Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:707/18.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/06/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ASILO
FALTA DE FACTOS CONSUBSTANCIADORES DA PERSEGUIÇÃO
RISCO DE AMEAÇA EM RAZÃO DE DISCRIMINAÇÃO SEXUAL
MULHER DIVORCIADA
FALTA DE VEROSIMILHANÇA
Sumário: I. O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do artigo 1.º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê quanto aos requisitos para a concessão do direito de asilo que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objeto de perseguição em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.
II. Não se extraindo das declarações da requerente do pedido de asilo ou da alegação feita em juízo, que a mesmo seja objeto de perseguição ou que se sinta gravemente ameaçada por discriminação em razão do género, por ser mulher divorciada, enquanto fundamento invocado para a proteção internacional, não foram alegados factos que permitam fundar o pedido de asilo, à luz dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008.
III. Do mesmo modo, quanto ao disposto no n.º 2 do artigo 3.º da citada Lei, por não se mostrar alegado que a requerente possua o fundado receio de ser perseguida em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social e que não possa ou não queira voltar, em virtude desse receio, ao Estado da sua nacionalidade ou residência.
IV. Das declarações prestadas pela requerente não se pode retirar que a mesma tenha sido ameaçada ou receia ser perseguida, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias, ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008.
V. Não basta invocar ser nacional dos Camarões, pertencer a uma certa etnia, ser mulher e divorciada, sem concretização de qualquer ameaça ou perigo real de perseguição, para beneficiar da protecção internacional de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias, nos termos dos artigos 3.º e 7.º da Lei n.º 27/2008.
VI. Sendo titular de estudos superiores e tendo trabalhado anteriormente num banco, a requerente revela não ser vítima de discriminação em razão do género, enquanto fundamento da protecção internacional requerida.
Votação: VOTO VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

M……, devidamente identificada nos autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, instaurada contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 25/05/2018, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, relativa à impugnação da decisão do Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datada de 29/03/2018, que considerou infundado o pedido de asilo e de proteção internacional.

Formula a Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“I - O recurso vem interposto da douta sentença que decidiu julgar improcedente a acção administrativa para impugnação da decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datada de 29.3.2018, que não admitiu o pedido de protecção internacional formulado pela aí Requerente por o considerar infundado, absolvendo assim a Entidade Demandada -Ministério da Administração Interna - do pedido.

II - A sentença concluiu que “o Autora não apresenta fundamentos válidos que demonstrem que a sua esfera pessoal poderá de facto vir a ser afectada por uma situação violadora dos seus direitos fundamentais, de modo a impossibilitá-lo de regressar ao país de origem. Nos termos do disposto no artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, aplicável às situações previstas no artigo 7.º, por força do disposto no artigo 34.°, do mesmo diploma legal, o pedido tem tramitação acelerada e deve ser considerado inadmissível quando for evidente que não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque, nomeadamente por o requerente, ao apresentar o pedido e ao expor os factos ter invocado apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado [n.º 2, alínea b) ], ou por não preencher claramente as condições para ser considerado refugiado ou para lhe ser concedido o estatuto de refugiado num Estado membro [n.º 2, alínea c)].”

III - Para a decisão de dar como provados os factos aí constantes, serviram os elementos expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório, ou seja, e basilarmente, o Processo Administrativo apenso aos autos e documentos juntos à p.i.;

IV- O Tribunal a quo considerou então essencial, na sua fundamentação e para formular posteriormente a decisão:

- Que a Autora alegou que a decisão impugnada não apreciou a circunstância de esta pertencer à etnia Bamileke, nem a informação disponível acerca das características deste grupo (cf. art.ºs 40.º a 45.º da p.i.) contrapondo o R. dizendo que o seu relato era genérico e incongruente, não se podendo aplicar o benefício da dúvida (cf. art.ºs 10.º a 21.º da contestação).

- Que resulta dos factos assentes que a Autora não alegou estar em qualquer uma das situações referidas no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008, porquanto, não alegou e consequentemente, não provou que, exerceu qualquer das actividades referidas no n.º 1 do mencionado preceito, e não fez prova de que tenha sido perseguida ou gravemente ameaçada em virtude do exercício dessas actividades.

- Que atentos os factos provados, não se extrai dos mesmos que exista qualquer motivo concreto que fundamente um receio sério de, no caso de regressar aos Camarões, poder vir ou vir a ser perseguida em consequência da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social.

- Que não se verifica assim, qualquer erro por omissão de apreciação de um fundamento invocado pela A., pois que a descrição feita por esta da sua pertença àquela etnia não mereceu e bem, a credibilidade mínima necessária para fazer operar o benefício da dúvida, o que foi justificado pelo R. em termos que não merecem censura.

- Que não foram alegados factos credíveis que permitissem concluir que se a Autora regressar ao seu país de origem, onde sempre residiu, corre o risco de sofrer ameaça grave contra a vida

– cfr. artigo 7.º, n.º 2, c) da citada Lei, concluindo-se assim que a Autora não apresenta fundamentos válidos que demonstrem que a sua esfera pessoal poderá de facto vir a ser afectada por uma situação violadora dos seus direitos fundamentais, de modo a impossibilitá-la de regressar ao país de origem.

V – Mas, o douto Tribunal recorrido, ao manter e confirmar na íntegra a decisão do Director do SEF, devidamente impugnada, cometeu erro de julgamento violando preceitos legais com os quais se deveria conformar, nomeadamente o disposto nos Artigos 2.º, n.º 1, als. n), iv) e x), 3.º, 5.º, 6.º, 7.º da Lei n.º 27/2008 de 30.06, os artigos 33.º da Convenção de Genebra e 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e o n.º 2 do artigo n.º 8 da Constituição da República portuguesa.

VI – A recorrente, questionada acerca dos motivos que a levaram a sair do seu país, declarou peremptoriamente que foi por causa da sua família, nomeadamente o seu tio paterno, que ficou o responsável da família depois da morte do seu pai, e da sua própria madrasta, que também não aceitou bem o seu divórcio, porque dizia que ela passaria a maldição para a sua filha, meia- irmã da requerente. E concretizou, dizendo assim que a família não aceitou o divórcio, pois naquela cultura, a do seu país, e mais especificamente na etnia «Bamileke», uma mulher divorciada é amaldiçoada e traz má sorte a todas as outras mulheres.

VII – Concretizando pois que em determinado dia tentaram assim metê-la num quarto fechado, cheio de caveiras que pertencem aos seus antepassados, para que a perdoassem e purificassem, mais, relatou, porquanto assim o presenciou, que em determinado momento também uma sua prima afastada, de seu nome Suzy, sofreu o mesmo, concretizando que essa se tinha divorciado e acabou capturada para o ritual, ficando sujeita a ele por dois meses até que conseguiu fugir e que, ao tentar refazer a sua vida conheceu alguém que apresentou à família, mas eles não aceitaram e fecharam-na durante mais três meses, o que culminou com graves sequelas psíquicas, ou seja, como declarou peremptoriamente a requerente “Ela ficou tão mal que enlouqueceu”.

VIII - A então Requerente declarou que a razão por que rogava protecção em Portugal tinha a ver com a perseguição da sua própria família por, após um casamento breve em que sofreu actos de violência sexual e física, se ter conseguido divorciar, bem como igualmente, e após tentativa de arranjar auxílio contra aquela perseguição junto de algumas pessoas que seu pai, uns anos antes de falecer, lhe havia indicado para, caso ela precisasse, recorrer, ficar também em perigo, logo que confrontada com as propostas feitas por aquelas pessoas para lhe facultar a ajuda.

IX - Foi neste quadro fáctico que saiu do seu país com destino a Portugal, para não sofrer a perseguição da própria família que a queria fazer passar por rituais tribais de perdão e purificação, simplesmente por ser mulher e divorciada, divórcio que conseguiu que lhe fosse concedido pelo próprio marido, que a agredia, quando o pastor intercedeu por ela!

X - O SEF, que estava legalmente obrigado a considerar na apreciação do pedido os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o mesmo (pedido), incluindo a respectiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação, sob pena de uma eventual violação de formalidade essencial à validade da apreciação dos pedidos de protecção internacional ou de erros sobre os pressupostos de facto da mesma, pronunciou-se então de forma excessivamente abreviada sobre o país em questão, mormente nos factos (essenciais) concretamente em apreço (a realidade das mulheres nos Camarões, a existência das crenças e dos rituais daquela etnia Bamileke), e, ou talvez por isso mesmo, acabou por proferir uma decisão contrária àquela que se impunha, e que depois a decisão do Tribunal não veio, motivo do presente, reparar.

XI - Mas devia, pois na sua petição a aí Autora, aqui recorrente, alegou, e logrou igualmente provar, especificamente com transcrição na própria P.I., como também, logo aí de imediato documentalmente com os links respectivos (e que não foram impugnados):

A realidade das mulheres nos Camarões, país de origem da requerente;

As comprovadas crenças e rituais que correu e corre o risco de sofrer, por ter especificado toda a sua situação familiar, esclarecendo a sua pertença à etnia Bamileke.

XII - E, por fim, se tal não fosse suficiente, mais requereu também prestar declarações de parte, já que na valoração destas assumem especial acutilância, o que se considerou também fulcral, os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interacções; reprodução de conversações; existência de correcções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reacção da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.

XIII - A douta sentença fez, e não podia ter feito, tábula rasa, de todo o alegado e comprovado na p.i., e mais depois nem sequer se pronunciou quanto ao requerimento probatório, corroborando tão-só o entendimento do SEF de que o relato da ali requerente era genérico e incongruente, não se podendo aplicar o benefício da dúvida, concluindo assim erradamente que não se verificava qualquer erro por omissão de apreciação, não de um, mas de vários factos invocados pela Autora, pelo motivo de a descrição feita por essa da sua pertença àquela etnia não merecer e bem, a credibilidade mínima necessária para fazer operar o benefício da dúvida.

XIV - Pois o desacerto da decisão do SEF, que não cuidou como devia de analisar as declarações da requerente à luz de toda a informação relevante sobre o país de origem, não podia ter subsistido na decisão do Tribunal quando a este é dado a conhecer com rigor essa mesma informação, nem tampouco corroborar que a requerente não lograra provar que poderia vir a ser afectada, pela perseguição de que estava a ser vítima, por uma situação violadora dos seus direitos fundamentais, de modo a impossibilitá-lo de regressar ao país de origem.

XV - Para haver perseguição, não é necessária a prova de prática de actos que se dirijam ao indivíduo x ou y, individualizadamente. Basta que o indivíduo x ou y, por este ter determinada religião, raça, ou qualquer outra característica diferenciadora, a que não deveria estar ligada nenhuma sanção, seja vítima de violações graves dos seus direitos fundamentais por causa dessa característica.

XVI - As mulheres constituem um grupo social específico, que corre risco de perseguição ou, pelo menos, de ofensa grave aos seus direitos humanos nos países em que a prática de casamentos forçados é permitida ou, pelo menos, não adequadamente reprimida, ora, não menor protecção merecem pois as mulheres que sofrem grave ofensa aos seus direitos humanos em países onde, embora permitido em condições muito excepcionais, o divórcio não é aceite, significando correr o risco de passar pelo sofrimento atroz de rituais, o que a Recorrente deixou absolutamente claro ocorrer.

XVII – A recorrente, uma mulher vítima de perseguição resultante de circunstâncias de discriminação severa, em razão do género, sujeita por isso a actos de violência, por parte de cidadãos particulares, de cujas acções o próprio Estado não a está disposto ou não a consegue proteger adequadamente, como se comprovou à saciedade com os relatórios de autoridades internacionais independentes, só podia ver ser-lhe atribuída a protecção internacional, e o Tribunal a quo ao não considerar, na douta sentença, e sem motivo algum, esses relatórios (documentalmente suportados pelos links) sobre as condições das mulheres, especificadamente, nos Camarões, e as tradições e práticas a que estão sujeitas as mulheres pertencentes à, no caso, etnia ‘bamileke’ (também documentalmente suportados pelos links juntos), errou no julgamento violando assim, e pelo menos, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, als. n), iv) e x) da Lei n.º 27/2008, bem como o princípio de direito de asilo internacional o “princípio de não repulsão ou non-refoulement”, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra.

XVIII - O receio de perseguição, atenta a exigência legal da respectiva razoabilidade, implica que o mesmo se não reduza a uma mera condição subjectiva (estado de espírito da recorrente), devendo antes de facto fundar-se numa situação ou realidade fáctica de carácter objectivo, normalmente (em termos de homem médio) geradora de tal receio, donde, o carácter é objectivo mas, analisado porém de acordo com o bom senso para cada muito específico caso:

- Pois, por ser mulher, poder ser presa a qualquer momento pela família num quarto com caveiras de antepassados para se purificar, por se ter divorciado de alguém que a violentava, preenchem em absoluto, sob a análise de “um homem médio”, este receio.

XIX - Na petição inicial a Autora requereu prestar declarações de parte, de forma a comprovar ponto por ponto tudo o que aí alegara, porém do Tribunal a quo não houve qualquer despacho sobre o requerimento de prova, nada disse portanto sobre a desnecessidade (ou não) da produção da prova requerida, passando pois de imediato à prolação da Sentença, quando o regime previsto nos artigos 109.º e 110.º do CPTA, e que foi o seguido na tramitação dos autos, não comporta qualquer especialidade susceptível de afastar ou diminuir as garantias processuais neste capítulo.

XX - Este meio de prova é admitido pela lei processual nos termos do artigo 466.º do CPC, portanto o Código de Processo Civil permite que a parte venha ao processo propor-se para prestar declarações sobre os factos da causa de que tenha conhecimento e/ou contacto directo

XXI - O regime previsto nos artigos 109.º e 110.º do CPTA, e que foi o seguido na tramitação dos autos, não comporta qualquer especialidade susceptível de afastar ou diminuir as garantias processuais neste capítulo.

XXII - A realização de diligência judicial para a audição do requerente de protecção internacional, mostra-se deveras desejável em prol da busca da verdade material

XXIII - Não se pode afirmar, como na sentença se faz, que a Autora logrou ou não provar determinada factualidade, quando nem sequer lhe foi então conferida a faculdade adjectiva para o efeito.

XXIV - Sem prejuízo de crermos que a factualidade alegada e provada pela então autora, aqui recorrente ser já bastante para a acção proceder, não poderá deixar de ter consequências para a decisão da causa se, por mera hipótese, também este venerando Tribunal superior considerasse ainda insuficiente a factualidade carreada e provada, para o desiderato de ver aceite o seu pedido de protecção internacional, sendo que nesse pressuposto, sempre teria de considerar-se que o Tribunal a quo incorrera em nulidade processual, a qual determinaria a anulação da sentença recorrida, a implicar a anulação dos termos processuais subsequentes, nos termos do artigo 195.º do CPC, por influir na decisão final, em prejuízo de resto da parte mais vulnerável.”.

Conclui que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença e admitindo-se o pedido de protecção internacional requerido ou, revogando-se a sentença e determinar-se a diligência de prova requerida.


*

O Recorrido contra-alegou o recurso, apresentando as respectivas conclusões que se reproduzem na íntegra:

“A. A entidade Recorrida adere na íntegra aos termos da douta Sentença, ora em crise.

B. Ao contrário do invocado pela recorrente, a sentença recorrida não enferma de quaisquer vícios ou erros de julgamento, mostrando-se inteiramente válida e legal, mormente porque não existe contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida, a mesma não se mostra ambígua e ou ininteligível, nem preteriu qualquer garantia processual do ora recorrente a que estivesse vinculada.

C. Mais, o tribunal a quo na sua ponderação conheceu o objecto da causa, de facto e de direito, pelo que com a devida vénia, as alegações da recorrente são totalmente improcedentes.

D. Os argumentos esgrimidos pela ora recorrente para fundamentar o presente recurso não merecem a concordância do Recorrido que entende que a Sentença interpretou correctamente os factos carreados para os autos, subsumindo-os nas normas legalmente aplicáveis. Assim,

E. No que tange à nulidade invocada, mormente por o tribunal não se ter pronunciado sobre o requerimento de prestação de declarações de parte e consequentemente não ter sido a recorrente ouvida em declarações de parte, em conformidade com o requerido, tendo-se passado de imediato à prolação da Sentença, afigura-se à entidade demanda que não assiste razão à recorrente.

F. Considerando as normas invocadas pela recorrente para sustentar a sua pretensão de ver declarada a nulidade da sentença por ausência de despacho sobre o requerimento de prova, parece-nos, s.m.o. que à mesma não assiste razão.

G. As declarações de parte, entendidas com o devir legislativo como um meio de prova, além de serem de livre apreciação do juiz, e incidirem sobre factos que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto, no caso dos autos não trariam qualquer contributo para o esclarecimento e ajuda na descoberta da verdade tendente à boa decisão.

H. Efectivamente, a recorrente teve oportunidade, na fase administrativa, de expor com o pormenor que o caso exigia, todos os factos que no seu entendi mento consubstanciavam motivo suficiente para solicitar prolacção internacional ao Estado português, o que aliás vem exaustivamente transposto no Auto de declarações constante do processo administrativo.

I. Afigura-se ao recorrido que não prevendo a lei qualquer norma que obrigue o juiz a aceitar as requeridas declarações de parte, naturalmente e ante todo o relato pormenorizado constante do processo administrativo, o tribunal a quo entendeu estar em condições proferir a Sentença ora em crise, sem necessidade de ouvir a recorrente.

J. É que contrariamente ao que vem alegado no recurso, a Autora teve sempre oportunidade de expor a factual idade que considerou pertinente para solicitar protecção internacional junto do Estado Português, quer na fase administrativa, quer na fase judicial com a apresentação da p.i .

K. Auscultado o art.º 615° do CPC, não se vislumbra que a falta de pronúncia sobre requerimentos de prova possa conduzir à nulidade da sentença, pois essa omissão teria que estar elencada no corpo do artigo, o que não sucede.

L. Temos assim por evidente que a Sentença do Tribunal a quo, deu pleno cumprimento às normas de direito vigentes a que está vinculada.

M. Quanto à decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional remete-se para todo o vertido no articulado da contestação oportunamente deduzida, bem como para o processo administrativo junto aos autos, os quais se consideram, parte integrante das presentes contra­ alegações. No entanto sem embargo reitera-se o seguinte.

N. Efectivamente da análise realizada quer às declarações da ora requerente aquando da fase administrativa, quer na sua p.i., quer agora na presente sede, continua a entidade demanda a entender que não se encontram reunidos os pressupostos legai s para que se pudesse considerar que estamos perante alguém enquadrável no estatuto de refugiado nos termos da Lei ou da Convenção.

O. Na verdade os fundamentos que utiliza para requerer protecção internacional não se compadecem nem com o estatuído no art.º 3º, nem com o que vem estatuído no art.º 7° da Lei de Asilo.

P. Em primeiro lugar, a recorrente alega recear a sua família por esta não ter aceitado o seu divórcio, pois na sua cultura u ma mulher divorciada é amaldiçoada e traz má sorte a todas as outras mulheres, e que por esse motivo, queriam fechá-la num quarto cheio de caveiras para que fosse perdoada e purificada, mas, apesar disso, ela fugiu para Doula.

Q. Porém, não refere qualquer episódio de perseguição por parte da família, declarando inclusivamente que estes desconhecem o seu paradeiro, justificando os seus receios com algo semelhante que d iz saber ter acontecido a uma prima afastada.

R. Em segundo lugar, a recorrente alega recear um suposto culto demoníaco, cujo nome desconhece e ao qual se dirigiu de livre e espontânea vontade, não referindo nunca ter sido alvo de qualquer tipo de ameaça ou medida persecutória por parte destes em relação à sua pessoa.

S. Justifica o seu receio com base nas palavras e conselhos de um curandeiro, cujo nome desconhece, a quem foi apresentada por um tio-avô que acabara de conhecer quando se deslocou à terra natal da sua mãe, que de imediato se disponibilizou para a ajudar financeiramente.

T. O seu discurso é pautado por incongruências que põem em causa uma eventual concessão do benefício da dúvida e afectam a credibilidade das declarações da recorrente, pois não concretiza quaisquer actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo nem menciona qualquer acto de violência, medida ou sanção a que tenha sido sujeita e que possa constituir, pela sua natureza, grave violação de direitos fundamentais.

U. Outros factores demonstram não ser imperiosa a necessidade de protecção internacional no caso em apreço, como sejam o facto de a recorrente não ter solicitado protecção internacional na Nigéria, país onde afirma já se ter deslocado anteriormente, e em Marrocos, onde fez trânsito antes de chegar a Portugal; e de, em Portugal, só ter apresentado o pedido de protecção internacional após ter sido recusada a sua entrada cm território nacional.

V. Julga-se assim, que não foram demonstrados factos suficientes e credíveis para sustentar o alegado receio referido pela recorrente. Do seu relato não consegue demonstrar ser pessoalmente alvo de perseguição, ou ameaças graves, nem que a sua permanência no país se tornou insustentável a ponto de fazê-la sair.

W. Se por um lado se considera não se confirmar a existência de fundamentos susceptíveis de conferir objectividade ao receio de perseguição alegado, por outro lado, esta situação conjugada com a sua credibilidade e a plausibilidade do relato globalmente considerado, leva-nos a não conceder o benefício da dúvida, pois este exige que as declarações prestadas pareçam credíveis e coerentes, o que se julga não suceder no caso em apreço.

X. De acordo com o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR “(...) o benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos (...) O mesmo Manual refere no ponto 195 que: “Os factos relevantes de elida caso têm de ser fornecidos em primeiro lugar pelo próprio requerente.”

Y. O ponto 205 do referido Manual, refere:

“(a) requerente deverá:

i. Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no estabelecimento dos factos referentes ao seu caso.

ii. Esforçar-se por apoiar as suas declarações com todos os elementos probatórios disponíveis e dar uma explicação satisfatória cm relação a qualquer falta de elementos de prova. Se necessário, ele deve esforçar-se por obter elementos de prova adicionais.

iii. Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pessoa e a sua experiência passada com detalhe necessário para permitir ao examinador o estabelecimento dos factos relevantes. Deve-lhe ser solicitado que dê uma explicação coerente de todas as razões invocadas que fundamentem o seu pedido de estatuto de refugiado e deve responder a todas as questões que lhe são colocadas.

Z. Atender ao princípio do benefício da dúvida, consiste, na análise do pedido de asilo, cm que o requerente não consegue, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, quando estas são coerentes, plausíveis e não contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos, decidir a favor da requerente, concedendo-lhe assim o benefício da dúvida.

AA. No caso em apreço, não é assim notória qualquer medida individual de natureza persecutória de que lenha sido vítima ou receando vir a sê-lo, cm consequência de actividade por ela exercida cm favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

BB. De igual modo, também não foi por si demonstrado qualquer receio de perseguição cm virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, na acepção do artigo 3º da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

CC. No caso concreto importa salientar que além de ter ficado demonstrada a falta de premência na protecção solicitada, em virtude de a recorrente ter tido oportunidade de pedir protecção noutros países, mormente em Marrocos onde fez escala para vir para Portugal, não pode ser descurado o facto de em Auto de declarações ter afirmado que se encontra desempregada desde Março de 2016, pelo que a situação de desemprego, a par do alegado divórcio a terão deixado numa condição financeira desconfortável.

DD. Aliás, em auto de declarações a A. peremptoriamente declarou que tinha a ideia fixa de vir para Portugal, e que por isso não pediu protecção internacional em Marrocos, o que convenhamos não se compadece com as características de um verdade iro requerente de protecção internacional.

EE.O relato da recorrente, mormente no que tange à situação de desemprego, leva a crer que subjacente ao pedido de protecção apresentado, estejam tão-somente motivos económicos, não se enquadrando assim nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal.

FF.Com efeito o Manual de Procedimentos do ACNUR, refere no ponto 62 que “Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definição, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de caracter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões ecológicas, arrasta-se de migrante e não de 11111 refugiado”.

GG. Não sendo notória qualquer medida individual de natureza persecutória de que tenha sido vítima ou receando vir a sê-lo em consequência de actividade por ela exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana em Angola, inexiste razão atendível para a concessão do estatuto de refugiado à requerente de asilo, verificando-se que os fundamentos do actual pedido de protecção não se enquadram no espírito da Lei de Asilo Portuguesa ou na Convenção de Genebra.

HH. Pelo exposto, consideramos que quer do relato da ora recorrente, quer das alegações invocadas na p.i. apenas constam questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado, pelo que se julga o presente pedido infundado por incorrer nas alíneas e) e h) do n.º 1, do artigo 19º, da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

II. De igual modo, também não foi pela ora recorrente invocado, receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacional idade, opiniões políticas ou integração cm determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3º da Lei nº 27/2008, de 30.06 com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 05.05.

JJ. Entende-se que o pedido de asilo é infundado, por não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de genebra e protocolo de Nova loque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio

KK. Em suma, no presente caso, consideramos que não foram alegados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que a recorrente tenha sido alvo de ameaças ou perseguições, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 3° da Lei nº 27/2008 de 30.06, pelo que consideramos o pedido de asilo infundado por se enquadrar na alínea e) do nº 1 do artigo 19º da lei nº 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05 não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3º da Lei citada.

LL. Em suma as razões invocadas não se compadecem com os critérios exigidos para o reconhecimento do direito à protecção internacional nos termos da Lei de Asilo, uma vez que se circunscrevem a motivos de ordem estritamente pessoal, nomeadamente razões de saúde e razões económicas, consideradas questões não pertinentes ou de relevância para a análise do cumprimento das condições para o reconhecimento do estatuto de refugiado.

MM. O pedido de asilo é infundado, por não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado.

NN. Consideramos que a Recorrente não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nem tão pouco se verifica perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do art.º 3º, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 05/05.

II – DA AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA POR MOTIVOS HUMANITÁRIOS

OO. O artigo 7° da Lei n.º 27/2008 de 30/06, com as alterações introduzida s pelas 26/2014 de 05/05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem cm risco de sofrer ofensa grave.

PP. Ora, considerando as declarações factuais da Recorrente e a apreciação que foi feita das suas declarações, julgamos que estas são insusceptíveis de preencherem os pressupostos do regime do direito de residência por Protecção Subsidiária, de acordo com o pressuposto no artigo 7° da Lei nº 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 5 de maio.

QQ. Das declarações da Recorrente não se pode concluir que esteve ou pode estar exposta a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais, tomando a sua vida intolerável no seu pais de origem. Não indicou qualquer acto persecutório ou ameaças que configurem terem existido situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou se encontrar cm risco de sofrer ofensa grave.

RR. Na verdade os motivos invocados, perseguição por parte da família para cumprimento de determinados rituais, bem como por recear um suposto culto demoníaco não se compadecem com os requisitos estabelecidos para a concessão de protecção subsidiária, a qual ademais apenas pode ser invocada quando no país de origem se encontram esgotadas todas as formas de protecção efectiva, mormente com recurso às entidades policiais e ou judiciais, às quais a recorrente não recorreu por ter sido aconselhada por um curandeiro a não fazê-lo.

SS. Tratam-se efectivamente de factos de tal modo concernentes ao foro privado da sua vida, que não se afigura que os mesmos possam estar abrangidos pelas normas que regem o direito do Asilo, mormente as referentes ao mecanismo de protecção subsidiária.

TT. Assim, pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para protecção subsidiária, por incorrer na alínea e) e h) do nº 1, do artigo 19º, da Lei n.º 27/2008 de 30/06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 de 05/05.

UU. O acto administrativo que determinou a não admissibilidade do pedido de protecção internacional encontra-se legal mente enquadrado face ao disposto na Convenção de Genebra e na Lei de Asilo, aliás tal como a Douta Sentença o comprovou.

VV. O conteúdo específico do interesse público em causa encontra completa e legítima identificação no procedimento prosseguido, que respeitou todas as garantias do requerente.

WW. Em suma, o pedido formulado pelo mesmo e de todo improcedente, uma vez que a validade do acto administrativo praticado pelo SEF é insindicável e bem assim a sentença ora em crise.”.

Conclui pedindo que o recurso e o pedido sejam julgados improcedentes.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento, em violação dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas n), iv) e x), 3.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, o artigo 33.º da Convenção de Genebra ao prever o princípio de não repulsão ou non-refoulement, o artigo 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o n.º 1 do artigo 8.º da Constituição;

2. Nulidade processual, por falta de despacho sobre o requerimento para o depoimento de parte, nos termos do artigo 195.º do CPC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

“A) – A Autora pediu asilo junto do GAR, no dia 20.3.2018 - cfr. doc. junto ao processo administrativo (PA);

B) – No dia 27.3.2018 a Autora prestou declarações no SEF, no Gabinete de Asilo e Refugiados, nos termos do “AUTO DE DECLARAÇÕES”, constante do PA, que aqui se considera integralmente reproduzido;

C) – Com data de 29.3.2018, no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF foi elaborada a Infª 506/GAR/18, que aqui se considera integralmente reproduzida, junta à p.i.;

D) – Com data de 29.3.2018, o Director-Nacional do SEF proferiu relativamente ao pedido de asilo formulado pela Requerente decisão em que considerou infundado tanto o pedido de asilo como o de autorização de residência por razões humanitárias, cfr. doc. junto à p.i.;

E) – O Conselho Português para os Refugiados não emitiu parecer sobre o de asilo em apreço.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional, apreciados e decididos segundo a ordem de conhecimento invocada pela Recorrente no presente recurso.

1. Erro de julgamento, em violação dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas n), iv) e x), 3.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, o artigo 33.º da Convenção de Genebra ao prever o princípio de não repulsão ou non-refoulement, o artigo 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o n.º 1 do artigo 8.º da Constituição

Nos termos da alegação da Recorrente a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao negar provimento ao pedido de protecção internacional, alegando enfermar de violação dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas n), iv) e x), 3.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, o artigo 33.º da Convenção de Genebra ao prever o princípio de não repulsão ou non-refoulement, o artigo 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o n.º 1 do artigo 8.º da Constituição.

Alega que a Recorrente foi peremptória ao afirmar que os motivos que levaram a requerente a sair do seu país foi a sua família, nomeadamente o seu tio paterno, que ficou o responsável da família após a morte do seu pai, assim como a sua madrasta que não aceitou o seu divórcio, por achar que passava uma maldição para a sua filha, considerando que na cultura do seu país e especificamente na etnia Bamileke, uma mulher divorciada é amaldiçoada e traz má sorte às outras mulheres.

Sustenta que a tentaram manter num quarto fechado cheio de caveiras que pertencem aos seus antepassados e que também a sua prima sofreu o mesmo, acabando por enlouquecer.

A razão da protecção a Portugal tem que ver com a perseguição da sua própria família, após ter procurado ajuda junto de uns amigos de seu pai.

Alega não querer ser submetida a rituais tribais de perdão e purificação, por ser mulher e divorciada.

Defende que o SEF apreciou de forma abreviada a realidade sobre o país em questão, designadamente sobre a realidade das mulheres nos Camarões, a existência de crenças e dos rituais daquela etnia Bamileke e não analisou como devia as declarações da requerente, à luz da informação relevante sobre o país de origem.

A sentença fez tábua rasa de todo o alegado e comprovado na petição inicial, concluindo erradamente que o relato é genérico e incongruente e que não se aplica o princípio do benefício da dúvida.

Sustenta que a Recorrente é vítima de perseguição em resultado de discriminação em razão do género, cujos atos por parte de particulares não são sancionados adequadamente pelo Estado.

Vejamos.

Importa antes de mais atender àquela que é a alegação da Autora constante da petição inicial, de forma a apurar se os factos por si alegados se traduzem numa alegação suficientemente concretizada e credível, permitindo dar por verificado o receio ou perigo de perseguição fundada em discriminação em razão do género.

Alega a Autora, ora Recorrente, que se apresentou no posto de fronteira do SEF, no aeroporto de Lisboa, proveniente de Marrocos, com passaporte das Maurícias emitido em nome diferente do seu e que por se suspeitar de uso de documento falso ou falsificado, foi interceptada, aferindo-se ser falso o passaporte apresentado e existir usurpação de identidade, o que determinou a sua recusa de entrada em território nacional.

Alega que a razão do pedido de proteção a Portugal tem que ver com a perseguição da sua própria família em consequência do seu divórcio e após tentar ajuda junto de outras pessoas que o seu pai, antes de falecer, lhe havia indicado.

Invocou a Autora que se divorciou de um homem, após ter estado casada cerca de um ano e que as razões da sua saída dos Camarões se deve à sua família, em especial ao seu tio paterno que ficou responsável pela sua família após a morte do seu pai, assim como da sua madrasta que não aceitou o divórcio, por entender que passava a maldição para a sua filha, meia-irmã da requerente.

Sustenta que a sua família não aceitou o divórcio por no seu país e na sua cultura, em especial, na sua etnia Bamileke, uma mulher divorciada é amaldiçoada e traz má sorte a todas as outras mulheres.

No dia 27/12/2017 queriam metê-la num quarto fechado, cheio de caveiras que pertencem aos seus antepassados, para ser perdoada e purificada, à semelhança do que em 2009-2010 fizeram à sua prima Suzy, por também se ter divorciado, a qual tendo passado por essa experiência por duas vezes, acabou por enlouquecer.

A requerente recordou-se que o pai antes de morrer lhe dissera que poderia pedir ajuda às pessoas que lhe indicara uns anos antes do falecimento, pelo que fugiu para casa de uma amiga e onde permaneceu até fevereiro de 2018.

Nessa cidade procurou o tal culto para pedir ajuda, dizendo-lhes que precisava de dinheiro para reconstruir a sua vida e começar um negócio próprio, tendo recebido como resposta que o seu pai lhe tinha deixado 5.000.000 francos, sendo-lhe dado metade desse dinheiro, 2.500.000 de francos e que lhe dariam o restante dali a um mês.

No dia 15 ou 16 de fevereiro de 2018 voltou a esse casino para ir recolher o restante dinheiro, mas nessa altura deram-lhe um contrato para passar a ser membro daquele clube e tendo de cumprir um conjunto de regras, que passava por sacrificar uma coisa todos os anos, em troca do que quisesse.

Não se lembrando de todas as coisas dessa lista, identificou algumas.

Perante esse cenário, a ora Recorrente não assinou esse contrato e regressou para casa da sua amiga.

Não se sentindo segura pelas pessoas que queriam que assinasse o documento, decidiu ir para a aldeia da sua mãe, pelo que, em 19/02/2018 disse à sua amiga que precisava de dinheiro e foi levantar dinheiro ao banco, levantando todo o dinheiro da sua conta, 120.000 francos e partiu para essa aldeia onde nunca tinha estado.

Aí encontrou um seu tio-avó que decidiu ajudá-la, levando-a a um curandeiro que lhe disse que devia fugir para bem longe, pois se ficasse por perto as pessoas do clube acabariam por a encontrar.

O seu tio-avó deu-lhe algum dinheiro com o qual comprou a viagem.

Não tendo conseguido obter ajuda contra a perseguição e ameaças que estava a ser vítima, incluindo as próprias autoridades de que desconfiava que a pudessem entregar ao clube, como à família, viu na saída do país a sua única solução.

Por sua vez do seu relato prestado junto das autoridades, alegou ter pago 2.500.000 francos pelo passaporte de uma outra pessoa.

Aí alegou o seu pai ter falecido em 2012.

À pergunta sobre o que tem mais receio nos Camarões, a ora Recorrente respondeu da sua família e do culto.

Tendo presente a alegação da Autora, nos termos constantes da petição inicial e do relato prestado junto das autoridades, pode, assim resumir-se o seguinte:

- a Recorrente viajou para Portugal após ter pago 2.500.000 francos por um passaporte das Maurícias, apresentando-se sob outra identidade;

- a Recorrente divorciou-se em dezembro de 2017, após cerca de um ano de casamento, mas apenas cerca de quatro meses de convivência conjugal;

- é proveniente dos Camarões, da etnia Bamileke;

- vivia nos Camarões, em casa dos seus pais, tendo a sua mãe falecido durante o parto e o pai em 2012, tendo depois deste facto passado a viver unicamente com a sua madrasta e a sua meia-irmã;

- trabalhou como caixa num Banco até março de 2016, mas depois ficou desempregada;

- não é membro de qualquer organização política, étnica, social ou militar nos Camarões;

- através do seu pai conheceu um culto, cujo nome desconhece, nem sabe identificar os nomes das pessoas que o integram, mas que é um casino;

- o seu pai dissera-lhe que se precisasse podia recorrer a esse culto, cujas pessoas têm muito poder, que ajudam as pessoas mas em troca exigem sacrifícios;

- a Recorrente alega ter fugido por causa da sua família e do culto;

- quanto à família, alega o seu tio paterno e a sua madrasta;

- a sua madrasta não aceitou bem o divórcio, por entender que passaria a maldição para a filha;

- no dia 27/12/2017 queriam meter a Recorrente num quarto fechado, cheio de caveiras, dos seus antepassados, para ser perdoada e purificada, mas fugiu para casa de uma amiga, noutra localidade, onde ficou até fevereiro de 2018;

- nessa localidade procurou o culto para pedir ajuda e deram-lhe 2.500.000 francos dos 5.000.000 francos do seu pai;

- esse dinheiro foi utilizado para comprar o passaporte das Maurícias;

- tendo voltado ao caso para recolher o restante dinheiro, informaram-na que tinha de assinar um contrato, para passar a ser membro do clube, cujas regras teria de respeitar, sendo uma delas a de todos os anos fazer um sacrifício, de uma lista de coisas para serem sacrificadas, mas por não querer fazer parte, regressou a casa da sua amiga e não assinou o contrato;

- depois foi para a aldeia da sua mãe, lá encontrou o seu tio-avô que a ajudou, levando-a a um curandeiro que lhe disse que devia sair do país, pois as pessoas do culto a iriam perseguir;

- não sabe dizer o nome do curandeiro;

- nunca fez queixa à polícia porque o curandeiro lhe disse para não o fazer, porque as pessoas do culto controlam a polícia;

- alega ter medo de regressar a todos os países de África, porque o culto tem uma influência muito vasta, para além dos Camarões, em face do que o curandeiro lhe disse.

Em face do exposto, deve entender-se que o relato da requerente de protecção internacional em relação ao alegado receio de perseguição fundada em discriminação em razão do género, seja perante o SEF, seja na alegação constante da petição inicial, não tem qualquer sustento, apresentando-se como totalmente inverosímil, além de não consubstanciar qualquer relato suficientemente concretizado de perseguição ou de ameaça de agressão.

A ora Recorrente em nenhuma ocasião refere quem eram os familiares que a queriam prender num quarto, nem em que local, não concretizando qual a casa em questão.

A ser verdade que a requerente sentiu essa ameaça real e suficientemente concretizada, haveria de saber dizer qual o familiar ou a casa em que a queriam prender, o que em nenhum momento logra acontecer.

Acontece que a Requerente alegou viver unicamente com a sua madrasta e a sua meia irmã, em Limbe, sendo que o seu tio paterno nem sequer viva na mesma cidade, por viver em Yaoundé, e nunca a procurou, antes tendo sido a ora Recorrente que alega tê-lo procurado.

Por isso, não se mostra concretizado qual o familiar ou familiares que a tentaram aprisionar para uma sessão de purificação, nem sequer o local em questão.

Tanto mais que a ora Recorrente alegou não ter qualquer ligação com a família do lado da sua mãe, manifestando apenas conhecer a sua madrasta e meia irmã e um tio paterno.

Pelo que, no tocante aos familiares não está minimamente concretizada qualquer alegação factual que revele a alegada perseguição ou ameaça de perseguição.

Do mesmo modo no respeitante ao culto, pois não só não logra a Recorrente alegar que por alguma ocasião alguém desse grupo a ter tentado encontrar, como menos ainda são alegados factos que permitam, sob benefício do princípio da dúvida, concluir que irão procurar ou perseguir a ora Recorrente.

A alegação da Autora revela que pagou por uma identidade falsa, fazendo-se passar por uma pessoa que não é, revela que se encontrava desempregada, revela que quer permanecer em qualquer país que não pertencente ao território africano, revelando o seu relato que antes de deixar os Camarões gostaria de criar um negócio seu.

Nos termos do relato apresentado pela ora Recorrente, não se encontra minimamente concretizado e sustentado o receio de a ora Recorrente poder vir a ser perseguida pelo alegado culto, nem na cidade em questão, em Doula, nem em qualquer outro local dos Camarões e menos ainda, no continente africano.

A ora Recorrente limita-se a fundamentar o seu receio em ser perseguida pelos elementos do culto apenas pelo que lhe terá dito um curandeiro, cujo nome desconhece, pois no demais, nenhum facto ou relato apresenta do qual possa se extrair esse receio.

Acresce que embora a Requerente alegue a sua condição de divorciada e de ser mulher, não concretiza um único facto que permita extrair a discriminação em razão do género, nem que tenha sofrido qualquer ameaça concretizada em consequência de ser uma mulher divorciada.

Como se referiu, em nenhum momento a Requerente que alega ter sentido o receio de ser mantida presa num quarto com caveiras dos seus antepassados, concretizou os autores dessa ameaça, limitando-se a dizer serem os seus familiares, mas sem os identificar, quando vivia única e exclusivamente com a sua madrasta e a sua meia-irmã, nascida em 1998.

Embora a ora Recorrente alegue que após a morte do seu pai, o seu tio paterno ficou o responsável pela família, acabou por, em contradição, dizer que esse seu tio vive noutra cidade (Yaoundé) e que até chegou a procurá-lo para lhe pedir ajuda.

Assim, não são alegados factos pelos quais se possa alicerçar qualquer perseguição, seja por qualquer elemento da família da ora Recorrente, seja pelo invocado culto, nem se mostrando sustentado, concretizado, credível, nem verosímil qualquer receio de perseguição.

Apresenta-se totalmente inconsistente, pouco credível e insustentado, que a ora Recorrente alegue o receio de ser perseguida por familiares, se não os identifica e, simultaneamente, alega viver unicamente com a madrasta e meia irmã e ter procurado a ajuda do seu tio paterno e o seu tio-avô e alegar não manter contacto com quaisquer outros familiares.

Quanto ao culto, esse receio limita-se ao que lhe disse um curandeiro, quando a Recorrente relata que por duas vezes foi procurar tais elementos do culto, sem que tenham existido quaisquer ameaças.

Não basta alegar que se é mulher, que se é divorciada e que se pertence a uma certa etnia ou sequer que se é natural de um certo país, para que se dêem por verificados os pressupostos da protecção internacional de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias, se não é apresentado um relato factual minimamente sustentado e verosímil, que permita, à luz do princípio da dúvida, atender a tais factos.

Também não se apresenta coerente, nem sustentado no plano dos factos, que regressando aos Camarões e, seguramente, para cidade diferente daquela em vivia (Limbe) ou em que se situa o culto (Doula), a Recorrente vá ser perseguida ou agredida, seja por familiares, sem por quaisquer outras pessoas, por nunca o ter sido, nem nunca concretizar qualquer ameaça real.

Alega a Recorrente que o país de que é originária, os Camarões é pequeno, mas ainda assim é cerca de cinco vezes maior do que Portugal (475.442 km² / 92.212 km²), pelo que, também não se apresenta concretizado ou sustentado factualmente que não possa viver na mesma cidade em que anteriormente residia ou noutra qualquer do seu país de origem.

Em nenhuma circunstância, seja nas declarações prestadas perante as autoridades, seja na alegação constante da petição inicial, a ora Recorrente alega ter sido perseguida pelos seus familiares ou por qualquer outra pessoa, por nunca a terem ido procurar, do mesmo modo que não foi relatada qualquer agressão ou tentativa de agressão.

O que justifica que em nenhuma vez a ora Requerente tenha apresentado queixa junto das autoridades nacionais.

Do que resulta, em face do relato factual apresentada pela Autora, ora Recorrente, que não se mostra caracterizada a existência de uma qualquer perseguição, por desde o momento em que decidiu sair de casa, em nenhuma ocasião a ora Recorrente relatar que tenha sido perseguida por qualquer familiar ou por quem quer que seja e, nem ainda, se poder extrair que a Recorrente tenha sido vítima ou haja o receio de vir a ser pelo facto de ser mulher divorciada, ou seja, como por si invocado em juízo, existir uma discriminação em razão do género.

Acresce a circunstância de a Autora alegar ser bacharel em Psicologia educacional e ter começado um mestrado em Psicologia, pelo que, não sofreu seguramente qualquer discriminação em razão do género no acesso ao ensino e no acesso ao ensino superior.

E também ao alegar ter trabalhado num banco, também demonstra não ter sido vítima de discriminação no acesso ao mercado de trabalho.

O direito europeu, na Diretiva Qualificação, aprovada pela Diretiva 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de protecção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para protecção subsidiária e ao conteúdo da protecção concedida, prevendo as condições de elegibilidade do estatuto de refugiado e de concessão de asilo, assim como da concessão da proteção subsidiária, de autorização de residência, transpostas para a Lei n.º 27/2008, de 30/06, que aprova a Lei do asilo, na redação aplicável.

No quadro do direito internacional, decorrentes da Convenção de Genebra, de 28/07/1951, e do Protocolo de 31/01/1967, relativos ao estatuto dos refugiados, o direito europeu de asilo encontra concretização legislativa nacional na Lei n.º 27/2008, de 30/06, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 05/05, que a republicou, a qual transpondo para a ordem jurídica interna cinco directivas comunitárias, estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo e protecção subsidiária e ainda os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de autorização de residência por protecção subsidiária.

Em conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado português com o disposto no artigo 18.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e na Diretiva n.º 2004/83/CE, do Conselho, de 29/04, o legislador nacional veio ampliar os casos de concessão do direito de asilo, estabelecendo, no artigo 3.º da citada Lei n.º 27/2008, de 30/06, o seguinte:

1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.

(…)

4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efectivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição”.

Nos termos do artigo 5.º da Lei de Asilo, prevê-se que:

1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir -se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.

2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumiras seguintes formas:

a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;

b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;

c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias; ( ... )

4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.”.

Mesmo que seja adotado um conceito amplo quanto aos agentes de perseguição, seguindo o artigo 6.º da Lei de Asilo, podendo ser tanto as entidades públicas e oficiais, partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território e ainda os agentes não estatais, releva se ficar provado que os agentes estatais são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição, não assegurando o acesso a proteção efectiva, mas perante os contornos fácticos da situação sub judice, não se pode concluir pela presença de qualquer agente de perseguição, seja público ou privado, nem sequer que a requerente tenha apresentado qualquer queixa junto da polícia ou de qualquer autoridade.

O regime previsto no artigo 7.º da Lei de Asilo, relativo a autorização de residência por motivos humanitários, com a epígrafe “Protecção subsidiária”, dispõe:

1 - É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.

2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:

a) A pena de morte ou execução;

b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”.

É sabido que compete ao requerente do direito de asilo o ónus de alegar e demonstrar, de forma direta ou indireta, o seu fundamentado receio de vir a ser perseguido por qualquer dos motivos enunciados na lei, convencendo as entidades competentes de que foi ou está, individualmente, sujeito a perseguições ou ameaças no país de que é nacional ou residente habitual, com o enquadramento aí especificado, o que no caso não ocorre.

Embora considerando a natureza pública dos direitos que se pretendem salvaguardar através da concessão do asilo e do facto de, na maioria dos casos, ser difícil ou impossível a prova dos factos alegados, este ónus é muitas vezes mitigado pela concessão do benefício da dúvida, atendendo às especiais circunstâncias em que o pedido é formulado e desde que a versão dos factos alegada pelo requerente seja credível, coerente e consistente.

No caso além de se identificar uma contradição entre os factos relatados quanto ao receito de perseguição dos seus familiares, também não é credível, nem verosímil, muitos dos factos relatados pela Autora, não sendo de olvidar que viajou sob a invocação de uma identidade falsa, por ter pago por um passaporte proveniente de outra país.

A grande maioria dos factos relatados pela Autora são totalmente insustentados, não se apresentam credíveis, de modo a sustentar as pretensões deduzidas, sem que a tal julgamento se possa assacar uma violação das regras do ónus da prova ou do princípio do benefício da dúvida.

Admitindo-se que a Autora possa sentir receio subjetivo de que algum mal lhe possa acontecer, caso regresse ao seu país de origem, não cabe no critério do benefício da dúvida ou de um critério de verosimilhança, que tal ocorra em consequência de ser mulher ou sequer, em consequência do divórcio, ou seja, que exista um qualquer receio de perseguição fundada no critério do género.

Não existe nenhuma ameaça ou perseguição pessoal suficientemente concretizada de facto que permita sustentar o receio pessoal, porque desde que a ora Recorrente saiu de casa nunca foi perseguida, nem nunca foi alegado ter sido o receio de ser perseguida.

O julgamento a que procedeu o Tribunal a quo afigura-se correto, quer em face do teor das declarações da requerente do pedido de asilo, quer nos termos em que vem a juízo, não se sendo de subsumir as circunstâncias de facto apuradas à tutela do direito de asilo ou de protecção subsidiária, por não se encontrar concretizada qualquer situação de perseguição ou de ameaça de perseguição da pessoa do Autor do ponto de vista objetivo.

A Autora não produziu declarações que permitam extrair que vá ser perseguida caso regresse ao seu país de origem e, nem ainda, que esteja impossibilitada de a ele regressar, para a mesma localidade ou para localidade diferente em relação à que vivia antes de sair do país.

Por isso, não se mostram violados os princípios e normas legais invocada pela Recorrente, os princípios da dúvida e do non-refoulement, consagrado no artigo 33.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, já que a situação factual, tal como caracterizada pela Autora, não permite subsumir a pretensão à tutela que é requerida.

Mesmo que se considerem os factos relatados, os mesmos não são só por si suficientes e idóneos para caracterizar o risco ou receio sério de ameaça à integridade física ou de perseguição, por se afigurarem insuficientes para a demonstração dos requisitos legais enunciados na Lei de Asilo.

Considerando o princípio da mitigação do ónus probatório e o princípio do benefício da dúvida, os factos apresentados pela requerente são insuficientes para preencher os pressupostos legais da proteção internacional requerida.

Em face dos factos alegados pela Autora, não se pode dar por demonstrada qualquer uma das situações referidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, porquanto, não alegou e consequentemente, não provou que, exerceu qualquer das actividades referidas no n.º 1 do mencionado preceito e não fez prova de que tenha sido perseguido ou gravemente ameaçada em virtude do exercício dessas actividades.

Atentos os factos provados, também não se extrai que exista qualquer motivo concreto que fundamente um receio sério de, no caso de regressar aos Camarões, poder vir ou vir a ser perseguida em consequência de ser mulher divorciada.

Não resulta, pois, da matéria de facto assente que a Autora esteja carecida de proteção internacional pelo motivo que invocou, por discriminação em razão do género, ou seja, que possa ser considerada refugiada, ou sequer, que possa ser autorizada a residir em Portugal por razões humanitárias, no sentido enunciado na alínea x) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 27/2008.

As declarações da Autora não são susceptíveis de criar a convicção de que é uma pessoa verdadeiramente necessitada de protecção internacional e que pretendeu fugir por falta de segurança no país de que é nacional, por motivos de perseguição em virtude da sua condição de mulher divorciada.

Nos termos do ponto 195, do Manual de Procedimentos do ACNUR “Os factos

relevantes de cada caso têm de ser fornecidos em primeiro lugar pelo próprio requerente. Incumbirá, então, à pessoa competente para a determinação do seu estatuto (o examinador) apreciar a validade de qualquer elemento de prova e a credibilidade das declarações do requerente.”.

O ponto 196 do referido Manual do ACNUR prevê: “Constitui um princípio geral de direito que o ónus da prova compete à pessoa que submete um pedido. Contudo, frequentemente acontecerá que um requerente não é capaz de apoiar as suas declarações mediante provas documentais ou outras; e os casos em que o requerente pode fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a excepção do que a regra. Na maioria dos casos, uma pessoa ao fugir da perseguição, chegará apenas com as necessidades elementares e, muito frequentemente, sem documentos pessoais. Deste modo, enquanto o ónus da prova em princípio incumbe ao requerente, o dever de certificar e avaliar todos os factos relevantes é repartido entre o requerente e o examinador. De facto, em alguns casos, poderá caber ao examinador a utilização de todos os meios ao seu dispor para a produção dos necessários elementos de prova no apoio ao pedido. Contudo, essa investigação independente pode nem sempre ter sucesso e podem existir declarações que não sejam susceptíveis de prova. Em tais casos, se a declaração do requerente parecer credível, dever-lhe-á ser concedido o benefício da dúvida, a menos que existam boas razões para o contrário.”.

Por isso, em face dos elementos de facto do caso concreto, se acolhe o antes decidido no Acórdão deste TCAS n.º 10920/14, de 20/03/2014: “Prevê o nº 1, do artº 3º da Lei nº 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do artº 1º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, os requisitos para a concessão do direito de asilo, a saber, que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objecto de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.

Tais requisitos não se verificam no caso concreto, nos termos em que o revelam a matéria de facto dada por assente, baseada nas declarações do requerente.

Do mesmo modo quanto ao decidido em relação à concessão da protecção subsidiária conferida pela autorização de residência por razões humanitárias, nos termos do disposto no artº 7º da Lei nº 27/08, de 20/08.

(…) Por outro lado, embora se possa extrair das declarações do requerente a existência de um sentimento de insegurança, não se pode extrair que exista o risco sério de o Autor vir a sofrer ofensa grave, tanto mais que alegou nunca ter tido problemas quer com as autoridades, que com ninguém.

Tal como entendeu a sentença recorrida, não se afigura que tenha ficado indiciada a possibilidade de que no caso de o Autor regressar ao seu país de origem (…) ocorra ameaça grave contra a sua vida, pelo que, não estão reunidos os pressupostos que permitam o deferimento, seja da pretensão de asilo, seja perante o disposto no artº 7º da Lei nº 27/2008.

O receio que o Autor caracteriza, integra apenas o elemento subjectivo, não invocando quaisquer factos que de uma forma objectiva revelem o intento persecutório, que afectem o requerente de asilo (…)

Das declarações do ora Recorrente, requerente do pedido de asilo, não resulta que o mesmo seja objecto de perseguição, nem se apresenta suficientemente caracterizada uma ameaça à sua integridade física ou à sua própria vida.

(…) O relato dos factos não apresenta concretização factual suficiente para revelar que a ameaça sentida pelo Requerente seja objectiva ou tão pouco que o mesmo se sinta gravemente ameaçado de perseguição.”.

Assim, conclui-se pela improcedência do fundamento do recurso, quanto ao erro de julgamento de facto e de direito que se mostra assacado contra a sentença recorrida, a qual, embora com a fundamentação, de facto e de direito, ora expendida, é de manter na ordem jurídica, pois em face da matéria de facto assente e do seu enquadramento nos normativos de direito aplicáveis, não se verificarem os pressupostos legais para poder ser deferido, quer o pedido de asilo, quer o de proteção subsidiária apresentados pela requerente.

Pelo que, por não resultarem dos autos dados objetivos suficientes que permitam enquadrar a situação da requerente na proteção do direito de asilo, nem no regime subsidiário consagrado no referido artigo 7.º da Lei de Asilo, não pode ser concedida a tutela requerida.

Termos em que se conclui pela improcedência, por não provadas, das conclusões do recurso.

2. Nulidade processual, por falta de despacho sobre o requerimento para o depoimento de parte, nos termos do artigo 195.º do CPC

Sustenta a Recorrente como fundamento do recurso a nulidade processual, por ausência de despacho sobre o requerimento de prova.

A Autora requereu prestar declarações de parte, de forma a comprovar ponto por ponto tudo quanto alegara, mas não foi proferido qualquer despacho, nada tendo dito o Tribunal sobre a desnecessidade ou não da produção de prova requerida, passando de imediato à prolação de sentença.

A parte pode propor-se prestar declarações sobre os factos da causa, as quais estão sujeitas à regra da livre apreciação da prova pelo juiz, salvo se tiverem caráter confessório.

A diligência afigura-se desejável em busca da verdade material, além de o disposto no artigo 111.º do CPTA prever a realização das diligências necessárias à tomada de decisão.

O Tribunal não proferiu qualquer despacho sobre a diligência requerida, mas vem depois julgar que não foram alegados factos credíveis.

Vejamos.

Tendo presente a tramitação da causa afigura-se assistir razão à Recorrente quando alega não ter o Tribunal a quo ter proferido qualquer despacho sobre o requerimento probatório constante da petição inicial, ter omitido a apreciação sobre a pertinência da realização de tal diligência instrutória para a decisão sobre o mérito da causa.

Verifica-se, por isso, o fundamento da invocada nulidade processual, por ter sido omitido um despacho sobre uma pretensão instrutória da parte.

Constituindo a falta de decisão sobre o requerimento probatório a omissão de um ato processual do juiz, deveria ter sido suscitada a nulidade processual, no primeiro ato processual praticado pela parte, nos termos do n.º 1 do artigo 199.º do CPC.

Atenta a circunstância de a interposição do presente recurso ser o primeiro momento processual em que a Autora pode reagir contra tal omissão, pode tal nulidade processual ser invocada como fundamento no presente recurso.

Porém, já não será de extrair a consequência pretendida pela ora Recorrente, quanto à anulação do processado e a devolução do processo ao Tribunal recorrido para proceder à inquirição da Autora, como depoimento de parte.

Nos termos em que a Recorrente deduziu o presente fundamento do recurso, invocando a citada nulidade processual, formulou-o subsidiariamente em relação ao alegado erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, quanto à decisão de julgar improcedente, por não provada a pretensão de asilo e de autorização de residência por razões humanitárias, ou seja, apenas no caso de tal invocado erro de julgamento não ser julgado procedente pelo Tribunal de recurso, o que resulta clara e expressamente do teor da conclusão XXIV do recurso e do respectivo petitório, deduzido a final.

Assim, não obstante se aferir a omissão de um despacho que deveria ter sido proferido, em face do anteriormente decidido sobre o alegado erro de julgamento, no sentido da sua improcedência, em face das circunstâncias do caso concreto, nos termos do fundamento invocado pela requerente para a requerida protecção internacional e considerando a sua anterior alegação junto do SEF e constante da petição inicial, será de decidir no sentido da irrelevância da diligência instrutória em causa para o desfecho da causa.

Em face do relato produzido pela Autora, seja perante o SEF, seja da sua alegação em juízo, não se vislumbra necessária a produção do depoimento de parte para a demonstração dos factos alegados pela Autora, pois ainda que a Autora venha a corroborar integralmente o seu anterior depoimento, com suficiente grau de convicção, não são os factos relatados aptos a inverter o julgamento antecedente, por tais factos ainda que dados por demonstrados não permitirem a verificação das condições legais de que depende a concessão de proteção internacional de asilo ou de proteção subsidiária.

Por outro lado, não se destina o depoimento de parte a permitir o relato de outros fundamentos para o pedido de protecção internacional, que não hajam sido invocados pela requerente no âmbito do procedimento administrativo de asilo, junto das autoridades nacionais ou sequer para além do já alegado na petição inicial, enquanto momentos, procedimental e processual, relevantes.

Nestes termos, não obstante se verificar a alegada omissão do despacho sobre o requerimento de depoimento de parte da Autora, tal omissão não foi apta a interferir ou condicionar, por qualquer modo, o julgamento produzido, seja na primeira instância, seja na instância de recurso, pois ainda que se dessem por demonstrados os factos alegados pela Autora os mesmos não se subsumirem no regime legal que permite conferir o direito de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias.

Pelo que, em face de todo o exposto, improcede o fundamento do recurso, não existindo razões para a anulação do processado, com consequências sobre a validade da sentença recorrida, como pretendido pela Recorrente, atento o juízo de irrelevância da omissão desse despacho, por não se vislumbrar ser necessária ou sequer útil o depoimento de parte da Autora para a boa decisão sobre o mérito da causa.


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Termos em que será de negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente, por não provados os seus fundamentos.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do artigo 1.º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê quanto aos requisitos para a concessão do direito de asilo que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objeto de perseguição em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.

II. Não se extraindo das declarações da requerente do pedido de asilo ou da alegação feita em juízo, que a mesmo seja objeto de perseguição ou que se sinta gravemente ameaçada por discriminação em razão do género, por ser mulher divorciada, enquanto fundamento invocado para a proteção internacional, não foram alegados factos que permitam fundar o pedido de asilo, à luz dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008.

III. Do mesmo modo, quanto ao disposto no n.º 2 do artigo 3.º da citada Lei, por não se mostrar alegado que a requerente possua o fundado receio de ser perseguida em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social e que não possa ou não queira voltar, em virtude desse receio, ao Estado da sua nacionalidade ou residência.

IV. Das declarações prestadas pela requerente não se pode retirar que a mesma tenha sido ameaçada ou receia ser perseguida, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias, ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008.

V. Não basta invocar ser nacional dos Camarões, pertencer a uma certa etnia, ser mulher e divorciada, sem concretização de qualquer ameaça ou perigo real de perseguição, para beneficiar da protecção internacional de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias, nos termos dos artigos 3.º e 7.º da Lei n.º 27/2008.

VI. Sendo titular de estudos superiores e tendo trabalhado anteriormente num banco, a requerente revela não ser vítima de discriminação em razão do género, enquanto fundamento da protecção internacional requerida.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos.

Sem custas – art.º 84º da Lei nº 27/2008, de 30/06.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Nuno Coutinho)



DECLARAÇÃO DE VOTO


Votei vencido por considerar verificar-se a nulidade processual suscitada, uma vez que sobre o requerimento probatório apresentado na p.i., consistente na prestação do depoimento de parte, não foi proferido qualquer despacho judicial. E essa omissão será, do meu ponto de vista, susceptível de afectar a decisão proferida, dado que das declarações da requerente (na fase administrativa) e da sua análise contextualizada, considerando ainda a causa de pedir vertida na p.i., contrariamente ao decidido, poderá resultar ser aquela elegível para o regime do direito de residência por protecção subsidiária, de acordo com o previsto artigo 7º da Lei n.º 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

Pelo que teria concedido provimento ao recurso, anulado a sentença recorrida e determinado a baixa dos autos para serem os mesmos devidamente instruídos e posteriormente decididos em conformidade.

Lisboa, 6 de Setembro de 2018


Pedro Marchão Marques