação fática dos autos, não a podendo subverter em ordem a agilizar e admitir procedimentos e recursos que não têm a mínima correspondência com a letra da lei.


Face a todo o exposto, conclui-se que, in casu, o Tribunal a quo limitou-se a cumprir o regime legal constante nos citados normativos.


Assim, tudo visto e ponderado correspondendo o valor do processo ao valor constante na sentença, e não excedendo o mesmo o valor da alçada dos tribunais, deve ser rejeitado, pelo que é forçoso concluirmos que não padece de erro de facto ou de direito o despacho reclamado que, assim, se impõe ser confirmado.



***




IV- Decisão


Face ao exposto, INDEFERE-SE A RECLAMAÇÃO APRESENTADA e confirma-se o despacho que rejeita o recurso deduzido pela Reclamante.


Condena-se a Reclamante em custas, fixando-se a taxa de justiça em uma (1) U.C. (cfr.artº.7, nº.2, e Tabela I-B, do RCP).


Registe.Notifique.



Lisboa, 18 de março de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

[Assinatura digital na folha inicial (art.º 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro)]


O ajuizado na decisão sumária reclamada, e integralmente transcrito, mantém-se inteiramente válido, sufragado por este coletivo, não se justificando, assim, alterar a decisão sumária reclamada.



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DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência, confirmando-se a decisão sumária reclamada, proferida em 18 de março de 2021.


Condena-se o Reclamante em custas, fixando-se a taxa de justiça em duas (2) U.C. (cfr. artigo 7.º e Tabela II, do RCP).

Registe. Notifique.



Lisboa, 08 de julho de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires


___________________
(1) cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.72 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.179 e seg.
(2) Acórdão do STJ, proferido no processo nº 4255/15.8T8VCT-A.G1.51, de 08 de março de 2018.