Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1466/09.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA.
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:É imputável aos serviços o erro na liquidação efectuada por métodos presuntivos, quando existem elementos juntos ao pedido de revisão oficiosa que indiciam matéria colectável distinta da considerada por aquela.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
“C…….. – C…………., Lda.” deduz impugnação judicial na sequência do indeferimento tácito que se formou sobre o pedido de reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação oficiosa de IRC nº ……………., referente ao exercício fiscal de 2006, e respectivos juros compensatórios, da qual resultou a pagar, após compensação, o montante total de €30.986,00, pedindo a anulação das liquidações sindicadas e a condenação da Fazenda Pública “ao pagamento das custas processuais e demais legal”.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.643 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 29 de Junho de 2019, julgou a impugnação procedente e, em consequência, condenou a AT, no pedido de anulação da liquidação sindicada.
A Fazenda Pública interpôs recurso contra a sentença, em cujas alegações de fls. 672 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), alegou e formulou as conclusões seguintes:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos de impugnação judicial à margem identificados, que (i) julgou improcedente a exceção peremptória de caducidade do direito de ação, aduzida pela Fazenda Pública na sua contestação, e, de seguida, (ii) considerando verificado o vício procedimental de preterição do direito de audição prévia à liquidação, decidiu julgar procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, determinou a anulação da liquidação oficiosa impugnada.
B) A sentença recorrida ao decidir como decidiu, julgando improcedente a exceção de caducidade do direto de ação, suscitada pela Fazenda Pública na sua contestação, incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação aos factos dados como provados, do direito aplicável, impondo-se a sua anulação e substituição por Acórdão que declare verificada a caducidade do direito da Recorrida deduzir a presente impugnação judicial, circunstância que, obstando ao conhecimento do mérito causa, de harmonia com o preceituado nos citados artigos do CPC, importará a absolvição da Fazenda Pública do pedido.
C) Com efeito, estatui o artº78º da LGT, no seu nº1 que: "A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços."
D) Aceitando-se o facto de aos contribuintes assistir a faculdade de pedir a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação, dentro do prazo em que a AT a poderia efetuar (4 anos), o certo, porém, é que tal apenas poderá ocorrer com o fundamento de "erro imputável aos serviços."
E) Resulta da matéria de facto dada como provada pela douta sentença recorrida que, a liquidação de IRC, do exercício de 2006, que vem impugnada, foi emitida, oficiosamente, pelos Serviços da AT, atenta a falta de entrega, pela Recorrida, no prazo legalmente previsto para o efeito, da respetiva declaração de rendimentos.
F) Assim, no rigoroso cumprimento da lei, designadamente, do que vinha prescrito na alínea b), do nº1, do art.º83º do CIRC, os valores inscritos na declaração oficiosa e considerados na subsequente liquidação, foram aqueles que estavam ao dispor da Administração Tributária.
G) Pelo que, tendo a liquidação oficiosa, cuja anulação requer a Recorrida, sido efetuada em perfeita conformidade com o normativo legal aplicável, no exercício de uma competência vinculada da AT, não poderá a mesma ser revista com fundamento num pretenso erro imputável aos serviços da AT.
H) Pelo contrário, a falta de entrega da competente declaração de rendimentos, por parte da Recorrida, não poderá deixar de configurar um comportamento negligente para efeitos de preclusão da possibilidade de revisão do ato tributário, nos termos do artº78º, nº1, in fine, bem como, nos termos do n.º4, da citada disposição legal.
I) Sendo que, é por demais evidente que os termos e extensão da liquidação que vem impugnada teve origem no comportamento omissivo e negligente do contribuinte, está, assim, precludida a possibilidade de o pedido de revisão ser apreciado nos termos do citado preceito do art.º 78º da LGT.
J) Não tendo existido, no caso sub judicie, erro imputável aos Serviços da AT, na liquidação oficiosa de IRC do ano de 2006, a Recorrida apenas poderia ter requerido a revisão do citado ato tributário no prazo previsto na primeira parte, do nº1, do artº78º da LGT, ou seja, no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em ilegalidade.
K) Assim sendo, como pensamos ser, o pedido de revisão, efetuado pela Recorrida (em 2008/11/21), é efetivamente intempestivo, na medida em que já se encontrava extinto o direito de reclamar quando o mesmo foi exercido, porquanto se encontrava já decorrido o prazo de 120 dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação controvertida. (2008/06/09).
L) Intempestivo, que se mostra o pedido de revisão, igualmente deverá ser considerado intempestivo o presente processo judicial, por caducidade do direito de ação (quanto à natureza do prazo de impugnação judicial, v. Acórdãos do STA, de 30-01-2013 - Proc.º n.º 0951/12 e de 30-10-2012 - Proc.º0947/12; Acórdão do TCAS, de 27-03-2014 -Proc.º nº07360/14).
M) Verifica-se, assim, a caducidade do direito da Recorrida deduzir a presente impugnação judicial, circunstância que, constituindo exceção peremptória, obsta ao conhecimento do mérito causa, de harmonia com o preceituado nos art.ºs 576.º n.ºs 1 e 3 e 579.º do novo CPC, aplicáveis ex vi art.º 2.º, alínea e), do CPPT do CPC, e importa a absolvição da Fazenda Pública do pedido.
N) A sentença recorrida decidiu, ainda, anular a liquidação impugnada, por entender que a mesma se mostra eivada do vício de forma por preterição do direito de audição prévia, nos termos do disposto no art.º 60º, nº 1, alínea a) da LGT, e por não se mostrar provado que tenha ocorrido o circunstancialismo previsto no nº 2, alínea b), do mesmo normativo.
O) Contrariamente ao propugnado pela sentença recorrida, a presente impugnação judicial deveria ter sido julgada improcedente, por não provada, por o ato de liquidação impugnado não padecer do vício procedimental que lhe vem apontado.
P) O direito de audiência prévia, antes de tomada a decisão final do procedimento, ínsito nos art.ºs 121º do CPA e 60º da LGT, constitui um princípio estruturante da atividade administrativa, cuja violação ou incorreta realização se traduz numa violação de uma formalidade essencial que, em princípio, é determinante da ilegalidade do próprio ato.
Q) Todavia, nem sempre assim acontece, pois, em casos excecionais, a lei dispensa o seu cumprimento e, noutros, a mesma pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte ilegalidade determinante da anulação do ato, conforme o disposto nos art.º124º do CPA e nºs 2 e 3 do art.º 60º da LGT.
R) Tal acontecerá por exemplo quando, ocorram motivos excecionais que justifiquem o seu incumprimento, designadamente, quando está em causa uma atividade vinculada e, por isso - e independentemente da participação do interessado - a decisão da Administração só puder ser a que foi tomada e quando entre o pedido e a decisão não tenha existido qualquer atividade instrutória.
S) Foi o que sucedeu no caso dos autos. A Recorrida não apresentou a declaração de rendimentos, em sede de IRC, no prazo a que estava obrigada, pelo que a Administração Fiscal desencadeou o mecanismo previsto no artº83º, nº 1 alínea b) do CIRC.
T) Decorre do referido normativo legal que, a atividade da Administração Tributária, quando confrontada com a omissão de declaração de rendimentos, por parte de determinado contribuinte, consiste em emitir liquidação oficiosa, tendo por base a matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada, não havendo lugar a diligências instrutórias.
U) Conclui-se, assim, que a atividade da Administração é estritamente vinculada, sem qualquer margem de discricionariedade ou apreciação, pelo que o ato final do procedimento de liquidação não pode deixar de ser o que foi praticado pela Administração Fiscal.
V) Deste modo, conclui-se que, in casu, não há lugar a audição prévia, inexistindo violação da disposição contida no art.º60º da LGT, contrariamente ao propugnado pela sentença recorrida.
W) Mas caso se entenda o contrário, sempre se dirá que, a preterição daquela formalidade legal não acarreta, sem mais, a anulabilidade do ato, quando se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria a possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar.
X) No caso em apreço, o motivo por que foi emitida a liquidação oficiosa, deve-se ao facto de se encontrar em falta a declaração anual de rendimentos. E na falta do cumprimento de tal obrigação declarativa, a AT procedeu à liquidação do imposto, conforme lhe é legalmente imposto, socorrendo-se de valores objetivos que estão ao seu dispor e cujo montante se apresenta, nesta fase de liquidação imediatamente determinável.
Y) Face a tais dados objetivos, a participação possível do contribuinte é desnecessária e por isso, convidar o contribuinte a pronunciar-se sobre tais elementos, redundaria num ato inútil. Por conseguinte ao contrário do decidido, deve entender-se que seria de aplicar o principio do aproveitamento do ato.
Z) Ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida fez uma interpretação e aplicação errada do disposto no art.º60º nº1, alínea a) e nº 2 alínea b) da LGT e nos art.ºs 121º e 124º do CPA, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que mantenha vigente na ordem jurídica, por legal, o ato de liquidação impugnado e, em consequência, julgue totalmente improcedente a impugnação.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por Acórdão que:
a) julgue procedente a excecão de caducidade do direito de impugnação judicial, e, em consequência absolva a Fazenda Pública do pedido.
Caso assim não se entenda,
b) julgue improcedente, por não provada, a impugnação judicial, e, em consequência, mantenha, vigente no ordenamento jurídico tributário, por legal, a liquidação oficiosa impugnada.
X
A recorrida, C……….., Lda., contra-alegou, conforme requerimento de fls. 702 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), pugnando pela tendo aí expendido as seguintes conclusões: «
I. No presente recurso discute-se, essencialmente: se o pedido de revisão oficiosa foi apresentado fora do prazo legal; e, se a liquidação oficiosa padece do vício de forma por preterição do direito de audição prévia.
II. Ora, salvo o devido respeito, a decisão do tribunal recorrido não merece qualquer reparo, pois - atenta a prova produzida e os factos dados como provados - outra não poderia ser a sentença que foi proferida, a qual considerou que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado tempestivamente e, por outro lado, que se verifica na liquidação oficiosa operada pela AT/recorrida o vício de forma de preterição do direito de audição prévia.
Termos em que se deve manter a douta sentença recorrida, assim se fazendo a costumada justiça!».
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A) Em Reunião Ordinária realizada em 26.09.2005, a Câmara Municipal de ………….. deliberou por unanimidade aprovar a proposta do seu Presidente e enviá-la à Assembleia Municipal, com o seguinte teor:
"O lançamento para o ano de 2006, uma derrama de 10% sobre a colecta do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), cobrado na área do município, ficando isentos durante o prazo de 5 anos, os sujeitos passivos de IRC que venham a instalar a sua sede social na área do Município de ………………. durante o ano de 2006. (...)" (doc. nº3 junto com a p.i., a fls. 30 a 33 dos autos).
B) A Impugnante alterou o local da sua sede para o concelho de ……………… em 19.10.2006 (cfr. fls. 34 a 37 dos autos e informação oficial do Serviço de Finanças de ………….. a fls. 29 do processo de revisão oficiosa apenso ao PAT).
C) Em 29.04.2008 foi emitida em nome da Impugnante, por falta de entrega da correspondente Declaração Modelo 22, a liquidação oficiosa de IRC com o nº ………………, respeitante ao exercício de 2006, com base em 110.461,11€ de matéria coletável, e que originou o valor total a pagar no montante de 30.986,00€, que inclui 2.761,53€ de Derrama e 609,20€ de juros compensatórios, tendo como data limite de pagamento 09.06.2008 (cfr. fls. 396 a 398 do PAT).
D) Em 28.10.2008 a Impugnante apresentou Declaração Modelo 22 do exercício de 2006 declarando um prejuízo fiscal no montante de 152.324,00€, declaração que ficou como não liquidável (cfr. fls. 378 a 381 dos autos e fls. 407 do PAT).
E) Em 21.11.2008 a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da LGT, com o seguinte teor:
"Revisão de Acto Tributário
IRC 2006
C…………. – C………….Ida. Contribuinte nº ………… com sede na Zona Industrial dos Corredouras em ……….., vem nos termos do artigo 78º da LGT requer a Revisão do Acto Tributário com referência ao IRC de 2006
O contribuinte foi notificado para pagar a importância de 30.986.006, sendo 30.376.00 de IRC e 609.20 de Juros compensatórios. Referente ao IRC de 2006
A Liquidação teve por base a matéria colectável do exercício mais próximo que se encontrava determinada (ano de 2005), cuja reclamação graciosa foi apresentada em tempo devido.
A Administração Fiscal considerou a matéria colectável de 110.461.41€ daí resultar a colecta de 27.615.27€
A Derrama considerada na liquidação na importância de 2.761.53€ é indevida de acordo com a deliberação Camarária do Município de ………………. de 20/08/2003 que incentiva os sujeitos passivos de IRC por um período de 5 anos deste que mantenham a sede social no Concelho de ……………..
Os juros compensatórios foram calculados de 01/06/2007 a 30/11/2007
A liquidação supra referida trata-se de uma liquidação oficiosa e com referência ao exercício de 2006.
O contribuinte em 28/10/2008 apresentou a declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2006
Os valores apresentados são: Matéria Colectável igual a Zero
A declaração modelo 22 apresenta um prejuízo de 152.324.006
10º
Assim sendo deve considerar-se os valores apresentados na declaração modelo 22 de IRC de 2006 nº …………………5 apresentada com base na legalidade dos factos (Junto Cópia da declaração)" (cfr. fls. 382 e 383 dos autos).
F) Através do ofício nº 10712 de 10.02.2009, foi a Impugnante notificada do projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa, com o seguinte teor:
"Em 2008-11-24, o sujeito passivo acima identificado entregou no Serviço de Finanças de …………….., uma exposição, onde vem solicitar a correcção da declaração oficiosa, nº……………., de 2008-03-31, a fim de serem considerada a matéria colectável declarada na declaração mod.22 enviada em 2008-10-28, e mais alega que a derrama calculada nesta liquidação, não é devida, de acordo com a deliberação camarária do Município de ………………. de 2003-08-20.
O Serviço de Finanças, informa no sentido de ser indeferido o pedido e também que, reclamou graciosamente do exercício de 2005, com os mesmos fundamentos, tendo a mesma sido indeferida.
Da consulta ao sistema informático, confirma-se que, constituem fundamentos da reclamação deduzida para o exercício de 2005, identificada com o nº …………….. os seguintes (...)
Acerca deste assunto, cumpre-me informar o seguinte:
1. Analisada a exposição e consultados os elementos existentes na base de dados do IR, verificou-se que o sujeito passivo:
• Apresentou a declaração mod.22 do IRC do exercício de 2006, em 2008-10-28, tendo declarado o prejuízo fiscal de €152 324,00, fora prazo legal previsto no Artº112º do CIRC, a qual consta no sistema como não liquidável;
O prazo para enviar a declaração periódica terminou em 31 de Maio de 2007, pelo que não produziu quaisquer efeitos;
• Em 2007-11-30, os Serviços, procederam à elaboração de um Dc-Oficioso so, por falta de entrega da declaração mod.22, nos termos das alíneas b) e c) do nº l do Artº 83º do CIRC, tendo sido considerada a matéria colectável, do exercício de 2005, do montante de €27.615,28;
•De acordo com o disposto na alínea b) do nºl do Art 83º do C1RC, na falta de entrega da declaração mod. 22, a que se refere o Art 112º do CIRC, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita, e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo, que neste caso é 2005;
• Em 2008-10-28, efectuou o pagamento da autoliquidação, através da guia nº ……………., do montante de € 162,57; este valor não foi utilizado na liquidação oficiosa, uma vez que foi pago em data posterior à mesma;
2- Em 2008-03-31, tendo por base o DC-22, foi extraída a liquidação oficiosa nº………………… efectuada nos termos do Artº 83 a do CIRC, a qual se mostra devida, uma vez que a declaração mod.22, foi enviada fora dos prazos legais;
3- Quanto ao ponto 4 da petição, onde refere que a derrama é indevida, não se confirma, porque a isenção não se aplica a este sujeito passivo, de acordo com o disposto no Artº18º da Lei nº42/98 de 6 de Agosto e a deliberação Camarária do Município de …………………., de 2003-08-20.
A alteração da sede da empresa, para o concelho de ……………………., só se verificou em 20 de Outubro de 2006, conforme declaração de alterações identificada com o nº ……………… (doc a fls 33 a 36 dos autos), pelo que não se encontra de conformidade com o deliberado... "instalar a sua sede social na área do município de ………………., durante o ano de 2004 (doe. a fls 4, dos autos).
4 - Contudo, o pagamento das tributações autónomas não foi utilizado na liquidação oficiosa, para o que se deve elaborar um documento de correcção.
PROPOSTA DE DECISÃO
Em face do exposto anteriormente, propõe-se o indeferimento do pedido, quanto à correcção da matéria colectável e derrama, considerando que a liquidação oficiosa é devida, uma vez que os serviços, adoptaram os procedimentos legais, nos termos acima referidos, devendo no entanto proceder-se à elaboração de um DC-ÚNICO a fim de ser considerado o pagamento da autoliquidação.
À consideração superior." (cfr. fls. 384 a 387 dos autos)
G) A Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia em 17.02.2009 (cfr. fls. 390 e 391 dos autos).
H) A presente impugnação foi apresentada em 28.07.2009 sem que tenha existido decisão final do pedido de revisão oficiosa (cfr. fls. 391 dos autos).
I) A Impugnante foi declarada insolvente por sentença proferida em 03.07.2009 pelo 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, no âmbito do processo nº …………… (cfr. fls. 501 a 508 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»
X
//Factos Não Provados: //1 - Não foi provado que a Impugnante tenha sido notificada para entrega da declaração em falta ou para exercício do direito de audição, antes da emissão e notificação da liquidação oficiosa impugnada nos autos. //2 - Não foi provado que a Impugnante tenha tido no exercício de 2006 um prejuízo fiscal no montante 152.324,00€.//
X
//Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.//
X
//Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo, conforme mencionado constante a propósito de cada uma das alíneas do probatório.// A prova testemunhal acabou por não relevar para a decisão da matéria de facto na medida em que em nada contribuiu para a factualidade que se reputa essencial quanto às questões a decidir nos autos. //Em concreto, o facto nº l dado como não provado resulta da circunstância de apenas constarem dos autos meros prints retirados do sistema informático da AT, constantes de fls. 408 e 409 do PAT, não tendo sido juntas, nem as notificações dos referidos atos, nem tão pouco os documentos emitidos pelos CTT que demonstrem o envio e receção de qualquer notificação referente aos mesmos.// As impressões do sistema informático, sendo da própria AT, não constituem prova bastante da efetividade da notificação (e não identificando, sequer, o destinatário da alegada notificação), provando meramente um registo feito em tal sistema. De resto, os próprios prints para os quais a Fazenda Pública remete, nem sequer são esclarecedores quanto ao eventual ato a que se reportam. //O facto nº2 dado como não provado resulta da circunstância da Impugnante se ter limitado a juntar aos autos os exctratos das diversas contas da contabilidade, não tendo apresentados os correspondentes balanço, balancetes e demonstração de resultados, o que impossibilita a correspondente apreciação da correção do resultado declarado na Modelo 22.//
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à aferição da caducidade do direito de impugnação judicial [conclusões A) a M)].
ii) Erro de julgamento quanto à asserção de que foi preterido o direito de audição prévia da contribuinte [demais conclusões do recurso].
2.2.2. A sentença recorrida julgou procedente a impugnação relativa à liquidação oficiosa de IRC de 2006, considerando, em síntese, que: «como ficou fixado no probatório, não se encontra provado que a AT tenha cumprido com o disposto no artigo 60º, nº2, alínea b) da LGT, pelo que os fundamentos em que assentou a jurisprudência supra citada são inteiramente transponíveis para o caso destes autos, e não sendo contrariada a afirmação da Impugnante de que não lhe foi concedido o direito de audição prévia, tem de considerar-se tal direito como preterido. // Perante tal vício procedimental, é de anular a liquidação, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos da impugnação, nos termos do disposto no artigo 608º, nº2 do CPC».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega que o direito de impugnação judicial se mostra caduco, dado que o pedido de revisão ofíciosa do acto tributário em causa era extemporâneo [fundamento do recurso referido em i)].
A sentença julgou improcedente a excepção peremptória invocada. Considerou que «a Impugnante tinha a faculdade de pedir a revisão oficiosa do ato de liquidação em causa, como o fez, dentro do prazo em que a AT a poderia efetuar, com fundamento alegado de erro imputável aos serviços, pelo que se mostrava tempestivo o pedido de revisão oficiosa, ficando a AT obrigada a pronunciar-se sobre o pedido por injunção normativa ínsita no artigo 56º, nºl da LGT».
Vejamos.
A caducidade do direito de acção é uma excepção peremptória, associada ao decurso do prazo de impugnação judicial do acto tributário, de conhecimento oficioso (artigo 333.º/1, do CC) (1).
A questão que se suscita consiste em saber se o pedido de revisão oficiosa era extemporâneo, o que, a confirmar-se, determinaria a extemporaneidade da impugnação, com a consequente extinção do direito de impugnar, por caducidade.
Vejamos.
«A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços» (artigo 78.º/1, da LGT).
«Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação» (artigo 78.º/2, da LGT).
Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Em 29.04.2008 foi emitida em nome da Impugnante, por falta de entrega da correspondente Declaração Modelo 22, a liquidação oficiosa de IRC com o nº ………………, respeitante ao exercício de 2006, com base em 110.461,11€ de matéria coletável, e que originou o valor total a pagar no montante de 30.986,00€, que inclui 2.761,53€ de Derrama e 609,20€ de juros compensatórios, tendo como data limite de pagamento 09.06.2008 (alínea C).
ii) Em 28.10.2008 a Impugnante apresentou Declaração Modelo 22 do exercício de 2006 declarando um prejuízo fiscal no montante de 152.324,00€, declaração que ficou como não liquidável (alínea D).
iii) Em 21.11.2008 a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da LGT, (alínea E).
iv ) O pedido de revisão oficiosa não foi objecto de decisão.
Na falta de decisão do procedimento no prazo de seis meses presume-se o indeferimento (artigo 57.º, n.os 1 e 5, da LGT).
Na tese da recorrente, não existe erro imputável aos serviços, porquanto a liquidação oficiosa em exame foi emitida na sequência do incumprimento dos deveres declarativos do contribuinte. Sucede, porém, que a realidade dos autos é diversa da assim descrita. A impugnante apresentou, ainda que para além do prazo, declaração modelo 22 (em 28.10.2008), a qual não foi objecto de análise e ponderação por parte dos serviços (2). Tal omissão configura preterição do princípio do inquisitório a que está sujeita a Administração Tributária (artigos 58.º da LGT e 50.º do CPPT). É que, perante a existência de elementos que depõem no sentido do erro na determinação da matéria colectável, subjacente à liquidação oficiosa em causa, a omissão de apuramento da matéria colectável relevante em substituição da que consta da liquidação oficiosa, assente em presunções, coloca a AT numa situação de erro quanto à determinação da matéria colectável mencionada, a qual é imputável aos serviços, na medida em que tendo sido pedida a revisão do acto tributário e havendo elementos que depõem em sentido contrário ao estabelecido no acto tributário, o dever de reapreciação do mesmo impõe-se como corolário natural do princípio da legalidade tributária. Tal erro imputável aos serviços justifica a aplicação do prazo de quatro anos para a dedução do pedido de revisão do acto tributário, previsto no disposto no artigo 78.º/1, in fine, da LGT. Por outras palavras: se a Administração, dentro do prazo de caducidade da liquidação, toma conhecimento através dos elementos fornecidos pelo contribuinte, de que a liquidação oficiosa emitida enferma de erro na determinação da matéria colectável e rejeita apreciar e decidir o pedido de revisão oficiosa da mesma, o erro torna-se imputável aos serviços, na medida em que, em face dos elementos disponíveis, mantem na ordem jurídica liquidação oficiosa sem suporte factual adequado.
No caso, está em causa liquidação oficiosa referente ao exercício de 2006, pelo que o pedido de revisão interposto em 21.11.2008, mostra-se tempestivo (artigo 78.º/1, in fine, da LGT). O que determina a improcedência da questão da caducidade da acção, esteada na presente alegação.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob escrutínio não merece reparo, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente sustenta que o direito de audição não é aplicável ao caso e que a sua omissão em nada afecta a validade do acto questionado.
Por seu turno, a sentença seguiu entendimento oposto. Aí se refere o seguinte:
«Sendo certo que a liquidação oficiosa impugnada, foi processada com base na informação disponível sobre a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada, a verdade é que nada nos garante, como se acrescenta no acórdão que vimos seguindo, que o contribuinte, mesmo numa situação dessas, «[s]e acaso lhe fosse dada oportunidade para o fazer, não fornecesse elementos úteis à liquidação, designadamente, quanto a deduções, matéria em que a lei não vincula a Administração. Não é, pois, possível, no nosso caso, a formulação de um juízo de prognose póstuma que leve o tribunal a concluir que a liquidação efectuada era a única possível. Se é verdade que o acto sempre teria de ser praticado, por força da lei, nada permite afirmar que o mesmo seria o seu conteúdo se tivesse havido lugar à audição da recorrida».
Vejamos.
Constitui jurisprudência fiscal firme a seguinte:
i) «No caso em que o contribuinte faltou à sua obrigação de declarar os seus rendimentos para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, a Administração procede à liquidação nos termos do disposto no artigo 90.º nº 1 alínea b) do respectivo Código, com base na "matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada". // O «princípio do aproveitamento dos actos administrativos ou «teoria dos vícios inoperantes», que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, logra aplicação naquelas situações em que conclui pela irrelevância das formalidades essenciais no conteúdo do acto, ou seja, quando num juízo rigoroso conclui que ainda que as formalidades inobservadas tivessem sido cumpridas, o sentido e o conteúdo do ato não sofreriam qualquer tipo de alteração». (3)
ii) «[O] princípio do aproveitamento do acto apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência em face do conteúdo decisório do acto, através de um juízo de prognose póstuma, o que conduz, na prática, à sua restrição às hipóteses em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão» (4).
No caso em exame, dos elementos coligidos no probatório resulta que a liquidação impugnada não foi antecedida do trâmite da audição prévia da contribuinte e que a impugnante apresentou, em 28.10.2008, declaração de rendimentos (modelo 22), indicando prejuízos no exercício de 2006 (5). De onde se retira que a falta de audição prévia da contribuinte releva no correcto apuramento da situação tributária da mesma, pelo que não se pode emitir o juízo de prognose póstuma segundo o qual, mesmo que tivesse sido observada a formalidade em causa, o conteúdo do acto tributário seria o mesmo. O que determina a eficácia invalidante do vício em causa.
A julgar no sentido referido a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


(1) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 6.º Ed., Vol. II, p. 155.
(2) Alínea D).
(3) Acórdão do TCAS, de 08-10-2020, P.498/12.4BESNT
(4) Acórdão do STA, de 28-10-2020, P. 02052/08.6BELRS
(5) Alínea D).