Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2313/04.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
CAUSA SUSPENSIVA
Sumário:1. A obrigação tributária constitui-se com a ocorrência do facto tributário, daí que o início do prazo prescricional se reporte ao facto tributário, sendo irrelevante o momento em que se efectiva a liquidação do tributo.
2. A interrupção da prescrição, quer na vigência do CPT, quer na vigência da LGT, elimina o prazo anteriormente decorrido para a prescrição (efeito instantâneo), obstando a que o novo prazo de prescrição decorra na pendência do processo que deu causa à interrupção (efeito duradouro), salvo se este processo esteja parado por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo (artigos 326.º, nº 1 e 327.º, nº 1 do CC e 49.º, n.º 2 da LGT).
3. A dispensa de prestação de garantia é equivalente à prestação de garantia (artigos 52.º, n.º 4 e 170.º do CPPT) e quando autorizada na pendência de uma reclamação graciosa suspende a execução fiscal e, consequentemente, suspende a prescrição (artigo 49.º, n.º 3 da LGT).
4. Os actos suspensivos são sempre de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, não se prevendo a cessação do efeito suspensivo sem que cesse o facto que o determinou, pelo que a paragem do processo de reclamação graciosa ou de impugnação por mais de um ano não imputável ao contribuinte não faz cessar nem o efeito interruptivo da prescrição, nem o efeito suspensivo.
5. A suspensão da execução fiscal decorrente da apresentação da reclamação graciosa, acompanhada da autorização de dispensa de prestação de garantia, seguida de impugnação judicial, nos termos referidos, determina a suspensão do prazo de prescrição, por força do disposto n.º 3 do artigo 49.º, da LGT, que no caso dos autos ainda se mantém na actualidade, por ainda não haver decisão definitiva ou passada em julgado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES QUE CONSTITUEM A SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou extinta, por inutilidade superveniente da lide, a impugnação judicial deduzida por M... – Agência de Comunicação, Lda, contra o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa das liquidações de IVA e Juros Compensatórios do exercício de 1998.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem ipsis verbis:

I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença que julgou extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, decorrente do facto de ter declarado a prescrição da obrigação tributária impugnada e, consequente, extinção da respectiva execução fiscal.

II - Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda aceitar tal decisão. Senão vejamos:

III - Em 29/10/2002, a impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8 a Reclamação Graciosa, apresentada conta o acto de liquidação adicional de IVA nº 02..., referente ao exercício de 1998, no valor de €2.119,89, que correu termos sob o nº 3107-02/4..., a qual mereceu despacho de indeferimento, proferido em 09/08/2004 pelo Director de Finanças de Lisboa, impugnado nos presentes autos de impugnação. (cfr. ponto E) do factos provados)

IV - Em 25/10/2002, foi instaurado no SF de Lisboa 8 o processo de execução fiscal nº 3... em nome da Impugnante referente ao IVA de 1998. (cfr. ponto F) do factos provados)

V - Citada a executada veio a mesma requerer, em 17/02/2004, a suspensão da execução por estar pendente reclamação graciosa, tendo o órgão de execução fiscal a notificado para prestar garantia.

VI - Em resposta, veio, então, a executada requerer a dispensa de garantia por não dispor de bens penhoráveis, o qual lhe foi indeferido.

VII - Do indeferimento, em 12/04/2004, deduziu reclamação, nos termos do disposto no artigo 276º, do CPPT, a qual foi instaurada no tribunal competente, com o nº 845/04.2BELRS.

VIII - Em 14/04/2004, a executada apresentou pedido de dispensa de garantia, agora fundado no decurso do prazo de caducidade do artigo 183-A, do CPPT, o qual não obteve resposta.

IX - Em 25/06/2004, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa - 2° Juízo proferiu sentença, no âmbito da RAOEF nº 845/04.2BELRS, deferindo a reclamação e, em consequência, declarou suspensa a execução, com dispensa de garantia, até que se mostre decidida a reclamação graciosa, por considerar que não fazia sentido prestar uma garantia que no preciso momento em que é constituída se tem por caduca, nos termos do artigo 183-A, do CPPT.

X - Ora, o art. 183.º-A, aditado ao CPPT pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, passou a permitir aos interessados obter a declaração de caducidade da garantia prestada pelo contribuinte ou constituída pela Administração Tributária, sem perder o efeito suspensivo da execução, se a reclamação graciosa em que fosse discutida a legal idade da liquidação não fosse decidida no prazo de um ano.

XI - Também neste sentido, e sobre as normas em questão, a jurisprudência tem vindo a sustentar o entendimento que, caducada a garantia, o processo de execução fiscal continuava suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento em que estaria se a garantia se mantivesse, ou seja, até à decisão do pleito, não sendo devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo. (Cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06.02.2013, recurso 1479/12 e de 26.04.2012, recurso 364/12, e de 18.09.2013, recurso 1332/13, in www.dgsi.pt.)

XII - Assim sendo, oferecida garantia suficiente para garantir a total idade da obrigação tributária em cobrança coerciva e do acrescido (sendo que no caso em apreço a apresentação da garantia não ocorreu somente porque não fazia sentido prestar uma garantia que no preciso momento em que é constituída se tem por caduca, nos termos do artigo 183-A, do CPPT), o processo executivo fica inevitável mente suspenso até à decisão do pleito que tenha por objecto a discussão da legal idade dessa obrigação (no caso, até à decisão das respectiva impugnação judicial), pois a cessação do efeito suspensivo não pode ocorrer sem que cesse o facto que o determinou.

XIII - Assim, in casu, a manutenção da suspensão da execução), apesar da caducidade da garantia (e, consequentemente, da suspensão da prescrição), verificar-se-á até que haja decisão, transitada em julgado, da presente impugnação.

XIV - Pelo que, relativamente à dívida em causa, o prazo prescricional de 8 anos, nos termos do disposto no art. 48° da LGT, ainda não ocorreu.

XV - Contudo, assim não entendeu o Tribunal "a quo" declarando prescrita a obrigação tributária impugnada e, consequente, extinção da respectiva execução fiscal, pelo que, face ao exposto, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento sobre a factualidade constante dos autos, consubstanciando esta errada interpretação e aplicação das normas legais já citadas.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, ordenando a rectificação da liquidação em apreço nos termos expostos, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.»

2. A recorrida, M... – Agência de Comunicação, Lda, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo enunciado as seguintes conclusões:

A. O Tribunal Central Administrativo Sul é absolutamente incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer o recurso interposto, devendo o mesmo, em consequência, ser rejeitado (cfr. o artigo 26.º, alínea b), do E.T.A.F. e os artigos 16.º, n.º1 e 280.º, n.º1, do C.P.P.T.).

B. Contrariamente ao alegado pela recorrente, ao julgar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, o tribunal a quo fez um correto julgamento sobre a factualidade constante dos autos.

C. Com efeito, conforme decidido pela mui douta sentença recorrida, a obrigação tributária sob litígio encontra-se claramente prescrita, por força do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da L.G.T..

D. Nos termos do n.º 1 do artigo 49.º da L.G.T., a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação judicial e o pedido de revisão oficiosa, interrompem a prescrição.

E. Por seu turno, conforme plasmado na mui douta sentença recorrida, nos termos do n.º 2 do artigo 49.º da L.G.T. (cuja revogação só se aplica aos casos em que o ano de paragem do processo termina a partir de 1-1- 2007), a paragem do processo por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

F. O n.º 2 do artigo 49.º da L.G.T. prevê, assim, uma regra de convolação dos efeitos interruptivos em efeitos suspensivos, nas situações, como ocorre no caso dos autos, em que o processo esteja parado por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo.

G. Aos 29-10-2002 a impugnante, ora recorrida, apresentou reclamação graciosa dos atos tributários supra referidos (cfr. o ponto E) dos factos dados como provados).

H. Processo que esteve parado, desde essa data, por mais de um ano, por motivo não imputável à recorrida.

I. Aos 28-01-2004 a recorrida foi citada para deduzir oposição no processo de execução fiscal (cfr. os pontos F), G) e H) dos factos dados como provados pela sentença recorrida).

J. Processo que, desde então, esteve parado, por mais de um ano, por motivo não imputável à recorrida.

K. A presente impugnação foi instaurada aos 28-09-2004 sendo que, depois de resposta a despacho, datado de 20-04-2005, o processo esteve igualmente parado, por mais de um ano, por motivo não imputável à recorrida.

L. Não podemos, assim, concordar com a recorrente, quando alega que a impugnante, ora recorrida, parte do pressuposto errado de que o prazo prescricional esteve suspenso apenas em função do tempo em que a reclamação graciosa esteve parada.

M. Carece de fundamento a alegação da recorrida, que traz à colação o regime da suspensão da execução fiscal, consagrado no artigo 169.º do C.P.P.T., na medida em que o efeito suspensivo verificado in casu adveio da degradação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, por força do n.º2 do artigo 49.º da L.G.T..

N. Da mesma forma, não pode acompanhar-se o entendimento sufragado pela recorrente, ao sustentar que, caducada a garantia, o processo de execução fiscal continua suspenso, mesmo sem garantia, até à decisão da presente impugnação judicial.

O. A recorrida nunca prestou garantia por forma a suspender a execução (cfr. o ponto K) dos factos dado como provados), nunca podendo vir a caducar uma garantia que nunca chegou a ser prestada.

P. Conforme decidido pela mui douta sentença de 25-06-2004, proferida no âmbito do processo n.º 845/04.2BELSR, a fls 179, a execução foi suspensa, com dispensa de garantia, até que fosse decidida a reclamação graciosa.

Q. Em cumprimento da aludida sentença, foi proferido, no processo de execução fiscal, a fls. 89, o seguinte despacho: “Em face da informação prestada, proceda-se em conformidade com a sentença proferida pelo Exmo. Senhor Juiz de Direito e suspenda-se a execução, sem garantia, até à decisão da reclamação” (sublinhado nosso).

R. A reclamação graciosa foi decidida, sendo indeferida, aos 9-8-2004, indeferimento esse notificado à ora recorrida aos 13-09-2004 (cf. o ponto E) dos factos dados como provados pela mui douta sentença recorrida).

S. O processo de execução ficou suspenso desde a data da sentença proferida no processo n.º 845/04.2BELSR até à data em que foi decidida a reclamação: 9-8-2004 ou, atendendo-se à data da notificação, 13-9- 2004.

T. A causa suspensiva só ocorreu, assim, até 9-8-2004, ou, se se atender à data da notificação, a 13-9-2004, pelo que, tendo a prescrição da dívida tributária sido requerida pela executada aos 26-03-2012, afigura-se evidente que há muito que se se encontram ultrapassados os oito anos exigidos para a completude do prazo prescricional, ex vi do n.º1 do artigo 48.º da L.G.T..

U. Bem andou, assim, o tribunal recorrido, ao decidir que a obrigação se encontra prescrita e, em consequência, julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.

Termos em que, negando provimento ao presente recurso, e confirmando a mui douta sentença recorrida, V. Exa. fará a costumada Justiça.»

3. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista nos autos à Exma. Procuradora-Geral Adjunta que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

4. A Recorrente notificada para se pronunciar sobre a questão prévia da incompetência deste TCA para conhecer do presente recurso suscitada nas contra-alegações de recurso, nada disse.

5. Colhidos os vistos legais juntos dos Excelentíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, 635.º n.º s 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).

Cumpre apreciar e decidir, a título prévio, da competência hierárquica deste Tribunal para conhecer do presente recurso.

Na improcedência desta exceção, em face das conclusões formuladas pela Recorrente, competirá ao Tribunal apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao julgar verificada a prescrição da obrigação tributária que emerge do sindicado acto de liquidação.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos termos que seguidamente se reproduzem ipsis verbis:

A) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º 13004 e 13005, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa da DGCI desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente ao exercício de 1998 e 1999, em sede de IVA, no âmbito da qual apurou-se IVA em falta no montante de 2.119,89€ para 1998 – cfr. fls. 157 dos Autos;

B) Em 28/12/2001 foi elaborado o Relatório de Fiscalização constante a fls. 155 a 161 dos Autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções em sede de IVA;

C) Em 21/05/2002 foi emitida pela AF a liquidação adicional de IVA n.º 02... em nome da Impugnante, referente ao exercício de 1998, no valor de 2.119,89€ - cfr. fls. 35 dos Autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

D) Em 21/05/2002 foi emitida pela AF a liquidação de IVA n.º 02… em nome da Impugnante, referente ao período de 9812 (Juros Compensatórios), no valor de 438,32€ - cfr. fls. 36 dos Autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

E) Em 29/10/2002 a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8º a Reclamação Graciosa relativa às liquidações de IVA referidas nas alíneas anteriores, que correu termos sob o n.º 3107-02/4...., e a qual foi indeferida por despacho de 9/08/2004 do Director de Finanças de Lisboa – cfr. fls. 87 dos Autos;

F) Em 25/10/2002 foi instaurado no SF de Lisboa 8 o processo de execução fiscal n.º 3… em nome da Impugnante referente ao IVA de 1998 – cfr. fls. 1 do PEF apenso aos Autos;

G) Em 19/01/2004, no âmbito do PEF n.º 3…, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 remeteu para a Impugnante através de correio registado o instrumento constante a fls. 23 do PEF apenso aos Autos, denominado de “Citação ”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

H) Em data não concretamente determinada, mas antes de 17/02/2004, a Impugnante foi citada no âmbito da execução fiscal referida na alínea anterior – por confissão, cfr. fls. 130 do PEF apenso aos Autos;

I) Em 17/02/2004, a Impugnante apresentou no SF de Lisboa 8, o requerimento constante a fls. 31 do PEF apenso aos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e através do qual refere que foi citada no âmbito do PEF referido em F) e que querer a suspensão do mesmo PEF;

J) Em 1/03/2004, o SF de Lisboa 8 remeteu para a Impugnante o oficio constante a fls. 135 dos PEF apenso aos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e através do qual informou o valor da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução fiscal;

K) Em 25/03/2004, o Chefe do SF de Lisboa 8 indeferiu o pedido de dispensa de garantia apresentada pela Impugnante – cfr. fls. 148 do PEF apenso aos Autos;

L) A PI deu entrada neste Tribunal a 30/09/2004 - cfr. fls. 1 dos Autos.


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Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


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2. DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA DO TCA SUL

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a da competência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do presente recurso, uma vez que esta questão assume carácter prioritário relativamente a todas as outras, conforme decorre do disposto no artigo 13.º do CPTA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT.

Por força do estatuído nos artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ao Tribunal Central Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, compete conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância, excepto quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, situação em que a competência será da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Em suma, cabe ao TCA apreciar o recurso que não tenho por fundamento exclusivamente matéria de direito, independentemente se serem bem ou mal invocados os vícios relativos à matéria de facto, dado que o STA é competente quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito.

Sobre a delimitação da competência do STA e TCA pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo Sul, nomeadamente no acórdão de 04/06/2013, processo n.º 06465/13, em cuja fundamentação nos louvamos, nos seguintes termos:

«O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Da leitura das conclusões de recurso, que acima ficaram transcritas e que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, resulta que as mesmas incidem sobre a prescrição da dívida emergente do acto tributário impugnado, invocando a Recorrente erro de julgamento sobre a factualidade constante dos autos (conclusão XV das alegações de recurso).

Invocando o recurso como fundamento erro de julgamento sobre a factualidade, deve o recurso interposto nos autos ser julgado neste Tribunal Central Administrativo Sul.

Termos em que improcede, por não provada, a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, invocada pela Recorrida.


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3. DO DIREITO

3.1. Do erro de julgamento da matéria de facto

Como já referido supra está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou prescrita a dívida tributária relativa a IVA do ano de 1998, objecto da impugnação deduzida pela Recorrida e, consequentemente, determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

A Fazenda Pública insurge-se contra a decisão da primeira instância, no entendimento de que o prazo prescricional de 8 anos ainda não ocorreu, alegando que a sentença recorrida não teve em consideração a sentença que declarou suspensa a execução fiscal, com dispensa de garantia, até que se mostre decidida a reclamação graciosa, alicerçada no entendimento que não fazia sentido prestar uma garantia que no preciso momento em que é constituída se ter por caduca, nos termos do artigo 183.º-A do CPPT (conclusões IX e XV das alegações de recurso).

A primeira questão que vem colocada pela Recorrente e que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto.

De salientar que a Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto por, no seu entendimento, ter sido omitida matéria de facto constante dos autos relevante para a decisão da causa.

Vejamos.

Da análise às alegações de recurso resulta que a Recorrente, embora não peça expressamente, pretende que sejam aditados ao probatório factos relativos à dispensa de garantia e suspensão da execução fiscal, pelo que consideramos que tal pedido se encontra implícito.

Adiantamos, desde já, que concordamos inteiramente com a Recorrente, pois, tais factos são, não só pertinentes, como também têm relevo para a decisão da prescrição da dívida tributária.

Aliás, a questão da suspensão da execução fiscal foi suscitada pela Fazenda Pública, tendo a Impugnante tido oportunidade, no exercício do princípio do contraditório, de se pronunciar sobre a suspensão do processo de execução fiscal na sequência da prolação da sentença proferida no âmbito do processo n.º 845/04.2BELSR, conforme decorre do requerimento apresentado em 03/12/2012 (fls. 821 e segs. da numeração dos autos de suporte físico).

Consequentemente, tendo o tribunal recorrido omitido a pronúncia decisória que era devida quanto a esta factualidade, há que ampliar tal matéria, uma vez que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito.

3.1.1. Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), adita-se ao probatório as alíneas M), N) e O), cujos factos resultam documentalmente provados nos autos, nos termos que se seguem:

M) Em 12/04/2004 a Impugnante deduziu reclamação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia referida na alínea K) supra, nos termos dos artigos 276.º e segs. do CPPT, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 845.2BELSB (cfr. fls. 176 a 179 do processo de reclamação apenso);

N) Em 25/06/2004 foi proferida sentença no processo identificado na alínea anterior, que deferindo a reclamação, declarou a execução suspensa, com dispensa de garantia, até que se mostre decidida a reclamação graciosa (cfr. fls. 176 a 179 do processo de reclamação apenso);

O) Na sequência da prolação da sentença referida na alínea anterior a execução fiscal n.º 3… foi suspensa (cfr. ofício de fls. 808 da numeração os autos de suporte físico).


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3.2. Do erro de julgamento de direito

Estando decidida a questão relativa ao invocado erro no julgamento da matéria de facto, importa agora apreciar a questão de saber se o tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar prescrita a dívida exequenda, por violação do disposto no artigo 48.º da LGT.

Entende a Recorrente que a sentença recorrida não teve em correcta apreciação o efeito suspensivo ocorrido no processo de execução fiscal.

Refere em abono da sua tese, que a manutenção da suspensão da execução, apesar da caducidade da garantia (sendo que no caso dos autos a apresentação da garantia não ocorreu somente porque não fazia sentido prestar uma garantia que no preciso momento em que é constituída se tem por caduca, nos termos do artigo 183.º-A do CPPT) verificar-se-á até que haja decisão, transitada em julgado, da presente impugnação, pelo que o prazo prescricional de 8 anos ainda não ocorreu.

A sentença decidiu a questão da prescrição nos seguintes termos:

Estando em causa nos presentes Autos uma dívida de IVA de 1998, haverá que atender, para efeito de contagem da prescrição desta, ao regime do art. 48º da Lei Geral Tributária (LGT).

Dito isto, consta dos factos assentes que em 25/10/2002 foi instaurado em nome da Impugnante no serviço de finanças de Lisboa 8 o processo de execução fiscal subjacente à liquidação adicional de IVA e que no âmbito desta execução está provado que a Impugnante foi citada em Fevereiro de 2004.

Ora, nos termos do artigo 49º da LGT, a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação judicial e o pedido de revisão oficiosa, interrompem a prescrição.

Por seu turno, de acordo com o nº 2 do referido artigo, entretanto revogado pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (cuja revogação só se aplica aos casos em que o ano de paragem do processo termina a partir de 01/01/2007), a paragem do processo por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

Assim, fazendo a aplicação do prazo de 8 anos ao caso em apreciação temos que:

- O primeiro facto interruptivo da prescrição ocorreu com a citação ocorrida em Fevereiro de 2004.

Sucede, porém, que a execução fiscal esteve parada, por mais de um ano, sem que tal paragem seja imputável à ora Impugnante.

Assim sendo, nos termos do estatuído no artigo 49º, nº 2 da LGT, aplicável ao caso em análise, o prazo de prescrição esteve suspenso (ou melhor, o efeito interruptivo degradou-se em suspensivo) entre a citação, em Fevereiro de 2004 e Fevereiro de 2005.

Face a tudo o que fica dito, é, pois, de concluir que, no caso em análise, o prazo prescricional se completou (completou-se o prazo de 8 anos), nos termos expostos, desta forma se verificando a prescrição da obrigação tributária impugnada e ainda subsistente.

Assim, e face ao que fica dito, por força do decurso do prazo prescricional é de declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, não se conhecendo o mérito da causa.

Resulta, do exposto, que o Mmo. Juiz a quo decidiu a prescrição da divida tributária sem que tenha aflorado a dispensa da garantia e a suspensão da execução fiscal e os seus efeitos na contagem do prazo prescricional, pelo que neste aspecto tem razão a Recorrente.

Como é consabido, a prescrição é o instituto jurídico pelo qual se extingue o direito do credor de poder exigir o cumprimento da respectiva obrigação.

A obrigação tributária constitui-se com a ocorrência do facto tributário, daí que o início do prazo prescricional se reporte ao facto tributário, sendo irrelevante o momento em que se efectiva a liquidação do tributo.

Nos autos está em causa a prescrição da dívida de IVA e juros compensatórios do ano de 1998, pelo que terá que se atender, para efeitos de contagem da prescrição, aos regimes de prescrição fixados, sucessivamente, no artigo 34.º do Código de Processo Tributário (CPT) e no artigo 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que estamos perante uma situação tributária que, iniciada antes da entrada em vigor de uma nova lei reguladora da prescrição, continuou depois de revogada a lei anterior.

Efectivamente, o anterior CPT, entrou em vigor em 01/07/1991 e, no que toca ao regime de prescrição, foi substituído pela LGT, sendo que esta entrou em vigor em 01/01/1999, conforme preceituado no artigo 6.º do Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro que aprovou aquele diploma.

O CPT esteve em vigor até 31/12/1998, e no seu artigo 34.º, estabelecia um prazo de prescrição da obrigação tributária de 10 anos, a contar do início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário (cfr. n.ºs 1 e 2).

De acordo com o n.º 3 da citada norma, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompiam a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo que deu causa à interrupção estivesse parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, nesse caso, o tempo decorrido após esse período ao que tivesse decorrido até à data da autuação.

Acontece que, em 01/01/1999, entrou em vigor a LGT que, no seu artigo 48.º, n.º 1, encurtou o prazo de prescrição para 8 anos.

Assim, em obediência aos princípios que regulam a aplicação da lei no tempo, a situação em análise haverá de encontrar solução à luz da lei vigente à data da constituição da dívida, sem prejuízo de se considerar a regra do artigo 297.º do Código Civil (CC), preceito este que ainda hoje rege a alteração de prazos e consequentemente as normas aplicáveis da LGT (cfr. n.º 1, do artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).

Como ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297.º do CC, este prazo de 8 anos é aplicável aos factos tributários ocorridos antes de 01/01/1999, mas só começa a contar a partir desta data, a não ser que segundo a lei antiga (CPT) falte menos tempo para o prazo se completar.

No caso dos autos, a divida de IVA respeita ao ano de 1998, o que significa que o facto tributário ocorreu ainda na vigência da CPT, porém, à data da entrada em vigor da LGT (01/01/1999), faltava mais tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto no CPT do que o de 8 anos previsto no n.º 1, do artigo 48.º da LGT (cfr. artigo 297.º do CC).

­­­Relativamente às causas interruptivas da prescrição, resulta do artigo 49.º, n.º 1, da LGT (na redacção dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho) que a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição, sendo que, até à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 31/12 (em 01/01/2007), a paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, também fazia cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo decorrido após esse período ao que tivesse decorrido até à data da autuação (cfr. art.º 49º, n.º 2, da LGT).

Dito por outras palavras, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao n.º 1 do artigo 49.º da LGT, introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, ou seja, antes de 01/01/2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência, isto é, eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (vide, entre outros, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/10/2013, proc. n.º 1476/13, de 05/06/2013, proc. n.º 903/13, de 06/03/2013, proc. n.º 208/13, de 19/12/2012, proc. n.º 1372/12, de 20/10/2010 proc. n.º 720/10 e de 2/3/2011, proc. n.º 1038/10, e Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª ed., 2010, pág. 73).

Porém, com a entrada em vigor da referida Lei n.º 53-A/2006 o artigo 49.º, n.º 2, da LGT foi revogado, sendo que essa revogação se aplicou a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tivesse decorrido o período superior a um ano de paragem do processo (cfr. art.º 91º da Lei n.º 53-A/2006, de 31/12).

A interrupção da prescrição, quer na vigência do CPT, quer na vigência da LGT, elimina o prazo anteriormente decorrido para a prescrição (efeito instantâneo), obstando a que o novo prazo de prescrição decorra na pendência do processo que deu causa à interrupção (efeito duradouro), salvo se este processo esteja parado por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo (artigos 326.º, nº 1 e 327.º, nº 1 do CC e 49.º, n.º 2 da LGT).

Neste caso, desaparece o efeito próprio da interrupção, de inutilização do tempo decorrido anteriormente, e tudo se passando como se o facto que era interruptivo fosse um facto suspensivo.

De ter ainda em consideração que, o artigo 49.º, n.º 3, da LGT (na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 31/12), previa a suspensão do prazo de prescrição por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.

Esta norma geral sobre causas de suspensão tem precisamente os mesmos efeitos, relativamente aos factos que indica, dependente da suspensão do processo de execução fiscal, que tinham as causas de suspensão previstas em diplomas especiais no domínio do CPT, ou seja, elas obstam ao decurso da prescrição durante o período em que se mantiveram, produzindo os seus efeitos independentemente dos efeitos interruptivos (vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa in Sobre a Prescrição da obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, pág. 59 a 61).

Sobre a compatibilização do regime de cessação de efeito interruptivo (que se transforma em suspensivo com a paragem do processo por mais de um ano), previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 49.º, com o efeito suspensivo atribuído no n.º 3 do mesmo artigo, refere Jorge Lopes de Sousa, «(…) compreende-se que o efeito interruptivo cesse por paragem do processo por mais de uma ano por facto não imputável ao contribuinte, pois essa paragem será imputável aos serviços estaduais que devem fazer tramitar atempadamente os processos administrativos e judicias. Mas, também se compreende que, sendo o fundamento da prescrição das obrigações a negligência do credor em cobrar a dívida, não se deixe correr o prazo de prescrição enquanto este credor está legalmente impossibilitado de providenciar no sentido de a cobrança ser efectuada.» (vide ob. cit. pág. 60).

A citada Lei n.º 53-A/2006 (em vigor desde 01/01/2007) revogou o n.º 2 e aditou um n.º 4 ao art.º 49º da LGT, passando a prever a suspensão do prazo de prescrição em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição (nova causa de suspensão do prazo de prescrição), quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.

Vejamos, então, face à factualidade vertida no probatório, se o prazo de prescrição já decorreu perante a ocorrência de factos com efeito interruptivo ou suspensivo previstos na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com a regra contida no artigo 12.º do Código Civil

Como já se viu à liquidação de IVA dos autos, que respeita ao ano de 1998, aplica-se o prazo de prescrição de 8 anos previsto no n.º 1, do artigo 48.º da LGT.

Assim, o prazo de prescrição iniciado em 01/01/1999 completar-se-ia a 31/12/2006 se, até lá, não ocorresse qualquer facto interruptivo ou suspensivo da prescrição.

Conforme resulta do probatório foi deduzida reclamação graciosa em 29/10/2002, a qual foi indeferida por despacho de 09/08/2004 (alínea E) do probatório).

Em 25/10/2002 foi instaurado processo de execução fiscal destinado à cobrança coerciva da divida impugnada (alínea F) do probatório), tendo a executada sido citada, segundo ela, em 28/01/2004, conforme refere no requerimento em que suscitou a prescrição (cfr. fls. 790 e segs. da numeração dos autos de suporte

Instaurada a execução fiscal, e citada a executada (alínea H) do probatório) veio requerer em 17/02/2004, a suspensão daqueles autos, tendo o pedido de dispensa de garantia sido indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8 (alíneas H), I), J) e K) do probatório), e deduzida reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, veio por sentença proferida em 25/06/2004 a ser declarada a suspensão da execução, com dispensa de garantia, até que se mostre decidida a reclamação graciosa (alíneas M) e N) do probatório).

Na pendência da reclamação graciosa, a Impugnante, aqui Recorrente, foi dispensada da prestação de garantia até que se mostre decidida a reclamação graciosa e suspensa a execução fiscal (alíneas M), N) e O) do probatório).

Assim sendo, ao contrário do afirmado na sentença sob recurso o primeiro facto interruptivo da prescrição não ocorreu com a citação, mas com a apresentação da reclamação graciosa que determinou a suspensão da execução fiscal em virtude de autorização de dispensa de garantia.

Acresce que, a afirmação constante da sentença de que a execução fiscal esteve parada por mais de um ano, sem que tal paragem seja imputável à Impugnante, entre Fevereiro de 2004 e Fevereiro de 2005, para além de não ter qualquer reflexo na matéria de facto dada como provada, faz tábua rara de que foi deduzida reclamação do acto de execução fiscal contra o indeferimento da dispensa de garantia e posterior desenvolvimento. Mais, não considera que o pedido de dispensa de garantia tem o mesmo efeito que o pedido de prestação de garantia, a nível de prosseguimento da execução fiscal, a qual fica suspensa provisoriamente. Olvidou ainda o Mmo Juiz a quo, outros factos determinantes para o computo do prazo de prescrição, designadamente, a instauração da presente impugnação e a suspensão da execução fiscal, por dispensa de prestação de garantia na pendência da reclamação graciosa, por decisão judicial proferida em 14/04/2004.

A suspensão do prazo de prescrição, em consequência da suspensão da execução fiscal em resultado da autorização de dispensa de garantia na pendência de reclamação graciosa, tem como efeito que este não comece a correr enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT (na redacção anterior à dada pela Lei 100/99) e 318.º a 320.º do CC.

Os actos suspensivos são sempre de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, não se prevendo a cessação do efeito suspensivo sem que cesse o facto que o determinou, pelo que a paragem do processo de reclamação graciosa ou de impugnação por mais de um ano não imputável ao contribuinte não faz cessar nem o efeito interruptivo da prescrição, nem o efeito suspensivo.

Como se viu, o prazo de prescrição, que se iniciou em 01/01/1999, interrompeu-se com a apresentação de reclamação graciosa, depois com a citação da executada no âmbito da execução fiscal e suspendeu-se a seguir com a dispensa de garantia na pendência da reclamação graciosa, seguida da presente impugnação judicial.

Alega a recorrida que nunca prestou garantia por forma a suspender a execução. Embora tenha razão, esquece que pediu a dispensa de prestação de garantia e que a mesma lhe foi conferida.

A dispensa de prestação de garantia é equivalente à prestação de garantia (artigos 52.º, n.º 4 e 170.º do CPPT) e quando autorizada na pendência de uma reclamação graciosa suspende a execução fiscal e, consequentemente, suspende a prescrição (artigo 49.º, n.º 3 da LGT).

A Recorrida invoca ainda que a causa suspensiva só ocorreu até 09/08/2004, data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou se se atender à data da notificação daquela decisão, em 13/09/2004.

Porém, com o devido respeito, não se pode concordar com esta asserção.

Apesar de constar da decisão judicial que dispensou a prestação de garantia, no segmento decisório, que «(…) declaro suspensa a execução com dispensa de garantia, até que se mostre decidida a reclamação graciosa.», devemos interpretar o segmento decisório no sentido da suspensão da execução até que a decisão do pleito que tenha por objecto a discussão da legalidade dessa obrigação (artigo 169.º do CPPT).

Tal entendimento decorre da letra da lei e é secundado pela interpretação pacifica da jurisprudência (vide neste sentido acs. do STA de 08/05/2013, proc. n.º 0629/13; de 21/01/2015, proc. n.º 0660/14; e de 12/10/2016, proc. n.º 0935/16; todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Assim, o processo de execução fiscal mantem-se ainda suspenso, nos termos do n.º 3, do artigo 49.º da LGT e 169.º do CPPT, pelo que a eventual paragem do processo por mais de um ano não determina a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, para efeitos do n.º 2, do artigo 49.º da LGT (revogado).

Efectivamente, o processo de execução fiscal encontra-se suspenso por dispensa de garantia, acompanhada de dedução de reclamação graciosa, o que determina a suspensão do prazo de prescrição (cfr. n.º 3, do artigo 49.º, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro) até à decisão do pleito que tenha por objecto a discussão da legalidade da liquidação.

Recapitulando, a instauração reclamação graciosa ou de impugnação judicial ou qualquer outro meio processual que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda (agora também a dedução de oposição à execução fiscal), suspendem a execução até à decisão do pleito, desde que seja constituída ou prestada garantia ou desde que a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido ou seja autorizada a dispensa de garantia (cfr. artigos 169.º, 195.º, 199.º e 212.º, do CPPT, e art. 52.º da LGT).

A suspensão da execução fiscal decorrente da apresentação da reclamação graciosa, acompanhada da autorização de dispensa de prestação de garantia, seguida de impugnação judicial, nos termos referidos, determina a suspensão do prazo de prescrição, por força do disposto n.º 3 do artigo 49.º, da LGT, que no caso dos autos ainda se mantém na actualidade, por ainda não haver decisão definitiva ou passada em julgado.

Concluindo, atento que nos presentes autos está em causa a liquidação de IVA do ano de 1998, que a contagem do prazo prescricional se iniciou em 01/01/1999, e que o processo executivo instaurado para cobrança coerciva daquele imposto se encontra suspenso por força de dispensa de prestação de garantia por sentença proferida em 14/04/2004, acompanhada da dedução de reclamação graciosa e posterior impugnação judicial, resulta manifesto que nesta data ainda não se esgotou o prazo prescricional de 8 anos fixado na lei, pelo que mal andou o Tribunal recorrido ao declarar prescrita a obrigação tributária em apreço e, consequentemente, julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Face ao exposto, é manifesto que não ocorreu ainda a prescrição da dívida tributária, objecto do presente recurso, pelo que na procedência das conclusões de recurso, padece a sentença do erro de julgamento que lhe vem assacado, não podendo por essa razão manter-se na ordem jurídica.

Aqui chegados, verifica-se que a sentença recorrida ao declarar prescrita a divida tributária, absteve-se de conhecer as questões suscitadas na petição inicial, por as ter considerado prejudicadas pela solução dada ao litígio, nomeadamente no que concerne à violação do direito de audição prévia, à falta de fundamentação e ao invocado erro nos pressupostos de facto.

Atento o preceituado no n.° 2, do artigo 665.° do CPC, prevê-se a hipótese de o TCA, se entender que a apelação procede e nada obstar à apreciação daquelas questões, delas possa conhecer, em substituição, no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários.

Tenha-se presente que a primeira instância deve selecionar os factos assentes e os controvertidos, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e não apenas os factos que relevam para a solução jurídica que considera correcta, desprezando os factos relevantes para a decisão da causa, por forma também a não frustrar o recurso da matéria de facto (dupla apreciação).

Porém, no caso dos autos o tribunal a quo, na sentença recorrida, limitou-se a decidir a matéria de facto somente quanto à verificação da prescrição, sendo completamente omissa quanto à demais factualidade alegada relativa aos vícios assacados ao acto impugnado.

Acresce referir que a Impugnante, ora Recorrida, arrolou testemunhas e juntou documentos à petição inicial.

Nesta conformidade, impõe-se a devolução do processo à primeira instância para que ali se apreciem os fundamentos da impugnação apresentada pela Impugnante, aqui Recorrida, com prévia ampliação da matéria de facto, face à prova requerida e produzida nos autos, se nenhuma outra excepção ou questão prévia a tal obstar (cfr. Acs. deste TCA Sul de 13/2/2014, proc. n.º 7193/13; de 16/10/2014, proc. n.º 7780/14; de 27/11/2014, proc. n.º 8076/14; de 18/02/16, proc. n.º 9089/15; de 25/06/2019, proc. n.º 137/11.0BEBJS; e de 23/04/2020, proc. n.º 142/01.5BELRS).

Termos em que procede o recurso.


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Conclusões/Sumário:

1. A obrigação tributária constitui-se com a ocorrência do facto tributário, daí que o início do prazo prescricional se reporte ao facto tributário, sendo irrelevante o momento em que se efectiva a liquidação do tributo.

2. A interrupção da prescrição, quer na vigência do CPT, quer na vigência da LGT, elimina o prazo anteriormente decorrido para a prescrição (efeito instantâneo), obstando a que o novo prazo de prescrição decorra na pendência do processo que deu causa à interrupção (efeito duradouro), salvo se este processo esteja parado por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo (artigos 326.º, nº 1 e 327.º, nº 1 do CC e 49.º, n.º 2 da LGT).

3. A dispensa de prestação de garantia é equivalente à prestação de garantia (artigos 52.º, n.º 4 e 170.º do CPPT) e quando autorizada na pendência de uma reclamação graciosa suspende a execução fiscal e, consequentemente, suspende a prescrição (artigo 49.º, n.º 3 da LGT).

4. Os actos suspensivos são sempre de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, não se prevendo a cessação do efeito suspensivo sem que cesse o facto que o determinou, pelo que a paragem do processo de reclamação graciosa ou de impugnação por mais de um ano não imputável ao contribuinte não faz cessar nem o efeito interruptivo da prescrição, nem o efeito suspensivo.

5. A suspensão da execução fiscal decorrente da apresentação da reclamação graciosa, acompanhada da autorização de dispensa de prestação de garantia, seguida de impugnação judicial, nos termos referidos, determina a suspensão do prazo de prescrição, por força do disposto n.º 3 do artigo 49.º, da LGT, que no caso dos autos ainda se mantém na actualidade, por ainda não haver decisão definitiva ou passada em julgado.


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IV. DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e consequentemente, ordenar a devolução dos autos ao Tribunal recorrido para que, aí, após ampliação da matéria de facto, seja proferida nova decisão, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida.

Notifique.

Lisboa, 7 de Maio de 2020.


Maria Cardoso - Relatora

Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta

Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)