Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 560/21.2BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 09/09/2021 |
Relator: | LINA COSTA |
Descritores: | NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA PROTECÇÃO INTERNACIONAL ÓNUS DE ALEGAÇÃO PRINCÍPIO DO BENEFÍCIO DA DÚVIDA AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PROVISÓRIA DO ARTIGO 27º DA LAR |
Sumário: | I. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1, só se verifica quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao pedido e à causa de pedir - que devesse apreciar e conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à sua apreciação e decisão pelos sujeitos processuais (cfr. também o nº 2 do artigo 608º, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA);
II. Cabe ao requerente de protecção internacional, o ónus da prova dos factos que alega, sendo-lhe exigível que nas declarações que preste ao SEF apresente um relato coerente, consistente e credível nos termos e para os efeitos do regime jurídico do refugiado; III. Se das declarações prestadas resulta que o que motivou a saída do requerente de protecção do seu país de origem foram circunstâncias de natureza económica, o mesmo é qualificável como migrante e não como de potencial refugiado, não havendo que aplicar o princípio do benefício da dúvida, do qual é corolário o disposto no nº 4 do artigo 18º da Lei do Asilo; IV. Não se encontrando preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 3º ou no artigo 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho na redacção dada pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio, pelos fundamentos expostos na sentença recorrida, o Recorrente não pode beneficiar da concessão de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias; V. A autorização de residência provisória, prevista no artigo 27º da mesma Lei, é concedida, apenas nas situações em que o pedido de protecção subsidiária tenha sido admitido. O mesmo é dizer que o Recorrente a ela não tem direito por o seu pedido ter sido considerado infundado. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: T….., devidamente identificado nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, que instaurou contra o Ministério da Administração Interna (MAI), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 4.5.2021, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que julgou a acção improcedente e, em consequência absolveu a Entidade demandada dos pedidos [de asilo ou, se assim não se entender, de autorização de residência por protecção subsidiária]. Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: Notificado para o efeito, o Recorrido não apresentou contra-alegações. O juiz a quo pronunciou-se pela improcedência da nulidade invocada. O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento. As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia e se enferma de erro de julgamento ao considerar a acção improcedente, absolvendo o Recorrido dos pedidos.
A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA. Importa agora apreciar os fundamentos do recurso. i) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia Alega o Recorrente que inexistiu qualquer pronúncia por parte do juiz a quo sobre o pedido subsidiário que formulou, consubstanciado no dever de atribuição da autorização de residência provisória ao abrigo do princípio do benefício da dúvida ínsito no nº 4 do artigo 18º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, limitando-se a remeter para as suas declarações em sede de procedimento de asilo. O artigo 615º do CPC indica, de forma taxativa, as causas de nulidade da sentença. Na petição inicial o A./recorrente começa por alegar que: tem direito à protecção internacional peticionada, pelos fundamentos que indica, mas ainda que assim não se entenda, decorre das disposições combinadas dos artigos 7º e 18º, nº 4, da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, que, tendo fundamentado devidamente o seu temor pela vida, ao abrigo da salvaguarda de protecção subsidiária, a autorização de residência deveria ter-lhe sido concedida, ao abrigo do princípio do benefício da dúvida; na dúvida ao SEF caberia deferir o seu pedido; sendo, também aqui concedida residência provisória; terminando por pedir a anulação da decisão impugnada, sendo-lhe atribuída autorização de residência provisória, nos termos do artigo 27º do mencionado dispositivo legal, seguindo-se os ulteriores termos do procedimento administrativo em crise. O juiz a quo pronunciou-se no sentido de que a situação declarada pelo A./recorrente, que se prende com dificuldades económicas, não apresenta qualquer pertinência para os efeitos previstos quer no artigo 3º quer no artigo 7º, da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho [doravante também dedignada por Lei do Asilo], pelo que bem andou a Entidade demandada/recorrida ao julgar o seu pedido infundado. Dos fundamentos do recurso. Alega o Recorrente que: não concorda com a fundamentação da sentença recorrida que, no ponto 9, concluiu que nas declarações que prestou ao SEF não alegou receio de que, caso regresse ao seu país de origem, de ver o seu direito à integridade física, ou em última linha, à vida, perigado, uma vez que expressou esse temor pela primeira vez no procedimento administrativo, nos esclarecimentos adicionais, e não apenas na petição inicial; no artigo 18º da Lei nº 27/2008 são estabelecidas as condições para ser atribuído o regime de protecção internacional ao requerente, bem como os deveres na obtenção dos meios de prova necessários a confirmar as declarações proferidas pelo mesmo, o que, no seu caso, não foi feito; no âmbito do procedimento de asilo deveria ter-lhe sido atribuída autorização de residência provisória, nos termos do referido artigo 27º, permitindo o normal desenrolar do mesmo e obtenção dos elementos de prova necessários a fundamentar o seu pedido; não tendo o SEF cumprido com o disposto no nº 4 do artigo 18º, violou, nos termos do artigo 163º, nº 1 do CPA, os princípios legais e procedimentais e normas jurídicas aplicáveis ao procedimento, e os artigos 33º da CRP e 18º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, determinante da anulabilidade do acto impugnado, que deve ser substituído por outro que lhe conceda a protecção peticionada. Apreciando. O artigo 5º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio (doravante designada por Lei do Asilo) define os actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo, os quais devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais. Ora, do auto das declarações que prestou ao SEF extrai-se que o A./recorrente: tinha uma vida difícil na Guiné-Bissau; trabalhou na extracção do óleo de palma, mas caiu e passou a trabalhar na construção civil; casou aos 22 anos e teve oito filhos de duas mulheres, apesar de trabalhar muito, teve muita dificuldade em criar os seus filhos e, por isso, pensou que devia sair do país; tentou poupar dinheiro para obter o visto; teve audiência com o Cônsul de Portugal duas vezes, mas não o conseguiu obter; então saiu do seu país, não tendo tido qualquer problema com as autoridades ao atravessar a fronteira; foi para o Senegal, daí para a Gâmbia, a Turquia, onde obteve um visto turco, e seguiu de avião para Lisboa, o seu destino, onde chegou a 4.2.2011; aqui pretende obter documentos, autorização de residência, número de identificação fiscal e segurança social, encontrar trabalho e melhorar as suas condições de vida; foi para outras cidades da Guiné e também para a Guiné Conacri, sempre na actividade da extracção de óleo de palma, mas sem proveito; receia voltar ao seu país e encontrar as mesmas condições, sem meios financeiros, seria uma desilusão para a sua família; pediu asilo por causa dessas dificuldades; a família, irmãos, mulher e filhos estão todos desprovidos de meios; saiu do país para fazer alguma coisa para ajudar a família; não pediu protecção na Turquia ou nos outros países por onde passou; não foi membro de qualquer organização política, religiosa, militar, étnica mas apenas de uma associação da sua aldeia de apoio social, ajudavam a ter canalização, a fazer poços, painéis solares; não desenvolveu qualquer actividade em favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana no seus país de nacionalidade; nunca foi detido, condenado ou cumpriu pena de prisão; quer que o ajudem a obter documentos e autorização de residência para conseguir trabalho. Donde, das declarações do A./recorrente não resulta que foi ou é objecto de perseguição ou de grave ameaça de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou de que possui fundado receio de ser perseguida em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social, tal como é exigido nos nºs 1 e 2 do artigo 3º da Lei do Asilo para poder beneficiar de protecção internacional. Quanto à protecção subsidiária, prevista no artigo 7º da mesma Lei, exige-se para que o requerente possa beneficiar de autorização de residência por razões humanitárias que esteja objectiva e subjectivamente impedido de regressar ao país de sua nacionalidade ou da sua residência habitual quer atendendo à sistemática violação de direitos humanos quer por correr o risco de sofrer ofensa grave – designadamente, pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante no seu país de origem, ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos. Nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 20 de Junho, o presente processo é gratuito, não havendo lugar a custas. Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica. Sem custas. Registe e Notifique. Lisboa, 9 de Setembro de 2021. (Lina Costa – relatora que consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Ana Paula Martins e Carlos Araújo). |