Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:813/11.8 BELRA ( 09855/16)
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:FACTURAS FALSAS
Sumário:I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

II - No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

III - Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

IV – No caso, tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que a mercadoria descrita nas facturas em causa lhe foi vendida, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações económicas reais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

M… – Comércio ..........., Lda, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação apresentada contra a liquidação adicional de IRC (e respectivos juros compensatórios), referentes ao exercício de 2005, no valor global de € 1.808.173,79, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Em sede de alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. Vai o presente Recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação da recorrente.

2. Discordando-se da conclusão, inserta na douta sentença, de que a Administração Tributária cumpriu o dever de fundamentação formal e material, cumprindo o ónus da prova que lhe incumbia e, que a impugnante não logrou provar que as faturas referenciadas no relatório de inspeção tributária tivessem por base negócios efetivamente realizados.

3. O tribunal a quo, porém, em face do teor integral do relatório de inspeção tributária efetuou uma incorreta apreciação e qualificação jurídica dos factos que deu por provados concretamente o facto da al. 7) dos factos assentes -teor do relatório de inspeção), uma vez que face ao seu teor, deveria ter concluído que a Administração tributária não fundamentou corretamente, quer em termos formais, quer em termos materiais, uma vez que:

i. Os factos descritos resultaram de investigações de outras Direções de Finanças e referem-se aos fornecedores dos fornecedores da M…., sobre os quais a M… não tem que se defender e dos quais nada conhece nem tinha a obrigação de conhecer.;

ii. Para o ano de 2005 não são descritos quaisquer indícios objetivos que permitem a conclusão de que as compras não existiram.

4. Os factos alegados no Relatório de Inspeção Tributária elaborado pela Direção de Finanças de Santarém referem-se quase exclusivamente, a factos relativos a fornecedores dos fornecedores da recorrente, e/ou que foram apurados por outras Direções de Finanças em sede de inspeção tributária, cujos exercícios/ anos não são identificados, desconhecendo a recorrente (nem tinha obrigação de conhecer) se tais conclusões foram objeto de impugnação pelos sujeitos passivos visados, com transito em julgado.

5. Não pode a recorrente deduzir uma defesa para comprovar a regularidade desses operadores ou sequer que os mesmos possuem estrutura empresarial registada para exercer a atividade que aparentam exercer uma vez que são factos e provas que não estão ao alcance da recorrente, ao contrário do que é firmado na douta sentença recorrida.

6. Por outro lado, são descritos factos que apelidam de indícios mas que se referem a outros anos que não o de 2005.

7. O fundamento da correção à liquidação do IRC do ano de 2005 prende-se com o facto de, considera a Administração Tributária, a recorrente não comprovar a indispensabilidade dos custos para realizar as vendas que declarou, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do CIRC, porquanto:

i. Existência de operações simuladas;

ii. A existência de fornecedores que têm dívidas de impostos e não possuem adequada estrutura empresarial para o exercício da atividade que declaram.

iii. Sujeitos passivos cessados ou com NIFs inválidos.

8. Como já se referiu, atento o teor do ponto 7 FACTOS ASSENTES, que Administração Tributária fundamenta-se essencialmente em informações e relatórios de ações de inspeção a fornecedores da M…, levadas a cabo por outras Direções de Finanças cujos relatórios não foram notificados à recorrente e não fazem parte integrante do Relatório de Inspeção da Direção de Finanças de Santarém (apenas se transcrevem excertos de relatórios), relativamente aos quais a impugnante desconhece o seu teor, a natureza das correções fiscais que foram efetuadas e a decisão que recaiu sobre as conclusões dessas ações inspetivas, e se as mesmas foram objeto de impugnação por parte dos visados (fornecedores e fornecedores dos fornecedores da M…), com trânsito em julgado.

9. Por outro lado, as conclusões dessas Direções de Finanças referem-se a factos relativos a fornecedores dos fornecedores da recorrente que são desconhecidos da impugnante (nem é obrigada a conhecer) e dos quais se não pode defender.

10. Muitos dos factos que são pontadas por outras Direções de Finanças relativamente aos fornecedores dos fornecedores nem sequer incidem sobre o ano de 2005.

11. Como ficou apurado nos a impugnante tem a sua escrita organizada, elaborada e em dia, donde que as operações que vêm refletidas na mesma gozem de PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO DECLARADO - Artº 75 da LGT, recaindo então sobre a administração Fiscal o ónus de demonstrar que, apesar de se encontrar nos termos da lei, o conteúdo dessas declaração não é verdadeiro (cfr. artigo 74°da LGT).

12. A administração tributária, atuou por meras conclusões e presunções de carácter subjetivo como resulta do teor do Relatório reproduzido no ponto 7 dos factos assentes da douta sentença recorrida, relativamente a empresas terceiras, estendendo as mesmas conclusões à recorrente, sem que exista qualquer nexo razoável de causalidade e DESPREZOU A DESCOBERTA DA VERDADE.

13. Verifica-se não estar demonstrado o pressuposto de forma objetiva e com argumentos ou indícios que impliquem diretamente a recorrente que as transacções efetuadas entre a recorrente e os fornecedores indiciados são SIMULADAS.

14. Ora, não é legalmente de aceitar a presunção de que o impugnante tinha conhecimento da situação de irregularidade dos seus fornecedores e dos fornecedores destes, até porque, tal informação só era acessível à própria Administração Tributária que também nunca alertou a recorrente ao longo de toda a sua atividade (sobre a qual já tinham recaído diversas inspeções tributárias sem que resultassem quaisquer correções), onde deduziu IVA e solicitou diversos pedidos de reembolso.

15. Em face do que ficou supra exposto, a liquidação do IRC do ano de 2005 subjacentes à impugnação padece de falta de fundamentação, uma vez que a AT não conseguiu demonstrar os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA com os fundamentos vertidos no Relatório de inspeção tributária (cfr. ponto 7 dos factos assentes com excerto do Relatório), violando o disposto no artigo 75.º n.° 1 da LGT, assim como o artigo 23.º do CIRC.

16. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto em face do teor do Relatório de inspeção tributária deveria ter concluído pela ilegalidade da liquidação adicional de IRC, por violação de lei e falta de fundamentação substancial.

SUBSIDIARIAMENTE - ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

17. Mesmo que não se entenda da forma como se alegou supra, i.é, que a Administração Tributária não fundamentou corretamente as liquidações de IVA aqui em causa, sempre se deveria ter decidido por PROVADO que as transações tituladas pelas faturas dos fornecedores indiciados e que se encontram juntos aos autos, tiveram por base negócios efetivamente realizados pela recorrente e os aludidos fornecedores.

18. E essa decisão impunha-se em face da PROVA produzida pela recorrente quer em sede de impugnação (documental, testemunhal, pericial), quer em sede de Reclamação Graciosa (cujo processo se encontra junto aos autos com toda a documentação) e que passamos a identificar em concreto:

19. A recorrente juntou a sua RECLAMAÇÃO GRACIOSA vasta documentação e que se encontra junta ao processo administrativo em apenso a estes autos:

a) Documentação relativa aos pagamentos a fornecedores e recebimentos (cópias de cheques, transferências bancárias e depósitos bancários, documentos contabilísticos diversos que comprovam o efetivo pagamento das compras postas em crise pela Administração Tributária bem assim os recebimentos dos clientes do valor dos fornecimentos efetuados - CFR. Todos os documentos juntos à Reclamação graciosa.

b) CÓPIA DE CHEQUES juntos com a RG, que comprovam igualmente o pagamento efetivo da mercadoria adquirida, demonstram o tempo e o modo de pagamento das mercadorias;

(A prova do pagamento das transações é um dos indicadores de que as transações foram reais e demonstram o fluxo comercial e financeiro inerente às transações postas em causa, pelo que não se pode afastar esta prova, até porque num contrato de compra e venda a contrapartida é o preço e o cumprimento o seu pagamento.

20. Também da PROVA TESTEMUNHAL

- P… J… S… L…, empresário de sucatas, cujo depoimento se contra gravado (sessão do dia 5/10/2015);

- C… J… M… da F…, TOC da recorrente cujo depoimento se encontra gravado (sessão do dia 5/10/2015);

- A… M… F… S…, encarregado de armazém da impugnante, cujo depoimento se encontra gravado (sessão do dia 5/10/2015);

- J… M… S…, inspetor tributário da Direção de Finanças de Santarém (depoimento gravado na sessão de julgamento de 5/10/2015) que referiu:

- S… M… A… S…, inspetor tributária na DF. De Santarém (cujo depoimento se encontra gravado na sessão de julgamento de 5/10/2015), co-autor do RIT.

- L… H… P…, inspetor tributário da DF. De Aveiro (cujo depoimento se encontra gravado na sessão de julgamento de S/10/2015), que refere:

21. Da prova produzida deveria ter sido dado por ASSENTE que as compras colocadas em crise pela AT corresponderam a operações reais, devendo igualmente ter dado por assente que a recorrente emitiu a favor dos seus fornecedores os cheques, transferências bancárias e depósitos bancários cuja prova está junta à reclamação graciosa e para a qual se remeteu em sede de impugnação.

Assim, ficou provado:

a. A recorrente possui uma ESTRUTURA ORGANIZACIONAL, composta por estaleiro, máquinas, viaturas pesadas de mercadorias e empregados, o que demonstra uma atividade real e que se coaduna com a quantidade de mercadoria adquirida dos fornecedores indiciados;

b. Nos seus depoimentos as testemunhas esclareceram, de forma isenta e com total conhecimento direto sobre os factos, destacando-se o depoimento dos motoristas, encarregado do armazém, e comerciantes do ramo, que atestaram que os fornecedores em causa eram pessoas que efetivamente se dedicavam à atividade do ramo da sucata, que negociavam com a recorrente, ficando também provado que foram efetuados carregamentos de sucata nos estaleiros dos fornecedores desconsiderados pelo fisco, NO ANO EM CAUSA e descargas de sucata nos estaleiros da recorrente, sendo que as mesmas testemunhas puderam testemunhar a regularidade com que se deslocavam e as quantidades que eram transportadas nos anos em análise, assim como o modus operandi da pesagem da mercadoria, forma do preenchimento das faturas (após pesagem) e forma e meio de pagamento (Cfr. Depoimento dos motoristas e encarregado de armazém).

22. A douta sentença recorrida, porém, desconsiderou, não só a documentação junta com a reclamação graciosa como também desconsiderou totalmente a prova testemunhal, refugiando-se no princípio da livre convicção do julgador porquanto, segundo refere, as testemunhas arroladas pela recorrente mantém relações de proximidade com a recorrente.

23. Não se aceita esta conclusão na medida em que as testemunhas em causa, não obstante a relação de proximidade (profissional) que mantém com a recorrente não poderiam ser outras que não elas próprias atendendo a que foram elas que tiveram contacto direto com os negócios, atividade e realidade da empresa, demonstraram objetividade, conhecimento real dos factos, razão de ciência sobre as questões e factos que lhes foram perguntados, merecendo total credibilidade.

24. Assim ficou demonstrado em audiência de inquirição das testemunhas que a recorrente tinha uma estrutura empresarial suficiente e idónea para realizar as transações que declarou (instalações, equipamentos, viaturas e trabalhadores, seguros custos com combustíveis - Cfr. Depoimento da testemunha C… F… e dos senhores inspetores tributários que também confirmaram a estrutura empresarial da M… que demonstra a capacidade para transacionar a quantidade de sucata que declarou.

25. Sem as compras a recorrente não poderia ter feito as vendas, declaradas, como ficou provado pelo depoimento da testemunha C… J… M… da F…, Técnico Oficial de Contas da Impugnante cujo depoimento se encontra gravado em CD com a marcação do tempo 00:25 a 00:58 - sessão do dia 15/11/2011.

26. Em face a todo o exposto e, analisada toda PROVA que foi produzida nestes autos (Documental: cópia de cheques, comprovativos de transferências bancárias, depósitos bancários dos pagamentos, documentação contabilística diversa, junta à impugnação e ao processo administrativo da reclamação graciosa), Testemunhal e impunha-se dar por ASSENTE que as faturas concretamente identificadas no relatório de inspeção tributária respeitam a transações efetivamente realizadas.

27. Se alguns fornecedores da impugnante "ludibriaram" o fisco, não declarando parte do seu negócio, para se furtarem à responsabilidade pelo pagamento de impostos a que a sua atividade (vendas) daria lugar, por tal facto não pode a impugnante ser responsabilizada uma vez que tinha estrutura para exercer o negócio, tem estaleiros, máquinas e meios humanos de exercer a sua atividade, como também ficou provado, e não tinha forma detetar as "artimanhas" que os seus fornecedores utilizavam.

28. A recorrente só pode responder e defender-se relativamente às transações que efetuou diretamente com os seus fornecedores que ficaram identificados (ANO DE 2005) e não relativamente a constatações ou factos dos fornecedores deste cuja situação de irregularidade não é do conhecimento da recorrente (Cfr. a redação do disposto no nº 4 do artigo 19.º do CIVA exige o conhecimento da falta de estrutura empresarial dos transmitentes, mas mesmo aqui, o que no relatório se põe em evidência é a falta de estrutura empresarial dos fornecedores destes transmitentes.

29. De todo o exposto, resulta que a atuação da Administração Tributária, é ilegal e carece de fundamentação, como obriga o disposto no artigo 77º nº l da LGT e 125.º do CPA, pelo que a liquidação de IRC subjacente à impugnação e ao despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico impugnado, deverá ser ANULADA.

30. Em face do exposto deverá a douta sentença ser revogada e ser substituída por outra que dê por provada a veracidade das transações postas em causa pela Administração Tributária e, por consequência julgar procedente a impugnação relativa às liquidações adicionais IRC do ano de 2005.

31. Ao não dar por provado este facto a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, requerendo a este Venerando tribunal a reapreciação da prova identificada supra a fim, depois de reapreciada e ponderada, dar-se por provado que as operações refletidas nas faturas postas em causa pela Administração Tributária são verdadeiras, revogando e substituindo a douta sentença recorrida onde se reflita tal prova.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, com o douto suprimento de V/Ex.S, Venerandos senhores Doutores Juízes desembargadores, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a impugnação relativa à liquidação de IRC do ano de 2005.

Assim se fará a Veneranda e costumada JUSTIÇA!”


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, pelo que importa apreciar e decidir, ao que nada obsta.
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2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

De acordo com os elementos existentes nos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto:

1) A impugnante, M…, ..........., Lda., tem como objecto social a prática de comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos e metais; e no exercício de 2005 encontrava-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributário e em sede de IVA, no regime normal de periocidade mensal (cfr. fls. 78 e 79 do procedimento de reclamação graciosa (RG) apenso);

2) Entre 02/10/2006 e 04/10/2006 ao abrigo da OI ........... foi efectuada acção de fiscalização à impugnante, ao exercício de 2005, tendo resultado da mesma correcções fiscais em sede de IRC e IVA, conforme relatório de inspecção tributária, notificado à impugnante em 25/10/2006, relativas a compras a alguns dos fornecedores identificados a fls. 526 do procedimento de reclamação graciosa apenso e artigo 44.º da p.i. (cfr. fls. 77 do procedimento de RG apenso e 42.º da p.i.);

3) Após a conclusão dos actos de inspecção referida no ponto anterior, a Direcção de Finanças de Santarém tomou conhecimento através da Direcção da Direcção de Finanças de Setúbal e da Direcção de Finanças do Porto de actos praticados pela impugnante e pelos fornecedores “R… F… M… P… da C…”, “L… P… C… Sociedade Unipessoal, Lda.” e “G… Comércio...................., Lda.” que se afiguravam potencialmente geradores de prejuízos para a Fazenda Pública (cfr. fls. 77 do procedimento de RG apenso);

4) Em cumprimento da ordem de serviço n.º O..........…, de 23/03/2009, a impugnante foi objecto de nova acção inspectiva externa, de âmbito parcial, relativa ao exercício de 2005, autorizada por despacho de 09/02/2009, do Director Geral dos Impostos, ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 63.º da LGT, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. relatório da IT, fls. 78 a 79, fls. 522 a 534, fls. 536 e 537 do procedimento de RG apenso);

5) Com base nas correcções meramente aritméticas propostas pelos Serviços de Inspecção Tributária, na sequência da acção de inspecção ao exercício de 2005, referida no ponto anterior, foram emitidas as liquidações de IRC e juros compensatórios nºs ........…, em 30/11/2009 e demonstração de liquidação de juros, no montante total de € 1.808.173,79 (cfr. fls.114 a 115 dos autos e RIT, fls. 76 do procedimento de RG apenso);

6) Tais liquidações tiveram origem na consideração pela Administração Tributária – Direcções Fiscais de Setúbal, Santarém, Aveiro e Porto - de que os custos titulados pelas facturas emitidas pelos fornecedores G…, Lda., L… P… C… Unipessoal, Lda., Regina F… P… da C…, V…, Lda. e A. O… S…, Lda,. «não são reais, quer quanto ao valor, quer quanto às quantidades» constantes das facturas, com base, nomeadamente nos seguintes factos: - inexistência de estrutura empresarial compatível com o volume de negócios e para realizar as operações activas que a M… tem registadas na sua contabilidade; - recurso a fornecedores sem estrutura; - inexistência de comprovantes de pagamento através de contas bancárias identificadas; - pretensa movimentação de elevados montantes de dinheiro vivo ou levantamento de cheques ao balcão ou endosso a terceiros; - retorno de meios financeiros com a indicação retenção de percentagem de 3%; e, - fornecedores com processos-crime instaurados por fraude fiscal; conforme RIT que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. RIT, fls. 72 e segs. procedimento de RG apenso);

7) Em resultado da acção de fiscalização, no relatório de inspecção tributária, concluiu-se o seguinte: As conclusões extraídas para os fornecedores G…, Lda., L… P… C… Unipessoal, Lda., R… F… P… da C…, V…, Lda. e A. O… S…, Lda., quanto aos indícios de que enfermam as suas transmissões de sucata, e anteriormente detalhadamente descritos, nos pontos 2.1.1 a 2.1.5 do Capítulo III deste relatório, são coincidentes com as conclusões já obtidas para os fornecedores constantes do Relatório de Inspecção elaborado para o exercício de 2005 ao abrigo da OI ............ (…)

E ainda o seguinte se poderá acrescentar:

- Que se afigura a inexistência de estrutura e meios de transporte adequados, ao volume de transacções de sucata, facturados pelos operadores em causa.

- Que os operadores fictícios estabelecem relações entre si, sendo fornecedores e clientes uns dos outros, até chegarem às empresas de nível intermédio como a M…;

- Que como ponto de partida de emissão de facturas, existem muitos fornecedores fictícios, tendo algumas identificações inventadas;

(…)

O que se pode concluir dos factos descritos, é a existência de fortes indícios de que as transacções tituladas pelas facturas emitidas pelos “fornecedores” indicados nos pontos 2.1.1 a 2.1.5 do Capítulo II deste Relatório, são simuladas.

As declarações fiscais apresentadas pelos operadores envolvidos não reflectem a veracidade das operações efectivamente realizadas quer quanto a quantidades, quer quanto a valores e intervenientes, estendendo-se as vantagens patrimoniais indevidas a IRC, através de custos cuja indispensabilidade não está minimamente comprovada nos termos do artigo 23.º do Código de IRC, com erosão do lucro tributável e consequentemente com redução do imposto a pagar.

(…)

Sendo tributados os factos tributáveis reais, e não os simulados, os Serviços de Inspecção entendem, face aos factos relatados ao longo do relatório que se acha cessada a presunção da veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito . (cfr. RIT no procedimento de RG apenso);

8) A impugnante no exercício de 2005 tinha a sua estrutura contabilística assente em registos informáticos, de suporte ao movimento documental, agrupados por ordem sequencial de numeração e data, e organizados por diversos diários de movimentos. É detentora de diários de movimentos mensais, balancetes de apuramento, assim como extractos de conta, encontrando-se os livros de contabilidade, registos auxiliares e documentos de suporte conservados e em boa ordem. Não possui em arquivo organizado, guias de remessa provenientes dos seus fornecedores bem como os talões de pesagem aquando das mercadorias no seu armazém e as guias de remessa por si emitidas não respeitam uma ordem temporal correspondente à ordem numeral. (cfr. fls. 79 do procedimento de RG apenso);

9) No exercício de 2005, os principais clientes da impugnante foram o “Centro .........., SA”, “a “M…, SA” e “E… de S… T…, Lda.”, os quais representam cerca de 65% das vendas declaradas (cfr. fls. 81 procedimento de RG apenso);

10) No exercício de 2005, os principais fornecedores da impugnante foram a “V…, Lda.”, “R…, Lda.”, “R…, Lda.” e “R…, Lda.”, os quais representam cerca de 44% das compras declaradas (cfr. fls. 82 do procedimento de RG apenso);

11) Desde o final de 2006 que a impugnante encontra-se inactiva, tendo transferido nesse ano o imobilizado e o pessoal para a sociedade M…, Lda., NIPC .............., que passou a utilizar o estaleiro da impugnante (cfr. fls. 81 do procedimento de RG apensa e fls. 125 do procedimento de RH apenso);

12) A sociedade “M…” foi constituída em 14/12/2005 e tinha comum com a impugnante o mesmo gerente, J… M… P… de S…, tendo sido alvo de uma acção inspectiva ao ano de 2006 (cfr. fls. 78 81 do procedimento de RG apenso e fls. 138 a178 dos presentes autos);

13) A impugnante notificada das liquidações de IRC e juros referidas no ponto 5), com data limite de pagamento voluntário em 13/01/2010, apresentou das mesmas reclamação graciosa (cfr. fls. 114 a 116 dos presentes autos e fls. 3 e segs do procedimento de RG apenso);

14) Em 28/07/2010, foi proferida decisão de indeferimento na referida reclamação graciosa, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. 644 a 657, 658 e 663 do procedimento de RG apenso);

15) A impugnante juntou como Anexo III à reclamação graciosa, cópia dos cheques emitidos aos fornecedores G…, Lda., L… P… C…, Lda., R…, F.M. P. C…, V…, Lda. e A. O… S…, Lda. (cfr. fls. 194 e segs. do procedimento de reclamação graciosa);

16) Os cheques a que se alude no ponto anterior foram, alguns deles, endossados mais do que uma vez (cfr. fls. 194 e segs. do procedimento de reclamação graciosa);

17) Em 07/09/2010, a impugnante deduziu recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 2 e segs. do procedimento de recurso hierárquico (RH) apenso);

18) Por despacho de 16/05/2011 foi indeferido o recurso hierárquico, nos termos constantes de fls. 133 a 163 do procedimento de RH apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;

19) Através do ofício n.º 1297 de 30/05/2011 a impugnante foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. fls. 165 e 166 do procedimento de recurso hierárquico apenso);

20) A presente impugnação foi deduzida em 29/06/2011 (cfr. fls. 1 dos presentes autos);

21) Em 04/02/2010, o Serviço de Finanças de Torres Novas instaurou contra a aqui impugnante a execução fiscal n.º ..........…, para cobrança coerciva do montante de € 1.318.885,93, referente às liquidações a que se refere o ponto 5) supra (cfr. fls. 116 e 117 do procedimento de RH apenso).

Factos não provados

Não se provou os factos vertidos sob os artigos 34.º (1.ª parte), 40.º, 60.º (parte final) e 68.º da petição inicial. Não se consideram os restantes (para além dos que foram considerados provados) por se mostrarem em contradição com os factos provados ou integrarem conclusões de facto ou direito ou serem inócuos para a boa decisão da causa.

Assim, não se provou que as facturas emitidas pelos fornecedores G…, Lda., L… P… C… Unipessoal, Lda., R… F… P… da C…, V…, Lda. e A. O… S…, Lda., tenham por base negócios efectivamente realizados.

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Motivação

O Tribunal alicerçou a sua convicção na apreciação conjugada de toda a prova documental junta aos autos pela impugnante e pela Fazenda Publica, nos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico e no processo administrativo apenso, indicada relativamente a cada um dos factos, cujos documentos não foram impugnados.

Atendendo aos dados de facto apurados em sede fiscalização, que tratam-se de elementos probatórios objectivos, porque resultante das análises à contabilidade das diversas empresas envolvidas, que não foram sequer contrariados, incumbia à impugnante demonstrar que, não obstante esses factos, as aludidas transacções haviam sido realizadas. Com efeito, de acordo com tais factos, é lícita a conclusão, face às regras da experiência, de que as operações comerciais em causa foram fictícias, pelo que impunha-se à impugnante demonstrar que as mesmas tinham tido existência real.

Para o efeito a impugnante trouxe prova testemunhal mas o respectivo depoimento não merece credibilidade não só pelas relações profissionais (o prejuízo pessoal que lhe poderia advir ao prestar declarações em sentido contrário, prejudicial à impugnante) e de amizade que têm com a impugnante, como também as declarações prestadas, não foram convincentes, sempre com carácter genérico e em muitos aspectos relevantes evasivas. As testemunhas foram unanimes sobre o desconhecimento da actividade de “R… F… P… da C…”, enquanto fornecedor da impugnante. A testemunha A… M… S…, encarregado de armazém da impugnante, tinha como funções receber as mercadorias, afirmou também não conhecer A. O… S…, Lda. (um dos fornecedores de mercadoria titulada pelas facturas fictícias) e nada saber sobre existências. A testemunha C… M… F…, responsável pela contabilidade da impugnante, não tinha qualquer contacto com os fornecedores, conforme afirmou.

Assim, o depoimento de tais testemunhas não revelaram para a prova de qualquer factualidade, mormente dos factos dados como não assentes.

A testemunha J… S… da S…, inspector tributário, que interveio na acção inspectiva à impugnante, esclareceu que as facturas em causa estão todas registadas na contabilidade da impugnante, bem como os cheques e que a liquidação foi feita com base nos relatórios das acções inspectivas aos fornecedores, que permitiam concluir que emitiam facturas falsas. Disse ainda que se deslocaram durante a acção inspectiva às instalações dos fornecedores e que L… P… C… Unipessoal, Lda., não tinha nada nas instalações e que G…, Lda., estava desactivada, embora se percebesse que teve actividade.

As testemunhas que a Administração Tributária trouxe são todas inspectores tributários, com intervenção nas acções inspectivas à impugnante aos fornecedores da impugnante, revelaram adequada razão de ciência, concretamente, conhecimento directo dos factos, corroboraram as afirmações constantes dos diversos relatórios inspectivos, e cuja credibilidade não foi abalada.

Esclareceram que a V…, Lda. e A. O… S…, Lda. laboravam nas mesmas instalações, em Sta.........., no que se refere à sociedade indicada em segundo lugar afirmaram que se não comprou mercadoria, também não a podia vender. Os fornecedores facturavam milhões de euros e tinham uma estrutura débil, para esse nível de facturação, funcionavam com cheques pré-datados e procediam ao levantamento ao balcão dos cheques ou eram endossados. Os fornecedores em questão a terem negócio era residual, não poderia ser de milhões de euros, face à estrutura que apresentavam. Apesar da contabilidade da M… apresentar as facturas e os cheques, as compras feitas a estas entidades não têm credibilidade, por aqueles fornecedores não terem de facto vendido essa sucata.


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2.2. O direito

A ora Recorrente deduziu impugnação judicial do indeferimento do recurso hierárquico, interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRC (e juros compensatórios), no montante de € 1.808.173,00, relativa ao exercício de 2005.
A liquidação adicional objecto (mediato) da impugnação resultou, em síntese, da concretização de correcções operadas em sede inspectiva, fundadas no seguinte: “… existem fortes indícios de que o sujeito passivo está integrado num circuito de fraude. Perante os concretos indícios de que as operações são simuladas, os Serviços de Inspecção entendem que, nos termos do nº1 e do nº 2 do artigo 23º do Código do IRC, no enquadramento fornecido pelo artigo 39º da Lei Geral Tributária, os custos titulados pelas facturas emitidas pelos fornecedores analisados (…) não são reais, quer quanto ao valor, quer quanto às quantidades a que se referem”.
Em causa, conforme se retira do RIT, estão os seguintes fornecedores: (i) G…Comércio ............, Lda., (ii) L… P… C… Sociedade Unipessoal, Lda., (iii) Regina F… M… P… da C…, (iv) V… Comércio ..............., Lda e (v) A. O… S…, Comércio de ..................., Lda.
A impugnação judicial foi julgada improcedente.
Perante a discordância com o decido em 1ª instância, foi interposto o presente recurso jurisdicional.
Vejamos, então, as questões que nos ocupam, tal como resultam das conclusões da alegação de recurso.
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Iniciaremos a análise do presente recurso pela apreciação do erro de julgamento, o que corresponde ao teor das conclusões 17 a 26 e 31 (propositadamente - por uma questão de lógica e coerência na apreciação do recurso - não seguimos a ordem das conclusões tal como apresentada no recurso, já que, do nosso ponto de vista, se impõe, previamente à análise dos erros de julgamento de direito, a estabilização da matéria de facto).
Entende a Recorrente que a prova apresentada, se correctamente apreciada, teria levado o Tribunal a concluir pela materialidade das operações subjacentes às facturas contabilizadas, ou seja, “que as transações tituladas pelas faturas dos fornecedores indiciados e que se encontram juntos aos autos, tiveram por base negócios efetivamente realizados pela recorrente e os aludidos fornecedores”.
Para tanto, a Recorrente destaca a prova apresentada: documental, testemunhal e pericial.
Vejamos, então, detalhadamente e por partes.
Quanto à prova pericial, deve dizer-se que, após diversas vicissitudes com a realização da perícia requerida, a mesma foi dada sem efeito (cfr. despacho de fls. 470 dos autos).
Quanto à prova documental, refere a Recorrente que:
- juntou à sua reclamação graciosa vasta documentação que se encontra junta ao processo administrativo em apenso a estes autos: a) documentação relativa aos pagamentos a fornecedores e recebimentos (cópias de cheques, transferências bancárias e depósitos bancários, documentos contabilísticos diversos que comprovam o efectivo pagamento das compras postas em crise pela Administração Tributária bem assim os recebimentos dos clientes do valor dos fornecimentos efetuados - cfr. todos os documentos juntos à Reclamação graciosa; b) cópia de cheques juntos com a reclamação, que comprovam igualmente o pagamento efectivo da mercadoria adquirida, o momento e o modo de pagamento das mercadorias.
Vejamos, então, se a Recorrente cumpriu o ónus que sobre si impende no que concerne à impugnação da matéria de facto, tal como se contempla no artigo 640º do CPC.
Ora, dispõe tal preceito, na parte que para aqui releva, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Como está bem de ver, nem nas conclusões, nem na alegação de recurso, a Recorrente cumpre o ónus que sobre si impendia quanto à impugnação da matéria de facto, designadamente porque não indica os pontos que considera terem sido incorrectamente julgados, nem tão-pouco os específicos meios de prova, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
É que, como se vê, a lei impõe ao Recorrente o ónus de indicar os concretos meios de prova constantes do processo, não equivalendo a tal, em nosso entendimento, o caminho seguido neste recurso, ou seja, o de, pura e simplesmente, remeter este Tribunal para o conteúdo integral da prova junta à reclamação graciosa. No caso, aliás, importa considerar que os elementos de prova juntos ao processo de reclamação consistem, na realidade, em centenas de cópias (entre cheques e outros documentos bancários), sem correspondência evidente (ou revelada) com as facturas desconsideradas, correspondência essa que a Recorrente se demitiu, por completo, de fazer, deixando para o Tribunal o cumprimento de um ónus que a si competia.
Ora, do nosso ponto de vista, tal modo de proceder à impugnação da matéria de facto está longe de corresponder à exigência legal de especificação dos concretos meios de prova, sendo certo que a não observância de tal exigência dá lugar, nos termos do normativo supra transcrito, à rejeição dessa impugnação.
A lei, permitindo às partes ver amplamente reapreciado o julgamento da matéria de facto, por parte do tribunal de recurso, não deixa de lhes impor a observância de um critério de rigor, obstando a que a impugnação da matéria de facto seja, simplesmente, uma manifestação vaga de não conformação com o decidido e relegando para o Tribunal Superior a procura e especificação dos documentos aptos a demonstrar a factualidade que a parte pretende ver consignada.
Note-se, aliás, que sobre os pontos 15 e 16 da matéria de facto, tal como resultam da sentença, a Recorrente nem uma linha lhes dedicou no sentido de os questionar, completar, em suma, impugnar.
Não é, pois, nestes termos que a impugnação da matéria de facto se acha conforme com as exigências legais, o que, por si só, basta para a rejeitar.
Prossigamos na análise do erro de julgamento da matéria de facto, em concreto quanto à prova testemunhal.
Entende a Recorrente, em termos mais detalhados no corpo da alegação de recurso, que este Tribunal deveria reapreciar o depoimento das testemunhas ouvidas, registado nos CD´s, com vista a infirmar a valoração feita pelo Tribunal a quo.
Com efeito, para a Recorrente, não é aceitável o entendimento seguido na sentença recorrida, que, com apelo ao princípio da livre convicção do julgador, desvalorizou a prova testemunhal, invocando as “relações de proximidade com a recorrente”. A este propósito, sublinha a Recorrente que “… não obstante a relação de proximidade (profissional) que mantêm (as testemunhas, leia-se) com a recorrente não poderiam ser outras que não elas próprias atendendo a que foram elas que tiveram contacto direto com os negócios, atividade e realidade da empresa, demonstraram objetividade, conhecimento real dos factos, razão de ciência sobre as questões e factos que lhes foram perguntados, merecendo total credibilidade”.
Vejamos o que dizer sobre este aspecto.
Na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Quanto à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso, “ (…) o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso 358/09).
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada (além do mais) com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.
No caso concreto, o que o Recorrente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou aquela decisão de não consideração dos depoimentos, retirando da prova produzida ilações diferentes das que o julgador percepcionou e que explicitou na sua fundamentação.
Ora, no caso, a modificação quanto à valoração da prova testemunhal, tal como foi captada pela 1ª instância, só se justifica se, feita a reapreciação, for evidente e grosseiro o erro de análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.
A fim de apreciarmos esta questão, procedemos à audição das gravações dos depoimentos das testemunhas ouvidas e, por isso, podemos afirmar, com a sentença recorrida, que, efectivamente, os depoimentos das mesmas não assumem, para os efeitos pretendidos, a relevância que a Recorrente lhes atribui, nada apontando, forçosamente, em sentido diverso daquele que foi acolhido na fundamentação externada pelo julgador.
Com efeito, e quanto ao depoimento de A… S…, encarregado de armazém e funcionário da Impugnante, para além das evidentes relações profissionais (leia-se, de dependência laboral) com a Recorrente, prestou um depoimento vago e genérico que pouco adianta sobre a matéria que aqui nos ocupa, em concreto sobre a materialidade das operações que subjazem às facturas reputadas de falsas.
Isto é assim, não obstante a testemunha se ter referido expressamente aos fornecedores L… C…, V… e G… e à frequência com que alguns descarregavam material na M….
Note-se que a testemunha apenas trabalhava nas instalações da M…, na área das cargas e descargas, nada sabendo sobre a estrutura empresarial dos diversos fornecedores.
Tal relação profissional (e de óbvia dependência) é igualmente patente no depoimento da testemunha que exercia funções de motorista na M…, C… F…. Para além da concreta posição da testemunha relativamente à Impugnante, o próprio depoimento mostrou-se, por vezes, genérico, pouco circunstanciado, temporalmente pouco preciso e não baseado em factos concretos quanto à materialidade das concretas operações em causa.
Vejamos, quanto ao P… L... Tal testemunha é amiga e vizinha do gerente da M…, operando também no comércio de sucata.
Apesar de mencionar conhecer alguns dos fornecedores aqui em causa e relacioná-los com o comércio de sucata, a verdade é que nada pôde assegurar sobre as concretas transacções que aqui estão em causa e que foram desconsideradas pela AT.
Quanto ao depoimento do Sr. T…, C… F…, o mesmo revelou-se esclarecedor sobre as práticas seguidas no registo contabilístico da documentação que faz parte da contabilidade da M…, tal como facturas e meios de pagamento, mas limita-se a isso mesmo. De todo o modo, quanto a este concreto aspecto, deve lembrar-se que a AT jamais pôs em causa a organização e conservação dos elementos contabilísticos da ora Recorrente.
Note-se que os vários esclarecimentos prestados a propósito das instalações da M... (armazém, estaleiro) ou das máquinas, camiões e reboques, ou até sobre o número de funcionários da Recorrente - todos tendentes a demonstrar a existência de uma estrutura empresarial e organizacional por parte da M... – são aspectos de menor importância, atendendo ao que aqui importa apreciar e decidir.
É que, como resulta evidente do relatório inspectivo, jamais foi afirmado que a M... não negociava em sucata ou que não tinha estrutura empresarial para o exercício da sua actividade. Porém, o que se pretende é saber se a mercadoria identificada nas facturas desconsideradas foi efectivamente adquirida aos concretos (5) fornecedores que as emitiram.
Por conseguinte, para os efeitos pretendidos, pouca utilidade se retira do depoimento em causa, sendo claro que o Senhor TOC nada adiantou sobre a materialidade das compras tituladas pelas concretas facturas não aceites.
Note-se que a testemunha, apesar de responsável técnico do gabinete que faz a contabilidade da M..., não é o seu TOC, sendo que tais funções cabem, sim, à sua mulher. Daí que, portanto, a testemunha não tenha tratado ela mesma do registo dos documentos, não sabendo concretizar sobre os concretos meios de pagamento e seu destino.
Quanto ao depoimento dos funcionários da AT, Inspectores, nada há a acrescentar ao que detalhadamente ficou dito na sentença, a propósito da motivação da matéria de facto.
Evidenciaram-se esclarecimentos circunstanciados, baseados na experiência fiscalizadora de cada um, quer em relação à acção de inspecção à M..., quer aos fornecedores da mesma e os fornecedores dos fornecedores.
De todo o modo, deve dizer-se que tais depoimentos e a visão dos factos (contrária à da Impugnante) já resultava amplamente reflectida nos RIT que elaboraram.
Perante a actividade fiscalizadora da AT e a desconsideração das facturas em causa, impunha-se, à Impugnante, uma produção de prova consistente, circunstanciada e credível que fosse suficiente para contrariar os indícios recolhidos de facturação falsa.
Importa deixar claro que não está aqui em causa a questão de saber se a Impugnante adquiria sucata a fornecedores; importava, sim, demonstrar que a adquiriu, no ano em causa, a 5 concretos fornecedores, nos valores e espécies que constam das facturas em análise.
Em suma, face à audição da prova gravada, nenhuma razão se vê para alterar a apreciação crítica que sobre ela recaiu, não merecendo censura a conclusão extraída na sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, na parte em que daí se extrai que os depoimentos não relevaram para a prova de qualquer factualidade, mormente dos factos dados como não assentes.
Improcede, nos termos expostos, a impugnação da matéria de facto que vínhamos analisando.
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Prosseguindo e fazendo enfoque nos pontos 15 e 16 da matéria de facto, conjugando com a afirmação da Recorrente no sentido de que “A prova do pagamento das transações é um dos indicadores de que as transações foram reais e demonstram o fluxo comercial e financeiro inerente às transações postas em causa”, importa dizer o que se segue.
Salvo o devido respeito, denota-se aqui alguma confusão na exposição, pois que, como é evidente, o facto de se mostrar, à partida, relevante evidenciar o circuito documental – designadamente dos cheques – estabelecido entre a Impugnante e os seus fornecedores, tal não se confunde com a extrapolação adiantada sobre a demonstração do “fluxo comercial e financeiro inerente às transacções postas em causa”, sabido que esta asserção já encerra um juízo conclusivo que o Tribunal há-de retirar da concatenação de diversos elementos e não apenas (como parece entender a Recorrente) do facto de determinados cheques se mostrarem emitidos pela adquirente dos bens a favor dos ditos fornecedores.
Com efeito, há que ponderar que o simples facto de existirem meios de pagamento (cheques/ transferências bancárias) pelos valores das facturas, não nos permite concluir, sem mais, pela materialidade das transacções que as facturas titulam, sendo indispensável a ponderação concatenada com outros elementos evidenciadores da realidade das operações espelhadas nas facturas ou, ao invés, retirar consequências da circunstância de inexistirem outros elementos demonstrativos da materialidade de tais operações.
Deve dizer-se que a alegada correcção e clareza do circuito documental, mormente nas facturas e nos meios de pagamento (em concreto, os cheques), não serve para, como pretende a Recorrente, demonstrar o efectivo pagamento das facturas ou, melhor dito, não serve para evidenciar quem foram os reais beneficiários dos pagamentos.
Como é sabido, o fenómeno da facturação falsa é, muitas vezes, acompanhado pela preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques, com cópias dos documentos emitidos, de forma a que se estabeleça a exacta correspondência entre a factura e o meio de pagamento.
Contudo, este circuito documental não tem a suportá-lo, muitas vezes, o correspondente circuito financeiro ou do dinheiro, tratando-se, por isso, de uma mera aparência de pagamentos e recebimentos.
Acresce, no caso, e quanto aos pagamentos, que deve ter-se presente o que acima ficou dito sobre o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto respeitante a tal circunstancialismo.
Prosseguindo. Como é patente ao longo na petição inicial e do recurso, a M... põe significativo enfoque na organização da sua contabilidade, o que, importa sublinhar, jamais foi questionado pela AT. Isto mesmo foi evidenciado na sentença recorrida, como resulta, desde logo, do ponto 8 dos factos assentes.
Para além do mais, como é evidente, a constatação da regularidade da organização contabilística nunca serviria de elemento evidenciador da materialidade das operações reputadas de falsas.
Por outro lado, a importância que a Recorrente pretende atribuir à circunstância de a M... apresentar adequada “estrutura organizacional”, com vista à prova da materialidade das operações subjacentes às facturas desconsideradas, é pouco significativa.
Com efeito, não apenas resulta do relatório de inspecção, como foi até evidenciado pelas testemunhas da AT, que a M... apresenta uma estrutura organizacional/ empresarial nos moldes apontados pela Recorrente.
A questão que aqui se discute não é a de a M... ter adquirido e vendido mercadoria. A questão que aqui se discute é a de saber se, efectivamente, em 2005, as aquisições foram feitas a cinco concretos fornecedores, nos termos que se mostram descritos nas facturas reputadas de falsas.
Portanto, analisando estes aspectos e a prova produzida, reforça-se a ideia antes adiantada de que, da apreciação concatenada de todos os elementos considerados, não é possível a este Tribunal dar como provado o que resultou não provado em 1ª instância, ou seja, a materialidade das operações a que respeitam as facturas emitidas, em 2005, pelos fornecedores G... Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda., L… P… C… Sociedade ............, Lda., R… F… M… P… da Costa, V... Comércio de ................., Lda e A. O… S…, Comércio .................., Lda, todas objecto de registo na contabilidade da M....
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Estabilizada a matéria de facto, avencemos para a questão de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que, in casu, a Administração Tributária recolheu indícios sérios da existência de facturação falsa e, como tal, ao determinar a manutenção da liquidação adicional de IRC sindicada.
Importa, então, analisar as conclusões 2 a 16, nas quais, no essencial, a Recorrente defende que, ao contrário daquilo que foi decidido, a Administração Tributária não fundamentou correctamente, quer em termos formais, quer em termos materiais, a liquidação adicional de IRC emitida (note-se que, em vários momentos, ao longo do recurso, é feita referência às liquidações de IVA, o que se revela um manifesto lapso, devendo ler-se – e assim fizemos – liquidação de IRC).
Com efeito, evidencia a Recorrente que “os factos descritos resultaram de investigações de outras Direções de Finanças e referem-se aos fornecedores dos fornecedores da M..., sobre os quais a M... não tem que se defender e dos quais nada conhece nem tinha a obrigação de conhecer”; para mais, refere, “para o ano de 2005 não são descritos quaisquer indícios objetivos que permitem a conclusão de que as compras não existiram”.
A recorrente faz notar, em sua defesa, que “os factos alegados no Relatório de Inspeção Tributária elaborado pela Direção de Finanças de Santarém referem-se quase exclusivamente, a factos relativos a fornecedores dos fornecedores da recorrente, e/ou que foram apurados por outras Direções de Finanças em sede de inspeção tributária, cujos exercícios/ anos não são identificados, desconhecendo a recorrente (nem tinha obrigação de conhecer) se tais conclusões foram objeto de impugnação pelos sujeitos passivos visados, com transito em julgado”, razão pela qual, diz, “não pode (…) deduzir uma defesa para comprovar a regularidade desses operadores ou sequer que os mesmos possuem estrutura empresarial registada para exercer a atividade que aparentam exercer uma vez que são factos e provas que não estão ao alcance da recorrente, ao contrário do que é firmado na douta sentença recorrida”.
Vejamos, então, lembrando que está em causa o IRC do exercício de 2005.
Importa, agora, saber se a AT podia, ou não, ter desconsiderado os custos titulados pelas facturas em causa, com fundamento no artigo 23º do CIRC, o que passa por saber se reuniu os indícios suficientes de que que as facturas emitidas, em 2005, por (i) G... Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda., (ii) L… P… C… Sociedade............ Lda., (iii) R… F… M… P.. da C…, (iv) V... Comércio................., Lda e (v) A. O… S.., Comércio de Metais e Sucatas ......., Lda., não titulam operações reais.
Comecemos por nos referir ao ónus da prova no âmbito das correcções em análise.
Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).
Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de a operação referida na factura ser simulada, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.
Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais os correspondentes custos foram desconsiderado não tiverem subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre os identificados emitentes e a Impugnante, ora Recorrente.
Em caso afirmativo, importará saber se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, são reais, isto é, existiram efectivamente, tais operações económicas entre os sujeitos envolvidos.
Já deixámos identificados os cinco fornecedores aqui em causa.
Vejamos, então.
Para concluir pela existência de indícios sérios de que as facturas não correspondem a operações reais, a AT apoiou-se, como base da sua análise, em diversas acções de inspecção levadas a cabo relativamente a inúmeros fornecedores da impugnante, apropriando-se expressamente das informações e conclusões alcançadas em cada um desses documentos, sem prejuízo dos elementos recolhidos directamente pela Direcção de Finanças de Santarém. Isto mesmo, aliás, ressalta evidente do extenso relatório de inspecção elaborado com respeito à M... e do qual apenas uma pequena parte se mostra transcrita na sentença recorrida, apesar de o seu conteúdo ter sido dado por integralmente reproduzido.
Por uma questão de organização e clareza, face à profusão de fornecedores, passaremos a analisar esta questão de forma autónoma e separada relativamente a cada um dos emitentes das facturas desconsideradas.
Vejamos, então.

i) G... Comércio ...................., Lda

Apropriando-se de inúmera e detalhada informação obtida pela Direcção de Finanças do Porto em fiscalização à referida G..., a Direcção de Finanças de Santarém pôde constatar, além do mais, que (cfr. teor do relatório de inspecção cujo conteúdo foi dado como reproduzido na sentença):
- um dos seus principais fornecedores em 2005 – A… G…, com cerca de €20.000.000,00 vendidos – encontrava-se colectado para a actividade de venda de café e, portanto, não de sucata; não apresentava instalações, nem contratos de arrendamento; não apresentava funcionários; não se identificaram quaisquer pagamentos aos seus fornecedores;
- o fornecedor F… G…, com cerca de € 70.000,00 vendidos, apresenta como seu fornecedor, de cerca de 95% da mercadoria adquirida, o A… G… que se conclui não exercer actividade relacionada com a sucata;
- no ano em causa foram detectadas inúmeras irregularidades com os documentos de transporte, quer na numeração, quer nas datas apostas; as datas apostas nas guias de transporte não respeitam a ordem numérica;
- apenas dois funcionários ao seu serviço em 2005;
- possuía em 2005 um pequeno armazém, com cerca de 200 m2;
- sem estrutura empresarial para realizar operações activas de cerca de € 18.000.000,00;
- inexistência de comprovativos de pagamentos aos fornecedores;
- retorno dos meios financeiros com indicação de retenção de 3%
Neste circunstancialismo, e estabelecendo-se uma relação entre as aquisições e as vendas, os serviços de inspecção concluem que a G... não pode vender o que não adquiriu.
Não obstante o que ficou dito, os serviços de inspecção admitem que podem ter sido praticados actos comerciais, no ramo da sucata, embora de valor mais reduzido.
Sucede que, como resulta do relatório em análise, no ano de 2005, a G... adquiriu a outros fornecedores – e tal não foi questionado pela AT – mercadoria no valor de € 951.801,09.
Ora, como se percebe, a conclusão anteriormente transcrita, devidamente conjugada com a base de trabalho de que partiram os Serviços de Inspecção, leva a que, no caso, este Tribunal não possa, quanto a este fornecedor (G...), concluir que se verificam indícios de facturação falsa, quando reportada às vendas feitas à M... que, no mesmo ano de 2005, se cifraram em € 600.000,00.
Expliquemos melhor: é que, admitindo-se, de acordo com o relatório, de que a G... exerce a sua actividade e que apenas foram evidenciados indícios de facturação falsa relativamente a alguns fornecedores (dois, os mais significativos), fica em aberto a possibilidade (não arredada no relatório de inspecção, seja por eventuais incongruências nas quantidades envolvidas, seja pelo desfasamento no tipo de materiais transaccionados) de a sucata vendida à M... ter origem em fornecedores relativamente aos quais nenhuns indícios de facturação falsa foram recolhidos.
De facto, este Tribunal, da leitura do relatório, não consegue retirar elementos que, com a precisão e segurança necessárias, permitam concluir nos termos em que concluíram os serviços de inspecção.
Daí que, sem necessidade de outras considerações, este Tribunal não possa acompanhar o relatório quanto à recolha de indícios objectivos, credíveis e suficientes de que à facturação emitida pela G... não subjazem operações com efectiva materialidade.

ii) Luís ..............................., Lda

Apropriando-se de inúmera e detalhada informação obtida pela Direcção de Finanças do Setúbal em fiscalização ao referido L… P… C… Unipessoal Lda, a Direcção de Finanças de Santarém pôde constatar, além do mais, para o ano de 2005, que (cfr. teor do relatório de inspecção cujo conteúdo foi dado como reproduzido na sentença):
- no ano de 2005, não exibiu quaisquer livros ou documentação contabilística;
- foram analisados os fornecedores de L… P…, constatando-se que todos eles se encontram em situação fiscal irregular, uma vez que são não declarantes;
- o fornecedor S…, Serviços, Representações e Importações Lda, é não declarante, não evidenciando inscrição/pagamento junto da Segurança Social; surgem facturas com datas anteriores àquela em que a gráfica as disponibilizou, após pedido de impressão; a actividade efectivamente exercida pela S… era a de reparações de electrodomésticos, bem como telecomunicações;
- o fornecedor B…, Comércio, Importação ..........................., Lda., é não declarante, tendo como actividade inscrita a de Outro Comércio por Grosso de Outros Bens de Consumo NE, tendo em 2003 e 2004 apresentado valores de negócios reduzidos na área do vestuário; em 2005, apresentava dois funcionários, uma delas designer; trata-se de sociedade que não consta nos registos da AT como cliente de qualquer outra; surgem facturas com datas anteriores àquela em que a gráfica as disponibilizou, após pedido de impressão; inexiste qualquer evidência de negócios com sucatas, o que foi constatado pela deslocação às moradas alegadamente relacionadas com este fornecedor; as indicações contidas nas facturas são erradas ou imprecisas (moradas, datas e viaturas);
- o fornecedor B… G…, Lda é não declarante, constado dos registos da Segurança Social um único funcionário, em Janeiro e Fevereiro de 2005; não se detecta a existência de quaisquer fornecedores desta empresa; surgem facturas com datas anteriores àquela em que a gráfica as disponibilizou, após pedido de impressão; os seus sócios declararam que a sociedade se dedicava à compra e venda de produtos congelados e, também, à actividade de cafetaria; os sócios afirmaram desconhecer a actividade relacionada com sucata;
- o fornecedor P… C… mostra-se cessado de 2002, sendo que esteve colectado para a actividade de construção de auto-estradas, vias-férreas, aeroportos e instalações desportivas; em 2005, inexistiam na Segurança Social registos relacionados com trabalhadores; surgem facturas com datas anteriores àquela em que a gráfica as disponibilizou, após pedido de impressão; em nenhuma das moradas relacionadas com esta empresa se detecta qualquer actividade relacionada com sucata; o Sr. P... C... declarou desconhecer os clientes R... L... P... C…, mais referindo que as facturas a eles emitidas não o tinham sido por si; nunca pediu o livro de facturas em causa; mais disse que nunca trabalhou com sucata;
- assim, inexistem relações comerciais evidenciadas pelo L... P... com terceiros que revelem materialidade;
- em 2005, detinha um armazém exíguo, em F... F..., não compatível com o armazenamento de material correspondente a 558 toneladas/mês; foi ali encontrado material em reduzida quantidade; o proprietário do terreno/ armazém referiu que o local era pequeno e que só autorizava ali o depósito de alumínio;
- inexistência de empregados de escritório, de armazém ou de motoristas, o que não é compatível com os valores alegadamente transaccionados e facturados;
- inexistência de quaisquer despesas com subcontratos, luz, água, ferramentas e utensílios de desgaste rápido, material de escritório, rendas e alugueres, de comunicação, seguros, transportes e de combustível;
- pagamentos alegadamente feitos em dinheiro, cheques ao portador ou cheques endossados posteriormente a terceiros;
- a sede da empresa corresponde a uma casa de habitação;
- trata-se de contribuinte que nunca entregou ao Estado qualquer montante de IVA ou impostos sobre o rendimentos;

iii) R…. F… M… P… da C…

Apropriando-se de inúmera e detalhada informação obtida pela Direcção de Finanças de Setúbal em fiscalização à referida Regina, a Direcção de Finanças de Santarém pôde constatar, além do mais, para o ano de 2005, que (cfr. teor do relatório de inspecção cujo conteúdo foi dado como reproduzido na sentença):
- a própria informa a IT que as aquisições aos seus fornecedores, em 2005, ocorreram em dinheiro vivo, pelo que inexiste prova do pagamento aos mesmos;
- no ano de 2005, não foram apurados encargos com pessoal, máquinas, combustíveis, portagens, subcontratos, luz, água;
- a actividade da Regina ............ era efectivamente levada a cabo por L... P... C…, aí se incluindo a emissão de facturas e a recepção de cheques;
- o L... P... está, ele próprio, através da L... P... C… Unipessoal Lda, relacionado com facturação falsa;
- a DF de Setúbal não detectou a existência de uma estrutura capaz de desenvolver a actividade, atenta a falta de instalações, armazéns, máquinas e móveis;
- os fornecedores da R… C…. são os mesmos da L... P... C…. Unipessoal, destacando-se os seguintes: S…, Serviços, ..................... Lda, BPF, Comércio, I....................., a B… G…, Comércio de ................ e P… G…. C…; dá-se por reproduzida a análise feita no ponto antecedente, a propósito de L... P... C…, Unipessoal, Lda;
- assim, inexistem relações comerciais evidenciadas pela R… C… com terceiros que mostrem materialidade;
- inexistência de encargos com seguros, combustíveis, portagens, reparações ou comunicações;

iv) V..., Comércio ................, Lda.,

Apropriando-se de inúmera e detalhada informação obtida pela Direcção de Finanças de Aveiro em fiscalização à referida V..., a Direcção de Finanças de Santarém pôde constatar, além do mais, para o ano de 2005, que (cfr. teor do relatório de inspecção cujo conteúdo foi dado como reproduzido na sentença):
- foram analisados 3 dos fornecedores desta sociedade, responsáveis por cerca de 97% das suas compras: J… S… C…, G... e F… G…;
- quanto ao J… S… C…, foi apurado que, já anteriormente, foi condenado e indiciado por facturação falsa; em 2005, foi verificado que o espaço de trabalho que possuía não permitia movimentar, armazenar as quantidades de sucata que declara transaccionar, pois que do que se trata é de local com chão em terra e mato, sem qualquer vedação ou protecção; tal terreno, para além de ter depositada alguma sucata, é utilizado para estacionamento de um veículo; ficcionava nomes e números fiscais para utilizar como seus “fornecedores” e mandava imprimir os correspondentes documentos em tipografias; foi decretada a falência judicial de ............... em Abril 2003;
- quanto a F… G…, foi apurado que cerca de 95% das suas compras, em 2005, foram efectuadas a A… P… G…, o qual não estava registado para o exercício de qualquer actividade, nem revelava qualquer capacidade de meios humanos, materiais ou financeiros para desenvolver a actividade que as facturas emitidas revelam; o seu outro fornecedor, G..., mostra-se igualmente indiciado por facturação falsa; não apresenta qualquer registo em contas bancárias de cheques emitidos por ...............s;
- quanto ao fornecedor G..., em acção realizada quanto aos anos de 2005 e 2006, foi detectado inexistirem notas de encomenda, incongruências várias nos documentos por si emitidos, inexistência de ordem sequencial numérica e cronológica nos documentos de transporte, desproporcionalidade entre a estrutura empresarial e o volume de negócios; em 2005, 96% das compras aos fornecedores da G... foram consideradas falsas; valem aqui os aspectos referenciados supra, em i), a propósito da G...;
- foram detectadas inúmeras irregularidades/ incongruências (especificadas no relatório) nos documentos de transporte emitidos, revelando incoerências nas quantidades declaradas como transaccionadas e na indicação dos Kms percorridos pelas viaturas indicadas nos documentos vistos;
- confissão por parte de alguns emitentes de facturas relativamente à falsidade das facturas timbradas em seu nome e utilizadas por estas empresas;
- procedimentos de controlo interno inexistentes;
- a contabilidade não reflecte movimentos financeiros em contas bancárias;
A desconsideração das vendas da V... à M... assenta na consideração de que a aquisição de sucata aos indicados fornecedores é falsa, tudo por referência ao ano de 2005. Portanto, com este pressuposto, se as compras aos fornecedores são falsas, então as vendas (seguintes) à M... também o são.

v) A. O…. S… Comércio de M......................... Lda

Apropriando-se de inúmera e detalhada informação obtida pela Direcção de Finanças de Aveiro em fiscalização ao referido A. O… S… Comércio .................. Lda, a Direcção de Finanças de Santarém pôde apurar, além do mais e para o ano de 2005, que (cfr. teor do relatório de inspecção cujo conteúdo foi dado como reproduzido na sentença):
- foram analisados 3 dos fornecedores deste desta sociedade, responsáveis por cerca de 99% das suas compras: J… S… C…, G... e F… G…; dá-se por reproduzida a análise feita no ponto antecedente, a propósito da V...
- foram detectadas incoerências ao nível da documentação emitida e registada;
- os pagamentos e recebimentos ocorrem em dinheiro ou, quando em cheques, imediatamente levantados, sem que se consigam identificar os beneficiários;
- não foi detectada qualquer omissão de vendas, em sede de fiscalização, pelo que as compras declaradas sem as qualificadas como fictícias, deixam evidenciada uma actividade reduzida;
- a estrutura comercial encontrada, com valores reduzidos de fornecimentos e serviços externos, de imobilizado e custos com pessoal, não é compatível com facturação da ordem de € 1.500.000,00;
*
Ora, como logo fomos deixando antever, no momento em que fizemos a análise autonomizada para cada um dos fornecedores, relativamente à sociedade emitente das facturas que identificámos com a referència i) G... – Comércio ................ Lda., concluímos que a AT não logrou cumprir o ónus da prova que sobre si impendia, ou seja, evidenciar factos suficientes indiciadores que permitam a este Tribunal concluir, como muita probabilidade, que os negócios aos quais estão subjacentes as facturas emitidas por aquele fornecedor não correspondem à realidade (cfr. artigo 74º da LGT).
Nesta parte, pois, há que reconhecer razão à Recorrente, devendo concluir-se pelo parcial provimento das conclusões da alegação de recurso e, nesse medida, procederá o recurso quanto aos custos não aceites e que se mostram apoiados nas facturas emitidas pela referida G....
Em conformidade, e nesta precisa medida, a sentença não pode manter-se, devendo ser revogada, o que aqui se decidirá. Em consequência, julgar-se-á a impugnação parcialmente procedente, anulando-se a liquidação adicional de IRC (e juros compensatórios) na parte correspondente.
*
Quanto aos demais fornecedores – indicados sob as referências ii), iii), iv) e v) – deve dizer-se que, no entendimento deste Tribunal, e como deixámos antever, se considera ter a AT cumprido com o ónus da prova que lhe competia.
Com efeito, e sem necessidade de considerações muito desenvolvidas, em face da evidência resultante dos elementos recolhidos pelos serviços de inspecção e aos quais deixámos expressa alusão, entendemos poder concluir que, in casu, a AT recolheu, efectivamente, indícios sérios e seguros de que as facturas emitidas pelos referidos fornecedores, no ano em causa, não titulam reais vendas de sucata que aqueles tenham efectuado à M....
Efectivamente, os “factos-índice” evidenciados, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT não aceitar a dedutibilidade dos custos que têm as apontadas facturas como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas – artigo 23º do CIRC.
Com efeito, os elementos recolhidos em sede inspectiva – sublinhe-se, com apoio em fiscalizações com origem em terceiros, fornecedores da Impugnante e ora Recorrente - vão, inequivocamente, num sentido claro: o de que L... P... C… Sociedade Unipessoal, Lda., Regina F… M… P… da C…, V... Comércio ................., Lda e A. O……, Comércio de ................. Lda., fornecedores em causa, emitentes das facturas respeitantes ao ano de 2005, não dispunham de capacidade (logística/ empresarial) para a realização das operações em causa.
Tais indícios, portanto, traduzem uma probabilidade elevada de as facturas desconsideradas não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados fornecedores não venderam à Recorrente os bens nelas mencionados e por esta contabilizadas e em que os apontados quatro fornecedores figuram como emitentes.
Porque assim é, como se entende, há que dizer que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto e quanto aos fornecedores identificados com as referências ii), iii), iv) e v), lhe competia.
Por conseguinte, foram evidenciados factos objectivos que, no entendimento deste Tribunal, são de molde a concluir fundadamente por um quadro de enorme probabilidade de as transacções alegadamente ocorridas entre as partes não corresponderem (materialmente) à realidade pressuposta nas facturas desconsideradas.
Todos estes “factos-índice”, repete-se, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT, como sucedeu, desconsiderar os custos que têm as apontadas facturas como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas.
Assim sendo, como se entende que é, há que concluir que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia – cfr. artigo 74º da LGT.
Por conseguinte, isto é, tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que a mercadoria descrita nas facturas em causa lhe foi entregue, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações económicas reais.
Ónus que, definitivamente, não cumpriu já que não logrou, pela prova produzida, afastar os indícios ponderosos da simulação das facturas, recolhidos pela AT, tendo todos os factos por si invocados e através dos quais visava demonstrar aquela realidade – existência de diversas transacções comerciais entre si os apontados fornecedores – obtido, como vimos, na apreciação do erro de julgamento de facto que vinha suscitado, resposta negativa.
Portanto, e retomando o que já atrás vínhamos dizendo, era à Impugnante que competia demonstrar que, apesar de todos estes indícios, eram reais – ou seja, correspondiam a operações materiais – as compras facturadas nos documentos em apreciação.
E, do nosso ponto de vista, esta demonstração não foi feita.
Diga-se, ainda – respondendo, até, a um aspecto sublinhado pela Recorrente no presente recurso - que, como já atrás dissemos, o facto de terem sido emitidos cheques a fornecedores não prova – longe disso, aliás - o pagamento das facturas em causa.
Já o dissemos. A análise dos autos leva-nos a ponderar que, na realidade, uma coisa é o circuito documental que se evidencia, o qual pode, até, mostrar-se formalmente correcto; outra bem diferente é o circuito económico do dinheiro, o qual não se mostra evidenciado nos autos.
Em suma, a prova produzida, em concreto aquela que competia à Impugnante, não chega para cumprir o ónus que a este respeito lhe era legalmente imposto, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e de que se verificam os pressupostos de que depende o seu direito à dedução do imposto.
Contrariamente, a AT provou a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução dos custos, factualidade essa que é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
E assim sendo, fácil se torna concluir que a sentença, nesta parte – leia-se, quanto imposto consequente à não aceitação dos custos titulados por facturas emitidas por L... P... C… Sociedade Unipessoal, Lda., R… F… M… P… da C…, V... Comércio.............., Lda e A. O… S…, C… de Metais e ...................., Lda., – deve ser mantida.
Nesta parte, portanto, há que julgar improcedentes as conclusões da alegação do recurso.

*

Impõe-se, ainda, analisar o que se segue, com respeito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é de € 1.808.173,79.

Seguiremos, na apreciação que se segue, o acórdão de 26/01/17, proferido no recurso nº 516/15.4 BELLE, deste TCA Sul.

Assim:

“(…) As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo aplicar-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, em:

- revogar a sentença recorrida na parte em que manteve a liquidação de IRC (e juros compensatórios) por referência às facturas emitidas pelo fornecedor G... - Comércio ................, Lda, com fundamento no artigo 23º do CIRC e 74º da LGT, julgando a impugnação judicial procedente nesta parte e determinado a anulação da liquidação adicional na parte correspondente;

- julgar improcedente o recurso quanto às demais questões.

Custas pela Recorrente e pela Fazenda Pública na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça quanto à Fazenda Pública e em sede de instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.

Dispensa-se o pagamento pelas partes do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

Lisboa, 07/06/18


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Lurdes Toscano)

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(Joaquim Condesso)