Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02926/09
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:06/16/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
ARGUIDA
RECURSO JUDICIAL
Sumário:1.A arguida tem legitimidade para recorrer do despacho do chefe de serviço de finanças que, em sede de processo de contra-ordenação, lhe aplicou uma coima;
2. Mas carece de tal legitimidade, a pessoa colectiva que não a arguida, para da mesma decisão recorrer, não sendo também caso de rectificação de erro material da denominação da arguida, quando a sua denominação e o seu n.º de pessoa colectiva são completamente distintos dos atribuídos à arguida, e também se visa impugnar decisão diversa da proferida no mesmo processo de contra-ordenação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.a Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

A. O Relatório.
1. A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto do Tribunal recorrido, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que declarou nula a decisão de aplicação da coima e anulou todo o processado posterior, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na integra se reproduzem:

l. - A questão controvertida é a de saber se a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima sofre ou não da nulidade insuprível prevista no art. 63°, n° l al. d), com referência ao art. 79°, ambos do RGIT.
2.- A apresentação gráfica da decisão administrativa impugnada, subdividida em vários "quadros", em nada impede a análise do respectivo conteúdo como um todo, no qual estão, perfeitamente individualizados, para além das normas violadas e punitivas, o autor da infracção e os elementos que integram a infracção.
3. - A exigência da descrição sumária dos factos tem como ratio informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contra-ordenacional .
4. - Há que dar-se por preenchido tal requisito se a descrição dos factos feita pela autoridade que aplicou a coima permite que o arguido perceba claramente que não entregou uma prestação tributária que era devida, qual o seu valor e qual o período a que respeita.
5. - No caso dos autos a decisão administrativa que aplicou a coima contém, designadamente:
- A identificação do imposto - IRS;
- O período a que o mesmo se reporta - 2005/05;
- O valor da prestação tributária retida - 19.838,00 Eur;
- Que esta prestação não foi entregue nos cofres do Estado;
- As normas violadas e punitivas - arts. 98° do CIRS; arts. 114°, n° 2 e 26°, n° 4 do RGIT.
- A referência ao carácter negligente da conduta da arguida.
6. - Resulta desta descrição factual que não foi entregue ao Estado, no prazo legal, o montante de € 19.838,00, retido a título de IRS no mês de Maio de 2005.
7. - A indicação expressa, na decisão administrativa, do art. 98° do CIRS e a menção explícita à "falta de entrega do imposto retido na fonte", é suficiente para determinar a data em que foi cometida a infracção, 20 de Junho de 2005, pois "as quantias retidas" devem ser entregues "até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que dizem respeito" (art. 98°, n° 3).
8. - O apuramento do montante do imposto retido pela entidade devedora de rendimentos sujeitos a retenção, a entregar pela mesma entidade ao Estado, é feito pela própria entidade, que, para além da entrega mensal das quantias retidas no mês anterior, está ainda obrigada a entregar uma declaração anual relativa aos rendimentos que foram objecto de retenção de imposto (cfr. art. 119° do CIRS).
9. - Tal actividade insere-se no cumprimento dos deveres de cooperação atribuídos ao sujeito passivo da relação jurídica como forma normal de constituição desta e tem como suporte implícito os registos contabilísticos elaborados pelo próprio sujeito passivo, que é também "o principal responsável pela recolha e organização dos dados sobre os quais vai assentar a quantificação das dívidas fiscais".
10. - Esta realidade, porém, não foi considerada pelo despacho judicial ora recorrido, o qual, para além de ter subjacente uma leitura deficiente da decisão administrativa impugnada, não leva também em conta a intervenção e o conhecimento directo que a arguida tem relativamente à factualidade subjacente à mesma decisão.
11. - Não pode esperar-se, da decisão administrativa de aplicação de coima, o mesmo grau de exigência na respectiva elaboração que se espera duma sentença judicial, sob pena de se frustrarem os princípios que presidem ao direito de ordenação social, em que se inclui o regime das contra-ordenações, que engloba os actos lesivos dos interesses mais dinâmicos da administração.
12. - No caso concreto, a enunciação das razões consideradas pela administração tributária para decidir como decidiu permite que, quer a arguida, quer um contribuinte médio, obrigado a efectuar retenção de IRS, suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com experiência razoável da vida e das coisas, fiquem cientes da lógica e do raciocínio seguido, dos elementos constitutivos da infracção e das razões da aplicação da coima.
13. - Ao contrário do decidido na decisão judicial ora recorrida, o despacho administrativo que aplicou a coima contém, de forma suficiente, as indicações e referências concretas e individualizáveis aos elementos de facto legalmente exigidos, às normas violadas e punitivas e a outros elementos explicitados e levados em consideração na graduação da coima pela autoridade administrativa.
14. - Acresce que dos autos constam todos os elementos de facto que permitem o controlo judicial da aplicação da coima, estando por isso salvaguardado o cumprimento da tarefa de verificação dos factos e do controlo da lógica jurídica que enforma a decisão administrativa.
15. - O despacho judicial "a quo" errou, de facto e de direito, tendo violado o disposto nos arts. 63°, n.°l, al. d), 79°, n° l, al. b); 114°, n° 2, 26°, n° 4, todos do RGIT e 98° do CIRS
16. - Pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue válida a decisão administrativa que aplicou a coima.

Vas Excias, porém, Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores, apreciarão e decidirão conforme for de JUSTIÇA!

Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

O Exmo Representante do Ministério Público (RMP) , junto deste Tribunal, não emitiu qualquer parecer por o recurso ter sido interposto pela Exma Procuradora da República.

Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


b. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a recorrente tem legitimidade para deduzir o recurso judicial contra a decisão que aplicou a coima àquela outra sociedade, não sendo de conhecer de qualquer outra questão ao responder-se negativamente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal "a quo" não fixou separadamente da aplicação que fez do direito a factualidade considerada relevante para o efeito, certamente por ter declarada nula a decisão recorrida que aplicou a coima e ter anulado o processado posterior, sem ter conhecido do mérito do recurso, o que ora se colmata e se fixa o seguinte probatório, subordinado às seguintes alíneas, em ordem a conhecer a conhecer da única questão relevante nos presentes autos.
a) Em 15.9.2007, a Direcção de Serviço de Cobrança da DGCI levantou o auto de notícia de fls 3 dos autos, por a arguida, C…….., SA, NIPC …………, ter deixado de entregar nos cofres do Estado até 20.6.2005, o imposto retido na fonte de € 19.838,00;
b) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, de 22.2.2008, foi aplicada à arguida supra referida a coima de € 4.106,47 por tal infracção - cfr. doc. de fls 22/23 dos autos;
c) Por requerimento entrado em 2.1.2008, no mesmo Serviço de Finanças, veio K………………….., SA, pessoa colectiva n.° …………, declarar pretender interpor recurso do despacho que lhe aplicou a coima de € 3.991,60, por infracção ao disposto nos art.°s 26.° e 40.° do CIVA, recurso que foi admitido tendo, em sua sequência, vindo a ser proferida a decisão ora recorrida - cfr. fls 7 e segs dos autos.


4. A primeira e única questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a recorrente K………….. tem legitimidade para interpor o recurso judicial da decisão que aplicou a coima àquela outra empresa - a C…………………., SA - sabido que se tratam de entidades jurídicas distintas, com diferentes números de pessoa colectiva, sendo que até a decisão que a recorrente identifica como constituindo o objecto do recurso não é a mesma que foi cominada nos presentes autos: nos presentes autos está em causa uma infracção à entrega do imposto retido pela arguida (IRS) e não entregue nos cofres do Estado, tendo a coima aplicada sido de € 4.106,47, enquanto que a decisão recorrida, ao que a mesma identifica, se reporta a falta de entrega de IVA e em que terá sido aplicada a coima de € 3.991,60, ainda que identifique o processo de contra-ordenação com o n.°…………………, que corresponde, efectivamente, ao presente, como se pode ver em confronto com o n.° de processo constante de fls 2 dos autos.

Notificada as partes desta questão, veio a Fazenda Pública a pronunciar-se por ser negado provimento ao recurso por falta de objecto ou, que o mesmo seja rejeitado por falta de legitimidade da recorrente (fls 68/69 dos autos).
Já a recorrente se veio a pronunciar que por lapso do mandatário da recorrente foi o recurso interposto em nome da K………… quando o devia ter sido em nome de CHR, tratando-se de erro de escrita, passível de rectificação.

Os simples erros de cálculo ou de escrita passíveis de rectificação são aqueles que são revelados no próprio contexto da declaração e aí facilmente compreensíveis, ou sejam os lapsos ostensivos, nos termos do disposto nos art.°s 249.° do Código Civil e 661º do Código de Processe: Civil, o que não é, manifestamente, o caso dos autos.

Na verdade, no caso, a única característica comum invocada, pela recorrente consiste no número de processo de contra-ordenação - ………….. - tudo o mais nada tem que ver com a matéria dos presentes autos, começando pela denominação social da arguida, o seu número de pessoa colectiva, a infracção em que a mesma foi condenada e seu montante, pelo que não se pode concluir que nos encontramos perante um simples erro de escrita, rectificável a todo o tempo, como pretende a recorrente, tanto mais que em lado nenhum de tal requerimento deste recurso é expressamente referida a decisão de 22.2.2008, como constituindo c objecto de tal recurso, que nos presentes autos aplicou a coima à arguida.

Nos termos do disposto no art. ° 80.° n.°l do 2GIT, as decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de l.a instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação, podendo o recurso de impugnação ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor, nos termos do disposto no art. º59.° n.°2 do RGMOS, ex vi do art.° 3, b) do mesmo RGIT.

Ora, não sendo a recorrente arguida no presente processo de contra-ordenação e nem a lei lhe atribuindo, por outra razão, o direito de tal decisão recorrer, não dispõe a mesma de legitimidade para recorrer da decisão que aplicou àquela outra sociedade a coima em causa, pelo que tal recurso não poderá deixar de ser indeferido nos termos do disposto no art.° 687.°, n.°3 do CPC, quedando sem base legal todo o restante processado posterior, incluindo a sentença recorrida que não pode deixar de ser anulada.



C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em indeferir o recurso judicial interposto pelo requerimento de fls 7 e segs dos autos e em anular o posterior processado praticado, incluindo a sentença ora recorrida.

Custas pela recorrente K…………, SA, fixando-se a taxa de justiça em duas UCs.

Lisboa, 16 de Junho de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
RÓGERIO MARTINS
JOSÉ CORREIA