Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03578/08
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1. A caducidade do direito de acção prevista no artigo 255º do RJEOP configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que o autor invoca, integrando, pois, o domínio das excepções peremptórias.
2. O prazo de caducidade previsto no referido preceito é matéria que se encontra excluída da disponibilidade das partes, pelo que a referida excepção peremptória é de conhecimento oficioso; por isso, não padece de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que dela conheça sem que a mesma tenha sido suscitada pelas partes.
3. Para a apreciação da excepção peremptória da caducidade do direito de acção que verse questões sobre interpretação, validade e execução do contrato de empreitada, o tribunal de 1ª instância tem de indagar, além do mais, em que data foi notificada ao empreiteiro a decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do mesmo.
4. A omissão na averiguação e na fixação desse facto conduz à anulação da sentença e à determinação da remessa do processo ao Tribunal a quo, para melhor investigação e nova decisão (cfr. artigo 712º do CPC, actual artigo 662º).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

L……, SA interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 19/05/2006, no âmbito da acção administrativa comum que instaurou contra a CÂMARA MUNICIPAL DE VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO, nos termos da qual foi “extinta a instância nos presentes autos por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 287º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do previsto no artigo 1º do CPTA e atento o que preceitua o n.º 3 do art. 261º e os arts. 263º e 264º todos do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março”.

Conclui assim as suas alegações:
“1.ª – Vem o presente recurso interposto da sentença que, julgando a acção, intempestiva, decidiu a extinção da instância por inutilidade superveniente da mesma.
2.ª – Ressalvado o devido respeito, a interposição da acção fora de prazo configura uma questão de caducidade e não de “inutilidade da lide”, a qual, ressalvados os casos em que se trata de matéria não excluída da disponibilidade das partes, para ser eficaz, necessita de ser invocada a quem aproveita, nos termos dos arts. 333º, n.º 2 e 303º, ambos do Código Civil.
3.ª – O tribunal não pode dela conhecer ex officio, pelo que houve excesso de pronúncia, o que gera a nulidade da decisão, nos termos do art. 668º, n.º 1 alínea d) do Cód. Proc. Civil.
4.ª – Ratio essendi, quanto mais não fosse, para a procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão sub judice, a fim de ser substituída por outra que ordene o normal andamento do processo. Sem conceder,
5.ª – Ainda que assim não se considerasse, tendo a recorrente solicitado indemnização (doc. n.º 1) sem que tivesse havido resposta e apresentado o pedido de tentativa de conciliação no dia 15/01/2003 e notificada do “Auto de não conciliação” no dia 16/01/2004, a acção é sempre tempestiva.
6.ª – Em qualquer dos casos, i.é, se se considerar que o pedido de tentativa de conciliação inutiliza o prazo decorrido, como, de facto, é, ou se apenas se entender que o suspende, a verdade é que a acção foi intentada nos 132 dias que a recorrente dispunha e respeitou.
7.ª – Porque no primeiro caso de contagem do prazo, que – insista-se – é o correcto, decorreram apenas 47 dias e no segundo caso em bom rigor decorreram apenas os mesmos 47 dias.
8.ª – Por todo o exposto, a decisão recorrida violou os arts. 303º e 333º n.º 3 do Cód. Civil, arts. 493º n.º 3 e 668º n.º 1 alínea d) do Cód. Proc. Civil e arts. 225º, 261º e 264º estes do Decreto-lei n.º 59/99, de 02 de Março, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nestas conclusões.
9.ª – O tribunal a quo aplicou o art. 287º do Cód. Proc. Civil, o que, porém, não se aplica à situação sub judice.”

Termina, pedindo que seja “concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida”.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
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As questões a decidir no presente recurso – delimitadas pelas conclusões das alegações da recorrente [cfr. artigos 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 140º do CPTA] – consistem em saber se a sentença recorrida:
(i) É nula por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 668º, n.º 1, al. d) do CPC, em virtude de ter conhecido da caducidade do direito de acção, sem que a mesma tenha sido suscitada pelas partes;
(ii) Incorreu em erro de julgamento ao considerar a presente acção intempestiva.

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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:

A) Em 2000.06.23, o Autor e a Ré celebraram o “Contrato de Empreitada de Obra Pública para Adaptação do Torreão Sul a Arquivo Municipal” (cfr. doc. nº 1 – fls. 11 a 17).
B) Em 2001.10.18 foi celebrado o “Contrato de Empreitada de Contenção do Torreão Sul e Edifícios Envolventes” (cfr. doc. nº 2 – fls. 18 a 21).
C) Em 2000.10.02 foi lavrado o Auto de Consignação de Trabalhos (cfr. doc. nº 3 – fls. 23 e 24).
D) A obra esteve suspensa até Dezembro de 2001 (cfr. artº 12º da pi).
E) Em 2004.01.16 o Autor recebeu o auto de Tentativa de Não Conciliação (cfr. doc. nº 4 – fls. 25).
F) O Autor requereu a Tentativa de Conciliação extra judicial junto do CSOPT em 2003.01.15 (cfr. artº 38º da pi).
G) Na presente data, foi constatada a extemporaneidade da interposição da acção sub judice.

2. Do Direito

2.1. A autora, ora recorrente, instaurou no TAF de Loulé acção administrativa comum com processo na forma ordinária, com vista a obter a condenação da ré, ora recorrida, a pagar-lhe a importância de € 148.726,71.
O TAF de Loulé, após concluir “pela intempestividade da presente acção”, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
A recorrente, discorda desta decisão judicial, entendendo que a mesma é nula por excesso de pronúncia e que incorre em erro de julgamento de direito.
São essas, pois, as questões que cumpre apreciar e decidir.

(i) Nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia

Sustenta a recorrente que “a interposição da acção fora de prazo configura uma questão de caducidade e não de “inutilidade da lide”, a qual, ressalvados os casos em que se trata de matéria não excluída da disponibilidade das partes, para ser eficaz, necessita de ser invocada a quem aproveita, nos termos dos arts. 333º, n.º 2 e 303º ambos do Código Civil”, pelo que “o tribunal não pode dela conhecer ex officio”, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 668º, n.º 1, al. d) do CPC.
Vejamos.
O tribunal a quo, considerando que, “à data em que ocorreu a interposição do pleito ora em análise, já se encontrava esgotado o prazo de que dispunha para o efeito”, concluiu “pela intempestividade da presente acção” e extinguiu a instância “por inutilidade superveniente da lide”. Fê-lo sem que essa questão tenha sido suscitada pela ré, ora recorrida.
Antes de mais, cumpre referir que a caducidade do direito de acção não importa a extinção da instância por inutilidade da lide, configurando, isso sim, uma excepção peremptória que acarreta a absolvição do pedido (cfr. artigo 493º (actual 576ª), n.ºs 2 e 3 do CPC).(1)
Na verdade, a caducidade do direito de acção configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que o autor invoca, integrando, pois, o domínio das excepções peremptórias que “são as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção – a uma sentença material desfavorável (mais ou menos) a esse pleiteante. O Réu não nega os factos donde o Autor pretende ter derivado o seu direito, mas opõe-lhe contra-factos que lhe teriam excluído ou paralisado desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente lhe teriam alterado ou suprimido os efeitos que chegaram a produzir” (Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 130/131).
Isto posto, a questão que se coloca é a de saber se o juiz a quo incorreu em excesso de pronúncia em virtude de ter conhecido da referida excepção peremptória sem que a ré a tivesse invocado. Como é bom de ver, tal só se verifica se essa excepção não for de conhecimento oficioso, pois nesse caso o tribunal só a poderia ter conhecido se tivesse sido invocada pelas partes, o que não sucedeu.
O artigo 496º do CPC (actual 579º) prescreve que “o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado”.
Deste modo, a caducidade só é de conhecimento oficioso pelo tribunal se for estabelecida em matéria de indisponibilidade das partes (cfr. artigo 333º, n.º 1 do CC). Caso contrário, isto é, se a caducidade for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, aplica-se o regime previsto para a prescrição, logo, o tribunal só pode dela conhecer se for invocada por quem dela aproveita (cfr. artigo 333º, n.º 2 do CC).
A caducidade do direito de acção é estabelecida em matéria de prazos, no caso prazos para o exercício do direito de acção sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada, a qual se encontra excluída da disponibilidade das partes, pelo que a referida excepção peremptória é de conhecimento oficioso.
E porque assim é, cai por terra a premissa de que parte a recorrente para sustentar a nulidade da sentença recorrida, qual seja a de que o tribunal a quo não podia conhecer oficiosamente a dita excepção.
Em face do exposto, improcede a alegada nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia.

(ii) Erro de julgamento

Alega ainda a recorrente que a sentença recorrida errou ao considerar a presente acção intempestiva, referindo, para tanto e em síntese, que:
- Formulou pedido de indemnização por carta datada de 23/07/2002;
- O pedido de tentativa de conciliação foi interposto no dia 15/01/2003, interrompendo-se então o prazo de prescrição do direito e de caducidade da acção, o qual volta a correr 22 dias depois do requerente receber documento comprovativo da impossibilidade de realização da diligência ou da sua inviabilidade;
- A interrupção do prazo inutiliza o prazo decorrido, correndo novo prazo a contar daquela notificação, a qual ocorreu no dia 16/01/2004, data em que recebeu o auto de não conciliação;
- A presente acção foi intentada no dia 24/03/2004.
Vejamos.
Estatui o artigo 255º do RJEOP (Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03) (2), sob a epígrafe “Prazo de caducidade”, que “as acções deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado”.
O legislador estabeleceu, assim, uma regra especial relativamente ao início da contagem do prazo, fazendo-o coincidir com a notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão daquele.
Contudo, as acções devem ser precedidas de uma tentativa de conciliação extrajudicial perante uma comissão composta por um representante de cada uma das partes e presidida pelo Presidente do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes ou pelo membro qualificado do mesmo Conselho que aquele para o efeito designar (cfr. artigo 260º, n.º 1 do RJEOP).
A referida tentativa de conciliação constitui um pressuposto processual de que depende a introdução em juízo das acções que versem questões sobre interpretação, validade e execução do contrato, sendo que a sua não realização representa uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do pedido, dando lugar à absolvição da instância (neste sentido, entre outros, cfr. os acórdãos do STA de 11/04/2000, Proc. 045457, 15/06/2000, Proc. 046121, 9/05/2001, Proc. 046079, 27/10/2001, Proc. 047795, 6/12/2001, Proc. 047671, 8/07/2003, Proc. 02057/02, 7/10/2003, Proc. 01348/02, 30/10/2003, Proc. 0722/03, 22/04/2004, Proc. 062/04 e 7/10/2004, Proc. 640/04).
No caso dos autos, a autora, ora recorrente, pretende obter a condenação da ré, ora recorrida, a ressarci-la dos prejuízos que para si resultaram da suspensão da “Empreitada de Obra Pública para Adaptação do Torreão Sul a Arquivo Municipal”, a qual se deveu a facto imputável ao dono de obra.
Trata-se, pois, de uma acção que versa sobre a execução do contrato de empreitada celebrado entre autora e ré em 23/06/2000, pelo que se impunha a prévia realização de tentativa de conciliação, o que sucedeu.
Nos termos do disposto no artigo 264º do RJEOP, “o pedido de tentativa de conciliação interrompe o prazo de prescrição do direito e de caducidade da respectiva acção, que voltarão a correr 22 dias depois da data em que o requerente receba documento comprovativo da impossibilidade de realização ou da inviabilidade da diligência”.
Como se refere no acórdão do STA de 11/11/2004, proc. n.º 0310/04 – decisão no quadro do RJEOP/93 mas cuja doutrina permanece válida para o RJEOP/99 dada a similitude e âmbito dos preceitos em causa – “… o pedido de tentativa prévia de conciliação extrajudicial interrompe o prazo de caducidade da acção de rescisão do contrato, implicando a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente e a contagem de um novo prazo a partir do momento definido na 2.ª parte do art. 235.º do DL 405/93 ...”.
Resulta do exposto que para apreciarmos se a sentença recorrida incorreu no erro de julgamento que lhe foi assacado pela recorrente e se decidiu erradamente ao concluir pela caducidade do direito de acção, importa considerar determinados factos que não constam do probatório, concretamente, (i) a data em que a presente acção foi instaurada e (ii) a data em que a recorrente foi notificada da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual lhe foi negada a indemnização que peticionou por ofício de 23/07/2002, o qual se mostra junto com as alegações de recurso, pois que é a partir dessa data que se conta o prazo de 132 dias previsto no artigo 255º do RJEOP.Sucede que, o processo não dispõe de elementos que nos permitam apurar esta última data – referida em (ii) – sem o que não é possível aferir do acerto da sentença recorrida e apurar se a acção é ou não tempestiva.
A omissão na averiguação e na fixação desses factos, necessários à boa decisão da causa, conduz à anulação da sentença recorrida e à determinação da remessa do processo ao Tribunal a quo, para melhor investigação e nova decisão (cfr. artigo 712º do CPC, actual artigo 662º).

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí serem efectuadas as diligências pertinentes ao apuramento da factualidade relevante, nos termos que ficaram referidos, e proferida nova sentença.
Sem custas.

Lisboa 6 de Novembro de 2014


_________________________
(Conceição Silvestre)


_________________________
(Cristina dos Santos)


_________________________
(Paulo Pereira Gouveia)
1)Considerando que nos encontramos no âmbito de uma acção administrativa comum, a qual segue o regime adjectivo do CPC

2)Diploma aplicável, atento o disposto no artigo 278º do RJEOP