Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06845/13
Secção:CT
Data do Acordão:07/12/2017
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
REVISÃO DA AVALIAÇÃO POR MÉTODOS INDIRECTOS
PERITOS INDEPENDENTES
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I. Decorre claramente da lei (artigo 91º, n.º 14 da LGT) que as correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal estão fora do âmbito do procedimento de revisão.
II. Nos termos do n.º 7 do artigo 92º da LGT: «Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.». Não restringindo o preceito o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes o impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal Central Administrativo visando a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.758 a 792 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Q..., S.G.P.S., S.A., (antes denominada “E... – Sociedade de Construções e Turismo, S.A”) contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e correspondentes juros compensatórios que lhe foi efectuada relativamente ao exercício do ano de 1995, no montante global de € 1.670.755.13 (um milhão, seiscentos e setenta mil, setecentos e cinquenta e cinco euros e treze cêntimos).

A recorrente termina as alegações do recurso (cfr. fls 833 a 844 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
«I - Visa o presente recurso reagir contra a Douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por Q... SGPS SA, no que concerne à prescrição parcial da divida na parte respeitante às correcções à matéria tributável de natureza meramente aritmética e à falta de fundamentação do acto na parte que concerne à fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.
II - A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que a parte da liquidação concernente às correcções meramente aritméticas da matéria tributável se encontra prescrita, porquanto, se encontrou parada por culpa não imputável à impugnante.
Sobre este ponto não contém a Douta Sentença qualquer tipo de fundamentação que suporte a Douta Decisão neste sentido.
III - Entende ainda a Douta Sentença que na parte que concerne ao vício de falta de fundamentação das correcções da matéria tributável com recurso a métodos indirectos cabe à AT o ónus da fundamentação quando se afasta dos pareceres dos peritos independente e do contribuinte, sem invocar os motivos para tal, ocorrendo assim preterição de formalidade essencial motivadora da anulação do acto de liquidação.
IV - Destarte, salvo o devido respeito que a Douta Sentença nos merece, e que é muito, somos de opinião em que esta procedeu á errónea interpretação, quer dos factos, quer dos preceitos legais aplicáveis ao caso, nomeadamente os artigos 51.º do CIRC, 74.º e 87.º a 90.º todos da da LGT.
V - O presente processo de impugnação teve por base uma ação inspetiva levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da então Administração Fiscal (AF), onde foram detectadas irregularidades que foram objeto da competente correcção.
VI - Uma parte das correcções praticadas, $ 409.821.300 (€ 82.161.793,81) foram efectuadas com recurso à tributação por métodos indiretos nos termos dos artigos 51.º do CIRC e 87.º a 90.º da LGT, porquanto, não foi possível a exacta quantificação da matéria tributável já que a contabilidade padecia de vicissitudes indiciantes, nomeadamente:
- Indicadores de preços praticados em empreendimentos congéneres, diferentes;
- Valores excessivos de comissões pagas a intermediários, para aqueles valores de
venda declarados, relativamente aos normalmente praticados;
- Qualidade do condomínio e sua localização na zona de paisagem protegida Sintra- ... que indicia que o preço declarado dos lotes não corresponde ao preço efectivo dos mesmos, este muito aquém dos valores normais de mercado para o mesmo tipo de infraestrutura;
VII - Foi deduzida por parte da Impugnante a competente reclamação para a comissão de revisão, comissão esta de matriz essencialmente técnica, sendo que em sede da mesma não logrou a Impugnante provar qualquer excesso de quantificação da matéria tributável, sendo ainda que impendia sobre a sua pessoa o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação daquela matéria tributável, ónus este previsto no artigo 74.º da LGT.
VIII - Ao invés o que se verifica é que a Impugnante e o seus peritos pura e simplesmente se remetem a um conjunto de apreciações teóricas dos fundamentos e considerações subjacentes à tributação por parte da AT com recurso a métodos indirectos, sem contudo concretizar efectiva e materialmente onde é que a AT tributou em excesso, e qual foi efectivamente esse montante de excesso de quantificação da matéria tributável, infringindo assim não só o sobredito artigo 75.º da LGT, como também o seu ónus probatório previsto no n.º 3 do artigo 74.º da LGT, por isso não basta que a autora venha aos autos dizer que não se conforma ou que discorda daquele método de tributação, é preciso é que faça a prova material de que efectivamente a AT tributou em excesso e aonde, já que se trata duma responsabilidade bipartida entre a Administração Fiscal e o contribuinte, devendo a AT provar os pressupostos da aplicação daqueles métodos indirectos e devendo o contribuinte provar o excesso de quantificação daquela matéria tributável.
IX - A discussão da aplicação dos métodos não releva directamente na esfera da impugnante, embora se aceite que se pode pronunciar sobre eles, antes releva na esfera da AT que por seu lado deve enunciar os factos sobre os quais fez assentar as suas dúvidas razoáveis de que se verificam vissicitudes e desvios na contabilidade, situação esta que se verificou em concreto no presente caso.
X - Se a autora incumpriu este seu ónus de provar o excesso de quantificação da matéria tributável, fica imediatamente deslegitimada para produzir qualquer desconsideração sobre a actuação da AT até porque, reiteramos, esta cumpriu integralmente com os ónus que lhe assistiam no que concerne á enunciação e identificação de factores indiciadores, e até se dirá que bastaria um único indicio e não um conjunto de pelo menos três, para que a AT pudesse partir imediatamente para a tributação por métodos indirectos por impossibilidade de comprovação directa da matéria tributável, legitimando assim a AT a sua actuação, por excesso, e nunca por defeito.
XI - No mesmo sentido nem sequer se concebe aqui, face à posição concordante do perito independente e do perito do contribuinte, a figura da dúvida fundada, precisamente pela total ausência de prova material por parte da autora no excesso de quantificação da AT, que possa efectivamente consubstanciar essa fundada dúvida.
XII - Ancoramos a nossa posição no Acórdão do TCA SUL, Processo n.º 03163/09 de 25-11-2009.
XIII - Excesso de quantificação este que como já se verificou nunca foi sequer materialmente aflorado pela autora muito menos efectivamente produzido, reiteramos, como era seu ónus, quer nesta sede quer nas anteriores, nomeadamente, a sede de Comissão de Revisão já que esta se trata duma comissão técnica devidamente especializada para averiguar precisamente o tal alegado excesso de quantificação tributável, questão esta que como já vimos passou ao lado da discussão naquela sede, limitando-se o ónus probatório da AT à constatação dos manifestos indícios de irregularidade fiscal praticadas em sede da contabilidade da Impugnante, até porque perante fundados indícios de irregularidades cessa a presunção do principio da veracidade das declarações do contribuinte, este previsto no artigo 75.º da LGT escorando nós a nossa posição no muito Douto Acórdão TCA NORTE, Proc. n.º 00885/07.0BEPRT de 27-09-2012.
XIV - Ficando assim a AT imediatamente desobrigada de qualquer fundamentação adicional relativamente às posições dos peritos, independente e da parte, porquanto, não foram indicados quaisquer excessos materiais de quantificação, quer duma parte, quer da outra, excessos materiais estes que eventualmente tenham sido concordantes em sede daqueles dois peritos e que obrigassem ou determinassem fundamentação acrescida sobre os mesmos.
XV - Sendo certo que não se podem fundamentar actos que não existem, ou seja não existindo acordo material que constitua prova equitativa do excesso, então a AT não tem de se pronunciar fundamentadamente sobre uma matéria ou questão, que nem sequer existe, porque como muito bem refere o acórdão citado, a impugnante, ou os peritos seu e independente, não devem limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação de um facto tributário estando onerados na prova concludente desses factos.
XVI - No que directamente concerne à alegada prescrição da divida cuja proveniência concerne exclusivamente às correcções à matéria tributável de natureza meramente aritmética, considerou a Douta Sentença a dissociação daquela liquidação do tronco originário tramitando e fasquiando o processo executivo.
XVII - Em nosso entender, tal dissociação não pode operar, porquanto as garantias prestadas, e a própria isenção de prestação da garantia operou pela totalidade da liquidação, ainda recentemente o STA se pronunciou no Recurso 395/13 de 2013.04.03, Hospital Amadora Sintra SA, no sentido da ofensa do disposto nos artigos 52.º da LGT e 169.º do CPPT que determinam a suspensão total ou absoluta da execução fiscal por efeito da prestação de garanta idónea ou suficiente, conjugada com a utilização de meios graciosos e/ou contenciosos de reacção contra a ilegalidade do acto tributário, já que o legislador pretendeu e bem evitar o desdobramento do processo executivo em múltiplos processos que avançavam ou se suspendiam consoante as vicissitudes das reclamações e impugnações dos actos tributários subjacentes.
XVIII - No que tange aos juros compensatórios encontram-se os mesmos correctamente calculados nos termos do disciplinado no artigo 83.º do Código de Processo Tributário e artigo 89.º do CIVA, pelo que não enfermam de qualquer vício.»
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Contra-alegou a recorrida (cfr. fls 845 a 895 dos autos) sustentando a improcedência do recurso e, requerendo, no caso deste proceder, a ampliação do seu objecto, formulando, à final, o seguinte quadro conclusivo:
«Introdução e do (não) conhecimento do recurso (artigos 1 a 16 das contra-alegações)
I. No essencial, o provimento da acção teve os fundamentos seguintes: (i) a prescrição da dívida de IRC de 1995 e respectivos juros compensatórios quanto às correcções de natureza meramente aritmética; e, (ii) a violação do dever de fundamentação previsto no n.º 7 artigo 92.º da LGT relativamente ao acto de liquidação de IRC de 1995 e respectivos juros compensatórios quanto às correcções à matéria colectável com recurso a métodos indirectos.
II. As alegações da Recorrente limitam-se a dissertar sobre o regime do ónus da prova, sem, efectivamente, contraditar os fundamentos da decisão do Tribunal a quo, o qual não é, desta forma, posto em causa.
III. Em violação do disposto no artigo 685.º do CPC, as conclusões formuladas pela Recorrente não referem quais as normas jurídicas violadas, nem o sentido que (no entender da Recorrente) as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
IV. A Recorrente também não contesta os factos dados por provados, referindo-se todavia a factos contraditórios com os factos considerados provados pelo Tribunal a quo, sem que, todavia e uma vez mais, cumpra o ónus que nesse caso lhe cabia segundo o artigo 685.º-B do CPC, cabendo, deste modo, rejeitá-lo, desde logo por violação dos artigos 685.º-A e 685.º-B do CPC, negando o seu conhecimento e mantendo inalterada aquela decisão.
Da sentença recorrida
Do acertado reconhecimento da prescrição (artigos 17 a 36 das contra-alegações).
V. Conforme reconheceu a sentença recorrida, a suposta obrigação tributária controvertida presentes Autos encontra-se prescrita no que respeita à dívida proveniente das correcções à matéria tributável de natureza aritmética – cfr. pp. 18 a 25 da sentença a fls. 775-782 dos Autos.
VI. Segundo o arrazoado da Fazenda Pública nas suas alegações, de acordo com um acórdão do STA não deve haver dissociação no âmbito do processo executivo no que respeita à sua suspensão.
VII. Não tem qualquer razão a referida alegação da Fazenda Pública desde logo porque a referência que a Fazenda Pública faz ao acórdão de 3 de Abril de 2013 no processo n.º 0395/13 não é exacta na medida em que tal aresto se refere a uma questão diferente daquela decidida pelo Tribunal ‘a quo’.
VIII. Efectivamente, naquele acórdão do STA, e citando-o, «a questão a decidir no recurso prende-se, portanto, com a legalidade do prosseguimento do processo de execução fiscal quanto à parcela da quantia exequenda não contestada, em caso de apresentação de reclamação graciosa e subsequente impugnação judicial de indeferimento tácito para discussão da legalidade de parcela da dívida exequenda, associada à prestação de garantia idónea». Ou seja, o acórdão debruça-se sobre a situação em que apenas foi contestada uma parte da dívida exequenda… situação oposta à que se verifica ‘in casu’ tendo a ora Recorrida reagido contra toda a dívida.
IX. A tese da Fazenda Pública sobre a suposta ‘obrigatoriedade da indissociação no processo executivo’ não só não tem a base jurisprudencial que invoca, como de nada intende contra a decisão recorrida.
X. Não tem razão a alegação da Fazenda Pública também porque a mesma é totalmente contrária aos FACTOS assentes por provados e não contestados pela Fazenda, em especial ao facto descrito na alínea KK. do segmento probatório na p. 17 da sentença a fls. 774 dos Autos.
XI. De acordo com os FACTOS provados e não impugnados, a suspensão da execução ocorreu apenas para a matéria dos métodos indirectos pois só em relação a essa se aplica o artigo 92.º da LGT… o que significa, inexoravelmente, que quanto às correcções técnicas o processo continuou o seu andamento.
XII. Como bem decidiu a sentença ‘a quo’: «[d]onde, efectivamente, não tinha aqui [nas correcções aritméticas] cabimento legal a suspensão do processo de execução fiscal nos termos previstos no n.º 8 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, conforme foi determinado» – cfr. p. 24 da sentença a fls. 781 dos Autos (cit.).
XIII. Acresce que, quanto à restante factologia relevante assente pelo Tribunal ‘a quo’ para melhor evidenciar a existência da prescrição – como sejam datas e o facto da paragem do processo não ser imputável à ora Recorrida –, esta encontra-se assente posto que não é impugnada nas alegações de recurso da Fazenda Pública.
XIV. Assim, como acertadamente se refere na sentença recorrida, uma vez que paragem da execução fiscal não pode ser imputada à Recorrida de acordo com o regime aplicável, verifica-se prescrita a dívida de IRC de 1995 na parte respeitante às correcções à matéria tributável de natureza meramente aritméticas por já terem decorrido mais de 8 anos sobre o nascimento da alegada obrigação tributária.
XV. Em suma, por imposição dos artigos 48.º e 49.º da LGT, já prescreveu a dívida de imposto relativa ao IRC de 1995, respeitante às correcções à matéria tributável de natureza meramente aritméticas, pelo que bem andou o Mm. Juiz a quo ao declarar prescrita aquela parte da dívida titulada pela liquidação ‘sub judice’.
Do acertado reconhecimento da falta de fundamentação por violação do nº 7 do artigo 92.º da LGT (artigos 37 a 63 das contra-alegações)
XVI. Como bem se aduz na sentença recorrida, «a administração tributária rejeitou o parecer do perito independente, sem fundamentar tal rejeição, assim violando o especial dever de fundamentação imposto por lei» – cfr. p. 33 da sentença a fls. 790 dos Autos (cit.).
XVII. E não pode admitir-se a falsidade – e manifesta má-fé e/ou erro muito grosseiro – constante dos artigos 3.º e 12.º das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública, que, contra os inúmeros FACTOS dados como assentes na sentença, insiste indevidamente que a contabilidade da ora Recorrida padecia de «vicissitudes indiciantes» (cit., artigo 3.º das alegações a fls. 821 dos Autos) e que não houve demonstração do «excesso da quantificação» pela Administração fiscal (cit., artigos 4 e ss. das alegações a fls. 822 e ss. dos Autos).
XIII. Aliás, resulta provado nos Autos que o perito independente foi expresso, no seu laudo, em contrariar a posição da Administração e afirmar, preto no branco, que nenhum indício existia de que a contabilidade da ora Recorrida padecia de alguma irregularidade; vejamos citando a alínea FF. dos factos provados: «O parecer da Inspecção Tributária menciona que ‘a contabilidade enferma de diversas vicissitudes’ no entanto não é apresentada qualquer prova que justifique a verificação. No despacho emitido pelo Chefe de Divisão Tributária é mencionado de que ‘foram praticadas omissões, com reflexo na quantificação directa da matéria colectável’. Também neste caso não são apresentadas provas de facto suficientes» (cit.).
XIX. As alegações de recurso da Fazenda Pública são manifestamente FALSAS e atentatórias do bom-nome e reputação da Recorrida, posto que em nenhum momento do processo ficou provado, nem indiciado, que a sua contabilidade não fosse outra coisa que não imaculada! Ao invés, a ora Recorrida exibiu sempre uma contabilidade fiável sem qualquer divergência contratual ou financeira, prova documental e testemunhal como decorre do probatório…
XX. Tais alegações são também atentatórias do bom-nome do Tribunal ‘a quo’ que na sentença deixou explanados diversos FACTOS demonstrativos do excesso de quantificação.
XXI. É jurisprudência pacífica no âmbito da litigância de má-fé – i.e., a violação do dever de correcção processual que flui do artigo 266.º-A do CPC – que constitui dolo instrumental a deturpação de citações e atribuição de afirmações falsas a terceiros com o único objectivo de as tentar identificar com a pretensão de quem as invoca no âmbito de um recurso, tal como sucede in casu! Só essa mesma má-fé ou o completo desconhecimento da lei e jurisprudência aplicáveis pode conduzir às conclusões da Fazenda Pública vertidas nos artigos 3.º a 12.º das doutas alegações de recurso.
XXII. Independentemente da boa ou má-fé a Administração fiscal está, SEMPRE, obrigada a fundamentar devidamente a sua discordância, por imposição do artigo 92.º, n.º 7 da LGT – bastando para tanto que o perito tenha emitido a sua opinião, tanto mais que a sua opinião era contrária à da Administração fiscal.
XXIII. Como se retira da decisão ‘a quo’, a ora Recorrida fez prova do excesso da quantificação da matéria colectável, como claramente se constata dos vários documentos por ela juntos aos autos e da prova testemunhal produzida, como inequivocamente atesta o Mm. Juiz a quo na sentença e se retira da correcta interpretação das regras sobre repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT.
XXIV. Os FACTOS identificados nas alíneas W., X., Y., Z., AA., CC. dos factos provados – cfr. pp. 13 e 14 da sentença a fls. 770 e 771 dos Autos – são todos demonstrativos que o valor quantificado pela Administração se situava em mais do que o dobro dos praticados na realidade.
XXV. É de manter também nesta parte a sentença recorrida, reconhecendo-se que a decisão proferida quanto à aplicação de métodos indirectos e, bem assim, a subsequente liquidação de imposto enfermam do vício de falta de fundamentação, por frontal violação da norma contida no artigo 92.º, n.º 7 da LGT, o que constitui preterição de formalidade essencial, implicando, como corolário, a anulação do acto de ‘sub judice’, como bem salientou o Mm. Juiz a quo.
XXVI. Termos em que acertada foi a decisão recorrida, devendo ser mantida, posto que o acto impugnado atenta frontalmente, não só, contra o disposto no artigo 92.º, n.º 7, da LGT (consome um vício anterior próprio e automatizado por lei), como contra os demais artigos sobre fundamentação e, em particular os artigos 77.º, n.º 4 da LGT, 268.º n.º 3 da CRP, e 36.º, n.º 1 do CPPT, estando assim feridos do vício de forma, por falta de fundamentação, ou fundamentação insuficiente, tanto de facto como de direito.
Da apreciação no âmbito do presente recurso das questões não julgadas pelo tribunal recorrido e consequências da ampliação da matéria de facto (artigos 64 a 74 das contra-alegações)
XXVII.O acto de liquidação de imposto e juros em crise padece de outros vícios além da prescrição e da falta de fundamentação; concretamente, o acto em crise padece ainda de violação de lei por:
i. violação do princípio da imparcialidade administrativa;
ii. quanto às correcções técnicas, ilegalmente requalificar como proveitos operacionais, as receitas derivadas da venda de imobilizado (qualificadas pela impugnante, ora Recorrida, como mais-valias);
iii. também quanto às correcções técnicas, ter sido errónea a quantificação da matéria colectável;
iv. quanto à aplicação de métodos indirectos à determinação da matéria colectável, por faltar de verificação dos pressupostos para essa aplicação, e,
v. também quanto à aplicação de métodos indirectos à determinação da matéria colectável, por prescrição da dívida nesta parte.
XXVIII. Além dos factos dados por assentes pelo douto Tribunal a quo, resultaram ainda provados, pelos documentos juntos aos autos e em razão da prova testemunhal produzida, FACTOS que demonstram a pressão financeira que exigiu a venda dos próprios lotes destinados à exploração.
XXIX. Deverá ser aditado o seguinte FACTO: que, face a dificuldades financeiras sentidas, a Recorrida viu-se forçada a também vender cinco lotes sitos na zona Norte da Q..., os quais constituíam imobilizado há sete anos por se destinarem a ser mantidos na empresa – FACTO que resulta da acta citada nas alíneas i) e j) das alegações finais ‘a quo’, que constitui o doc. n.º 12 em anexo à p.i. e do depoimento da sexta testemunha que foi inequívoca em apontar no mesmo sentido.
XXX. No que respeita à alínea S) do probatório, a fls. 764 e ss. dos Autos, afigura-se também de aditar ao probatório os seguintes FACTOS:
a) No Relatório da Fiscalização, na Comissão ou, posteriormente, no processo judicial, a Administração fiscal não juntou escrituras que comprovassem os preços por si alegados (atento os m2, o índice de construção, o n.º de pisos, a existência ou não de infra-estruturas, etc.);
b) A Administração não evidenciou quaisquer inconsistências nos preços praticados pela ora Recorrida, incluindo através de documentos contabilísticos ou financeiros;
c)A Administração não apresentou qualquer testemunha que confirmasse as afirmações de que os preços de venda dos terrenos constantes das escrituras públicas não correspondiam aos preços praticados pela ora Recorrida, nem sequer a confirmar que os preços por si invocados chegaram alguma vez a ser praticados em qualquer zona do País.
152. Caso se entenda – por mera hipótese académica e sem conceder – que a dívida titulada pelo acto de liquidação em crise nos Autos não se encontra prescrita quanto às correcções técnicas ou que o mencionado acto tributário em causa não padece de vício de forma por falta de fundamentação quanto à aplicação dos métodos indirectos, importa, subsidiariamente e à cautela, nos termos do n.º 2 artigo 715.º do CPC, aplicável ‘ex vi’ o disposto no artigo 281.º do CPPT, que sejam apreciados os demais vícios invocados pela impugnante, ora Recorrida, e que não foram apreciados pela sentença ‘a quo’.
Da violação do princípio da imparcialidade (artigos 75 a 82 das contra-alegações)
XXXI. A Administração fiscal violou ainda o princípio da imparcialidade, consagrado no art. 266º da CRP, ao não ponderar objectivamente a totalidade dos interesses públicos e privados em jogo, posto que não desceu à análise da situação concreta, tendo ignorado o alerta lançado pela Recorrida logo no momento em que exerceu o seu direito de audição, mas também pelo próprio perito independente.
XXXII.Com efeito, o delegado do Director de Finanças, no despacho decisório após a reunião de peritos, remeteu-se para «concordo» com a posição da administração fiscal sem qualquer preocupação adicional em fundamentar a rejeição do parecer do perito independente, tendo-se negado explicitamente a ponderar os elementos trazidos por este perito, uma vez que iam ao encontro do alegado pelo perito do sujeito passivo.
XXXIII. Fazer tábua rasa da apreciação efectuada pelo perito independente (figura que empresta imparcialidade e isenção a todo o processo), quando se produziu prova em sentido contrário e sem qualquer explicação plausível, leva também a que a Administração fiscal incorra no vício de violação do princípio da imparcialidade.
Das correcções técnicas: dos rendimentos auferidos pela alienação de terrenos e a sua qualificação como mais-valias (artigos 83 a 101 das contra-alegações)
XXXIV. Do probatório assente na sentença recorrida resulta inequivocamente que a venda dos cinco lotes da Zona Norte deu origem a mais-valias, e não a proveitos operacionais.
XXXV. A qualificação efectuada pela ora Recorrida já foi reconhecida em Tribunal – cfr. Acórdão do TCA de 30 de Janeiro de 2001 no recurso n.º 745/98, em anexo à p.i. como doc. n.º 22, a fls. 307 a 312 dos Autos, no qual se conclui, e bem, que a suposta base factual em que se apoiou a Administração fiscal, nomeadamente, o relatório da Fiscalização «não constitui mais do que uma justificação a posteriori, e, de todo o modo, nada concludente nem convincente da bondade da posição da Administração Fiscal» (cit.).
XXXVI. Ao contabilizar a venda daqueles lotes como activo imobilizado, e não como existências, e ao registar os respectivos ganhos com a sua alienação como uma mais-valia (e não como proveitos operacionais), a ora Recorrida procedeu como lhe era exigido nos termos da lei, uma vez que adquiriu aquele bens em 1976 e, não obstante ter loteado o terreno onde aquele prédio se integrava em 1988, manteve no seu objecto social uma componente turística e locatícia significativa, que manifestamente evidenciavam que o seu propósito não era proceder à venda imediata e integral de todos os seus lotes de terreno – cfr. as actas em anexo à p.i. como docs. n.os 11 e 12 a fls. 185 a 196 dos Autos, e depoimento da quarta testemunha.
XXXVII.O respectivo Alvará é de 1988 e os lotes apenas foram vendidos em 1995 (i.e., sete anos volvidos daquela data), nas circunstâncias de facto bem evidenciadas e provadas – cfr. novamente alíneas d) e p) a t) do artigo 10.º das alegações finais junto do Tribunal a quo a fls. 564 e 568 e ss. dos Autos.
XXXVIII. Não é parca a jurisprudência e doutrina que admitem expressamente que a venda de bens do activo imobilizado pode suceder durante a vida de uma sociedade, pelas mais diversas razões, sendo bons exemplos disso o acórdão do TCA Sul, de 7 de Julho de 2004, processo n.º 01347/03, bem como o acórdão do STA, de 21 de Abril de 1993, proferido no recurso com o n.º 14.534, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 1996, pp. 1142 a 1148.
XXXIX.O acto de liquidação merece ser anulado por violação da lei, em virtude de pretender aplicar as regras de determinação da matéria colectável respeitante aos proveitos às mais-valias realizadas pela Recorrida e não as regras aplicáveis a estas últimas.
XL. É absolutamente assente a bondade da contabilização dos cinco lotes da zona Norte vendidos em 1995, e, bem assim, o correcto tratamento fiscal dos ganhos decorrentes da respectiva alienação (como mais-valia e não como proveito), pelo que deve o acto tributário em crise ser anulado nesta parte por violação de lei e, em particular, por desrespeitar as regras respeitantes ao tratamento fiscal dos ganhos realizados com a alienação de bens do activo imobilizado (cfr. artigo 43.º e seguintes do Código do IRC em vigor à data dos factos).
XLI. Nestes termos, sempre deveria ter sido o acto tributário em crise ser anulado nesta parte também por violação de lei, em particular, por desrespeitar as regras respeitantes ao tratamento fiscal dos ganhos realizados com a alienação de bens do activo imobilizado – cfr. artigo 43.º e seguintes do Código do IRC em vigor à data dos factos.
Das correcções técnicas: da errónea quantificação da matéria colectável (artigos 102 a 119 das contra-alegações)
XLII. Como resultou absolutamente provado ao longo do processado, através dos documentos juntos aos Autos e da prova testemunhal produzida, foi também errónea a quantificação da matéria colectável efectuada.
XLIII. Com efeito, nenhum facto provado corrobora as afirmações da Administração e, em concreto, que (i) o preço de venda concretamente utilizado pela Recorrida pudesse ser aquele que a Administração fiscal descortinou; (ii) que os preços anunciados na imprensa correspondessem aos valores efectivos da venda (tendo as testemunhas ligadas ao sector imobiliário atestado sem hesitações que só em raríssimas ocasiões é que os anúncios de vendas constantes da imprensa correspondem aos preços finais das transacções, sendo em regra superiores – cfr. facto WW. do artigo 10.º das alegações finais junto do Tribunal a fls. 581 dos Autos; e, (iii) que as comissões não foram de 5% mas sim de 1% a 3%.
XLIV. A Administração fiscal omitiu que o próprio Serviço de Finanças de ... avaliou os lotes de terreno da Recorrida e bem assim lotes confinantes, em 1996 e 1995, no valor de 10.000$00/m2 – cfr. docs. n.os 16 e 18 anexos à p.i., respectivamente a fls. 212-231 e 256-278 dos Autos.
XV. Por outro lado, a Administração deliberadamente ignorou também a informação fornecida pela Recorrida de que terrenos confinantes sitos na Q... foram vendidos por terceiros particulares em 1999 por 16.000$00/m2, o que em relação ao exercício de 1995, traduz a actualização do valor de 10.000$00/m2 em razão da inflação e da reanimação do mercado imobiliário. Aliás, a Recorrida, notificada para exercer o seu direito de preferência nessas transacções, não o veio a exercer, como se demonstrou através do doc. n.º 21 em anexo à p.i., a fls. 296 dos Autos.
XVI. Todos os factos provados indicam claramente que o preço praticado pela Recorrida na alienação dos lotes foi, efectivamente, aquele que consta das escrituras, preço esse que todas as testemunhas asseguraram ser perfeitamente plausível e aceitável em face dos critérios de avaliação de terrenos utilizados na praxis e da situação económica do sector imobiliário à data dos factos.
XVII. Todas as testemunhas ligadas ao negócio imobiliário e à actividade de avaliações atestaram que a Administração fiscal recorreu a critérios de determinação do preço que não são dignas de credibilidade, razão pela qual provado ficou que a matéria colectável foi calculada com base em erróneos pressupostos e, por isso, erroneamente quantificada, tal como já havia sido indicado pelo perito independente.
XVIII. Evidente se torna que o valor de avaliação alvitrado pelo Fisco in casu não passa de mera fantasia, absolutamente desmentida pelos factos que compõem a realidade, que assim se devem dar por inequivocamente assentes, por serem verdadeiros e porque a Administração fiscal não logrou apresentar qualquer prova em contrário nos presentes Autos.
XLIX. Em suma, não só o recurso aos métodos indirectos é ilegal, como também a forma de cálculo da matéria colectável é feita à margem dos critérios estabelecidos na lei, verificando-se existir uma clara violação dos artigos 51.º do Código do IRC (na redacção em vigor em 1995) e 89.º e seguintes da LGT, razão pela qual se impõe a anulação do acto impugnado também em face deste vício.
Dos métodos indirectos: a falta de verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos – a violação dos artigos 87.º e 88.º da LGT (artigos 120 a 141 das contra-alegações)
L. Para além de tudo o já alegado e demonstrado, resulta também dos Autos que a Administração fiscal não logrou provar a verificação dos pressupostos para recorrer a métodos indirectos.
LI. Como corolário, patente se tornou que não tendo sido trazidos aos Autos pela Fazenda Pública quaisquer elementos que atestassem a verificação de tais pressupostos, antes pelo contrário, o Tribunal a quo decidiu contra a parte onerada, ou seja, a Administração.
LII. No caso que ora se depara perante V. Exas. é bem patente que a Administração fiscal não só não logrou demonstrar a verificação dos pressupostos de facto que conduziriam à aplicação de métodos indirectos, como nem sequer indicou em concreto a regra legal que serviria de base à respectiva aplicação.
LIII. A jurisprudência superior é, todavia, clara: «[a] tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos» – cfr. Acórdão do STA de 19 de Março de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 0890/08 (cit.).
LIV. A alínea d) do artigo 51.º do Código do IRC exigia (à data dos factos), para a adopção de métodos indirectos na determinação da matéria colectável, a existência de inexactidões na contabilidade ou fundados indícios de que aquela não reflectisse, com rigor, a situação patrimonial da empresa ou os resultados obtidos, definindo ainda (também à data) o n.º 2 daquele artigo, a natureza excepcional deste método de determinação, na medida em que sujeita a respectiva aplicação apenas aos casos em que a contabilidade não permita «a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável» (cit.).
LV. E acresce, como ficou cristalinamente provado, que o Fisco fez tábua rasa dos seguintes elementos:
(i)dos documentos autênticos que titulam as transacções dos lotes de terreno;
(ii) dos fluxos financeiros e bancários da Recorrida que atestam a mesma realidade;
(iii) dos demais elementos contabilísticos que merecem toda a credibilidade;
(iv) das demais transacções com preços equivalentes aos realizados pela ora Recorrida feitos por terceiros ou com intervenção pública;
(v)dos testemunhos dos funcionários públicos;
(vi) dos demais factos invocados pela ora Recorrida e pelo perito independente; e,
(vii) das avaliações feitas pela Administração fiscal no âmbito da Contribuição Autárquica, e que importaria ter tomado em consideração para analisar correctamente esta questão…
LVI. Afigura-se bem claro que a Administração fiscal nunca evidencia qualquer facto que indicie a divergência entre a contabilidade e o suposto «valor real» de mercado das transacções, ou a prática de quaisquer preços que não fossem os preços declarados e que constam dos documentos autênticos – tendo-se, aliás, dado como provado o contrário.
LVII. Verifica-se, portanto, inexistirem quaisquer indícios que devessem ter levado a Administração fiscal a utilizar métodos indirectos para aferir da matéria colectável da Recorrida in casu, não tendo o Fisco logrado provar os pressupostos da respectiva aplicação.
LVIII. Em suma, violando, clara e manifestamente, o dever de provar a verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos na determinação da matéria colectável, estabelecidos no artigo 74.º, n.º 3, da LGT, a Administração fiscal procedeu abusivamente a essa determinação, à margem daquilo que é exigível pela Lei Fiscal, tendo também violado expressamente o disposto nos artigos 51.º do Código do IRC (na numeração em vigor à data dos factos) e 87.º e seguintes da LGT – veja-se ainda, por todos, o acórdão do TCA Sul, de 8 de Julho de 2004, proferido no processo n.º 6694/02, respeitante à utilização indevida de métodos indirectos em caso de venda de lotes de terreno.
LIX. Por esta razão, é inequívoco que o acto de liquidação padecia, também, do referido vício de violação de lei.
Dos métodos indirectos: da ampliação do objecto do recurso quanto à prescrição da dívida também nesta parte (artigos 142 a 150 das contra-alegações)
LX. Se, como vimos, é muito certeira a decisão a quo quanto ao facto de a paragem do processo de execução fiscal quanto a essas correcções não ser imputável à ora Recorrida, já, todavia, não é correcto entender-se que, quanto às correcções resultantes dos métodos indirectos, a paragem do processo de execução fiscal foi da responsabilidade da ora Recorrida.
LXI. In casu, a suspensão da execução fiscal quanto à parte das correcções decorrentes da aplicação dos métodos indirectos resulta directamente da lei – cfr. n.º 8 do artigo 92 LGT. Ou seja, mesmo admitindo como certeira a posição (que não resulta da Lei Fiscal) de que a suspensão da execução fiscal conduziria à suspensão do prazo de prescrição – como parece entender a decisão a quo – tal posição nunca poderia ser sustentável nos casos em que é a própria lei a ordenar essa suspensão… como acontece in casu!
LXII. Efectivamente, se a lei impõe que a reclamação ou impugnação têm necessariamente efeito suspensivo independentemente de garantia quando os peritos independentes e do contribuinte estão de acordo, não se vê como tal possa prejudicar o contribuinte quanto ao decorrer do prazo de prescrição… sobretudo num processo no qual já decorreram quase 20 anos (!) do facto tributário.
LXIII. O disposto no n.º 8 do artigo 92.º da LGT é uma protecção do contribuinte para os casos em que é presumível que a actuação da Administração esteja errada ou seja ilegal… não pode, por isso, obstar à contagem da prescrição.
LXIV. Termos em que o prazo de prescrição decorreu entre 01/01/1996 (início) e 23/04/2001 (data da impugnação) – tudo tal como decidiu e bem a sentença a quo – e reiniciou-se em 29/04/2006, não se tendo nessa data suspendido como entendeu, mas mal, a decisão a quo.
LXV. Pelo que foram decorridos mais de 8 anos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário encontrando-se, ao abrigo do artigo 48.º da LGT, a dívida prescrita também na parte respeitante à aplicação dos métodos indirectos – matéria cuja apreciação se requer ao abrigo do artigo 684-A do CPC.».

VII. DO PEDIDO

Termos em que se requer a V. Exas.:
i) Que negado o conhecimento do recurso por não cumpridos os ónus de alegação para alteração da decisão de facto e de direito, tal como exposto no Capitulo I. das presentes alegações; ou, caso assim não se entenda;
ii) Que se dignem negar provimento ao presente recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se in totum a sentença recorrida; ou, subsidiariamente,
iii) Que sejam apreciadas, nos termos do n.º2 do artigo 715.º do CPC aplicável ex vi o disposto no artigo 281.º do CPPT, as demais questões que ao Tribunal recorrido cabia apreciar, e aceite o aditamento à matéria de facto ao abrigo do artigo 712º n.º1 do CPC, julgando-se assim verificados os restantes vícios não conhecidos pelo tribunal a quo e imputados pela Recorrida ao acto impugnado tal como exposto nos Capítulos III e IV das presentes alegações, e bem assim a ampliação do objecto do recurso ( Subcapítulo IV.v); em qualquer caso;
(iv) Que se condene o Representante da Fazenda Pública numa sanção pecuniária, a quantificar desde já ou a quantificar em execução de julgado, consoante V.exa. entenderem, por litigar com má-fé (cfr. artigos 3 a 12 das alegações e fls. 834 a 839 dos Autos), nos termos dos artigos 104.º, n.º 1, da LGT e 456.º e 457.º n.º 1 do CPC, com todas as consequências legais.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA.”

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A recorrente não respondeu à matéria da ampliação.
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Foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento parcial do presente recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, em face das conclusões da alegação da Recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
(i) saber se a sentença é nula por falta de fundamentação;
(ii) saber se na sentença recorrida se fez ou não correcta interpretação do artigo
92º, n.º8 da LGT;
(iii) saber se existe falta de fundamentação da decisão tomada pelo órgão da Administração Tributária (Director de Finanças de Lisboa) ao abrigo do n°6 do artigo 92° da LGT,
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida o julgamento de facto foi efectuado nos seguintes termos:
«A. A sociedade ‘E...’, hoje designada “Q... SGPS, S.A.”, ora impugnante, dedicava-se no exercício de 1995 à atividade turística e à promoção imobiliária, abrangendo o respetivo objeto estatutário a atividade de turismo hoteleiro, agricultura e pecuária (Doc. 2 da petição inicial; 1.ª, 4.ª e 6.ª testemunhas).
B. Na data da sua constituição, a qual teve origem na operação de cisão-dissolução da sociedade “T... – Sociedade de Empreendimentos Turísticos, S.A.R.L.”, outorgada em 19/11/1976, a impugnante adquiriu um prédio misto na Q... (Doc. 2 da PI).
C. Este prédio misto foi objeto de loteamento, o que deu origem à emissão do alvará n.º 872/88, tendo a impugnante registado os terrenos daí resultantes, sitos na zona Norte da Q..., no seu ativo imobilizado (Doc. 2 da PI).
D. No dia 29/03/1995, foi emitido o alvará n.º 973/95, que autorizou o loteamento de vários terrenos na zona Sul da Q..., uns com destino turístico e outros para venda, tendo estes últimos sido contabilizados como existências (Doc. 1 das alegações escritas).
E. No ano de 1995, os lotes de terreno da zona Sul ainda não se encontravam infraestruturados, pelo que os lotes correspondiam a pedaços de pinhal, sem redes de águas, energia e comunicações (1.ª testemunha).
F. A infraestruturação da zona Sul ocorreu em momento posterior à da zona Norte (4.ª testemunha).
G. A zona Sul situa-se mais junto do mar e tem menor índice de construção (fls. 523; 1.ª testemunha).
H. As atas das reuniões do Conselho de Administração da impugnante relativas ao ano de 1995 fazem menção a uma situação financeira preocupante, prevendo-se algumas dificuldades para fazer face às dívidas, e ao esforço para realizar capital através da venda de terrenos incluindo possíveis descontos financeiros da ordem dos 20% (Docs. 11 a 13 da PI).
I. Consta de ata da Assembleia Geral Anual, realizada em fevereiro de 1996, que “a maioria das receitas obtidas no ano de 1995 foram resultado apenas da venda de património, venda de lotes de terreno com sacrifício dos preços de vendas, que não era presumível que este ano se obtivessem as mesmas receitas sem que para isso se desse cabo desse mesmo património” (Doc. 13 da PI).
J. Neste ano, a impugnante teve de prestar uma garantia bancária para garantir a realização das infraestruturas, pagar o serviço da dívida à banca e iniciar as obras de infraestruturação relativas ao alvará emitido nesse exercício, sob pena de caducidade do mesmo (Doc. 1 das alegações; 5.ª testemunha).
K. No exercício em questão, a situação económico-financeira da impugnante levou os seus responsáveis a procurar obter fundos com maior rapidez que o habitual (2.ª, 3.ª, 5.ª e 6.ª testemunhas).
L. O ano de 1995 foi um ano de decréscimo de vendas para o setor imobiliário em geral (2.ª e 5.ª testemunhas).
M. No ano de 1995, a impugnante procedeu à venda de lotes de terreno situados na zona Norte e na zona Sul da Q..., escriturados a aproximadamente Esc. 10.000$00 e Esc. 9.000$00 por m2 (Doc. 2 da PI).
N. A contabilidade da Impugnante foi sujeita a certificação legal de contas no exercício de 1995 (Doc. 2 da PI; 6.ª testemunha).
O. As contas da Impugnante, foram objeto de uma inspeção pela administração tributária, que terminou em 04/05/2000, e que teve por objeto o exercício de 1995, debruçando-se sobre IRC e IVA (Doc. 2 da PI).
P. No projeto de relatório resultante da referida ação inspetiva, foram propostas correções à matéria coletável da impugnante nos termos que constam de fls. 63/95, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 2 da PI).
Q. A impugnante pronunciou-se em sede de exercício de audição prévia à emissão do relatório final, nos termos que constam de fls. 114/134, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Docs. 2 e 3 da PI).
R. Foi elaborado relatório final de inspeção nos termos que constam de fls. 63/95, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo pela necessidade de correções em sede de IRC, derivadas de correções técnicas e aplicação de métodos indiretos, ascendendo a matéria coletável assim fixada a Esc. 592.981.445$00 (Doc. 2 da PI).
S. Consta deste relatório o seguinte:
“Conclusões da acção de inspecção
[Com recurso a métodos indirectos – Correcções à matéria tributável – IRC – 409.821.300$
De natureza meramente aritmética resultante de imposição legal – Correcções à matéria tributável – IRC – 12.256.189$] (…)
3.3.3 — Mais valias e menos valias contabilísticas e fiscais
No decorrer do exercício o sujeito passivo alienou os lotes de terreno números 22, 35, 40, 41, e 44 do loteamento denominado zona norte, a que corresponde o alvará n.° 872/88 e incluiu a sua alienação no mapa das mais valias e menos valias fiscais — modelo 31, tendo apurado uma mais valia fiscal de 61.642.457$00, que acresceu na linha 18 do quadro 17, e uma mais valia contabilistica de 74.917.388$00 que deduziu na linha 29 do mesmo quadro. Pela escritura de cisão-dissolução da empresa T... — Sociedade de Empreendimentos Turísticos SA.R.L. outorgada em 19 de Novembro de 1996 (Anexo 1), o sujeito passivo registou no seu activo imobilizado um prédio misto sito na Q.... Pelo alvará n.° 872/88, o sujeito passivo procedeu ao loteamento de parte desse prédio (Zona Norte) e registou os lotes de terreno dai resultantes no seu activo imobilizado, em função da área de cada um, uma vez que, segiindoo sujeito passivo, os terrenos foram adquiridos para serem detidos com carácter de permanência e sem que houvesse, no momento do ingresso dos mesmos izo seu património e activo, qualquer intenção de revenda. Nas notas explicativas ao Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo Decreto-Lei n.° 410/89, de 21 de Novembro, quanto à conta 42 Imobilizações Corpóreas, consta: “Integra os elementos tangiveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano. Inclui igualmente as benfeitorias e as grandes reparações que sejam de acrescer ao custo àqueles imobilizados. No momento em que tomou posse do prédio o sujeito passivo que tinha como actividade principal a agricultura e a pecuária registou o prédio no activo imobilizado com o que se está de acordo face às características do prédio e à actividade exercida. Com o alvará n.° 872/88 deu-se uma transformação significativa das funções do imóvel motivo pelo qual deixou de reunir as condições para ser considerado como imobilizado e, dada a actividade da empresa — Promoção imobiliária, ser incluído na conta de existências.
Ainda assim, o sujeito passivo poderia ter registado os referidos lotes no seu imobilizado, caso não pretendesse efectuar a sua venda. No entanto, pelo menos desde 1989, que procede à alienação de forma continuada dos lotes de terreno resultantes do referido alvará, publicitando a sua venda conforme anúncio publicado na página 14 do caderno Emprego/Imobiliário do jornal Expresso de 10 de Setembro de 1994 (…) Em face do exposto, porque o sujeito passivo com o loteamento procedeu à transformação do prédio alterando-lhe o fim a que se destinava (a parte rústica do imóvel foi dividida em vários lotes de terreno para construção) e como procedeu à sua venda de forma continuada, o que afasta o loteamento e posterior venda do conceito de imobilizado conforme está definido no POC e o situa no âmbito da actividade operacional da empresa, e ainda porque as mais valias traduzem um ganho ocasional e imprevisto, sem qualquer ligação com a actividade desenvolvida, o que não acontece no presente caso, corrigem-se as importâncias acrescidas/deduzidas nas linhas 18 e 29 do quadro 17, devido ao facto da venda dos lotes de terreno não se enquadrar no n.° 1 do artigo 42° do CIRC mas sim na alínea a) do artigo 20° do mesmo Diploma. (…)
4 - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
4. 1 — Venda dos lotes de terreno
No decorrer do exercício em análise o sujeito passivo procedeu à venda dos lotes de terreno identificados no quadro anexo IV.
Da análise do quadro constata-se que:
a) — Os lotes da zona norte, correspondentes ao alvará n.° 872/88, com áreas compreendidos entre 1661 m2 e 2059 m2 foram vendidos a 10.000$00 o m2.
b) — Os lotes da zona sul (alvará n.° 962/94), com excepção dos alienados à empresa I... Lda que foram vendidos a 9.000$00, foram alienados por 10.000$00 o m2.
c) — Com excepção dos lotes vendidos à I... Lda, o valor declarado como preço corresponde ao valor patrimonial.
d) — Na Zona norte os lotes têm uma área de construção de cerca de 35% da sua área total e na zona sul essa área situa-se entre 20 e 25%, em função das dimensões do lote, quanto maior é o lote menor a sua área de construção.
e) — Os lotes da zona sul na altura em que se procedeu à sua venda encontravam-se omissos na matriz, tendo no entanto a sua inscrição sido requerida em 3 de Abril de 1995.
4.2 — O empreendimento da Q... e outros congéneres
A primeira fase do empreendimento da Q... foi pioneiro na criação dos chamados condomínios de luxo e, face ao sucesso obtido, serviu como trampolim a diversos empreendimentos do mesmo tipo, alguns numa zona muito próxima (Alcoitão (...) — Quinta do Patino, Sinta — Beloura, Peita Longa, e, mais afastado, Belas Clube de Campo) e outros na margem sul do Tejo (Aroeira, Quinta do Peru e Montado). (…) No sentido de avaliar os preços praticados na zona no ano de 1995, foram consultados alguns dos jornais onde habitualmente se anuncia a compra e venda de bens imobiliários, tendo-se detectado vários anúncios promovendo a venda de lotes de terreno para construção, dos quais se seleccionaram, a titulo de exemplo, os a seguir indicados face à sua localização (Q...) e dimensão (compreendida entre 1700 e 3.000 m2). (…)
4.5 — O recurso a métodos indirectos/indiciários
A análise dos diferentes indicadores, preço praticado em empreendimentos congéneres não muito distantes do empreendimento do sujeito passivo, os preços anunciados para os lotes de terreno na Q..., o valor das comissões pagas aos agentes imobiliários - excessivas em relação às normalmente praticadas para este tipo de operação, o tipo de loteamento (condomínio dotado de infra estrutura privada, com segurança e equipamentos desportivos — Hipismo e Golfe) e a sua localização na zona de paisagem protegida de Sintra-..., indicia de forma clara que o preço declarado pelo sujeito passivo (10.000$00 / m2 não corresponde ao preço efectivo das transações dos lotes de terreno ficando muito aquém dos valores de venda normalmente praticados no âmbito deste tipo de empreendimento. Em consequência desse facto, como o sujeito passivo contabiliza a venda dos lotes pelo valor que realizou as escrituras de compra e venda e estas foram realizadas por valores que não correspondem aos valores efectivos das transacções, pode-se concluir a existência de indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a matéria tributável do sujeito passivo o que constitui fundamento para aplicação de métodos indiciários nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 51º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e artigos 87° a 90° da Lei Geral Tributária.
5 - CRITÉRIOS E CALCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
5.1 - Condicionalismos da fixação do valor.
Fixar um valor por metro quadrado neste tipo de loteamento, ou em qualquer outro, revela-se urna tarefa bastante difícil, uma vez que esse valor depende de diversos condicionalismos, tais como a localização, a área total, a área de construção, as infra-estruturas de apoio, etc. Quanto à localização, o empreendimento a cerca de meia dúzia de quilómetros do final da auto estrada Lisboa-..., muito próximo do Guincho, próximo da vila de ... e pelo facto de ‘te encontrar englobado na zona de paisagem protegida de Sintra-..., faz com que a Q... se localize numa zona privilegiada. A dimensão do lote é um factor importante na valorização de um lote de terreno bem como a sua área de construção, note-se que num dos empreendimento congéneres verificado foram alienados lotes de terreno com 374 m a 68.273$00/m com 1.678 m a 32.020$00/m e com 2.771 m a 21 .293$00/m com áreas de construção semelhantes à prevista no empreendimento do sujeito passivo e localizado na, mesma área de paisagem protegida, de onde se conclui que quanto maior a área, menor o preço. No entanto o sujeito passivo que alienou no ano de 1995 lotes de terreno com áreas compreendidas entre 1.381 e 3.050 metros quadrados não fez qualquer distinção entre as áreas dos lotes e as áreas de construção (que variaram entre 20 e 35%) realizando todas as escrituras de compra e venda pelo valor patrimonial ainda por valor inferior. Também as infra-estruturas de apoio podem condicionar o preço de venda. No empreendimento da Q..., algumas das infra-estruturas, porque serviam simultaneamente os lotearnentos da zona norte e da zona sul, já se encontravam implementadas. O loteamento da zona sul, no exercício em análise, não se encontrava infra-estruturado, no entanto tal não acontecia no loteamento da zona Norte (alvará n.° 872/88) o que não impediu o sujeito passivo de alienar os lotes de terreno exactamente ao mesmo preço que o loteamento da zona sul. Tendo em atenção o valor 21.437$00 correspondente ao preço médio de venda por metro quadrado dos lotes nos empreendimentos da Quinta da Beloura e da Quinta da Penha Longa que alienaram lotes no decorrer de 1995 (Anexo VI) os preços anunciados na imprensa escrita (com excepção do lote de 2080 m2 anunciado a cerca de 32.000$00 o que dada a persistência da sua publicação revela dificuldades na sua venda por aquele preço) que oscilam entre 20.000$00 e 21000$00 o metro quadrado, porque parte dos lotes vendidos têm uma área superior a 2000 m2 presume-se como preço de venda o valor de 20.500$00 o metro quadrado. Importa ainda salientar que, face ao valor presumido, a percentagem das comissões de intermediação se situa no intervalo 1% a 3% que é o normalmente praticado na área da promoção e venda imobiliária.
No âmbito do cálculo dos valores corrigidos mantém-se a redução de 10% relativamente aos lotes números 48, 50, 52, 53, 54, 55e 56 alienados à empresa I... Lda, tendo em atenção o fim a que os lotes se destinavam (revenda), bem como o volume da transacção.
5.2 — Cálculo dos valores corrigidos (…)
Face aos valores apurados no quadro verifica-se que o sujeito passivo deveria ter considerado como proveito, nos termos do artigo 20° do CIRC, a importância de 409.821.300$00.
(Doc. 2 da PI).
T. A Q... não é um condomínio privado, não sendo vedada a entrada a quem quiser lá entrar (5.ª testemunha).
U. Consta de escritura de compra e venda de lote de terreno da Q..., celebrada a 18/09/1995, os ónus e encargos a favor da impugnante descritos a fls. 202/210, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 14 da PI).
V. O índice de construção autorizado para cada lote da zona Sul é de cerca de 20%, indo a área dos lotes de cerca de 2000 m2 até cerca de 3000 m2 (Doc. 15 da PI).
W. A administração tributária avaliou, em 1994 e em 2002, diversos terrenos da Impugnante, aos quais atribuiu valores inferiores a Esc. 10.000$00 / m2 (fls. 380 e 427/434).
X. Em 2002, a administração tributária avaliou, na Q..., prédios com moradias de luxo já edificadas pelo valor de 25.000$00 o m2 (fls. 439/444).
Y. Em 2003, com base num relatório de um perito do Tribunal da Relação de Lisboa, a Câmara Municipal de ... propôs à impugnante a aquisição de um terreno pelo valor de € 37,80/m2, equivalente a Esc. 7.800$00 (fls. 462/463).
Z. Em janeiro de 2001, a Câmara Municipal de ... propôs-se adquirir o lote de terreno do Hotel Abano, sito na q..., por permuta, sendo-lhe atribuído o valor resultante da avaliação ordenada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de Esc. 287.500.000, correspondendo a uma área de 42.000 m2 = Esc. 6.845$00 / m2 (fls. 394/415).
AA. Em 1992, foi realizado procedimento de avaliação (com o n.º 2241/92), relativo a dois lotes de terreno para construção, sitos na Q... aos quais, em 1994, foi atribuído o valor de Esc. 5.000 por m2, tendo isso originado o pedido de uma segunda avaliação (Doc. 18 da PI).
BB. Em 1999, foram revendidos lotes de terreno da Q..., relativamente aos quais a impugnante não exerceu direito de preferência, quanto aos preços descritos a fls. 296/306, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Doc. 21 da PI).
CC. Em 1996, a administração tributária avaliou em Esc. 10.000$00/m2 lotes de terreno derivados do Alvará relativo à zona Sul (Doc. 19 da PI).
DD. No dia 28/06/2000, após receber a notificação do relatório final de inspeção, a impugnante reclamou da fixação da matéria coletável de IRC por métodos indiretos, tendo requerido a nomeação de um perito independente, por discordar quer da utilização de métodos indiretos para proceder à avaliação da matéria coletável, quer da própria quantificação efetuada (Doc. 4 da PI).
EE. Na reunião entre os peritos, ocorrida no dia 04/10/2000, não houve acordo, tendo cada um deles elaborado o respetivo laudo, entendendo os peritos independente e do sujeito passivo que não se mostrava justificado o recurso a métodos indiretos, e o perito da Fazenda Pública que devem ser mantidos os valores considerados pelos Serviços de Inspeção e consequentemente o valor da matéria tributável corrigida, nos termos que constam de fls. 164/172, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Docs. 5 a 8 da PI).
FF. Consta do laudo do perito independente o seguinte:
“[V]erifica-se que determinados pressupostos descritos no relatório, que servem de base para aplicação dos métodos indiretos na fixação da matéria coletável não podem ser tidos em consideração, nomeadamente: 1. O parecer da Inspeção Tributária menciona que “a contabilidade enferma de diversas vicissitudes” no entanto não é apresentada qualquer prova que justifique a verificação. 2. No despacho emitido pelo Chefe de Divisão Tributária é mencionado de que “foram praticadas omissões, com reflexo na quantificação direta da matéria coletável”. Também neste caso não são apresentadas provas de facto suficientes. Entendo deste modo que não existe razão para aplicação do art.º 87.º alínea b) da lei geral tributária, porque a empresa deve ser tributada com base no lucro real apurado de acordo com o código de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas e o plano oficial de contabilidade aplicado à empresa. Por último devo referir que não entendo as diferenças de valores atribuídos ao m2 nas avaliações seguintes: (…) Inspeção ao exercício de 1995, concluída em abril de 2000 utilizou como valor base para presumir a correção à matéria coletável os seguintes:
V m2 = entre 16.510$ e 20.590$ - Zona Norte
V m2 = entre 13.810$ e 27.550$ - Zona Sul” (fls. 170/172).
GG. No dia 29/11/2000, o Diretor de Finanças de Lisboa decidiu manter os valores fixados em IRC, nos termos que constam de fls. 178/183, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual se pode ler o seguinte:
“10. O perito independente diz que não são apresentadas provas de facto suficientes que fundamentem a aplicação de métodos indirectos nos termos da alínea b) do artigo 87.º da LGT, devendo a empresa ser tributada pelo lucro apurado na contabilidade. Referiu não compreender as diferenças de valores por metro quadrado de terreno que a Inspecção utilizou nos anos de 1995, 1996 e 1997, mas não indicou um valor que, em seu parecer, fosse adequado para cálculo das vendas e consequente apuramento do lucro tributável. Tal impede-me de fundamentar a rejeição do seu parecer, por falta de objeto, como determina o n.º 6 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária.
11. Nos termos do nº 1 do artigo 92 da Lei Geral Tributária compete ao Perito da Fazenda Pública e ao perito do Sujeito Passivo chegarem a um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação. Não tendo havido acerto cabe ao órgão competente para a fixação da matéria tributável decidir quanto àquele objectivo, tendo em conta a posição de ambos os Peritos, o que se faz nos seguintes termos (…)
Em face do exposto, mantenho os valores fixados em IRC”.
(Doc. 10 da PI).
HH. Na sequência desta decisão, foi emitida liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, da qual resultou um total a pagar de Esc. 334.956.330$00, com data limite de pagamento voluntário no dia 29/01/2001 (Doc. 1 da PI).
II. A presente impugnação judicial foi remetida a juízo no dia 23/04/2001 (fls. 3).
JJ. Instaurado o processo de execução fiscal n.º 1503.01.101155.3, no Serviço de Finanças de ... – 1, por referência à dívida mencionada no ponto HH, no mesmo ocorreu a citação da impugnante no dia 20/07/2001 (fls. 489).
KK. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... – 1 datado de 28/09/2001, foi dado deferimento a pedido da impugnante datado de 27/07/2001, dispensando a prestação de garantia bancária e ordenando a suspensão do processo de execução, ao abrigo do disposto no n.º 8 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, nos termos que constam de fls. 488/489, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 488/489).
LL. O presente processo de impugnação não foi movimentado entre os dias 29/04/2005 e 01/10/2008.»
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa...”
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Igualmente relevou, nos pontos da matéria de facto em que a tal se faz referência, o depoimento das seis testemunhas arroladas pela impugnante, que considerando a sua relação com a impugnante e as funções então exercidas, a 1.ª testemunha que adquiriu um lote de terreno à impugnante, a 2.ª testemunha que era promotor imobiliário e conhecia o projeto de desenvolvimento da Q..., a 3.ª testemunha que era igualmente promotor imobiliário e que comprou um lote de terreno na Q... em 1995/1996, a 4.ª testemunha que à data dos factos trabalhava na fiscalização de processos e na comissão de avaliação da Câmara Municipal de ..., a 5.ª testemunha também promotor imobiliário, e a 6.ª testemunha diretor financeiro da impugnante, revelaram conhecimento da factualidade ali vertida e depuseram de forma a merecer credibilidade…».
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B. DO DIREITO
A denominada «Q..., S.G.P.S.», S.A., (antes denominada “E... – Sociedade de Construções e Turismo, S.A”) impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRC que lhe foi efectuada por força das correcções à matéria tributável (correcções por métodos indirectos e correcções meramente aritméticas), elaboradas na sequência de uma inspecção incidente sobre o exercício de 1995.
Por sentença de 22 de Março de 2013, o Meritíssimo Juiz «a quo» julgou procedente a impugnação, declarando prescrita a dívida de IRC resultante de correcções meramente aritméticas e determinou a anulação da decisão do procedimento de revisão da matéria colectável, dada a verificação do vício de violação de lei por ofensa ao disposto no artigo 92º, n.º 7 da LGT, e consequentemente anulou o segmento da liquidação decorrente de correcções com recurso a métodos indirectos.
Como supra se referiu a primeira questão incide sobre a alegada existência de nulidade da sentença recorrida, por violação do nº 1, alínea b), do artigo 668º do CPC (correspondente ao n° 1, alínea b) do artigo 615° na actual redacção do CPC).
Da pretensa nulidade da sentença
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões sustenta a Fazenda Pública (adiante designada recorrente) a nulidade da sentença prevista no nº 1, alínea b), do artigo 668º do CPC, porque em seu entender foi omitida a fundamentação que suportou o entendimento de que «[a] parte da liquidação concernente às correcções meramente aritméticas da matéria tributável se encontra prescrita, porquanto, se encontrou parada por culpa não imputável à impugnante.» [Conclusão II]
Diremos, desde já, que, a nosso ver, a mesma não se verifica.
Senão vejamos.
O artigo 125º do CPPT comina com a nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão e a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
O artigo 660º, n.º 1, alínea b) do CPC prevê a nulidade da decisão apenas nos casos em que é absoluta a falta de fundamentação, assim se devendo entender a alusão legal à ausência de especificação dos fundamentos que justifiquem a decisão, não abarcando as situações em que tal especificação é apenas deficiente.
Como escreve o Professor Alberto dos Reis, «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140).
Ora, in casu, manifestamente não se verifica qualquer absoluta – ou, sequer, deficiente – falta de fundamentação.
Com efeito, na situação vertente, da leitura de fls.24/25 da sentença resulta com evidência a motivação fáctica e jurídica que suportou a posição tomada quanto á verificação da prescrição aqui questionada.
Coisa distinta será a existência ou não de erro de julgamento, quanto ao direito aplicável, questão que adiante trataremos.
Não se verifica, pois, a apontada nulidade.
DO MÉRITO DO RECURSO
No segmento em que apreciou a prescrição entendeu o Tribunal «a quo» que, a suspensão do processo de execução fiscal determinada pelo despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 28.09.2001, não tem aplicação quanto à dívida resultante de correcções à matéria tributável de natureza meramente aritmética.
Argumentou para tanto aquele Tribunal que «[a]qui a paragem da execução fiscal, nos termos em que foi determinada, não encontrar suporte legal, nem pode ser imputada á impugnante. Posto que, nos termos do artigo 91º, n.º14, da LGT, as correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com e da matéria colectável, não estão abrangidas pelas normas respeitantes ao procedimento de revisão da matéria colectável.».
Concluindo que « [e]fectivamente não tinha cabimento legal a suspensão do processo de execução fiscal, nos termos previstos no n.º 8 do artigo 92.º da LGT, conforme determinado.»
É, contra esta perspectiva que a recorrente não se conforma, alegando que a “dissociação” entre os dois tipos de correcções à matéria tributável não pode operar, uma vez que «[a] prestação de garantia, e a isenção de garantia operou pela totalidade da liquidação.»
Em abono da sua posição a recorrente invoca o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.04.2013, proferido no processo n.º 0359/13, assim sumariado «[O] disposto no nº 1 do art. 169º do CPPT deve interpretar-se com o sentido de que a apresentação de reclamação graciosa e de subsequente impugnação judicial, associada à prestação de garantia idónea, e ainda que se discuta a legalidade de apenas uma parte da dívida exequenda, suspende a execução fiscal para cobrança da totalidade da quantia exequenda (e não apenas da parcela contestada dessa quantia).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Note-se, antes de mais, que o acórdão invocado não tem aplicação ao caso, pois o mesmo, prende-se com a questão de saber «[s]e os processos de execução fiscal podem manter-se na situação de suspensos, na parte correspondente às dívidas não contestadas, estando a totalidade da dívida exequenda garantida.» e face do que atrás deixamos dito, o que se discute nos presentes autos, gira em torno da interpretação do artigo 92º, n.º8 da LGT.
Quer isto dizer, pois, que fica, por consequência, afastada a jurisprudência fixada no citado acórdão, decorrente da não aplicabilidade ao nosso caso.
E chegados aqui, já podemos adiantar que sufragamos a conclusão a que chegou o Tribunal «a quo», pelas razões que seguidamente iremos expor.
Dispõe o artigo 92º, n.º 8, da Lei Geral Tributária (LGT) : «No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo».
Como afirmam DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA «[A] razão de ser desta norma é a de que, perante tal concordância dos peritos no sentido de uma determinada parte da matéria colectável fixada não dever ser considerada, há uma forte probabilidade de ser errada a decisão de fixação e, por isso, é curial esperar pela decisão final do processo em que se impugna a quantificação para executar o acto de liquidação.
Em face desta razão de ser, o efeito suspensivo é reconhecido apenas quando o contribuinte, na reclamação graciosa ou impugnação judicial, impugna a decisão de fixação da matéria colectável e na parte em que se verifica tal probabilidade, devendo o contribuinte, para assegurar o efeito suspensivo em relação à parte restante da liquidação, prestar garantia nos termos gerais.».(Lei Geral Tributária comentada e anotada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 7 ao artigo 92º, pág. 816.).
Daí que se entenda também que, ao contrário do que pretende a recorrente, o efeito suspensivo da execução fiscal previsto no artigo 92º, n.º8 da LGT não se aplica à parte da liquidação resultante de correcções de natureza meramente aritméticas, na medida em que compreende apenas a parte da liquidação em que o perito independente e o perito do contribuinte tenham estado de acordo.
E, como decorre limpidamente da lei (artigo 91º, n.º 14 da LGT) as correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal estão fora do âmbito do procedimento de revisão.
Termos em que improcede nesta parte o recurso.
Na sentença recorrida entendeu-se que a decisão tomada pelo Director de Finanças de Lisboa nos termos do artigo 92º, n.º6 da LGT, padece do vício de falta de fundamentação (vertente formal), na medida em que «[a]li se reproduz a posição do perito independente, dando conta que o mesmo não indica um valor que, em seu parecer, seja adequado para calculo das vendas e consequente apuramento do lucro tributável. O que, na óptica daquele decisor, o impediu “ de fundamentar a rejeição do seu parecer, por falta de objecto, como determina o n.º6 do artigo da Lei Geral Tributária.».
A recorrente insurge-se quanto a este segmento da sentença, conduzindo o “grosso” da sua argumentação para o regime do ónus da prova, para posteriormente rematar que está «[i]mediatamente desobrigada de qualquer fundamentação adicional relativamente às posições dos peritos independente e da parte, porquanto, não foram indicados quaisquer excessos materiais de quantificação, quer duma parte, quer da outra, excessos materiais estes que eventualmente tenham sido concordantes em sede daqueles dois peritos e que obrigassem ou determinassem fundamentação acrescida sobre os mesmos.» [Conclusão XIV]
A questão a decidir é, portanto, a de saber se existe falta de fundamentação da decisão tomada pelo órgão da Administração Tributária (Director de Finanças de Lisboa) ao abrigo do n°6 do artigo 92° da LGT, na medida em que não invoca os motivos nem as razões que pelas quais rejeitou o parecer do perito independente.
Vejamos, então.
De harmonia com o disposto no artigo 77º, nº 1 da LGT a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
E, para o que aqui importa, dispõe n.º 7 do artigo 92º da Lei Geral Tributária que: «Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.».
Não restringindo o preceito o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes o impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.
Este sentido, corresponde de resto à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo retratada no Acórdão de 30.11.2010, proferido no processo n.º 512/10: «Tal dever de fundamentação existirá apenas se o perito independente propuser um valor inferior ao proposto pelo perito da administração tributária, como alega a Fazenda Pública invocando o apoio doutrinal de DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA (Lei Geral Tributária: Comentada e Anotada, 3.ª edição, Lisboa, Vislis, 2003, pp. 476 – nota 6 ao art. 92.º da LGT)?
Nem nos parece que assim seja, nem tal interpretação condiciona a decisão no caso dos autos.
Isto porque o n.º 7 do artigo 92.º da LGT não restringe o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes o impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.
Claro está que para quem entenda, que a decisão de fixação da matéria tributável que venha a ser tomada na falta de acordo está condicionada, no seu limite máximo, pelo valor proposto pelo perito da Administração Tributária, posição esta assumida pelos autores citados, a proposta pelo perito independente de um valor superior a esse não poderia ser legalmente atendível, razão pela qual, entendem, não ser aqui exigível a fundamentação de tal rejeição, porque decorrente da própria lei.
Esta posição doutrinária, aliás não unânime (cfr., em sentido diverso, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, s/data, p. 396 in fine), nem sequer é determinante no caso dos autos de solução diversa da adoptada na sentença recorrida.
É que, no caso dos autos, o perito independente não propôs a fixação de um valor superior ao proposto pelo perito da Administração Tributária, não propôs, aliás, em concreto qualquer valor (nem parece que a tal a lei o obrigue), antes entende não estar inviabilizada a fixação da matéria tributável por métodos directos e a subjectividade dos critérios utilizados para a sua fixação indirecta (cfr. o seu parecer, a fls. (...).». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt) .
Retomando o caso presente, verifica-se que, o perito independente teve intervenção no procedimento de revisão e elaborou o parecer levado à alínea FF), do qual consta: «[V]erifica-se que determinados pressupostos descritos no relatório, que servem de base para aplicação dos métodos indiretos na fixação da matéria coletável não podem ser tidos em consideração, nomeadamente: 1. O parecer da Inspeção Tributária menciona que “a contabilidade enferma de diversas vicissitudes” no entanto não é apresentada qualquer prova que justifique a verificação. 2. No despacho emitido pelo Chefe de Divisão Tributária é mencionado de que “foram praticadas omissões, com reflexo na quantificação direta da matéria coletável”. Também neste caso não são apresentadas provas de facto suficientes. Entendo deste modo que não existe razão para aplicação do art.º 87.º alínea b) da lei geral tributária, porque a empresa deve ser tributada com base no lucro real apurado de acordo com o código de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas e o plano oficial de contabilidade aplicado à empresa. Por último devo referir que não entendo as diferenças de valores atribuídos ao m2 nas avaliações seguintes: (…) Inspeção ao exercício de 1995, concluída em abril de 2000 utilizou como valor base para presumir a correção à matéria coletável os seguintes:
V m2 = entre 16.510$ e 20.590$ - Zona Norte
V m2 = entre 13.810$ e 27.550$ - Zona Sul».
Por seu turno, a decisão de fixação da matéria tributável identificada na alínea GG), do probatório, na parte que aqui releva é do seguinte teor: «10. O perito independente diz que não são apresentadas provas de facto suficientes que fundamentem a aplicação de métodos indirectos nos termos da alínea b) do artigo 87.º da LGT, devendo a empresa ser tributada pelo lucro apurado na contabilidade. Referiu não compreender as diferenças de valores por metro quadrado de terreno que a Inspecção utilizou nos anos de 1995, 1996 e 1997, mas não indicou um valor que, em seu parecer, fosse adequado para cálculo das vendas e consequente apuramento do lucro tributável. Tal impede-me de fundamentar a rejeição do seu parecer, por falta de objeto, como determina o n.º 6 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária.»
11. Nos termos do nº 1 do artigo 92º da Lei Geral Tributária compete ao Perito da Fazenda Pública e ao perito do Sujeito Passivo chegarem a um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação. Não tendo havido acerto cabe ao órgão competente para a fixação da matéria tributável decidir quanto àquele objectivo, tendo em conta a posição de ambos os Peritos, o que se faz nos seguintes termos (…)
Em face do exposto, mantenho os valores fixados em IRC.».
Posto isto, tomando em consideração o que deixamos transcrito, começaremos por dizer o seguinte:
Observa-se, em primeiro lugar, que para além da síntese da posição sustentada no parecer do perito independente, inexiste qualquer discurso que dê a conhecer as razões pelas quais não foram aceites os argumentos, que no entender daquele conduzem levam à conclusão de que os motivos e exposição dos factos invocados pelos Serviços de Inspecção não fundamentam o recurso a métodos indirectos.
Observa-se, em segundo lugar, que é o próprio órgão decisor que reconhece que não procede à fundamentação da rejeição do parecer do perito independente, porquanto aquele «[n]ão indicou um valor que, em seu parecer, fosse adequado para cálculo das vendas e consequente apuramento do lucro tributável.».
Ora, como bem alertou o Meritíssimo Juiz «a quo», de resto no seguimento da jurisprudência referida, o artigo 92º, n.º7 da LGT, não restringe o preceito o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes o impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.
Este sentido, corresponde de resto à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo retratada no Acórdão de 30.11.2010, proferido no processo n.º 512/10: «Tal dever de fundamentação existirá apenas se o perito independente propuser um valor inferior ao proposto pelo perito da administração tributária, como alega a Fazenda Pública invocando o apoio doutrinal de DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA (Lei Geral Tributária: Comentada e Anotada, 3.ª edição, Lisboa, Vislis, 2003, pp. 476 – nota 6 ao art. 92.º da LGT)?
Nem nos parece que assim seja, nem tal interpretação condiciona a decisão no caso dos autos.
Isto porque o n.º 7 do artigo 92.º da LGT não restringe o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes o impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.
Claro está que para quem entenda, que a decisão de fixação da matéria tributável que venha a ser tomada na falta de acordo está condicionada, no seu limite máximo, pelo valor proposto pelo perito da Administração Tributária, posição esta assumida pelos autores citados, a proposta pelo perito independente de um valor superior a esse não poderia ser legalmente atendível, razão pela qual, entendem, não ser aqui exigível a fundamentação de tal rejeição, porque decorrente da própria lei.
Esta posição doutrinária, aliás não unânime (cfr., em sentido diverso, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, s/data, p. 396 in fine), nem sequer é determinante no caso dos autos de solução diversa da adoptada na sentença recorrida.
É que, no caso dos autos, o perito independente não propôs a fixação de um valor superior ao proposto pelo perito da Administração Tributária, não propôs, aliás, em concreto qualquer valor (nem parece que a tal a lei o obrigue), antes entende não estar inviabilizada a fixação da matéria tributável por métodos directos e a subjectividade dos critérios utilizados para a sua fixação indirecta (cfr. o seu parecer, a fls. (...).». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Diante do exposto, torna-se evidente, a nosso ver que bem decidiu o Meritíssimo Juiz «a quo» ao julgar violado o disposto no artigo 92º, n.º7 da LGT.
A recorrida vem requerer a condenação do Representante da Fazenda Pública
numa sanção pecuniária, a quantificar desde já ou a quantificar em execução de julgado, consoante o que V. Exa. entenderem, por litigar com má-fé e, em particular, por falsas declarações (cfr. artigos 3 a 12 das alegações e fls. 834 a 839 doa Autos), nos termos dos artigos 104º, n.º 1, da LGT e 456º e 457º n.º 1 do CPC.
Determina o artigo 104º, n.º1 da LGT «Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.».
Como é referido no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 27.02.2014, proferido no processo n.º 7361/14: « [e]stabelece o nº 1 do citado preceito uma sanção pecuniária com fundamento na litigância de má fé da AT, o que, desde logo, mostra que, independentemente das questões doutrinárias que se possam colocar sobre a possibilidade de a Administração, sujeita ao princípio da legalidade, poder actuar com má fé em juízo, a verdade é que o legislador da LGT tomou a opção no sentido de fazer actuar tal mecanismo relativamente à AT. E, assim sendo, fez depender a possível sanção por litigância de má fé de uma violação dolosa ou gravemente negligente (por aplicação do artigo 456º, nº 2 do CPC, a que actualmente corresponde o artigo 542º, 2 do CPC), quer do princípio da boa fé - actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados – quer do princípio da igualdade - o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.
Temos, pois, um regime mais restritivo que o previsto na lei processual civil, o que nas palavras de A. Lima Guerreiro, in LGT, anotada, Editora Reis dos Livros, pág. 425, resulta da circunstância de se ter tido em conta “…o quadro jurídico peculiar da actuação do Estado no processo judicial tributário, que é substancialmente diferente do das partes no processo comum”, sendo certo, por seu turno, que sempre se poderá questionar se a diferença de tratamento da AT, quando comparada com o contribuinte, não será discriminatória, isto é, se “terá fundamento material bastante e não violará o princípio fundamental da igualdade na modalidade de igualdade de armas”vide, LGT, anotada e comentada, Diogo Leite Campos e outros, 4ª edição, 2012, Encontro da Escrita, pág. 893.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Em situação idêntica à destes autos e onde, aliás, figuravam as mesmas partes, pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo no acórdão de 04.06.2013, proferido no processo n.º 04930/11, cuja fundamentação sufragamos sem qualquer reserva de convicção, à qual nada se nos oferece acrescentar, limitar-nos-emos a acompanhar e reproduzir, o que aí ficou dito, tendo em vista um interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8º, n.º 3, do C.Civil).
« [n]ão se consideram verificados os necessários pressupostos legais, que, para efeitos da sua condenação, a tal título, no âmbito em que nos movemos, s e encontram, expressa e taxativamente, elencados no art.º 104º da LGT (…)porque não se indicia e, muito menos, se atesta, que o procedimento da AT se afasta da natural defesa da posição assumida, matéria que envolve a consideração de vários elementos e a sua integração num processo de análise que, em função das várias situações a considerar, implica uma leitura que, por vezes, poderá ter ou menor aderência à realidade em apreço, inserindo-se a posição da AT na sua perspectiva de análise, não se detectando na sua conduta matéria capaz de justificar um juízo tão severo como o proposto pela Recorrida, sendo de notar que o presente recurso é um exemplo em que se insiste em determinada análise, perdendo-se a noção de toda a matéria a considerar, com as consequências acima assinaladas.» (acórdão junto aos autos a fls. 948 a 999) .

IV.CONCLUSÕES
I. Decorre claramente da lei (artigo 91º, n.º 14 da LGT) que as correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal estão fora do âmbito do procedimento de revisão.
II. Nos termos do n.º 7 do artigo 92º da LGT: «Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.». Não restringindo o preceito o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes o impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.

V.DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1 de Janeiro de 2004.

Registe e notifique.
Lisboa, 12 de Julho de 2017.



[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]