Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:200/11.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
IRC
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I. A liquidação oficiosa de IRC, emitida na sequência de falta declarativa por parte do contribuinte, é suscetível de impugnação, designadamente por inexistência de facto tributário.

II. Cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da inexistência de rendimentos no exercício em causa.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 17.02.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A. J. F. U. (na qualidade de representante da sociedade S.i. – S. I., Lda., extinta; doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinente ao exercício de 2006.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. No caso sub júdice, considerou o douto Tribunal que o Impugnante, cumpriu o ónus da prova, já que demonstrou que a sociedade deixou de exercer a sua atividade comercial e de obter qualquer rendimento a partir do ano de 2000.

C. Ao contrário do entendimento do douto Tribunal, mesmo que uma sociedade não tenha atividade, mantém a sua personalidade jurídica tributária, permanecendo como sujeito passivo – cfr. artigos 15.º e 18.º n.º 3 da LGT.

D. No caso em apreço, o Impugnante cessou a atividade em 30.06.2000, apenas para efeitos de IVA, no entanto, somente em 12.09.2009 ocorreu a decisão de dissolução e encerramento da liquidação, a qual transitou em julgado em 30.10.2009, ou seja, muito depois do termo do exercício de 2006.

E. No entanto, ao contrário do entendimento do douto Tribunal, uma sociedade sem atividade, mas que não tenha sido ainda liquidada, não obstante, ter sido cessada para efeitos de IVA, continua a ter existência jurídica e continua a ter obrigações fiscais, designadamente, a entrega da declaração Mod. 22, conforme estipulado nos artigos 112.º e 113.º do CIRC.

F. Assim e salvo a devida vénia, a declaração de cessação apenas para efeitos de IVA, não implica necessariamente a inexistência ou extinção de atividade, pois a extinção apenas se verifica com o registo do encerramento da liquidação – vide artigos 141.º e seguintes do CSC.

G. Por todo o exposto, face ao normativo legal e factos provados e salvo o devido respeito, que é muito, o douto Tribunal não andou bem ao considerar que o Impugnante cumpriu o ónus da prova, demonstrando que a sociedade deixou de exercer a sua atividade comercial e de obter qualquer rendimento a partir do ano de 2000, pois, a verdade é que o Impugnante não apresentou quaisquer elementos contabilísticos ou outros elementos fundamentais, que demonstrassem a invocada falta de atividade da sociedade.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que o Impugnante não logrou demonstrar a ausência de rendimentos da sociedade no exercício de 2006?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A sociedade S.I.-S. I., Lda. declarou o início da actividade em 25/06/1997 e tem por objecto social a actividade de “Comércio por grosso não especificado, representações, importação e exportação (cfr. fls. 48 do p.a.);

B) Em 30/06/2000, a sociedade referida na alínea precedente encerrou actividade para efeitos de IVA (cfr. fls. 24 a 26 do p.a.);

C) Em 12/10/2009 foi proferida decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade S.I.-S. I., Lda. que transitou em julgado em 30/12/2009 e foi registada na CRC em 16/12/2009 (cfr. fls. 47 dos autos);

D) A sociedade referida na alínea precedente não apresentou relativamente ao exercício de 2006, a declaração anula de rendimento – Modelo 22 (cfr. fls. 54 do p.a.);

E) Com base na totalidade da matéria colectável determinada para o exercício de 1998 foi emitida, em 31/03/2008, a liquidação adicional nº 20088310034035 no valor de €3.861,65 referente a 2006 (cfr. fls. 47 do p.a.);

F) Em 17/11/2010, foi enviado ofício nº 13937 ao Impugnante, no qual se refere:

“Assunto: NOTIFICAÇÃO DE IRC

Fica V. Ex.a notificado para, no prazo de 30 dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento da importância referente à liquidação oficiosa de IRC abaixo indicada (mediante guias de pagamento a solicitar neste Serviço de Finanças), relativa ao exercício a que respeitam os rendimentos, efectuada nos termos da alinea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - CIRC (antigo art." 83.0 CIRC), por falta de entrega da declaração de rendimentos, conforme nota demonstrativa junta. Findo esse prazo, sem que se mostre efectuado esse pagamento, proceder-se-á nos termos do art.º 88.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) à extracção da Certidão de Dívida, para instauração do processo executivo.

Da liquidação efectuada poderá V. Ex.a apresentar Reclamação Graciosa ou Impugnação Judicial, nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137,° do CIRC (antigo art.º 128.º CIRC) e 70º e 102.º do CPPT.

(Cfr. fls. 5 dos autos de reclamação graciosa);

G) Em 22/12/2010 o Impugnante apresentou reclamação graciosa que veio a ser indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras, de 28/01/2011 (cfr. fls. 12,13 e 14 dos autos de reclamação graciosa);

H) A sociedade S.I., Lda. não efectuou a redenominação do Capital social para euros (por falta de impugnação em confronto com o p.a.);

I) A sociedade S.I., Lda. não exerceu actividade desde 30/06/2000 (por falta de impugnação em confronto com o p.a.)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo e processo de reclamação graciosa junto aos autos”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, na sua perspetiva, o Impugnante não logrou demonstrar a ausência de rendimentos da sociedade no exercício de 2006.

Vejamos então.

In casu, estamos perante a reação a indeferimento de reclamação graciosa que teve por objeto a liquidação oficiosa de IRC, relativa ao exercício de 2006, emitida em aplicação do disposto no art.º 83.º, n.º 1, al. b), do Código do IRC (CIRC).

Nos termos do art.º 83.º do CIRC (redação à época):

“1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações a que se referem os artigos 112º e 114º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o montante mínimo previsto no n.º 4 do artigo 53.º ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) (Eliminada)

b) A correspondente à dupla tributação internacional;

c) (Eliminada)

d) A relativa a benefícios fiscais;

e) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 98º;

f) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 - Nos casos em que seja aplicável o regime simplificado de determinação do lucro tributável não há lugar à dedução prevista na alínea b) do número anterior.

4 - Ao montante apurado nos termos do nº 1, relativamente às entidades mencionadas no nº 4 do artigo 112º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no nº 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no nº 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no nº 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do nº 1.

7 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas b), d) e e) do nº 2 não pode resultar valor negativo.

8 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.os 2 a 4.

9 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 73º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 - A liquidação prevista no nº 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 93º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”.

A circunstância de a administração tributária (AT) estar legitimada a emitir liquidações oficiosas, para fazer face à ausência de autoliquidação por parte do sujeito passivo de IRC, não implica que as mesmas não sejam sindicáveis, desde logo com fundamento em inexistência de facto tributário, como foi o caso.
Na verdade, quer quando estamos perante autoliquidações, quer quando estamos perante liquidações oficiosas, inexistindo facto tributário, é sempre possível ao sujeito passivo invocar tal circunstância, designadamente em sede impugnatória.(1)

Com efeito, decorre, desde logo, da lei fundamental que “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Ademais, as presunções em matéria tributável são ilidíveis (cfr. art.º 73.º da Lei Geral Tributária – LGT).

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.11.2009 (Processo: 0553/09), para situações em que é aplicado o disposto no art.º 53.º, n.º 4, do CIRC, cuja doutrina é ora transponível:

“… [O] artigo 53.º n.º 4 do Código do IRC (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/09, de 13 de Julho) – vem sistematicamente incluída na Secção V (…), do Capítulo III (…) do Código do IRC, respeitante à “quantificação” da obrigação tributária, logicamente subsequente ao Capítulo respeitante à incidência (capítulo I) e ao respeitante às isenções (capítulo II).

A inserção sistemática da norma em causa no capítulo III do CIRC, o respeitante à determinação da matéria colectável, constitui um importante subsídio interpretativo para determinar o alcance da norma questionada. É que desta inserção sistemática resulta que a norma em causa não deve ser interpretada como procedendo a uma extensão da incidência objectiva do imposto, pois que se trata de norma inserida no procedimento de quantificação do imposto a pagar, procedimento este que pressupõe a prévia verificação dos pressupostos (objectivos e subjectivos) do tributo em causa, concretizados nas regras de incidência objectiva e subjectiva que se contêm no Capítulo I do Código.

Ora, dispõe o artigo 1.º do Código do IRC, sob a epígrafe pressuposto do imposto, que tem aqui o sentido de facto constitutivo da respectiva relação jurídica de IRC (…), que:

«O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo que provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, nos termos deste Código» (…).

(…) Parece certo, em face das normas de incidência subjectiva do IRC, que a inactividade da empresa não obsta a que esta possa ser sujeito passivo de imposto, pois que mantém a sua existência jurídica não obstante o não exercício do objecto social (embora a personalidade jurídica não seja, sequer, pressuposto da sua potencial sujeição – cfr. a alínea b) do n.º 1, do artigo 2.º do CIRC) e pode ter obtido outros rendimentos tributáveis. Sucede, contudo, que tal só sucederá verificado que seja o pressuposto do imposto, ou seja, que tenha obtido rendimentos, mesmo que provenientes de actos ilícitos (artigo 1.º do CIRC), pois que não basta que possa ser sujeito passivo, necessário é também que se verifique o facto constitutivo da relação jurídica de IRC.

É a esta luz que se há-de interpretar o n.º 4 do artigo 53.º do CIRC (…)

(…) A norma em causa, respeitante à determinação do lucro tributável, só se aplica havendo rendimentos, pois que só havendo rendimentos, ou seja, só verificado que seja o pressuposto do imposto, nasce a respectiva relação jurídica.

Mesmo nesse caso, ou seja havendo rendimentos, o valor mínimo constante da referida norma legal terá de ser entendido como mera presunção de rendimento, e como tal ilidível, ex vi do 73.º da Lei Geral Tributária, cuja regra não parece aplicável apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também a todas as normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação). É este, parece, o alcance do advérbio «sempre» utilizado no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, que arvora esta regra em princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva, como ensina CASALTA NABAIS (O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, Almedina, 1998, pp. 443 e ss.)

Assim (…), a existência de rendimentos tributáveis não é apenas um pressuposto do regime simplificado de tributação, mas da constituição de qualquer relação jurídica de IRC, que se assume, precisamente, como um imposto sobre rendimentos, fundamentalmente reais, e não como um imposto de ‘porta aberta’” [sublinhados nossos; no mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.10.2010 (Processo: 0609/10), de 02.03.2011 (Processos: 0997/10 e 01039/10), de 22.03.2011 (Processo: 0988/10), de 14.09.2011 (Processo: 0215/11) e de 05.12.2012 (Processo: 0474/11)].

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004, de 3 de março de 2004:

“A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei.

Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no pagamento de os impostos…”.

Posto este enquadramento, a liquidação em crise é sindicável, designadamente por inexistência de facto tributário, consubstanciado em falta de quaisquer rendimentos no exercício em análise [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.04.2015 (Processo: 0826/13)].

Cabe ao contribuinte, em situações como a dos autos, alegar e provar a inexistência de facto tributário [cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2012 (Processo: 0474/11) e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.10.2019 (Processo: 908/10.5BELRS) e de 13.10.2009 (Processo: 03436/09)].

Cumpre, então, considerando as regras de distribuição do ónus da prova a que nos vimos referindo, aferir se ocorreu erro de julgamento.

Assim, como resulta provado, para efeitos de IVA a atividade da sociedade em causa foi encerrada em 30.06.2000 [cfr. facto B)].

Por outro lado, o Tribunal a quo considerou demonstrado que a Recorrida não teve, no exercício em análise, qualquer atividade, como resulta da alínea I) da factualidade assente, o que nunca foi posto em causa.

Com efeito, apesar de a Recorrente invocar que “o Impugnante não apresentou quaisquer elementos contabilísticos ou outros elementos fundamentais, que demonstrassem a invocada falta de atividade da sociedade”, a verdade é que não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos prescritos no art.º 640.º do CPC.

Veja-se, por outro lado, que em momento algum o Tribunal a quo se sustentou exclusivamente na cessação de atividade para efeitos de IVA.

Como resulta da sentença:

“[J]ulga-se que, em casos de falta de rendimento em determinado exercício não pode o contribuinte ser tributado por não ter sido cumprida a obrigação de entrega da declaração de rendimentos.

A base de incidência do IRC é o lucro real efectivo.

Nos termos do art. 1º do CIRC, o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo que provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos.

Não havendo rendimento, não existe facto tributário que sirva de fundamento ao tributo.

(…)

Assim sendo, considera-se que o Impugnante cumpriu o ónus da prova, já que demonstrou que a sociedade deixou de exercer a sua actividade comercial e de obter qualquer rendimento a partir do ano de 2000”.

Assim sendo, considerando a decisão proferida sobre a matéria de facto, que não foi posta em causa, da qual decorre a inexistência de qualquer atividade (rendimento) desde 2000, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 02 de março de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)













1)Cfr., exemplificativamente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.02.2012 (Processo: 00175/05.2BEPRT).