Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06660/13
Secção:CT
Data do Acordão:01/25/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
FUNDAMENTAÇÃO SUCESSIVA
Sumário:I. O Legislador consagrou uma cláusula aberta a respeito dos métodos a adoptar para a determinação dos preços de transferência (veja-se a redacção da alínea b) do artigo 4º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, nos seguintes dizeres «ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas»), poderá ser adoptado outro método que for mais apropriado para cada operação ou série de operações, ou seja, aquele que for mais adequado a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade.
II. A aplicação de métodos residuais ou alternativos exige que se fundamente que os determinados pelo legislador não podem ser adoptados ou, que podendo sê-lo, não permitem obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
III. Está vedada por lei à Administração Tributária a possibilidade de justificar na fase jurisdicional (pois que só é permitida a fundamentação contextual) o que deveria ter justificado aquando da prolação do acto impugnado, pois tal, configura uma fundamentação sucessiva ou a posteriori.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA, datada de 30 de Novembro de 2012, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela sociedade denominada «L..., LDA», contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2003, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente formula as Conclusões que a seguir, na íntegra, se transcrevem:

«A) Vem impugnada a liquidação de IRC do ano de 2003, no valor total €322.978,85, a qual resultou de correcção aritmética ou técnica da matéria tributável, no montante de €982.271,46, efectuada no âmbito de acção inspectiva, em sede da qual se detectou que a Sociedade impugnante havia alienado, pelo preço de €20.000,00, a favor dos respectivos sócios e administradores o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia e concelho da ... sob o artigo 2456.

B) Nos termos conjugados do art.58° do CIRC e da Portaria n° 1446-C/2001, de 21/12, entendeu-se que a referida operação havia sido realizada com entidades com as quais a alienante detinha relações especiais e que havia sido praticado um preço manifestamente inferior àquele normalmente contratado, aceite e praticado numa operação similar realizada entre entidades que não tivessem ligadas entre si pelas referidas relações especais, apurando-se a final, de acordo com o princípio da plena concorrência, uma mais-valia fiscal de €982.271,46 gerada pela venda do imóvel em causa.

C) A sentença sob recurso sufragou o entendimento de que a AT havia demonstrado que a relação comercial existente entre a sociedade alienante e os adquirentes do imóvel U-21456/... se integrava no âmbito das designadas relações especiais, mas ao apreciar o método seleccionado para determinar o preço de transferência, entendeu que o recurso ao VPT do prédio não constava do elenco de métodos legalmente designados (nem na versão anterior ao Decreto-Lei n° 287/2003, de 12 Novembro, nem na redacção dada pela Lei n°60-A/2005, de 30 de Dezembro, posterior àquele diploma) e, ainda, que o critério encontrado não correspondia aos valores aceites e praticados em temos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

D) Na selecção do método mais apropriado para a operação em causa, a AT tomou em linha de conta os factos e circunstâncias envolventes do caso concreto, vindo a considerar que não resultava viável a aplicação de um dos demais métodos expressamente definidos na lei, peio que lançou mão, residualmente, de outro método: o Valor Patrimonial Tributário.

E) Por conseguinte, lidando com os constrangimentos inerentes; à situação em concreto, a AT considerou o VPT (valor patrimonial tributário) atribuído no artigo 9030, apurado nos termos do Código do IMI, entendendo que este constituía um valor de referência viável, objectivo e credível para determinar o preço de transferência (o artigo matricial P9030 detinha a mesma localização e características do U-2456) e mesmo, consensual, uma vez que tal valor foi atribuído no âmbito de procedimento de avaliação e foi aceite pelos sujeitos passivos que o deixaram transitar em julgado.

F) Nos cálculos efectuados em sede inspectiva para apurar o preço de transferência do U- 2456,considerou-se que o artigo matricial urbano P9030 provinha, nomeadamente, do artigo matricial urbano 2456, pelo que, com base no VPT fixado ao terreno inscrito sob o artigo 9030, foi calculado o valor patrimonial tributário proporcional àquele, ou seja: 1.464.920,00 x (719/1066,25) = €987.833,51.

G) Deste modo foi obtido o valor de € 987.833,51 como preço de transferência de plena concorrência.

H) Considerando as circunstâncias próprias e específicas envolventes do negócio da venda do imóvel pela sociedade aqui impugnante, por montantes muito abaixo do seu preço de mercado em iguais circunstâncias, em condições normais de plena concorrência, mercê das relações de interesses estabelecidas entre si e os adquirentes (sócios e gerentes), dúvidas não podem envolver o termo de comparação adoptado pela AT, face à impossibilidade da obtenção de um outro mais próximo da realidade em causa, e que a impugnante também não veio sequer a enunciar, limitando-se a colocar em dúvida o critério que foi seguido.

I) A sentença sob recurso não levou ao probatório os factos que atestam a localização privilegiada do imóvel, nem o fim de construção ou ampliação hoteleira a que o mesmo se destinava e ao desconsiderar tal factualidade não avaliou a fundamentação apresentada pela AT para encontrar um método que garantisse o apuramento do preço de transferência praticado em condições de plena concorrência, face à dificuldade em encontrar uma situação perfeitamente similar entre entidades independentes, reunindo, exactamente, as mesmas condições, circunstâncias e características; verificadas na operação aqui em causa, pois que é comparável aquilo que tem comparação entre si.

J) Donde que a sentença recorrida não tenha fixado no probatório as circunstâncias factuais que determinavam as características próprias, exclusivas e únicas da venda do imóvel em causa e que sustentaram as dificuldades enfrentadas pela AT na busca do método de apuramento do preço de transferência praticado e que culminaram na eleição do VPT.

K) O qual se revela, a final, um valor de referência viável e apto para determinar o preço de transferência (o artigo matricial P9030 detinha a mesma localização e características do U-2456) e, mesmo, consensual, uma vez que tal valor foi atribuído no âmbito de procedimento de avaliação em que a impugnante participou e que afinal aceitou o valor fixado, deixando-o tornar-se definitivo.

L) Assim, na impossibilidade da obtenção do termo de comparação em iguais circunstâncias do valor do imóvel, o critério escolhido pela AT - valor patrimonial inscrito na matriz - tem de ser apto para o fim em causa e os cálculos efectuados não padecem de vício que os inquine.

M) A sentença sob recurso padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental produzida pela AT, fazendo, por conseguinte, desacertada valoração do probatório e errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis, designadamente, do artigo 58° do CIRC, do artigo 77°/3 da LGT e do artigo 4º e seguintes da Portaria n° 1446-C/2001, de 21/12, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, Venerandos desembargadores, requer-se que seja concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, seja julgada improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC impugnada, com o que se fará corno sempre JUSTIÇA!»


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A Sociedade Impugnante apresentou a sua contra-alegação com o seguinte quadro conclusivo:
«5.1. Relativas à questão prévia suscitada
5.1.1. O recurso interposto pela FP não dá cumprimento aos ónus de impugnação da matéria de facto - artigo 685°-B, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável "ex vi" o disposto no artigo 2°, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
5.1.2. A conclusão genérica de que "a sentença sob recurso padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental produzida pela AT", não se afigura idónea para cumprir as injunções processuais, porquanto: (a) não se individualiza no conjunto dos documentos qual ou quais os pontos incorrectamente julgados, e, não menos, (b) não se diz qual ou quais os concretos documentos que impõem decisão diversa da proferida, obrigando o Tribunal ad quem a analisar todo o conjunto de documentos constantes dos autos para responder à pretensão recursiva. Consequentemente, deve o recurso ser rejeitado nessa parte.
5.2. Relativas ao mérito do recurso interposto pela FP
5.2.1. O regime legal dos preços de transferência tem por desiderato apurar os preços que "teriam sido acordados entre empresas independentes, relativamente a operações idênticas ou similares, no mercado livre", pelo que, nos casos onde seja possível individualizar transacções efectuadas num mercado de livre concorrência, a concreta determinação do preço de transferência, à luz do referido princípio, implica, pois, "a possibilidade de remeter, directamente, para o preço que seria praticado em transacções comparáveis entre empresas independentes ou entre uma empresa de um grupo e uma empresa independente".
5.2.2. Quando a AT esteja autorizada a corrigir o preço de transferência em função do preço at arms length, as correcções realizadas ao abrigo desse regime, terão forçosamente de justificar o valor encontrado em termos de o fazer corresponder ao preço de mercado, tendo em conta o circunstancialismo concreto que envolve a operação realizada, ou seja, o valor ou o preço realmente praticado numa operação de natureza e características semelhantes entre sujeitos que não se encontrem numa situação de "relações especiais".
5.2.3. Qualquer método de determinação dos Preços de Transferência apenas será válido se for conforme ao princípio da comparabilidade de operações análogas de modo a poder obter-se, a partir desses dados, o preço de plena concorrência.
5.2.4. É nessa base que entre nós apenas se admitem métodos reconduzíveis a uma lógica de comparabilidade, apelando para a valoração de determinada transacção em função da referência aos preços que seriam acordados entre sujeitos independentes em face de operações idênticas ou manifestamente análogas no âmbito de um mercado não controlado. Assim sucede com o "método do preço comparável de mercado (comparable uncontrolled price), que, em rigor, se assume, recta via, como uma autêntica «expressão típica do princípio "dealing at arm's length"»; com o "método do preço de revenda minorado (Resale price method), tido como o método "mais adequado à determinação do preço de plena concorrência em operações comerciais de venda de bens"; com o "método do custo majorado - "método do preço de custo acrescido de uma margem de lucro" ("Cost plus method").
5.2.5. Contudo, apesar da "aplicação dos métodos tradicionais baseados na operação constitui[r] a forma mais directa de determinar o preço de plena concorrência (...), existem numerosos factores que dificultam, ou impedem mesmo, a aplicação dos referidos métodos (v.g. a falta de operações comparáveis entre entidades independentes em resultado da estrutura do mercado, designadamente em caso da existência de oligopólios ou de monopólios, ou, ainda, a especificidade dos bens ou dos serviços objecto da operação, principalmente no caso de royalties, cedência de know-how e assistência técnica, faz com que, por vezes, não existam operações comparáveis entre entidades independentes).
5.2.6. Nestes casos, quando não estão "reunidas as condições de que depende a aplicabilidade dos métodos tradicionais baseados na operação ou não possam ser ultrapassadas as dificuldades que se suscitaram à respectiva aplicação, a utilização destes métodos tem de ser posta de lado, procurando-se determinar o preço de transferência com recurso aos métodos baseados no lucro da operação" (o método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação).
5.2.7. Tais métodos foram assumidos pelo legislador nacional como critério de determinação dos preços de transferência, perante a sua aptidão para retratar numa lógica de comparabilidade os termos que seriam praticados por pessoas independentes.
5.2.8. A aplicação de outro método para além dos referidos apenas pode fazer-se quando não seja possível aplicá-los ou dos mesmos não resulte a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam", devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis".
5.2.9. Destarte, o recurso a um "outro método" terá de satisfazer o princípio enunciado no n°1 do artigo 1° da citada Portaria, qual seja, o Princípio de plena concorrência, segundo o qual "devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis".
5.2.10. Daí decorre, ineliminavelmente, que qualquer método de apuramento do preço de transferência deve permitir a sua determinação a partir dos termos e das condições normalmente praticados entre pessoas independentes em operações análogas, idênticas ou apenas comparáveis, exigindo a lei que esse "outro método" seja apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação, com isso excluindo a imposição de um valor rígido, predeterminado e completamente indiferente às circunstâncias específicas da operação consideranda.
5.2.11. Como bem decidiu o Tribunal a quo, a fixação desse preço por referência ao valor patrimonial tributário (VPT) não satisfaz minimamente essa exigência, porquanto se trata de um valor exclusivamente fiscal, a forfait, e que, in rerum natura, não pode demonstrar por si só o preço concorrencial que pode ser estabelecido entre entidades independentes em operações comparáveis.
5.2.12. Efectivamente, o VPT é um valor estritamente objectivo, indiferente aos factos e ao concreto circunstancialismo determinante da realização das operações comerciais, não relevando, nessa sede, nem o valor de mercado nem as condições do negócio, não sendo método de comparabilidade entre operações comerciais, nem reflectindo o valor de mercado, ou as concretas circunstâncias negociadas inter partes.
5.2.13. No caso, a AT recorre ao "método VPT" invocando que "se fosse viável e fiável aplicar um dos métodos já expressamente definidos na lei, assim se teria feito. No entanto, tal situação não foi possível".
5.2.14. No entanto, a AT nada fez no sentido de poder concluir como concluiu, sendo que, se existissem dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, a AT tinha o dever de - pelo menos - tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada, como se prevê no n°4 do artigo 4° da Portaria. O que a AT também não fez.
5.2.15. Tal juízo administrativo é absolutamente pretoriano e indemonstrado. Um "quero posso e mando" desmentido notoriamente pela realidade pois a operação de venda de um imóvel é uma operação manifestamente susceptível de comparação por envolver um objecto passível de negociação entre entidades não vinculadas, introduzido no mercado (concorrencial), de natureza e características idênticas a muitos outros frequentemente negociados e susceptível de avaliação à luz das regras do mercado, como é óbvio, com as devidas correcções em face das suas particularidades, é claramente avaliável à luz do preço comparável de mercado ou dos demais métodos tradicionais de determinação do preço de transferência.
5.2.16. A AT nunca podia, portanto, ter concluído como conclui, pela inviabilidade dos métodos previstos na lei a pretexto de que o eventual, mas não experimentado resultado, não teria em conta circunstâncias importantes da venda, para, depois, acabar por convocar um critério objectivo absolutamente insusceptível de as valorar e à margem do permitido pelo artigo 4° da Portaria e pelo artigo 58º do CIRC.
5.2.17. Assim, para além de não estarem preenchidos os requisitos para a aplicação de um método de determinação do preço de transferência de plena concorrência não expressamente previsto, aquele que veio a ser utilizado não tem cobertura na lei, referindo-se a um valor estritamente objectivo e subtraído à lógica da comparabilidade.
5.2.18. Por isso, na medida em que permita semelhante actuação administrativa, designadamente, na medida em que permita à AF adoptar um critério de determinação do preço de transferência não tipificado como tal e não referido à determinação do preço de plena concorrência a partir de operações comparáveis, a norma do artigo 4° da Portaria 1446-C, de 21 de Dezembro e, bem assim o artigo 58°, nº3, do CIRC, violam o princípio da legalidade fiscal, na medida em que a lei exige que os métodos de determinação dos preços de transferência tenham de respeitar o preço de plena concorrência a partir da consideração de operações comparáveis realizadas por sujeitos independentes, razão pela qual não pode deixar de considerar-se inadmissível, na ausência de disposição expressa nesse sentido, a determinação desse preço em função de um valor a forfait, predeterminado, que não permite considerar, como a lei exige, as circunstâncias específicas que vão associadas a cada operação e que é totalmente indiferente às condições normalmente praticadas por entidades independentes em operações comparáveis.
5.2.19. Nessa medida, para lá da referida ilegalidade, tem a recorrida de concluir, a título subsidiário e apenas ad cautelam, que: a norma do artigo 58° do CIRC, conjugada com a norma do artigo 4°, nº1, al. b), parte final, da Portaria 1446-C/2001, interpretada no sentido de admitir que a determinação do preço de transferência seja efectuada de acordo com o valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI, é inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, na sua dupla vertente e por violação do princípio da tributação do rendimento real.
Não concedendo,
5.2.20. E mesmo que se admitisse como válida a mobilização do VPT ex vi o disposto no artigo 58º, nº3, e artigo 4º, nº1, al. b), parte final, da Portaria 1446-C/2001, ainda assim não é menos ilegal a actuação administrativa ao apurar o preço de transferência da operação realizada em 2003 relativa ao prédio com o artigo 2456, com base no VPT imputado, em 2005, ao artigo 9030, que apenas passou a existir em finais de 2004.
5.2.21. Se por acaso fosse legal a determinação do preço de transferência pudesse fazer-se a partir do VPT do prédio transmitido, então, a AT devia ter determinado o VPT próprio do prédio em questão e tê-lo notificado ao contribuinte. E nunca o fez.
5.2.22. Ao invés, como se viu, a AT imputou ao prédio em causa um VPT deduzido a partir da avaliação feita a um outro prédio inexistente à data da operação circunstancialmente em causa, por considerar que desde 2001 havia licença de construção para o local, a qual não fora emitida em nome da transmitente, de acordo com o documento junto no P.A..
5.2.23. A AT ao partir da avaliação (VPT) do artigo 9030, releva factos que são posteriores à data da celebração do contrato de compra e venda, como também, não sendo de realização apodíctica, constituem um aliud em face da operação relativamente à qual se procede à determinação do preço de mercado do prédio vendido pela impugnante.
5.2.24. Tratando-se de uma circunstância superveniente que é totalmente exterior à transacção efectuada pela sociedade e como facto estranho que apenas pôde resultar da fusão do prédio adquirido com outros prédios que também foram adquiridos, imprevisível e posteriormente, pelos mesmos compradores a pessoas que não a sociedade devedora, não pode ser determinante do preço concorrencial do imóvel no momento em que o mesmo foi transmitido pela sociedade, e que, por isso, traduz uma aplicação retroactiva e inconstitucional do valor da avaliação do CIMI.
5.2.25. Ao determinar o valor de uma operação para efeitos do disposto no artigo 58º do CIRC em relação com a Portaria 1446-C, a AF apenas pode considerar as circunstâncias existentes ao momento da realização da operação em causa, não lhe sendo permitido determinar esse valor com base em realidades não existentes no momento em que o contrato foi efectuado, como resulta do teor do artigo 4º nº1 da referida Portaria, na parte em que condiciona os sujeitos passivos a adoptarem na celebração dos seus negócios as condições de mercado existentes ao tempo em que a operação é realizada.
5.2.26. Ora, a única referência administrativa ao valor do prédio transmitido consta documento em que se refere, quanto à avaliação do imóvel transmitido, nos termos do artigo 57° do CIMSTSSD, que o mesmo teria um valor venal não inferior a €30.000,00 em sede de uma "avaliação promovida pela Fazenda Nacional" prevista no artigo 57.° do CIMSISSD, que pretendia apurar o valor do imóvel de modo a poder concluir-se se o preço declarado tinha ou não correspondência com o preço que seria normalmente praticado em tal operação, tal como se diz no parecer da Consultadoria Jurídica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos de 12 de Outubro de 1987 (CTF nº349, p. 664): "(...) o objecto desta tributação é o capital representado pelo imóvel transmitido, num caso em que não obtém um indicativo seguro do seu valor no preço declarado, opta por apurar mesmo, directamente, o valor da coisa: o valor venal (...) que deverá referir-se aos circunstancialismos concretos e específicos da transmissão".
5.2.27. Se a AT considerava que podia estabelecer o preço de transferência pelo VPT do prédio, tinha, previamente, que determinar, recte AVALIAR, no prédio nos termos do CIMI e que notificar essa avaliação à recorrida, não sendo válida, para além de tudo o que já se disse, a aplicação "lógico-dedutiva" da regra dos "três simples", dado que a consideração isolada do imóvel vendido, mesmo à luz de uma ilegal avaliação tendo em conta o CIMI, não autoriza a fazer corresponder-lhe, em termos proporcionais, o valor final da avaliação, já que esta é composta por variáveis oscilantes, como por exemplo, a área bruta de construção integrada.
5.2.28. Não pode ter-se como válida a aplicação do valor de uma avaliação que respeita a uma realidade ocorrida em 2004 (a fusão dos imóveis, dando origem ao artigo 9030), fazendo-a incidir sobre factos ocorridos em 2003 que não estiveram na sua origem, não sendo possível contornar o facto de que os critérios de determinação do valor tributável estão, qua tale, abrangidos pela reserva tutelar que o legislador constitucional empresta às normas de incidência.
5.2.29. Acolhendo este critério e estando em causa a aplicação retroactiva de uma avaliação com base na qual se procede a uma liquidação adicional de IRC, a actuação administrativa padece também nesta parte do vício de violação de lei por aplicação de uma norma materialmente inconstitucional - a do artigo 45º do Código do IMI, enquanto interpretada no sentido de admitir que essa avaliação possa ter efeitos retroactivos, podendo ser utilizada como critério de quantificação de factos tributários ocorridos antes da sua realização e que não lhe estiveram na origem, em violação do disposto no artigo 103º, nº3 da Lei Fundamental.
5.3. Relativas à ampliação do objecto do recurso
5.3.1. A prova de que estão reunidos os pressupostos para aplicação do disposto no artigo 57° do CIRC [à data, artigo 58.°], (...), cabe à Fazenda Púbica, nomeadamente descrevendo, de forma clara e objectiva, o tipo de relações verificadas entre o contribuinte e a pessoa com a qual se diz ter tido relações especiais e que proceda também à descrição, igualmente clara e objectiva dos termos em que, normalmente, se processam aquelas relações entre pessoas independentes, e que dessas relações resultou um lucro diverso do que se apuraria na sua ausência, além de descrever e quantificar também o montante efectivo que serviu de base à correcção" — cf. Ac. TCA Sul de 16 de Janeiro de 2007.
5.3.2. Não basta à AT, para poder actuar com base nessa norma, dar por demonstrado o pressuposto da existência de relações especiais tanto mais que o legislador não presume, em caso algum, que daí resulte apodicticamente uma contratação não referida ao preço de plena concorrência.
5.3.3. Donde resulta que a AF apenas podia ter actuado se tivesse demonstrado, logo à partida, que a impugnante havia praticado um preço substancialmente diferente do preço que seria contratado, aceite e praticado entre entidades independentes.
5.3.4. Era à AT que cabia a prova desse pressuposto, descrevendo os termos em que decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
5.3.5. Nada tendo feito para demonstrar a "realidade" que pressupôs para agir, a AT violou o disposto no artigo 58°, nº3, do CIRC, e o disposto no artigo 74° da LGT.
5.3.6. A impugnante após ter exercido o direito de audição foi confrontada, no relatório final da inspecção tributária, com um facto novo relativamente ao qual não podia ter-se pronunciado, qual seja o relativo ao carácter não "viável e fiável" de "aplicar um dos métodos já expressamente definidos na lei" e a "justificação" do procedimento administrativo com base no disposto no artigo 4º, nº1, al. b), parte final, da Portaria 1446-C.
5.3.7. Na verdade, com a proposta de relatório assumiu-se, sem mais, que "será consensual considerar que o valor patrimonial tributário, apurado nos termos do CIMI, constitui um valor de referência, credível e objectivo, para estabelecer o preço de transferência de plena concorrência, indicado pela Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro e nos termos do artigo 58º do Código do IRC (...)".
5.3.8. Depois da impugnante, no direito de audição, ter denunciado que "Ao calcular o valor do preço de plena concorrência a partir do valor patrimonial tributário de um prédio que passou a incorporar o imóvel transmitido, a AF não só pratica uma ilegalidade, mas, mais grave, perpetra uma inconstitucionalidade ao aplicar retroactivamente o regime do artigo 58º-A do CIRC, o que é manifestamente inadmissível", a AF vem invocar um facto novo, insusceptível de ser extraído da sua argumentação pretérita, passando então a dizer que "se fosse viável e fiável, aplicar um dos métodos já expressamente definidos..."
5.3.9. Esse facto, anote-se, traduz inclusivamente na alegação de um novo enquadramento jurídico da questão, em torno da interpretação da lei relativamente aos pressupostos previstos nos artigos 58°, 3, b), do CIRC e 4°, a), da Portaria 1446-C/2001, que não tinham sido expressamente convocados na dimensão com que vieram a ser aplicados.
5.3.10. Ora, a impugnante não só devia ter sido confrontada com esse facto antes de ser chamada a exercer o seu direito de audição, como também, não tendo ocorrido essa circunstância por o mesmo ter sido introduzido após esse momento, haveria de ter sido adequadamente salvaguardado o exercício do direito de audição previamente à liquidação notificada, de modo a infirmar os pressupostos da decisão administrativa que se alteraram quer quanto ao novo facto invocado, quer quanto ao direito aplicável perante essa nova realidade posteriormente invocada.
5.3.11. Razão pela qual, a AF violou o disposto no artigo 60°, n°3, da LGT.
5.3.12. A decisão administrativa padece também de Falta /insuficiência de Fundamentação.
5.3.13. A fundamentação consubstancia-se num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões "justicantes" e "justificativas" - sob o ponto de vista formal - da concreta decisão administrativa, sendo que a mera enunciação de juízos conclusivos e valorativos não é idónea a satisfazer os requisitos legais da fundamentação, não possibilitando o cumprimento dos objectivos que a mesma visa e que acima se apontaram.
5.3.14. Quanto ao cumprimento desse dever, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem sido unânime no sentido de reconhecer que meros juízos conclusivos, sem concretização objectiva e demonstrada da factualidade que lhes serviu de base, são insuficientes para a fundamentação (cf. a título meramente exemplificativo, ac°s do Pleno da 1ª Secção de 11/4/91 e 24/1/91, nos recursos 25.846 e 25.563 respectivamente).
5.3.15. A AT não fundamentou devidamente os "os termos em que nomeadamente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias", sendo o procedimento totalmente omisso, não se encontrando a ínfima referência, facticamente suportada, aos termos e condições que são normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
5.3.16. Quanto a este aspecto, nada, mas mesmo nada, foi dito ou justificado. A AT apenas conclui, sem mais, que "a sociedade ficou abrangida pelo disposto no artigo 58ºdo Código do IRC e na Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, ao realizar uma operação sobre bens, com entidades em situação de relações especiais (n°4, al. a) do citado artigo 58º), tendo sido praticados preços de transferência, devendo ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis (nº1 do artigo 58º do Código do IRC)".
5.3.17. Ora, esta "fundamentação", limitando-se a reproduzir o inciso legal, não é verdadeira fundamentação, estando em causa um pressuposto de aplicação da norma legal, e como tal definidor da competência administrativa para agir, a AT não podia deixar de fundamentar a verificação desse aspecto essencial que se tem por modelador do acto tributário em causa
5.3.18. O disposto no artigo 77º/3, que traduz um dever especial de fundamentação para todas as situações em que existam relações especiais - e não apenas para o caso de preços de transferência - não autoriza a que a AF omita a fundamentação dos pressupostos de actuação que justificam de facto e de direito o acto tributário.
5.3.19. Na verdade, essa norma, ao particularizar que a determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve concretizar a descrição das relações especiais, a indicação das obrigações incumpridas, a aplicação dos métodos previstos na lei e a quantificação dos respectivos efeitos, não demite a AF de fundamentar a decisão de procedimento quanto às razões que a motivaram, designadamente, quanto ao preenchimento dos pressupostos de que a lei faz depender a aplicação do regime legal.
5.3.20. Sem conceder, sempre seria inconstitucional a norma do artigo 77°, n°3, da LGT, quando interpretada (tendo em conta o disposto no artigo 58º, n°1 do CIRC) no sentido de excluir a fundamentação administrativa referida "aos termos e condições que são normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis", por violação do disposto no artigo 268°, n°3, da CRP.
5.3.21. O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto à fundamentação do método de determinação aplicado.
5.3.22. Só depois de se ver confrontada com a ilegalidade do seu proceder, é que a AT "justifica" o "método" aplicado à luz do disposto no artigo 4º da Portaria 1446-C, dizendo então que "se fosse viável e fiável aplicar um dos métodos expressamente definidos na lei, assim se teria feito. No entanto, tal situação não foi possível. Nesta dificuldade está, essencialmente, não ser viável encontrar uma situação entre entidades independentes, com as mesmas condições e circunstâncias presentes nesta operação (nomeadamente a necessidade por parte dos adquirentes em adquirir [sic] um terreno ao lado do estabelecimento hoteleiro, que estes possuem em conjunto, através da sociedade A..., Lda, e que pretendem ampliar; já na posse de licença de construção para a área; naquela localização preferencial ...). Inquirindo potenciais compradores independentes, sobre as condições específicas presentes nesta operação, nunca seriam fiavelmente consideradas".
5.3.23. Ora, esta "fundamentação" também não é fundamentação., porquanto assenta exclusivamente num juízo conclusivo e, qua tale, puramente subjectivista, que apenas dá por verificado o pressuposto de aplicação do método, sendo que esse pressuposto não resultou de qualquer actividade administrativa prévia à definição do método, tendente a excluir, com base numa demonstrada justificação objectiva, a aplicação do método do preço comparável de mercado, do preço de revenda minorado, do método do custo majorado, do método do fraccionamento do lucro ou do método da margem líquida da operação, mas sim de um juízo sucessivo totalmente conclusivo e a todos os títulos indemonstrado.
5.4. Em sede de Matéria de Facto
Devem acrescentar-se aos factos provados os seguintes, documentalmente firmados:
a) A AT não promoveu a avaliação do imóvel alienado (artigo 2456) nos termos do CIMI (facto inferido do Relatório da Inspecção);
b) A avaliação do imóvel correspondente ao artigo 9030 foi efectuada em 18/06/2005, e notificada aos proprietários desse imóvel (cf.PA, "Prints informáticos extraídos do sistema do património referentes aos artigos urbanos 2456 e 9030, sem numeração);
c) A licença de construção referida no relatório de inspecção foi emitida em nome de Araújo e Santos, Lda., e tinha validade até 15 de Março de 2003 (cf. PA "Elementos documentais cm Arquivo no Processo Administrativo organizado na DF Leiria, sem numeração);
d) No ofício n°2108, com fundamento em "Preço declarado interior aos praticados", o chefe do serviço de Finanças da ..., refere como "valor venal atribuído pela Fiscalização ao Imóvel", €30.000,00 (cf. Documento anexo ao exercício do direito de audição);
e) A AT não efectuou qualquer diligência no sentido de apurar o preço de plena concorrência da operação de venda do imóvel (artigo 2456), dando por assente que "se fosse viável e fiável aplicar um dos métodos já expressamente definidos na lei, assim se teria feito. No entanto, tal situação não foi possível" (Facto admitido no Relatório Final da Inspecção).

Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas.:
a) Deve rejeitar-se o recurso da FP, na parte em que se "impugna" a matéria de facto assente pelo Tribunal; e no demais,
b) Julgar-se improcedente o recurso;
c) Subsidiariamente, na parte em que aqui se amplia o objecto do recurso, julgar-se a impugnação procedente por provada, com todas as legais consequências.»

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer a fls.234/237 dos autos, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho) , sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste quadro, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se a sentença padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental produzida pela Administração Tributária;
(ii) se a sentença padece de erro de julgamento por errónea interpretação do artigo 58.° do CIRC, artigo 77°, n.º3 da LGT e do artigo 4º e seguintes da Portaria n° 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. Em cumprimento da Ordem de Serviço n°200700730, de 2007/04/20, executada entre o dia 24 de Abril e o dia 07 de Maio, foi realizada inspeção referente ao IRC, com extensão ao exercício de 2003.
2. A sociedade "L..., Lda" estava enquadrada no CAE 50500, correspondente à actividade de "Comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor''. Encontrava-se registada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, desde o ano de 1986, e enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação.
3. No âmbito da inspeção verificou-se que:
a. A sociedade impugnante vendeu o artigo matricial urbano n°2.456, da freguesia e concelho da ..., aos sócios A..., e M..., através de escritura de compra e venda, realizada no dia 17 de Dezembro de 2003, no Cartório Notarial de ...;
b. Pelo preço declarado de 20.000 euros;
c. O imóvel encontrava-se reflectido na contabilidade da sociedade pelo preço de aquisição de 3.834,18 euros, em 1984;
d. Apenas no exercício de 2004, foram declarados proveitos desta venda.
e. Apesar do imóvel ter sido vendido como casa de rés do chão para recolha de automóveis, 1° andar para habitação, sótão e logradouro (com superfície coberta de 635 m2 e logradouro de 84 m2), já existia licença de construção desde o ano de 2001 para o mesmo espaço (Alvará de Licença de Construção nº142/01, da Câmara Municipal da ...);
f. Este prédio, com cerca de 719 m2, passou a constituir parte integrante de um lote de terreno com a área global de 1.066,25m, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n°9.030, da freguesia e concelho da ...;
g. O artigo urbano n°9.030 foi avaliado, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo valor de 1.464.920 euros.
4. Em face do que a AT considerou que A sociedade ficou abrangida pelo disposto no artigo 58° do Código do IRC e na Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, ao realizar uma operação sobre bens, com entidades em situação de relações especiais (n.°4, alínea a), do citado artigo 58°), tendo sido praticados preços de transferência, devendo ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis (nº1, do artigo 58° do Código do IRC),
5. Em 06/02/2007 foram notificados os sócios, na qualidade de administradores da sociedade " L..., Lda", a fim de provarem, no prazo de 30 dias, que o preço declarado de venda, corresponde ao que seria aceite e praticado entre entidades independentes, em operações comparáveis.
a. Os sócios nada disseram.
6. Assim, a AT quantificou a mais valia fiscal, obtida em 2003, pela venda do imóvel, apurando o valor líquido para determinação da mais valia fiscal em € 5.562,05.
7. E quanto ao preço de transferência, assumindo ser claro que o preço de venda declarado se afasta largamente do preço que seria praticado nesta operação, entre entidades independentes, desrespeitando o estipulado no artigo 58° do Código do IRC, procedeu ao seu cálculo com recurso ao valor patrimonial tributário, apurado nos termos do CIMI, constitui um valor de referência, credível e objectivo, para estabelecer o preço de transferência de plena concorrência. Indicado pela Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, e nos termos do artigo 58° do Código do IRC, podendo afastar-se do valor real, mas por defeito (fls.7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
8. Assim, sabendo-se que:
a. O VPT não reclamado pelos adquirentes, do artigo matricial urbano n°9030, da freguesia e concelho de ..., de 1.464.920,00 euros;
b. A área deste artigo é de 1066,25m2
c. A área do terreno alienado é de 719m
9. Concluiu-se que O valor patrimonial tributário, correspondente à área do terreno alienado ascende a 987.833,51 € [1.464.920*(719/1.066,25)], sendo este o valor de referência, que nos termos do artigo 58° do Código do IRC e da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, constituirá o preço de transferência de plena concorrência. (fls. 8 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)
10. De que resultou o cálculo da mais valia fiscal de € 982.271,46 euros –(987.833,51 €-5.562,056).
11. Sendo esse o valor acrescido à matéria coletável para efeitos de IRC, do ano de 2003.
12. A impugnante foi notificada para exercício de audição prévia em 2/5/2007.
13. Apresentou requerimento datado de 1/6/2007, pronunciando-se sobre o projecto de relatório
14. O que foi apreciado no relatório, mas sem procedência»

Em sede de factualidade não provada, diz-se na Sentença recorrida que: «Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.»

E, a título de fundamentação da matéria de facto, exarou-se na Sentença recorrida que «A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram».

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B.DE DIREITO
Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade L..., LDA (doravante impugnante ou recorrida) deduziu contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2003 e respectivos juros compensatórios resultou de correcção aritmética da matéria tributável, no montante de € 9282.271,46, efectuada no âmbito de acção de inspecção, na qual a Administração Tributária detectou que naquele exercício a impugnante havia alienado pelo preço de € 20.000.00 a favor dos respectivos sócios e administradores o prédio urbano inscrito na matriz predial, da freguesia e concelho da ... sob o artigo 2456. Considerando, que o preço declarado se afasta do preço que seria praticado nesta operação, por entidades independentes, com recurso ao Valor Patrimonial Tributável (VPT) aplicou uma proporção do valor patrimonial tributável da totalidade do lote de terreno 9.030, estimando desde modo, um valor de referência para a área do terreno vendido.
Na sentença recorrida considerou-se que a relação comercial existente entre a impugnante (sociedade alienante) e os adquirentes do prédio urbano alienado se integrava no âmbito das designadas relações comerciais, e no que respeita ao método escolhido pela Administração Tributária consignou-se o seguinte:
« [P]ela simples razão de que o VPT se destina apenas ao cálculo da tributação do património e nunca a método de comparabilidade entre operações comerciais. Na avaliação do VPT aquele que avalia não compra, permanecendo indiferente - por força de lei - aos valores de mercado.
E nem mesmo foram atingidas as melhores intenções do legislador manifestadas no preâmbulo do CIMT, segundo o qual os novos critérios aproximariam os valores patrimoniais a cerca de 80% a 90% dos valores de mercado. A prova de que o VPT não equivale aos valores de mercado emerge da constatação de que, por certo, a maior parte dos contribuintes entregariam à AT os bens avaliados pela contraprestação do valor da avaliação, proporcionando ainda ao Estado um ganho de 10% a 20% (Terá sido esta possibilidade de ganho que levou o Exmo. Inspector a considerar que o VPT se poderia afastar do valor real, mas por defeito? (fls. 7 do relatório))...
Caso isso fosse legalmente possível, claro.
Mas o VPT não é, nem nunca foi, critério de comparabilidade nos preços de transferência. Nem poderia ser, por força do Art°104°/2 da Const que determina a tributação das empresas pelo lucro real, fundamentalmente.
Por isso instituiu vários critérios para determinação do preço de mercado, numa tentativa de aproximação a este valor para cumprimento do desiderato constitucional, os quais bem espelham as dificuldades do assunto. Porém, não foram as dificuldades do assunto que estiveram na origem do recurso ao VPT, mas sim por se considerar que este constitui um valor de referência, credível e objectivo, para estabelecer o preço de transferência de plena concorrência indicado pela Portaria 1446-C/2001.».
A discordância manifestada pela recorrente é ilustrada através do argumento, segundo o qual, a impossibilidade de obtenção de termo de comparação em iguais circunstâncias do valor do imóvel o método escolhido para determinação do preço de transferência (Valor Patrimonial Tributário -VPT-) «[t]em de ser tido como apto para o fim em causa e os cálculos na sua base efectuados não padecem de vício que os inquine.».
A questão que se coloca nos presentes autos, é, assim, a de saber da (i)legalidade do método utilizado pela Administração Tributária na determinação do valor da venda do imóvel identificado no ponto 3.a. do probatório.
E tal questão conduz-nos ao regime jurídico dos preços de transferência que tem, como é sobejamente sabido, como modelo o princípio de plena concorrência, ao determinar que nas operações efectuadas entre entidades relacionadas devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Á luz do n.º3 do artigo 58.º do CIRC (na redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro - designada Lei da “Reforma Fiscal”) os métodos de determinação dos preços de transferência são os seguintes:
- O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
- O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
Ao abrigo do n.º 13 do artigo 58.º do CIRC foi aprovada a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, na qual se estabelece, além do mais o seguinte:
Artigo 4.º
Determinação do método mais apropriado
1 – O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
2 – Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
3 – Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.
4 – Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.
5 – Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.».
Os preços de transferência, como já afirmamos, devem ser determinados de acordo com o princípio da plena concorrência (Nos termos do artigo 2º da Portaria nº 1446-C/2001, o princípio de plena concorrência é aplicável (i) às operações vinculadas entre sujeito passivo de IRS ou IRC e uma entidade não residente; (ii) às operações realizadas entre uma entidade não residente e um seu estabelecimento estável, incluindo as realizadas entre um estabelecimento estável em território português e outros estabelecimentos estáveis da mesma entidade situados fora deste território; (iii) operações vinculadas realizadas entre entidades residentes em território português sujeitos passivos de IRS ou IRC. E por força do nº 10 do artigo 58º do CIRC e do artigo 23º da citada Portaria, o princípio de plena concorrência é ainda aplicável ás situações neles previstas.) que seria o que vigoraria caso as transacções ou operações fossem organizadas entre entidades independentes. Talvez por esta razão, o legislador consagrou uma cláusula aberta a respeito dos métodos a adoptar para a determinação dos preços de transferência (veja-se a redacção da alínea b) do artigo 4º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, nos seguintes dizeres «ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas»), isto porque, para além dos cinco métodos fixados [Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM); Método do Preço de Revenda Minorado (MPRM); Método do Custo Majorado (MCM); Método da Margem Líquida da Operação (MMLO); Método do Fraccionamento do Lucro (MFL)] poderá ser adoptado outro método que for mais apropriado para cada operação ou série de operações, ou seja, aquele que for mais adequado a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade.
Dito por outras palavras, podem ainda ser aplicados métodos residuais ou alternativos desde que: os fixados pelo legislador não possam ser aplicados ou podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
No caso vertente, como bem notou a sentença recorrida, a escolha do recurso ao Valor Patrimonial Tributário sustentada no entendimento de que constituía « [u]m valor de referência, credível e objectivo, para estabelecer o preço de transferência de plena concorrência indicado pela Portaria 1446-C/2001.» sem que no caso trazido a juízo, a Administração Tributária justifique, nos dizeres da lei, que « [n]ão possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.» (cfr. al.b), n.º1 do artigo 4º da Portaria citada) não pode manter-se.
Isto pese embora, não se ignore toda a argumentação expendia pela recorrente na fase da contestação e nas alegações de recurso, de forma a justificar (note-se que o legislador é particularmente exigente no concernente escolha de métodos residuais/alternativos) o método utilizado para a determinação do preço de venda do imóvel em questão, contudo, não pode desconhecer que esse discurso fundamentador ["a posteriori"] é inadmissível (veja-se, neste sentido, a título meramente exemplificativo os acórdãos deste TCA de 23.11.2010 e 10.05.2011, proferidos, respectivamente, nos processos nº04312/10 e 03716/10, disponíveis em texto integral em vwvw.dgsi.pt).
Ou dito por outras palavras, justifica a recorrente na fase jurisdicional o que deveria ter justificado aquando da prolação do acto impugnado.
Deve ainda referir-se que confrontada com a conclusão a que chegou o Meritíssimo Juiz a quo, no sentido de que, a metodologia seguida pela Administração Tributária com base no critério Valor Patrimonial Tributável (VPT) não corresponde aos valores aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, a recorrente nenhuma palavra/expressão utilizou nesta sede de recurso para atacar este preciso segmento da sentença, concretamente quando nela se refere: « [o] preço de transferência foi encontrado em função da proporção da área do prédio 2456 (719m2) na área total do prédio (9030) avaliado (1066,25m2). (…) O valor de mercado de um prédio com 1066,25m2, será em regra, maior do que a soma de dois prédios com a área 719m2+347,25m2) com semelhante localização.».
O recurso deverá, pois, ser julgado improcedente.
Deste modo fica claro o não conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso devido à circunstância do recurso interposto pela Fazenda Pública ter sido julgado improcedente.
IV.CONCLUSÕES
I. O Legislador consagrou uma cláusula aberta a respeito dos métodos a adoptar para a determinação dos preços de transferência (veja-se a redacção da alínea b) do artigo 4º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, nos seguintes dizeres «ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas»), poderá ser adoptado outro método que for mais apropriado para cada operação ou série de operações, ou seja, aquele que for mais adequado a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade.
II. A aplicação de métodos residuais ou alternativos exige que se fundamente que os determinados pelo legislador não podem ser adoptados ou, que podendo sê-lo, não permitem obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
III. Está vedada por lei à Administração Tributária a possibilidade de justificar na fase jurisdicional (pois que só é permitida a fundamentação contextual) o que deveria ter justificado aquando da prolação do acto impugnado, pois tal, configura uma fundamentação sucessiva ou a posteriori.

V. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2018.
[Ana Pinhol]


[Jorge Cortês]


[Vital Lopes]