Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06478/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/04/2013
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRC. DESCONSIDERAÇÃO DE CUSTOS. ART. 23º DO CIRC. DÚVIDA FUNDADA.
Sumário:I) A jurisprudência aponta que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção.
II) A AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT.
III) Se na contabilidade da impugnante se mostravam registados custos, além de outros devidamente comprovados, que aqueles não assumiram, não suportaram, sendo fora de dúvidas que, em virtude de tais registos serem apoiados por facturas fisicamente aí arquivadas, esses encargos ascendiam a uma quantia certa, a necessária não consideração de tais custos importava, directa e consequentemente, a subtracção dessa importância e não qualquer outra, aleatoriamente justificada e determinada, ao total dos resultados declarados como obtidos no ano em causa, sendo que, neste cenário, aos serviços da AT não restava outra alternativa legal que aquela que produziram de, sendo imposta, pelo art. 23.º n.º 1 CIRC, a não consideração dos custos reputados fictos, efectuar a correcção consubstanciada na dedução do valor total, apurado por mera soma aritmética, desses encargos, tal como resultou das importâncias tituladas pelas facturas inquinadas de falsidade.
IV) Competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação.
V) Pois bem, recaindo o ónus da prova sobre a impugnante, a esta competia demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às facturas, a saber: - que as prestações de serviços se haviam efectivado com a sociedade emitente e não com qualquer outra entidade prestadora de serviços; - quais as quantidades precisas das prestações de serviços, local, natureza, preços praticados nas prestações de serviços que estariam em causa em cada uma das facturas, sendo que, lendo e relendo a matéria de facto apurada nos autos, não existe qualquer matéria que permita, sequer, apontar algum elemento capaz de contribuir para eventualmente viabilizar a pretensão da Recorrida.
VI) Assim sendo, e na medida em que a ora Recorrida não fez prova da veracidade das transacções em causa, aqui, tal como foi assumido pela AT, só podemos apontar e aceitar o procedimento de desconsiderar os custos correspondentes aos montantes inscritos nas facturas reputadas “falsas”, na medida em que os mesmos, pura e simplesmente, não foram suportados, pagos, pela impugnante, na medida em que só desta forma, se concretiza e respeita, nomeadamente, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas “os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …” - cfr. art. 23º nº 1 do CIRC.
*
O Relator
Pedro Vergueiro
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 13-11-2012, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A...- Soc. Construção Imóveis e Projectos, Lda.” na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação adicional de IRC do exercício de 2005 e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 115.382,56.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 628-677), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com a douta sentença recorrida, atentos os elementos prova juntos aos autos.
B. Conforme resulta das informações, pareceres e relatórios, juntos aos autos, elaborados pela Administração Fiscal, as facturas emitidas à Impugnante pela sociedade “B... Construção Civil, Lda.”, foram impressas por uma tipografia que o gerente da mesma desconhece;
C. Resulta ainda que quando o pagamento das facturas pretensamente emitidas pela sociedade “B... Construção Civil, Lda.” era efectuado através de cheque, verificava-se que os mesmos eram emitidos à ordem da referida sociedade, continham no verso um endosso composto por um carimbo da sociedade e uma assinatura “B...” que aparentava constituir uma falsificação, que após tal endosso, os cheques eram levantados por terceiros com relações com a sociedade emitente dos cheques.
D. A douta sentença recorrida entende verificar-se fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário apenas pelo facto da Impugnante ter emitido cheques em nome da sociedade “B... Construção Civil, Lda.’ e dos mesmos terem sido debitados à Impugnante;
E. No entanto, da observação dos referidos cheques resulta que os mesmos foram emitidos à sociedade “B... Construção Civil, Lda.”, foram todos endossados com carimbo da mesma e com a pretensa assinatura do seu gerente, assim como foram todos depositados ou levantados por terceiros;
F. Verificando-se ainda que da análise à assinatura do gerente da “B... Construção Civil, Lda.” que a mesma é sempre diferente em todos os cheques.
G. Nestes termos, tal como afirmado em sede de inspecção tributária, os custos contabilizados pela Impugnante que tem por base as facturas emitidas em nome de “B... Construção Civil, Lda.”, não podem ser fiscalmente aceites em virtude de não reunirem os requisitos do artº 23º do CIRC, ou seja, em virtude não se mostrarem indispensáveis à actividade da Impugnante e por não se mostrarem devidamente comprovados.
H. Face ao exposto, entendemos, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos elementos de prova juntos aos autos, o que conduziu a erro de julgamento da questão sub judice, violando o disposto nos artº 17º e 23º ambos do CIRC.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo’, assim se fazendo a costumada Justiça.”

A Recorrida “A...- Soc. Construção Imóveis e Projectos, Lda.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
Entendeu, a ilustre representante da Fazenda Pública, que face aos elementos de prova junto aos autos, não devia a Douta Sentença do Tribunal a quo, julgar a impugnação procedente.
Ora, entende, a ora recorrente/impugnante, que não assiste razão é à Representação da Fazenda Pública, e face aos elementos de prova constantes dos autos, terá de se considerar o ato tributário ilegal, devendo ser retirado da ordem jurídica.
Pretendeu a Representação da Fazenda Pública retirar credibilidade aos pagamentos efetuados pela empresa que emitiu os cheques para pagamento de serviços prestados, invocando falsidades, nomeadamente de que os cheques eram levantados por terceiros com relações consigo.
Por ser absolutamente falso não se pode consentir tal insinuação, que bem sabe a mesma não corresponder à verdade.
Constam dos autos, para além das faturas juntas com o relatório de inspecção, o Alvará da Licença de Construção entregue à empresa recorrente pela empresa prestadora de serviços;
Foi facultada a informação de a empresa prestadora de serviços se encontrar devidamente registada junto da Conservatória do Registo Comercial,
Foi junto um seguro realizado na empresa C..., pela empresa prestadora de serviços para a realização dos seus trabalhos, que segundo o seu gerente, se foi renovando,
Foi junto o contrato de empreitada realizado com a empresa prestadora de serviços,
Foi ainda junta a proposta de Orçamento,
10ª Acrescentando a todos estes factos, os cheques emitidos para pagamento dos Serviços prestados pela empresa prestadora de serviços,
11ª Para além de toda a prova documental, ainda foram ouvidas 2 testemunhas com conhecimento direto dos factos, e que foram demoradamente questionadas quer pela Exma Representante da Fazenda quer pelo Exmo senhor Doutor Juiz do processo.
12ª Ambas as testemunhas asseveraram a veracidade dos serviços prestados, tendo acrescentado a informação de que a empresa recorrente, não tinha trabalhadores para a realização das obras e que as mesmas eram todas subcontratadas a empreiteiros, tendo a empresa prestadora de Serviços, em causa nos autos realizados os serviços de ladrilhadores. Atestaram ainda ambas as testemunhas a instâncias do Exmo Senhor Doutor Juiz do tribunal ad quo que o material era adquirido pela empresa recorrente, tendo a empresa prestadora de serviços, faturado apenas a prestação de serviços nessa área no prédio construído na zona de Queijas e identificado nos autos.
13ª Todos estes factos carreados para os autos, demonstram sem sombra de dúvida, a veracidade dos custos incorridos, e da veracidade da faturação, tendo obrigatoriamente de se concluir que não estamos perante “faturas falsas”, mas sim perante serviços efetivamente prestados.
14ª São ilegais e sem qualquer fundamento as alegações da Representação da Fazenda, sobre os cheques emitidos para pagamento dos serviços prestados, como facilmente poderá ser constatado.
15ª Os cheques emitidos para pagamento dos serviços prestados não podiam ser emitidos com mais segurança, pois eram cruzados e estavam devidamente ordenados a quem de direito, pelo que teriam de obedecer às regras bancárias.
16ª Nunca foram levantados problemas por qualquer Instituição Bancária pelo que se presume que foram descontados por quem de direito.
17ª Termos em que se terá de concluir como na douta sentença, e ser ordenada a anulação do ato tributário de IRC por ilegal.
18ª O facto invocado pela Exma Representante da Fazenda Pública viola por falsidades o âmbito da boa fé que sempre nortearam as relações comerciais da empresa recorrente.
19ª Pelo exposto, e porque os custos por si incorridos no âmbito da sua atividade correspondem a trabalhos efetivamente ocorridos, devem ser considerados como tal no âmbito do artº 23º do CIRC, sob pena de se violar a Segurança Jurídica, que deve prevalecer.
Termos em que e nos mais de Direito, que Vossas Excelências Doutamente suprirão, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto e, ser confirmada a Douta Sentença Recorrida
E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se indagar da pertinência da correcção à matéria colectável de IRC com referência ao disposto no artigo 23° do Código IRC, tendo como pano de fundo a desconsideração de custos corporizados por facturas formalmente emitidas, que não correspondem a serviços efectivamente prestados.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
“(…)
1 - No âmbito de uma acção de fiscalização interna efectuada à sociedade “A...- Soc. Construção Imóveis e Projectos, Ldª”, foram efectuadas correcções ao lucro tributável de IRC do exercício de 2005 e procedeu-se a liquidação adicional de imposto e de juros compensatórios para aquele ano, como nº 20098500011655, no valor total de € 10.589,59 - cfr Demonstração de Liquidação e Documento de Cobrança de imposto e de juros , de fls 20 a 22, dos autos.
2 - A correcção mencionada em 1 resultou do Parecer e Despacho, de 26.02.08 e de 03.03.08, respectivamente, de fls 40 e 41, efectuadas com base nas “conclusões do relatório” de fls 42, fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente, que em cumprimento do Despacho do Subdirector Geral da I.T. emitido na Informação nº 13/07, de 16.01.07 da D.S.I.F.A.E. na análise ao subempreiteiro “B... Construção Civil, Ldª” não são aceites fiscalmente como custos fiscais as facturas emitidas por aquele prestador em virtude dos mesmos respeitarem a operações de natureza simulada relativamente às prestações de serviços efectuadas, por dizerem respeito a subempreitada prestada por entidade que se verificou não terem requerido a emissão de livros de facturas que titulam os serviços prestados ao sujeito passivo - cfr Relatório da I.T. de fis 40 a 69, do P.A apenso.
3 - Dá-se aqui por reproduzido o Despacho de 08.03.07, do Subdirector Geral da I.T. aposto sobre a Informação elaborada pela D.S.I.F.A.E., da D.G.C.I., do qual consta que se indicia a impressão de livros de factura por terceiros alheios àquela prestadora., mas em nome do fornecedor, emitidas por 15 tipografias e utilizadas por diversas empresas - cfr Documentos de fls 50, do P.A. apenso aos autos.
4 - Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de pagamento titulados por cheque, constantes de fls 142 a 149 e cópia de extractos bancários, de fls 150 a 153, dos autos.
5 - A presente petição foi enviada a este Tribunal por telecópia, em 27.07.2009. - cfr rosto da p.i de fls 3, dos autos.
X
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que os depoimentos das testemunhas arroladas não permitem comprovar que as operações efectuadas diziam respeito ás prestações de serviço concretamente desconsideradas pela Adm. Fiscal”
3.2 DE DIREITO
A partir daqui, cumpre entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida a tarefa de indagar da pertinência da correcção à matéria colectável de IRC com referência ao disposto no artigo 23° do Código IRC, tendo como pano de fundo a desconsideração de custos corporizados por facturas formalmente emitidas, que não correspondem a serviços efectivamente prestados.
Neste domínio, diga-se que a sentença julgou a presente impugnação, ponderando os seguintes elementos:
“… Ora, como resulta do probatório, havia motivos suficientes par que a Adm. Fiscal desconsidere aquelas facturas emitidas por aquele prestador, atento as circunstâncias apuradas relativamente àquele subempreiteiro já que as razões que sustentam as correcções permitem formular aquele juízo de prognose póstuma quanto às operações consideradas sem a necessária aderência à realidade­ - cfr ponto 2 do probatório (especialmente o ponto 2.1.1 do Titulo III e Titulo VIII) e 3 (ponto 4.2.1.6 e Anexo XXIII), do probatório respectivamente.
Importa então averiguar se ainda assim a impugnante conseguiu efectuar a prova da efectiva prestação de serviços facturados.
Nessa sede vem a mesma invocar que lhe foi adjudicada um conjunto de obras aí identificadas, tendo subcontratado tais serviços a outra empresa, à qual efectuou vários pagamentos através do levantamento por cheques das quantias necessárias.
O que dizer de tal invocação?
Quanto às obras efectuadas pelo impugnante não consta dos autos a facturação aos clientes e não demonstra a impugnante uma contabilização por obra em que se reflectisse os custos incorridos e os ganhos verificados.
Não obstante, foi junto um contrato de empreitada por si realizado com aquele prestador e um orçamento de obra, mas não foi apresentado qualquer documentação comprovativa da realização de uma subempreitada relativamente à facturação dos custos incorridos, maxime de autos de medição.
Quanto ao pagamento dos serviço
Por um lado, dos cheques emitidos a que se refere igualmente o extracto bancário junto aos autos, foram emitidas à entidade prestadora de serviços, tendo sido debitadas ao impugnante, conforme resulta dos documentos mencionados em 4, do probatório, pelo que entende este Tribunal que da prova produzida nos autos resulta a findada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, pelo que tal determina a anulação do acto impugnado, tudo nos termos do disposto no nº1, do artº 100º do CPPT, decisão a que se procede na parte dispositiva da presente sentença. …”.
Nas suas alegações, a Recorrente aponta que conforme resulta das informações, pareceres e relatórios, juntos aos autos, elaborados pela Administração Fiscal, as facturas emitidas à Impugnante pela sociedade “B... Construção Civil, Lda.”, foram impressas por uma tipografia que o gerente da mesma desconhece e resulta ainda que quando o pagamento das facturas pretensamente emitidas pela sociedade “B... Construção Civil, Lda.” era efectuado através de cheque, verificava-se que os mesmos eram emitidos à ordem da referida sociedade, continham no verso um endosso composto por um carimbo da sociedade e uma assinatura “B...” que aparentava constituir uma falsificação, que após tal endosso, os cheques eram levantados por terceiros com relações com a sociedade emitente dos cheques, sendo que a douta sentença recorrida entende verificar-se fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário apenas pelo facto da Impugnante ter emitido cheques em nome da sociedade “B... Construção Civil, Lda.’ e dos mesmos terem sido debitados à Impugnante.
No entanto, da observação dos referidos cheques resulta que os mesmos foram emitidos à sociedade “B... Construção Civil, Lda.”, foram todos endossados com carimbo da mesma e com a pretensa assinatura do seu gerente, assim como foram todos depositados ou levantados por terceiros, verificando-se ainda que da análise à assinatura do gerente da “B... Construção Civil, Lda.” que a mesma é sempre diferente em todos os cheques, de modo que, tal como afirmado em sede de inspecção tributária, os custos contabilizados pela Impugnante que tem por base as facturas emitidas em nome de “B... Construção Civil, Lda.”, não podem ser fiscalmente aceites em virtude de não reunirem os requisitos do artº 23º do CIRC, ou seja, em virtude não se mostrarem indispensáveis à actividade da Impugnante e por não se mostrarem devidamente comprovados, pelo que, a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos elementos de prova juntos aos autos, o que conduziu a erro de julgamento da questão sub judice, violando o disposto nos artº 17º e 23º ambos do CIRC.
Com interesse para o enquadramento desta questão, cabe ter presente o exposto no Ac. deste Tribunal de 28-06-2011, Proc. nº 02477/08, www.dgsi.pt, onde se aponta que “O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento real (em geral lucros) das empresas com sede ou direcção efectiva em Portugal. É um imposto de características reais, visto não levar em consideração os sinais pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte, antes se dirigindo objectivamente à tributação da riqueza. É, igualmente, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger tendencialmente todos os rendimentos das pessoas colectivas. Encontramo-nos perante um imposto proporcional, dado a sua tC... ser fixa qualquer que seja o montante da matéria colectável e assentando, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários. Por último, encontramo-nos perante um tributo periódico, visto que a obrigação de imposto se renova nos sucessivos períodos anuais de tributação, dando origem, consequentemente, a sucessivas obrigações tributárias anuais e independentes umas das outras (cfr.artºs.1, 2, 3, 7, 51 e 69, todos do C.I.R.C.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.215 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.573 e seg.).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que inevitavelmente daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para fins fiscais (cfr.J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Refira-se, ainda, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor no ano de 2001, actual artº.115, do C.I.R.C.; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. …”.
Neste domínio, em função do que consta do probatório, a própria sentença recorrida considerou que “como resulta do probatório, havia motivos suficientes para que a Adm. Fiscal desconsidere aquelas facturas emitidas por aquele prestador, atento as circunstâncias apuradas relativamente àquele subempreiteiro já que as razões que sustentam as correcções permitem formular aquele juízo de prognose póstuma quanto às operações consideradas sem a necessária aderência à realidade­ - cfr ponto 2 do probatório (especialmente o ponto 2.1.1 do Titulo III e Titulo VIII) e 3 (ponto 4.2.1.6 e Anexo XXIII), do probatório respectivamente”.
Neste âmbito, a jurisprudência aponta que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt )
Diga-se ainda que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação, pois que, como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” ( Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154), o que significa que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT.
Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Além disso, se na contabilidade da impugnante se mostravam registados custos, além de outros devidamente comprovados, que aqueles não assumiram, não suportaram, sendo fora de dúvidas que, em virtude de tais registos serem apoiados por facturas fisicamente aí arquivadas, esses encargos ascendiam a uma quantia certa, a necessária não consideração de tais custos importava, directa e consequentemente, a subtracção dessa importância e não qualquer outra, aleatoriamente justificada e determinada, ao total dos resultados declarados como obtidos no ano em causa.
Neste cenário, aos serviços da AT não restava outra alternativa legal que aquela que produziram de, sendo imposta, pelo art. 23.º n.º 1 CIRC, a não consideração dos custos reputados fictos, efectuar a correcção consubstanciada na dedução do valor total, apurado por mera soma aritmética, desses encargos, tal como resultou das importâncias tituladas pelas facturas inquinadas de falsidade.
Nesta sequência, importa avançar para o outro elemento que se prende com a prova da veracidade das transacções em causa, sendo que inequívoco que cabe ao contribuinte evidenciar tal realidade.
Sendo assim, como é, o raciocínio adoptado na sentença recorrida revela-se, desde logo, inconsistente no seu apelo ao art. 100º nº 1 do CPPT, o que dispõe que “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
Com efeito, competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação.
Neste ponto, diga-se que o ónus consagrado no art. 100º nº 1 do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.
Por outro lado, não obstante a posição assumida pela impugnante, reclamando a efectiva realização de todas as transacções referenciadas nas facturas postas em crise pela AF, constata-se que nenhuma dessa relevante factualidade foi demonstrada pela produção das provas, maxime, a testemunhal, que ofereceram no âmbito deste processo de impugnação judicial.
Aliás, em relação à prova testemunhal, o Tribunal foi claro e directo ao referir que “os depoimentos das testemunhas arroladas não permitem comprovar que as operações efectuadas diziam respeito ás prestações de serviço concretamente desconsideradas pela Adm. Fiscal”.
Na sentença recorrida, o grande elemento posto em evidência diz respeito aos “cheques emitidos a que se refere igualmente o extracto bancário junto aos autos, foram emitidas à entidade prestadora de serviços, tendo sido debitadas ao impugnante, conforme resulta dos documentos mencionados em 4, do probatório, pelo que entende este Tribunal que da prova produzida nos autos resulta a findada dúvida sobre a quantificação do facto tributário”.
Pois bem, recaindo o ónus da prova sobre a impugnante, a esta competia demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às faturas, a saber: - que as prestações de serviços se haviam efetivado com a sociedade emitente e não com qualquer outra entidade prestadora de serviços; - quais as quantidades precisas das prestações de serviços, local, natureza, preços praticados nas prestações de serviços que estariam em causa em cada uma das facturas.
Lendo e relendo a matéria de facto apurada nos autos, não existe qualquer matéria que permita, sequer, apontar algum elemento capaz de contribuir para eventualmente viabilizar a pretensão da Recorrida.
O probatório é constituído pela indicação das facturas de que dispõe a Recorrida com referência aos trabalhos em apreço, pela caracterização do enquadramento fiscal da Recorrida, o procedimento que culminou com o relatório de inspecção, as facturas postas em crise no âmbito desse relatório e ainda outros elementos relacionados com os documentos de pagamento titulados por cheque, constantes de fls 142 a 149 e cópia de extractos bancários, de fls 150 a 153, dos autos.
Assim, as facturas que são questionadas não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos serviços a prestar e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura das facturas correspondentes.
Tal permitiria ainda completar o circuito com os elementos relativos ao pagamento dos serviços em apreço.
Neste âmbito, o Tribunal desconsiderou a prova documental apresentada pela Impugnante, não dando credibilidade à prova testemunhal, o que significa que a matéria disponível fica muito aquém do que se impunha neste capítulo e que impunha, desde logo, a caracterização e enquadramento da actividade da ora Recorrida, a situação relativa à obra em concreto, a necessidade de recorrer à colaboração do emitente das facturas, referindo depois aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos serviços a prestar e ao preço a pagar, tudo no sentido de tornar clara a leitura das facturas correspondentes.
Além disso, como aponta a Recorrente, da observação dos referidos cheques resulta que os mesmos foram emitidos à sociedade “B... Construção Civil, Lda.”, foram todos endossados com carimbo da mesma, verificando-se ainda que da análise à assinatura do gerente da “B... Construção Civil, Lda.” que a mesma é sempre diferente em todos os cheques, o que torna o meio de prova em apreço imprestável para, por si só, suprir toda a realidade acima descrita.
Deste modo, não se vislumbra nos elementos alinhados a virtualidade de permitirem outro tipo de leitura da realidade em apreço, dado que, falta a necessária consistência ao exposto, que tinha ser enquadrado através da prova dos serviços contratados com a sociedade emitente “B..., Lda.” e das condições acordadas quanto à natureza, local e preços praticados nas prestações de serviços, situação depois espelhada nas facturas emitidas.
Assim sendo, e na medida em que a ora Recorrida não fez prova da veracidade das transacções em causa, aqui, tal como foi assumido pela AT, só podemos apontar e aceitar o procedimento de desconsiderar os custos correspondentes aos montantes inscritos nas facturas reputadas “falsas”, na medida em que os mesmos, pura e simplesmente, não foram suportados, pagos, pela impugnante, na medida em que só desta forma, se concretiza e respeita, nomeadamente, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas “os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …” - cfr. art. 23º nº 1 do CIRC, o que significa que a sentença recorrida não pode manter-se, impondo-se a sua revogação.
Nesta matéria, e com referência ao facto de os proveitos terem sido mantidos, o que no fundo, teria de ter repercussão em termos de custos, diga-se, como se aponta no Ac. do TCAN de 12-01-2006, Proc. nº 444/04, www.dgsi.pt, que a “utilização de métodos indiciários numa situação destas em que apenas se não consideram os custos por inexistência de operações correspectivas é que nos parece atentatória dos princípios anteriormente referidos e mais precisamente o da justiça, da legalidade e tributação do lucro real, já que por força do uso de tal método se relevariam custos inexistentes por impossibilidade de suporte dos mesmos, o que a lei não quer. (…), através do uso de métodos indirectos não pode a AF fixar matéria colectável diferente e mais elevada do que aquela que derivaria de uma avaliação directa ou objectiva. No caso dos autos dos factos provados não resulta impossibilidade alguma de comprovação da matéria colectável mas antes indícios sérios e objectivos de que as facturas discriminadas pelos SPIT não titulavam operações efectivamente realizadas sendo que o contribuinte não logrou provar a sua existência. Daí que face ao preceituado no art. 23.º do CIRC os custos delas constantes não possam ser relevados fiscalmente ou dito por outras palavras que não possa ser aceite a sua dedutibilidade”.
Assim sendo, subsiste a necessidade de revogar a sentença recorrida, com a total improcedência da presente impugnação judicial.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se totalmente improcedente a impugnação judicial.
Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 04 de Junho de 2013

PEDRO VERGUEIRO
ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS