Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:22/17.2BELRS
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/23/2017
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INSTRUMENTALIDADE
PERICULUM IN MORA
Sumário:I – A função preventiva das providências cautelares, i. é, das concretas medidas cautelares a serem decretadas, conduzem a que estas assumam como características típicas, decorrentes da sua própria natureza, a instrumentalidade e a provisoriedade.

II – Por a providência cautelar ser instrumental face à pretensão material objeto do litígio (principal), o processo cautelar, enquanto meio processual pelo qual se haverá de obter a providência cautelar pretendida, haverá naturalmente de assumir como característica processual a da instrumentalidade estrutural, nos termos da qual, ainda que tenha uma tramitação autónoma em relação ao processo principal que tem por objeto a decisão sobre o mérito da pretensão material (definitiva), daquele depende (cfr. artigo 113º nºs 1 e 2 do CPTA).

III – É precisamente por as providências cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal (o que tem por objeto a decisão sobre o mérito do litígio) que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA, “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

P……………..Clientes – Associação de Defesa dos Clientes do Banco (devidamente identificada nos autos), requerente no Processo Cautelar que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa em que são requeridos o (1) Ministério das Finanças, o (2) Estado Português e, como contra-interessado o (3) Banco ……………….., S.A., em liquidação – no qual requereu, na pendência da ação principal Proc. nº 866/11.9BELSB, e com vista a acautelar o efeito útil daquele processo, a intimação da Comissão Liquidatária do Banco …………….. a abster-se de fazer qualquer pagamento ao Estado Português enquanto estiver pendente a ação principal de que a presente providência cautelar é instrumental – inconformada com a sentença de 15/06/2017 do Tribunal a quo pela qual foi julgado improcedente aquele pedido, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que decrete a providência cautelar requerida, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
a) É inequívoca a relação de instrumentalidade entre o processo cautelar e a ação principal já instaurada.

b) É patente a verificação do requisito da existência de periculum in mora.

c) Estão, por conseguinte, verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência requerida.

d) A sentença recorrida viola, pelo menos, os arts. 112.º/1, 113.º/1 e 120.ª/1 do CPTA.

Contra-alegaram o BANCO …………………., SA – EM LIQUIDAÇÃO (a fls. 2129 ss.), o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS (a fls. 2140 ss.), e o ESTADO PORTUGUÊS (a fls. 2161 ss.).

O recorrido BANCO ………………, SA – EM LIQUIDAÇÃO pugna, nas suas contra-alegações, pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença e recorrida, requerendo ainda a ampliação do objeto do recurso, formulando a final o seguinte quadro conclusivo:
A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ("Tribunal a quo") de 15 de Junho de 2017, que julgou totalmente improcedente a providência cautelar requerida pela Recorrente, com o fundamento de que a mesma não se revela necessária para assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo n.º 866/11.9BELSB.

B. Sustenta o Recorrente que a Sentença incorreu em erro na aplicação do direito, contudo, e conforme infra melhor se demonstrará, não assiste qualquer razão à Recorrente no que concerne aos vícios que pretende assacar à Sentença a quo, na medida em que não só esta não padece das deficiências que lhe pretende imputar como, por outro lado, a Recorrente limita-se a proferir um acervo de afirmações gerais e abstractas sobre a bondade daquela, que não podem merecer o acolhimento deste Venerando Tribunal ad quem.

C. Entende a Recorrente que o "importante efeito útil" decorrente da procedência da acção principal, se perderia caso, no processo de liquidação do B…….., a Comissão Liquidatária, uma fez feita a liquidação dos bens do insolvente, realizasse as operações de pagamento aos credores e, sobretudo, se pagasse ao Estado no pressuposto da validade da garantia, pois, criaria uma situação de facto consumado, traduzida na impossibilidade, pelos demais credores, de acederem à liquidez entretanto entregue ao Estado.

D. No entanto, a premissa de que Recorrente parte e da qual não fez qualquer prova, mesmo que indiciária, está errada, pois, não é correcto o pressuposto de que o Estado Português não terá, num futuro próximo, condições de devolver o montante recebido, caso (o que apenas em tese se admite) tal viesse a ser necessário por força de uma decisão judicial, transitada em julgado, que considerasse procedente a acção principal.

E. Caso fosse declarada a nulidade do acto de autorização de concessão de garantia, a consequência seria, logicamente, a nulidade de todos os actos consequentes, havendo sempre lugar à restituição pelo Estado Português do montante cujo pagamento a Recorrente pretende evitar, sendo certo que é do Estado Português que se trata e não uma qualquer sociedade comercial, pelo que o risco de Incumprimento não se coloca nos termos explanados pela Recorrente.

F. Assim, a realização de pagamentos pela Comissão Liquidatária, no âmbito do processo de liquidação do B..., não constitui um prejuízo de difícil reparação nem pode determinar a "constituição de facto consumado", de consequências irreparáveis, tanto mais que a situação seria sempre reversível, se fosse caso disso, como se deixou demonstrado

G. Ademais, não tendo a Recorrente Invocado um único argumento que justifique uma situação de facto consumado, é forçoso concluir que não cumpriu com o ónus que sobre si impende de alegar e provar, ainda que indiciariamente, os factos que alega.

Por outro lado,

H. A Recorrente alega que "(...) os direitos dos credores do B... aos valores adicionais que resultarem da extinção do crédito do Estado (...) só podem ser satisfeitos no processo de liquidação do B... (...)". (Ponto 26 das Alegações)

I. Todavia, e como referiu o Tribunal a quo, esses direitos poderão ser exercidos no quadro do processo de execução de sentença favorável, pois, e ao contrário do que pressupõe a Recorrente, integrariam sempre os efeitos repristinatórios e reconstitutivos da anulação da garantia concedida pelo Estado, nos termos do artigo 173.º do CPTA.

J. Do exposto decorre que não existe periculum in mora e, por isso, inexiste motivo para decretar a providência requerida, pelo que deve o presente Recurso ser julgado improcedente, o que se requer.

K. Na acção principal de que a providência cautelar em apreço depende, vem a Recorrente peticionar que se declare a nulidade do acto de autorização de concessão da garantia pessoal aos bancos aí contra-interessados, da autoria do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, corporizado no Despacho n.º 31268-A/2008, de 1 de Dezembro; e de alguns actos dele consequentes, designadamente os actos de prestação e de preservação da referida garantia e do contrato de penhor celebrado entre o Estado Português e o B....

L. No presente processo cautelar vem a Recorrente peticionar que, sem prévia audição dos requeridos e do contra-interessado, seja a Comissão Liquidatária do B... intimada a abster-se de realizar quaisquer pagamentos ao Estado Português enquanto estiver pendente a acção principal de que este depende.

M. Sucede, porém, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa não tem jurisdição para dirimir o objecto da presente providência cautelar, porquanto este, contrariamente ao propugnado na Sentença a quo, não surge compreendido no âmbito constitucional e legal da jurisdição administrativa.

N. Com efeito, a jurisdição administrativa intervém na apreciação dos litígios com origem na administração pública lato sensu e que envolvam a aplicação de normas de direito administrativo ou a prática de actos a coberto do direito admlnistrativo.

O. No presente processo cautelar não estamos perante um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, uma vez que o efeito cautelar visado pela Recorrente exorbita o âmbito material da respectiva jurisdição.

P. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, nenhum dos elementos subjectivos ou objectivos do litígio configurado em sede cautelar assume carácter jurídico-administrativo nem está relacionado com o exercício da função administrativa.

Q. Uma vez que tanto a Recorrente P................. Clientes como o B... são pessoas colectivas de direito P................., regidas por normas jurídicas de direito P................., tendo cada uma delas como objecto social um conjunto de actividades características daquela índole.

R. A isto cresce que caso a providência cautelar sub judice fosse julgada procedente, no que não se concede, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa estaria a proferir uma decisão que iria necessariamente bulir e comprometer, de forma irremediável, o exercício do poder jurisdicional por parte do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - J2 no âmbito do Processo n.º 519/10.STYLSB, onde corre termos o processo de liquidação do B..., o que consubstanciaria uma violação do princípio da independência dos tribunais (artigo 203.º CRP) e da separação de jurisdições (artigo 209.° CRP).

S. Caso se admitisse a possibilidade de decretamento da referida intimação, tal seria frontalmente inconstitucional por violação dos referidos preceitos constitucionais, inconstitucionalidade esta que se invoca desde já para os devidos efeitos legais.

T. Termos em que deve, consequentemente, esta matéria ser decidida no âmbito do processo de insolvência do B..., porquanto todas as matérias e questões atinentes a pagamentos no âmbito de processos desta índole devem ser solucionadas apenas e tão-somente no próprio processo de insolvência.

U. Pelo exposto, é manifesto que a providência cautelar em análise não se subsume ao âmbito material da jurisdição administrativa, pelo que, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 13.º, 37.º, n.º 3, do CPTA, e 91º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas ("CRE"), deve a presente instância ser declarada extinta por falta de jurisdição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, o que se requer.


O recorrido MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, nas suas contra-alegações, começa por invocar, a título de questão prévia, a deficiência das conclusões do recurso, aludindo ao artigo 639º CPC. Quanto ao seu mérito pugna pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, e subsidiariamente pela manutenção da decisão de indeferimento da providência cautelar requerida por falta de verificação dos requisitos enunciados no artigo 120º nºs 1 e 2 do CPTA (periculum in mora, fumus boni iuris e desproporcionalidade da providência face aos demais interesses) E requer ainda a ampliação do objeto do recurso à questão da ilegitimidade passiva, que suscita, por não ter sido demandada como requerida no processo cautelar a COMISSÃO LIQUIDATÁRIA DO B..., a quem se dirige a pretendida intimação, nem como contra-interessados os BANCO ……………, CAIXA …………., BANCO …………. (actualmente, NOVO …………..), BANCO ………………., BANCO …………. e CAIXA CENTRAL – CAIXA ……………………. CRL, credores do B..., que são contra-interessados no Proc. nº 866/11.9BELSB de que o presente processo cautelar é apenso, defendendo a absolvição dos aqui requeridos da instância.

E o recorrido ESTADO PORTUGUÊS invoca também nas suas contra-alegações a questão prévia da deficiência das conclusões do recurso da recorrente, defendendo dever o recorrente ser convidado, nos termos do artigo 639º nº 3 in fine do CPC, a aperfeiçoá-las, sob pena de se não conhecer do recurso apresentado. E quanto ao mérito do recurso pugna pela sua improcedência, com manutenção da decisão recorrida. Termina formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas e, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 - Sendo as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada, o que desde já se requer.

4 - Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, estará aqui em análise a existência, da relação de instrumentalidade entre o processo cautelar e a acção principal, e bem assim de periculum in mora.

5 - A instrumentalidade da providência cautelar reconduz-se à dependência de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar.

6 - Inexiste instrumentalidade entre a providência cautelar requerida (a intimação da Comissão Liquidatária do Banco P................. Português a abster-se de fazer qualquer pagamento ao Estado Português enquanto estiver pendente a acção principal - o processo nº 866/11.9BELSB) e a acção administrativa especial que corre termos com o nº 866/11.9 BLLSB e onde são designadamente impugnados os despachos nºs. 31268-A/2008, de 01.12., 13 364-A/2009, de 05.06., e 26556-B/2009, de 07.12., do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

7 - A decisão cautelar, a ser deferida, não corresponde aos objectivos prosseguidos no processo principal de que depende, inexistindo pois uma relação de instrumentalidade entre o processo cautelar e a acção principal.

8 – O periculum in mora é o fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio.

9 - Com a presente providência cautelar, pretende-se obstar a que uma decisão de outro Tribunal, o Tribunal de Comércio de Lisboa, venha a produzir os seus efeitos, sustendo-se o pagamento de créditos ao aqui R. - Estado Português, créditos esses que a própria Comissão Liquidatária do Banco P................. Português, S.A. reconheceu, e que foram devidamente graduados, na sentença de verificação e graduação de créditos.

10 - Inexistindo periculum in mora, falecerá qualquer possibilidade de vencimento do requerido decretamento da providência cautelar.

11 - Para que se possa deferir uma pretensão cautelar têm que estar preenchidos os requisitos referentes ao fumus boni iuris - o que não acontece - e ao periculum in mora, e só depois se passa para a fase seguinte, a ponderação de interesses, constante do nº 2 do artigo 120° do CPTA.

12 - Não foram violados, pelo menos, os artºs. 112º, nº 1, 113°, nº 1 e 120º, nº 1, todos do CPTA.

13 - Pelo que bem andou o Mº Juiz a quo deixar de decidir pela improcedência do presente processo cautelar, por não provado.


Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul, foi o processo submetido, sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir

Da questão prévia
Cumpre antes do mais aferir se, tal como suscitado pelos recorridos MINISTÉRIO DAS FINANÇAS e ESTADO PORTUGUÊS nas suas contra-alegações, ocorre deficiência e/ou insuficiência das conclusões do recurso da recorrente, em termos que impeçam o conhecimento do mérito do recurso ou que determinem o convite ao seu aperfeiçoamento nos termos do nº 3 do artigo 139º do CPC, ex vi do artigos 1º e 140º do CPTA.
Vejamos.
Na fase de recurso o que importa é apreciar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2 do CPTA e 639º nº 1 e 635º do CPC novo (ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), às que integram o objeto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso) e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo (vide, neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90).
Configura-se o recurso jurisdicional assim como o meio processual pelo qual se submete a decisão judicial a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objeto quer a ilegalidade da decisão (erro de julgamento, de facto ou de direito) quer a sua nulidade (cfr. artigos 627º e 615º CPC novo, correspondentes aos anteriores 676° e 668°, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), sendo pela alegação e conclusões que se fixa o conteúdo do recurso. Alegações em que a parte deverá expor as razões por que ataca a decisão recorrida; e conclusões em que procederá à indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida (cfr. artigo 639º do CPC novo, correspondente ao anterior artigo 690º, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA).
Os recursos jurisdicionais, são, pois, meios judiciais de refutar o acerto da decisão judicial, tendo o recorrente de alegar e concluir os fundamentos porque considera a decisão recorrida sofre dos vícios que lhe imputa e que conduzem à sua anulação ou revogação. Sendo pois os recursos jurisdicionais meios de impugnação de decisões judiciais, não devem ser utilizados como meio de julgamento de questões novas, que não tenham sido oportunamente invocadas. Com efeito, o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal de recurso é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido (ou pedidos) formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância (ressalvada naturalmente a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objeto por anulação do julgado – cfr. artigos 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artigo 665º nºs 1, 2 e 3 do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, correspondente ao anterior artigo 715º nºs 1, 2 e 3, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA). Destinando-se a alterar ou a anular a decisão judicial de que se recorre para tribunal superior, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida, nem aquelas que não foram em primeira instância suscitadas pela parte. Veja-se a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, in, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2a edição, págs. 524 a 526; Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 309 e 359, bem como, entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 08/05/2014, Proc. 11054/14 e de 19/02/2013, Proc. 06193/12, in.www.dgsi-pt/jtacs.
A este respeito refere especificamente o artigo 144º do CPTA, sob a epígrafe “interposição de recurso e alegações”, que o recurso “é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões” (nº 2).
Sendo que por sua vez o artigo 639º do CPC novo, sob a epígrafe “ónus de alegar e formular conclusões” dispõe no seu nº 1 que “…o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Acrescentando no seu nº 2 que “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. E estipulando o nº 3 que “…quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
Ensina Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2016, 3.ª edição, em anotação ao artigo 639.º do Código de Processo Civil, que “as conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando não encontrem apoio na motivação, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes) ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito (confusas). (…) O legislador isolou ainda a falta de indicações referidas no nº 2 como um dos vícios que pode afectar as conclusões. Ainda que não houvesse tal explicitação, não deixariam de ser reputadas como deficientes as conclusões quando nelas se omite, total ou parcialmente, a indicação das normas jurídicas violadas ou quando o recorrente omite pronúncia sobre o sentido que deve ser atribuído às normas que foram ou deveriam ter sido aplicadas. A autonomização tem, no entanto, subjacente o grande relevo que, em sede de impugnação de uma decisão em que se questiona a aplicação do direito, decorre da apresentação das verdadeiras razões de ordem jurídica que, na tese do recorrente, justificam a sua pretensão.”
Ora na situação presente, não obstante o carater absolutamente conciso e sintético das conclusões de recurso da recorrente, elas refletem as questões que vêm explanadas no corpo alegatório do recurso, não evidenciando a falta de quaisquer elementos que nela devessem constar, designadamente os aludidos no nº 2 do artigo 639º do CPC, a que aludem os recorridos.
Não se impondo, assim, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, nem nada obstando ao conhecimento do recurso.
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No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a primeira questão a essencial a decidir é a de saber se ao julgar improcedente o pedido cautelar formulado, com os fundamentos nela plasmados, a sentença recorrida errou quanto à solução jurídica da causa, com violação dos artigos 112º nº 1, 113º nº 1 e 120º nº 1 do CPTA, por se verificar relação de instrumentalidade com a identificada ação principal e respetivo periclum in mora, devendo ser revogada.
E caso mereça provimento, nessa parte, o recurso, importará ainda averiguar, sendo possível o conhecimento em substituição, se a providência requerida deve ser decretada, por se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos.
E igualmente em caso de procedência do recurso da recorrente, haverá também que conhecer das ampliações do objeto do recurso requeridas pelos recorridos BANCO ……………….., SA – EM LIQUIDAÇÃO e MINISTÉRIO DAS FINANÇAS nas suas respetivas contra-alegações de recurso.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada na sentença recorrida, a qual não foi impugnada nem deve ser objeto de qualquer alteração.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida de 15/06/2017 o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido que o P……………… Clientes – Associação de Defesa dos Clientes do Banco, ora recorrente, formulou no presente processo cautelar: o de que Comissão Liquidatária do Banco P................. Português fosse intimada a abster-se de fazer qualquer pagamento ao Estado Português enquanto estiver pendente a ação Proc. nº 866/11.9BELSB pendente no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa.
Decisão que, tendo por base a matéria de facto que deu como provada, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«O artigo 112.º, n.º1 do CPTA estabelece que pode ser solicitada a adopção de providências cautelares “que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir” no processo principal.
O artigo 113.º, n.º1 estatui que “o processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito”.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha no Comentário ao CPTA (página 930, edição de 2017) “o principal traço característico da tutela cautelar é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos principais, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos. É o n.º1 deste artigo 113.º que melhor espelha esta característica, ao assumir que “o processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito”, isto é, do processo já intentado ou a intentar, no qual se discute a matéria controvertida. Por este motivo, o artigo 114.º, n.º3, alínea e) exige que, no requerimento cautelar, seja indicada a acção de que depende ou irá depender o processo cautelar, havendo que concretizar o pedido que nela foi ou será formulado, pois só assim o tribunal poderá apreciar a verificação da característica da instrumentalidade e do requisito do fumus boni iuris para conceder ou negar a providência requerida. É também a característica da instrumentalidade que justifica que a providência cautelar deva ser requerida ao tribunal competente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado na acção principal.”
No caso dos autos inexiste aquela instrumentalidade entre a providência cautelar requerida (a intimação da Comissão Liquidatária do Banco ……………… a abster-se de fazer qualquer pagamento ao Estado Português enquanto estiver pendente a acção principal – o processo n.º866/11.9BELSB) e a acção administrativa especial que corre termos com o n.º866/11.9BELSB e onde são designadamente impugnados os despachos n.º31268-A/2008, de 1 de Dezembro, n.º13 364-A/2009, de 5 de Junho e n.º26556-B/2009, de 7 de Dezembro do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.
É que com a execução da sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso ao Processo n.º519/10.5TYLSB do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa não fica precludido ou prejudicado o disposto nos artigos 173.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA.
Dispõe o artigo 173.º, n.º1 que “a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenham cumprido com fundamento naquele acto, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que se deveria ter actuado”.
O n.º2 do mesmo artigo 173.º estatui que “Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroactiva, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrições de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os actos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.”
Executada a sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos ao processo n.º519/10.5TYLSB e pago o Estado Português pela Comissão Liquidatária do Banco …………………………… do seu crédito, se depois no processo n.º866/11.9BELSB vier a ser proferida sentença que julgue a acção procede e declare nulos ou anule os despachos n.º31268-A/2008, de 1 de Dezembro, n.º13 364-A/2009, de 5 de Junho e n.º26556-B/2009, de 7 de Dezembro do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças e portanto se se vier a apurar que a garantia prestada era ilegal e que por isso o crédito do Estado, só deveria ter sido pago após os créditos de algum ou alguns dos associados da requerente, e que por isso estes teriam efectivamente assim recebido uma parte maior do seu crédito, pois então em sede de execução de julgado anulatório aqueles terão direito a receber a diferença entre o que efectivamente receberam e o que teriam direito a receber não fora a prática dos actos ilegais (por parte de titulares de órgãos do Estado).
Ou seja, a providência cautelar requerida nos presentes autos não se mostra necessária a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo n.º866/11.9BELSB.
Pelo que com esse fundamento cabe julgar o procedimento cautelar totalmente improcedente.»
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2. Do recurso da recorrente P………………….. Clientes – Associação de Defesa dos Clientes do Banco
2.1 Pugna a recorrente pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que decrete a providência cautelar requerida, começando por invocar, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que é inequívoca a relação de instrumentalidade entre o processo cautelar e a identificada ação principal já instaurada e que é patente a verificação do requisito da existência de periculum in mora, tendo a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violando os artigos 112º nº 1, 113º nº 1 e 120º nº 1 do CPTA.
2.2 A razão de ser do processo cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal (fumus bonnus iuris).
2.3 Neste contexto o artigo 112º do CPTA revisto admite que “…quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo” (nº 1).
Como refere José Carlos Vieira de Andrade, inA Justiça Administrativa – (Lições)”, Almedina, 5ª Edição, pág. 305 “…o processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria: visa assegurar a utilidade da lide (…). Pode dizer-se que os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer Justiça. Mesmo quando não há atrasos, há um tempo necessário para julgar bem. E é precisamente para esses casos, para aqueles processos em que o tempo tem de cumprir-se para que se possa julgar bem, que é necessário assegurar a utilidade da sentença que, a final, venha a ser proferida”.
2.4 A função preventiva das providências cautelares, i. é, das concretas medidas cautelares a serem decretadas (as quais podem, designadamente, consistir na suspensão da eficácia de um ato administrativo ou de uma norma; na admissão provisória em concursos e exames; na atribuição provisória da disponibilidade de um bem; na autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma atividade ou adotar uma conduta; na regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente através da imposição à Administração do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de reparação provisória; no arresto; no embargo de obra nova; no arrolamento; na intimação para adoção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular por alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional ou do direito da União Europeia – cfr. artigo 112º nº 2 do CPTA) conduz a que estas assumam como características típicas, decorrentes da sua própria natureza, a instrumentalidade e a provisoriedade.
2.5 Por a providência cautelar ser instrumental face à pretensão material objeto do litígio (principal), o processo cautelar, enquanto meio processual pelo qual se haverá de obter a providência cautelar pretendida, haverá naturalmente de assumir como característica processual a da instrumentalidade estrutural, nos termos da qual, ainda que tenha uma tramitação autónoma em relação ao processo principal que tem por objeto a decisão sobre o mérito da pretensão material (definitiva), daquele depende (cfr. artigo 113º nºs 1 e 2 do CPTA).
2.6 Essa característica da instrumentalidade, comum aos processos cautelares e às próprias providências, tem, designadamente, as seguintes manifestações:
- o pedido cautelar (a formular através de requerimento inicial que deve obedecer às exigências explicitadas no artigo 114º do CPTA) estando intimamente dependente da pretensão material principal (definitiva), pode ser apresentado previamente à instauração do processo principal, juntamente com a petição inicial do processo principal ou na pendência do processo principal (cfr. artigo 114º nº 1 alíneas a), b) e c) do CPTA), no primeiro caso o processo cautelar é intentado como preliminar do processo principal, e nos outros, como incidente (cfr. artigo 113º nº 1 do CPTA);
- o Tribunal competente para decidir o pedido cautelar é o que é competente para julgar a ação principal, devendo assim ser nele apresentado o requerimento inicial da providência (cfr. artigos 20º nº 6 e 114º nº 2 do CPTA);
- no requerimento inicial da providência deve ser indicada a ação principal de que o processo cautelar depende ou irá depender, se for preliminarmente instaurado, e quando apresentado na pendência do processo principal deve este ser identificado, conduzindo a falta de tais indicações, que não seja suprida após convite de aperfeiçoamento, à rejeição liminar do requerimento inicial da providência (cfr. artigos 114º nº 3 alíneas e) e i) e 116º nº 2 alínea a) do CPTA);
- a legitimidade para o pedido de decretação de providências cautelares está dependente da legitimidade para o processo principal, constituindo fundamento da rejeição liminar do requerimento inicial da providência a manifesta ilegitimidade do requerente (cfr. artigos 112º nº 1 e 116º nº 2 alínea b) do CPTA);
- se em sede de apreciação liminar do requerimento inicial da providência for de concluir pela manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal o requerimento inicial da providência é liminarmente rejeitado (cfr. artigo 116º nº 2 alínea f) do CPTA);
- se o requerente da providência cautelar não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. artigo 123º nº 1 alínea a) do CPTA);
- o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca, se, tendo o requerente feito uso do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou, esse processo estiver parado durante mais de três meses por negligência sua em promover os respetivos termos ou de algum incidente de que dependa o andamento do processo, ou se esse processo findar por extinção da instância e o requerente não intentar novo processo, nos casos em que a lei o permita, dentro do prazo fixado para o efeito (cfr. artigo 123º nº 1 alíneas b) e c) do CPTA);
- se se verificar o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo principal, no caso de ser desfavorável ao requerente processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. artigo 123º nº 1 alínea d) do CPTA);
- quando o meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destina não está sujeito a prazo, o requerente deve fazer desse meio no prazo de 90 dias contado desde o trânsito em julgado da decisão que decrete a providência cautelar, sob pena de caducidade da providência (cfr. artigo 123º nº 2 do CPTA);
- o julgamento de improcedência da causa principal, decidido por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo, é relevante para efeitos de alteração ou revogação da providência cautelar decretada com fundamento em alteração dos pressupostos de facto e de direito inicialmente existentes (cfr. artigo 124º nº 3 do CPTA);
- a decretação de providência cautelar depende (cumulativamente) de que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e de que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (cfr. artigo 120º nº 1 do CPTA).
2.7 Na situação presente a recorrente, P……………. Clientes – Associação de Defesa dos Clientes do Banco, instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa o presente processo cautelar peticionando a intimação da Comissão Liquidatária do Banco ………………………….. a abster-se de fazer qualquer pagamento ao Estado Português enquanto estiver pendente a ação principal, que identifica ser o Proc. n.º 866/11.9BELSB.
Naquele identificado Proc. n.º 866/11.9BELSB, que segue a forma de ação administrativa especial, foram impugnados pela recorrente o (1) Despacho n.º31268-A/2008, de 1 de Dezembro, publicado no Diário da República 2.ª série, n.º109, de 5 de Junho de 2009, o (2) Despacho n.º13364-A/2009, de 5 de Junho, publicado no Diário da República 2.ª série, n.º109, de 5 de Junho de 2009 e o (3) Despacho n.º26556-B/2009, de 7 de Dezembro, publicado no Diário da República 2.ª série, n.º 236, de 7 de Dezembro de 2009, todos do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (vertidos em 1), 2) e 3) do probatório), e peticionado, a final, o seguinte:
« Texto no original»

2.8 No requerimento inicial da providência a recorrente alegou que a procedência da ação principal (o identificado Proc. nº 866/11.9BELSB) produz o efeito útil de enorme relevância para a proteção dos interesses dos credores do B... representados pela autora, por sendo os bancos contra-interessados, na hipótese de procedência da ação, obrigados a reembolsar o Estado do que dele receberam, em execução da garantia constituída pelos atos cuja nulidade ali se pede seja declarada, o Estado Português, extinto o seu crédito (por força da restituição dos bancos contra-interessados) deixará de participar no concurso insolvencial do processo de liquidação do B... (Proc. n.º519/10.5TYLSB), sendo o valor do seu crédito (no montante de 450 milhões de euros) “redistribuído”, no rateio, entre os demais credores; que sendo a ação principal julgada procedente e, consequentemente, condenados os bancos contra-interessados a restituir ao Estado Português o valor pago em execução da garantia, cada credor do B... receberá sempre mais, no processo de liquidação do que receberia sem essa restituição; que se os bancos contra-interessados não reclamarem os seus créditos (os créditos originários do mútuo concedido ao B...) no processo de liquidação judicial do B..., haverá mais 450 milhões de euros que, deixando de ter de ser pagos ao Estado, aumentarão a massa de liquidez distribuível entre todos os credores concorrentes ao rateio; que se os bancos contra-interessados reclamarem (admitindo que tal ainda seja possível) os seus créditos emergentes do mútuo concedido ao B... (créditos que “ressuscitarão” com a declaração de nulidade da garantia concedida pelo Estado e consequente restituição dos valores pagos ao abrigo dela), a massa de liquidez distribuível aumenta do mesmo modo, embora concorram mais credores, agora em situação de paridade; que nesta segunda hipótese, a vantagem dos demais credores, sendo menor, do que na hipótese anterior, continua a ser evidente, uma vez que em lugar do valor correspondente ao crédito do Estado (450 milhões de euros) ser completamente absorvido por um credor (o Estado, enquanto credor garantido e privilegiado), excluindo todos os demais, é distribuído por todos, sem excluir nenhum; que este importante efeito útil da procedência da ação principal perder-se-á se, no processo de liquidação do B..., a respetiva Comissão Liquidatária, feita a liquidação dos bens do insolvente, realizar as operações de pagamento aos credores, sobretudo se pagar ao Estado no pressuposto da validade da garantia; que nesse caso, o processo de liquidação encerrar-se-á, nos termos do artigo 230.º do CIRE, e jamais os credores poderão aceder à liquidez já distribuída e rateada, em especial à parte dela absorvida, em exclusividade, precipuamente, pelo Estado; que realizadas, pela Comissão Liquidatária, tais operações no processo de liquidação do B..., e, consequentemente, encerrado este, criar-se-á uma situação de facto consumado que consiste na irreversível inacessibilidade dos demais credores à liquidez entregue ao Estado, com o que a principal utilidade prática da procedência da presente ação ficará irremediavelmente comprometida.
2.9 Após explicitar na sentença recorrida, que “…o principal traço característico da tutela cautelar é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos principais, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos”, o Mmº Juiz do Tribunal a quo, considerou que, no caso dos autos, inexiste aquela instrumentalidade entre a providência cautelar requerida (a intimação da Comissão Liquidatária do Banco …………………. a abster-se de fazer qualquer pagamento ao Estado Português enquanto estiver pendente a ação principal – o processo n.º866/11.9BELSB) e a ação administrativa especial (Proc. n.º 866/11.9BELSB), onde são impugnados os identificados despachos n.º 31268-A/2008, de 1 de Dezembro, n.º 13364-A/2009, de 5 de Junho e n.º 26556-B/2009, de 7 de Dezembro.
Entendimento que fez assentar na circunstância de que “… com a execução da sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso ao Processo n.º519/10.5TYLSB do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa não fica precludido ou prejudicado o disposto nos artigos 173.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA”., e que “…executada a sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos ao processo n.º519/10.5TYLSB e pago o Estado Português pela Comissão Liquidatária do Banco P........................... do seu crédito, se depois no processo n.º 866/11.9BELSB vier a ser proferida sentença que julgue a ação procede e declare nulos ou anule os despachos n.º31268-A/2008, de 1 de Dezembro, n.º 13364-A/2009, de 5 de Junho e n.º 26556-B/2009, de 7 de Dezembro do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças e portanto se se vier a apurar que a garantia prestada era ilegal e que por isso o crédito do Estado, só deveria ter sido pago após os créditos de algum ou alguns dos associados da requerente, e que por isso estes teriam efetivamente assim recebido uma parte maior do seu crédito, pois então em sede de execução de julgado anulatório aqueles terão direito a receber a diferença entre o que efetivamente receberam e o que teriam direito a receber não fora a prática dos atos ilegais (por parte de titulares de órgãos do Estado).” Concluindo que “…a providência cautelar requerida nos presentes autos não se mostra necessária a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo n.º866/11.9BELSB”.
2.10 A abordagem, assim feita, na sentença recorrida, não se subsume verdadeiramente numa questão de falta de instrumentalidade da providência cautelar requerida, mas na falta de necessidade de tutela cautelar por não se verificar o requisito do periculum in mora face ao efeito reconstitutivo da sentença anulatória previsto no artigo 173º do CPTA, nos termos do qual “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado” (n.º 1) e para “efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação” (n.º 2).
Atenha-se que por efeito da anulação de um ato administrativo a Administração pode ficar constituída nos deveres: i) de reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, ii) do cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu, durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava e iii) da eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida – (vide, a este respeito, na doutrina, Mário Aroso de Almeida, in Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de atos administrativos, Almedina, 1994), Vieira de Andrade, in, Lições de Direito Administrativo e Fiscal, Almedina, pág. 194; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in, Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, págs. 649 e 650, bem como, na jurisprudência, entre outros, os acórdãos deste TCA Sul de 12-03-2015, Proc. 05144/09; de 26-11-2015, Proc. 0940/13; de 16-02-2017, Proc. 08435/12, in, www.dgsi.pt/jtcas).
2.11 Como é sabido, é precisamente por os processos cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal – o que tem por objeto a decisão sobre o mérito do litígio – que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA : “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
2.12 Como refere Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, pág. 260, a propósito do periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar no âmbito do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “ela (a providência cautelar) deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. (...) A providência deve também ser concedida (...) quando, embora não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.”.
Explicitando ainda este autor que o CPTA reformulou os termos em que é concebido o periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar à face do que até então dispunha a LPTA, de molde que“(...) à formula tradicional do “prejuízo de difícil reparação”, que era utilizada no artigo 76º, nº1 alínea a), da LPTA, é, assim, acrescentada, neste domínio, uma outra, que surge colocada em alternativa e faz apelo ao “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” (...) Da conjugação das duas expressões resulta a clara rejeição do apelo, neste domínio, a critérios fundados na suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, pelo seu carácter variável aleatório ou difuso, em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso de o processo vir a ser julgado procedente.” (op. cit., págs. 258 e 259).
Temos assim que à luz do disposto no artigo 120º nº 1 do CPTA, o requisito do periculum in mora para a concessão de uma providência cautelar pode assumir uma das duas vertentes ali previstas: o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
2.13 Na situação presente a requerente não pretendia, propriamente, a suspensão de eficácia dos despachos e contratos impugnados nos autos da ação administrativa especial pendente no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (Proc. nº 866/11.9BELSB), o que visava era obstar a que no âmbito no processo de liquidação judicial do banco B..., a correr no Tribunal de Comércio de Lisboa (Proc. nº 519/10.5TYLBB) fosse efetuado, pela respetiva Comissão Liquidatária, qualquer pagamento ao Estado Português até que viesse a ser proferida decisão na ação administrativa especial. Com o que pretende acautelar os interesses dos seus associados, credores daquele banco, ao recebimento de maior quantia do que aquela que perspetivam receber na situação atual.
2.14 Ora, para além de todas as outras questões aventadas pelos recorridos, que não são despiciendas, não se pode concluir verificar-se na situação presente, tal como foi configurada pela recorrente, o requisito do periculum in mora. É que, se a sentença que a ser proferida na ação administrativa especial pendente no pendente no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (Proc. nº 866/11.9BELSB) vier a dar procedência aos pedidos anulatórios ali formulados, sempre será possível afastar os efeitos dos atos ilegais, através da reposição dos valores devidos, se a tal houver lugar. E, de todo o modo, nada foi invocado, nem apurado, em face da factualidade levada ao probatório, quanto à produção de eventuais danos ou prejuízos na pendência da ação.
2.15 Aqui chegados, tem que concluir-se não merecer acolhimento, neste aspeto o recurso, devendo, por conseguinte, manter-se a decisão de improcedência do pedido cautelar, com fundamento na falta de verificação do requisito do periculum in mora.
O que se decide.
2.16 Mostrando-se concomitantemente prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso face ao caráter cumulativos dos requisitos para a decretação das providências cautelares, à luz do disposto no artigo 120º do CPTA.
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3. Perante o julgamento de improcedência do recurso da recorrente P................. Clientes – Associação de Defesa dos Clientes do Banco fica prejudicado o conhecimento das ampliações do objeto do recurso requeridas pelos recorridos BANCO P................. ……………….., SA – EM LIQUIDAÇÃO e MINISTÉRIO DAS FINANÇAS nas suas respetivas contra-alegações de recurso.
De que, assim, nos abstemos de conhecer.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, pelos fundamentos expostos, a decisão de improcedência da providência cautelar requerida.
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Custas pela recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 23 de novembro de 2017


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho