Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10920/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/20/2014
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:DIREITO DE ASILO
Sumário:I. O nº 1 do artº 3º da Lei nº 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do artº 1º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê quanto aos requisitos para a concessão do direito de asilo que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objecto de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.

II. Não se extraindo das declarações do requerente do pedido de asilo ou dos autos, que o mesmo seja objecto de perseguição ou que se sinta gravemente ameaçado, não foram alegados factos que permitam fundar o pedido de asilo, à luz do nº 2 do artº 3º da Lei nº 27/2008.

III. Do mesmo modo, quanto ao disposto no nº 2 do artº 3º da citada Lei, por não se mostrar alegado que o requerente possua o fundado receio de ser perseguido em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social e que não possa ou não queira voltar, em virtude desse receio, ao Estado da sua nacionalidade ou residência.

IV. Das declarações prestadas pelo requerente não se pode retirar que o mesmo tenha sido ameaçado, já que nada diz a este respeito, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias, ao abrigo do artº 7º da Lei nº 27/2008.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

Adama ……………., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 10/12/2013 que, no âmbito da acção administrativa especial urgente instaurada contra o Ministério da Administração Interna, julgou a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de concessão de asilo, por razões humanitárias.

Formula o aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 87 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo, notificada ao A., aqui Recorrente, na qual, salvo o devido respeito que é muito, se faz incorrecta apreciação da prova e incorrecta aplicação do direito.

2. Com efeito, por sentença de 10 de Dezembro de 2013, decidiu o Tribunal a quo, julgar a presente acção totalmente improcedente, absolvendo-se o Réu dos pedidos.

3. Tal decisão resultou, grosso modo, do facto de se ter considerado que não se apresentam factos integradores do direito a que o A. se arroga, não se inserindo o caso concreto na previsão do art. 8° da Lei nº 27/08 (com a epígrafe “protecção sur place”).

4. Salvo o devido respeito que é muito, não pode compreender (nem aceitar) o A., as afirmações supra, tendo em conta os elementos dos autos (designadamente, declarações prestadas pelo A. a fls., parecer do CPR a fls., petição inicial a fls., conjuntura social, ética e religiosa do Senegal - país de origem do A.).

5. Ainda que se entenda que o caso dos autos não tem enquadramento no art. 3° da Lei nº 27/08, de 30.06, como considerar que ao mesmo não tem aplicação o disposto no art. 7°, nº 1 e 2 da Lei 27/08?!

6. Aliás, a situação em crise é (infelizmente) corroborada diariamente, sendo veiculada por todos os meios de comunicação social!

7. O ora Recorrente é cidadão nacional do Senegal, é homossexual, foi expulso de casa pelo tio, devido à sua orientação sexual, era alvo de ameaças por parte dos moradores do bairro onde vivia com o companheiro, o qual foi assassinado e, em consequência teve que fugir do país.

8. A condenação e retaliação levada a cabo contra os homossexuais devido à sua orientação sexual, é, naquele país, transversal a todas as classes sociais e económicas.

9. Salvo o devido respeito, não consegue alcançar o ora Recorrente qual a contraditoriedade existente nas suas declarações, nem que pormenores deveria / poderia ter concretizado.

10. E que consequência retirar do facto de o A., bem como o seu companheiro “apenas” terem sido insultados com palavrões?!

11. Quererá, com isso, o Tribunal a quo, fundamentar que, o A. não corre qualquer risco de sofrer ofensa grave, uma vez que nunca foi (até à data) agredido (fisicamente)?!

12. Não obstante, o Tribunal a quo, na sua douta sentença, vem admitir que a realidade do país de origem do A. (Senegal), “apontam para que os homossexuais sejam objecto de discriminação e até de perseguição nesse país”.

13. De facto, o Tribunal a quo, não refuta e, pelo contrário, aceita que, os homossexuais são discriminados e perseguidos naquele país!

14. Se atentarmos no quadro religioso e jurídico do país de origem do A., ora Recorrente, constatamos o acolhimento aos factos persecutórios e à insegurança alegados, disponibilizados em variados estudos e na comunicação social.

15. O ora Recorrente, no seu país de origem, corre sério risco de vida, ou ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sério risco de ameaças à sua integridade física. Actos que a serem concretizados configuram claras violações dos direitos fundamentais, entre eles o direito à vida (cf. artigo 6º PIDPC, artº 2º CEDH e art. 24º da CRP) e à integridade pessoal (cf. artigo 7° PIDPC, artº 3° CEDH e art. 25° da CRP).

16. Acresce que, as autoridades senegalesas têm-se mostrado absolutamente incapazes de prevenir e proteger a população civil deste tipo de violência (e, ao contrário, muitas vezes, “acompanham” a mesma).

17. De acordo com o Manual de Procedimentos e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado do ACNUR devem ser reconhecidas como refugiadas as pessoas que estão sujeitas a ofensas, tratamentos desumanos ou a grave discriminação devido à sua homossexualidade e/ ou orientação sexual e cujos governos não são capazes ou não as queiram proteger.

18. Ora, o Recorrente é homossexual, não tendo, quer o Recorrido, quer o Tribunal a quo, em momento algum, colocado em dúvida a orientação sexual daquele.

19. A orientação sexual do ora Recorrente, não só não é aceite à luz da religião que professa (muçulmana), como não é aceite socialmente no seu país (Senegal), como é, ainda, punível criminalmente, sendo inclusive os próprios agentes da autoridade a incitar à violência.

20. Assim, são absolutamente legítimos os receios do Recorrido de ser perseguido, agredido e até morto.

21. O direito à liberdade sexual, tal como previsto pelos artigos 12° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), artigo 26º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), artigo 14º da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem (CEDH) e artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), inclui a faculdade de decidir livremente quanto à orientação sexual, sem sofrer qualquer tipo de discriminação, sendo a lei garante dessa situação.

22. Daquilo que ficou dito em cima sobre os critérios que deverão nortear a admissibilidade dos pedidos de proteção, o ónus da prova que nesta fase impede sobre o ora Recorrente no sentido de demonstrar a perseguição de que foi vítima será necessariamente menos intenso.

23. Entende, por isso, o ora Recorrente que estão preenchidos os pressupostos para, ao menos, ser concedida uma autorização de residência por razões humanitárias.

24. Com efeito, dispõe o artº 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho que será concedida autorização de residência por razões humanitárias “aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.

25. Os relatórios das organizações humanitárias sobre o Senegal são suficientemente precisos e explícitos, no sentido de que não há um patamar mínimo de garantias e de que, pelo contrário, há sistemáticas violações dos direitos humanos, factos que, salvo o devido respeito não foram tidos em conta na apreciação levada a cabo pelo Tribunal a quo.

26. A decisão ora sob impugnação ofende a Lei Fundamental, nos seus princípios mais basilares, bem como os normativos supra enunciados da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, mormente o artigo 7º pelo que deve ser revogada.

27. Com efeito, dúvidas não restam que, o risco para a vida do ora Recorrente que decorreria do seu repatriamento, justifica que, em abono do direito à vida, lhe seja concedida autorização de residência por razões humanitárias, nos termos do artº 7º da lei nº 27/2008, de 30 de Junho.”.


*

O ora Recorrido, notificado, nada disse em juízo.

*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Sem vistos legais, por se tratar de um processo urgente, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 608º, nº 2, 684º, nºs 4 e 5 e 639º, nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, em relação ao pedido de asilo e à autorização de residência por razões humanitárias, em violação do princípio de “non-refoulement”, consagrado no artº 33º, da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do artº 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. O A. apresentou-se no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa, em 01.10.2013, proveniente de Dakar, no voo TP …, sendo portador de passaporte da República do Senegal falsificado por aposição de visto contrafeito (cfr. fls. 7 a 12 do PA).

2. Por não ser titular de documento de viagem válido, foi-lhe recusada a entrada em território nacional, nos termos dos artigos 32º, nº 1 al. a) dos artigos 9° e 10° da Lei nº 23/07, de 4 de Julho.

3. O A. apresentou pedido de asilo no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF em 01.10.13, o qual deu origem ao processo nº 354/2013, alegando ser cidadão nacional do Senegal.

4. Foi o A. ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo prestado as declarações de fls. 27 e sgts. do PA, designadamente, as seguintes:

a) É de etnia Wolof e professa a religião muçulmana;

b) É solteiro, vendedor ambulante e vivia em Dakar, no bairro “Grand Medine”;

c) Vivia com o companheiro Pape …….;

“6. Questionado sobre a razão pela qual saiu do Senegal, bem como quanto à data, declarou que:

a. Saiu do Senegal porque é homossexual;

7. Solicitado a relatar com maior detalhe o que se passou, declarou que:

a. Que vivia com um companheiro, Pape ………., que à data em que estavam juntos não fazia nada, mas antes de se relacionarem, lembra-se de o ver também a vender;

b. Que houve uma caça aos homossexuais, altura em que o companheiro foi morto e foi por esse motivo que fugiu;

c. Que o Pape ………. foi encontrado morto no dia 7 de Setembro;

8. Perguntado quanto à forma como teve conhecimento de que o Pape …….. tinha sido morto, disse que:

a. Apenas ouviu dizer;

9. Solicitado a relatar, com maior detalhe, as circunstâncias da morte do seu companheiro, respondeu que:

a. Antes de saber que o Pape ………. estava morto, tentou ligar-lhe mas a chamada a sempre para ao atendedor;

b. Depois ouviu dizer no bairro que tinham morto um homossexual;

c. Que não sabe onde mataram o homossexual e não sabe se era efectivamente o Pape …..;

d. Rectificou o que disse anteriormente, dizendo que tinha tentado ligar ao Pape ……… e que o telefone tocava, tocava mas ninguém atendia;

10. Solicitado a explicar o que pretende dizer quando se refere a uma “caça aos homossexuais” e por parte de quem, disse que:

a. Por parte dos senegaleses;

li. Solicitado a explicar novamente ao que se refere quando diz que houve uma “caça aos homossexuais”, bem como a concretizar por parte de quem, respondeu que:

a. Pode ser por vizinhos, ou qualquer outra pessoa;

b. Que são os habitantes do bairro e de localidades vizinhas de Dakar;

c. Rectifica e diz que é de gente do bairro onde vivia;

12. Perguntado se o movimento/acontecimento que define como “caça aos homossexuais” se tratou de um acontecimento de grande projecção, se se tratou de um acontecimento isolado, se foi localizado no bairro onde vivia, ou se acontecia com alguma frequência, respondeu que:

a. Não se trata de um acontecimento isolado, acontece com frequência;

b. Que no dia 7 de Setembro aquilo rebentou com a morte do Pape ……..;

c. Que aconteceu em toda a cidade de Dakar, pois também ouviu na rádio as pessoas queixarem-se da presença dos homossexuais;

13. Perguntado há quanto tempo se assumiu como homossexual, disse que:

a. Se assumiu quando tinha 26 anos;

b. Que anteriormente à relação com o Pape………., apenas teve relacionamentos passageiros;

14. Questionado há quanto tempo durava essa relação, disse que:

a. Começaram a viver juntos há 4 meses atrás;

15. Perguntado se depois de ter assumido que era homossexual, foi alvo de algum tipo de perseguição, respondeu que:

a. Não;

16. Perguntado se tem a certeza que o seu companheiro foi morto, disse que:

a. Não, ouviu dizer que tinham morto um homossexual e fugiu com medo;

b. Que assumiu logo que o seu companheiro tinha sido morto porque não o conseguia contactar;

17. Tendo declarado ter assumido ser homossexual quando tinha 26 anos e ter igualmente declarado que manteve relacionamentos passageiros até ter assumido o seu relacionamento com o Pape …………., foi-lhe perguntado se frequentava locais especificamente frequentados por homossexuais, tendo dito que:

a. Sim, que se encontravam fundamentalmente em discotecas;

b. Que nesses locais nunca tinham problemas porque quem lá estava eram todos homossexuais;

c. Que tinha problemas quando saia à rua;

d. Que são discotecas abertas ao público em geral, mas são maioritariamente frequentadas por homossexuais;

18. Perguntado se alguma vez foi vítima de algum “ataque” ou discriminação quando se encontrava nesses locais, disse que:

a. Não, porque todos eram homossexuais;

b. Depois disse que nessas discotecas também há pessoas que não são homossexuais e que depois, quando saem, os identificam como sendo;

19. Confrontado com o facto de inicialmente ter declarado que eram locais frequentados só por homossexuais e depois ter declarado que também eram frequentados por outras pessoas que não homossexuais, e perguntado se tem algo a acrescentar, disse que:

a. É um ponto de encontro onde está muita gente, e onde não podem assegurar se são todos homossexuais ou prostitutas;

b. Que por vezes, por certas maneiras, se pode conseguir identificar que alguém é homossexual;

20. Perguntado se mais alguma vez, foi alvo de algum tipo de perseguição e, em caso afirmativo, solicitado a relatar o sucedido, disse que:

a. Ele e o seu companheiro foram insultados, lhes disseram palavrões, mas nunca foram agredidos fisicamente, pelo menos, não até o Pape …… ter sido encontrado morto;

21. Questionado quanto à data em que saiu de Dakar, disse que:

a. Saiu a 30 de Setembro;

22. Questionado sobre o que fez depois do relatado, que afirma ter ocorrido a 7 de Setembro, disse que:

a. No mesmo dia, saiu do bairro de “Gran Medine”', bairro onde vivia, e foi para outro bairro, o de “Nord Foire”;

b. Que neste bairro conseguiu obter contactos de uma pessoa que prometeu ajudá-lo para sair do país;

c. Que lhe pagou no total cerca de €1067, valor que pagou em duas parcelas, a primeira no valor de €381, e a segunda no valor de €686;

d. Que o pagamento deste valor lhe garantia a viagem, bem como os documentos - passaporte e visto;

e. Que nessa altura o homem, cujo nome não sabe, começou a tratar de tudo para que saísse do país;

23. Perguntado quanto ao que aconteceu enquanto esteve à espera dos documentos e se se manteve no bairro de “Nord Foire” e, em caso afirmativo, questionado se teve algum problema, respondeu que:

a. Não teve qualquer problema;

24. Tendo declarado que naquele bairro não teve qualquer problema, e posto isto, perguntado porque motivo não ficou a viver ali, disse que:

a. Tem a certeza que, depois, eles vão procurá-lo;

25. Solicitado a identificar a quem se refere quando diz “eles'”, respondeu que:

a. As pessoas supostas, ou as pessoas que “a gente” pensa que mataram o Papa …..;

26. Questionado sobre o que fez após os acontecimentos relatados, designadamente se para além de ter ido para outro bairro, tomou mais alguma providência, disse que:

a. Não;

27. Perguntado se comunicou os factos relatados às autoridades, em que data e qual a resposta obtida, e em caso negativo, porque o não fez, respondeu que:

a. Não;

b. Que não o fez porque não pensou nisso, apenas pensou em fugir do país;

28. Perguntado se alguma vez recorreu a alguma instituição/organização no seu país de origem, a fim de pedir auxílio, respondeu que:

a. Não, porque não sabia mesmo que lá havia alguma organização ou organismo que pudesse proteger os homossexuais;

29. Perguntado se alguma vez foi maltratado ou ameaçado pelas autoridades do país onde receia perseguição, disse que:

a. Não, nunca teve qualquer problema e nunca esteve preso;

30. Perguntado se alguma vez foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, no país onde receie perseguição ou ameaças, e em caso afirmativo solicitado a prestar informação sobre essa organização, assim como a descrever as suas actividades e responsabilidades na organização ou organizações que mencionou, disse que:

a. Não;

31. Solicitado a indicar que tipo de perseguição/ameaças receia e da parte de que, respondeu que:

a. Receia regressar ao Senegal porque tem medo que lhe aconteça o mesmo que ao seu companheiro;

b. Que tem medo de todos os senegaleses;

32. Questionado sobre se voltou a teve mais algum problema, para além do que alegadamente aconteceu com o seu companheiro, respondeu que:

a. Não;

b. Que para além de terem sido insultados com palavrões, nunca tinham sido fisicamente agredidos;

33. Perguntado se alguma vez se mudou para uma cidade ou vila diferente, ou para uma outra parte do país para evitar a perseguição/ameaças de que diz ter sido alvo, disse que:

a. Não o fez porque não conhece outras regiões e apenas pensou em sair do Senegal;

b. Que pensa que se estiver noutra região, também será alvo de perseguição;

34. Questionado quanto ao que receia lhe possa acontecer concretamente se regressar ao seu país, respondeu que:

a. Receia que o matem;

35. Perguntado se é a primeira vez que vem à Europa, disse que:

a. Sim;

36. Perguntado se conhece alguém em Portugal, ou em qualquer outro país da Europa, diz que:

a. Em Portugal não conhece ninguém, mas que tem um amigo em França;

37. Perguntado quanto ao objectivo da sua viagem, isto é, quanto ao que pretendia fazer ao chegar à Europa/Portugal, disse que:

a. Pretendia qualquer coisa que o possa ajudar, para ter paz, segurança e trabalho;

38. Perguntado sobre o que fez para tentar obter essa segurança, disse que:

a. Ainda não fez nada, porque está aqui fechado e que conseguiu um advogado e que acha que este o vai tirar daqui;

39. Perguntado se contactou alguém depois de ter chegado a Portugal, e em caso afirmativo, solicitado a identificar quem contactou, disse que:

a. Sim;

b. Contactou um amigo que tem em França, mas que não chegou a falar com ele, porque caía sempre na caixa de correio;

40. Confrontado com o facto de nos registos telefónicos existentes neste Centro de Instalação, haver indicação de que efectuou duas chamadas telefónicas para França, a primeira com a duração de 1 minuto e a segunda com a duração de 4 minutos, e solicitado a explicar, disse que:

a. Na primeira não conseguiu falar com o amigo, porque foi para o atendedor;

b. Na segunda é que conseguiu;

c. Que o amigo se chama AMADOU;

41. Perguntado quanto à forma como entrou em contacto com o seu advogado, respondeu que:

a Depois de ter chegado aqui ao Centro o chamaram para que fosse responder a um advogado;

42. Questionado quanto à forma como o seu advogado teve conhecimento de que se encontrava aqui, disse que:

a. Não sabe;

43. Perguntado quanto à quantia paga ao seu advogado, disse que:

a. Lhe pagou €350;

44. Perguntado se após o pagamento efectuado ao advogado, este lhe entregou algum comprovativo do pagamento efectuado, disse que:

a. Não;

45. Perguntado se pretende acrescentar mais alguma informação às declarações prestadas, diz que:

a. Não tem mais nada a acrescentar, que apenas quer segurança, paz e trabalho”

5. O Conselho Nacional para os Refugiados emitiu o parecer de fls. 19 e sgts. (cfr. doc. de fls. 19 e sgts. dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido) pronunciando-se pela admissão do pedido de asilo.

(...)

(...)

(…)

(…)

(…)

6. Em 07.10.2013 foi produzida a informação nº 457/GAR/13, de fls. 38 e sgts. do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido onde se pode ler, designadamente, o seguinte:

O requerente declarou ter saído do Senegal porque é homossexual. Tem 31 anos de idade e é homossexual desde os 26 anos de idade. No dia 07.10.13 houve uma caça aos homossexuais, altura em que o companheiro Papa ……. foi morto, e foi por esse motivo que fugiu.

O relato do requerente foi prestado de forma genérica, superficial, e contraditória. O requerente foi incapaz de estabelecer uma relação causa efeito entre o receio que alega e os factos apresentados. Por um lado alega que o companheiro foi morto e por isso fugiu pois os vizinhos vão atrás dele, como por outro lado refere que não tem a certeza que o seu companheiro foi morto, ouviu dizer que tinham morto um homossexual e assumiu que era o seu companheiro porque não o conseguia contactar, por isso fugiu com medo.

O requerente não refere ter sido sujeito a discriminação de qualquer natureza, nem relata aconteci1nentos que tenham posto em causa a sua permanência no país e tenham criado, por si, um receio fundado de perseguição, na acepção da Convenção de Genebra; tão-pouco demonstra existir o necessário nexo de causalidade, como atrás se referiu para preencher a definição de refugiado, entre os acontecimentos relatados e o receio ora invocado e que o levou a deixar o país.

Consideramos que o relato do requerente foi realizado de forma vaga, pouco esclarecedora e mesmo contraditória, abalando a credibilidade do requerente. Ainda assim sempre se dirá que o Manual de Procedimentos do ACNUR, refere no ponto 54 que, “Em muitas sociedades existem grupos que sofrem diferenças de tratamento. As pessoas que, por esse facto, recebem um tratamento menos favorável não são necessariamente vítimas de perseguição. Só em determinadas circunstâncias é que a discriminação equivale a perseguição. Será assim, se as medidas discriminatórias tiverem consequências gravemente prejudiciais para a pessoa em causa, por exemplo, sérias restrições ao seu direito de exercer uma profissão, de praticar a sua religião, ou de acesso aos estabelecimentos de ensino normalmente abertos a todos”. Verifica-se assim que o requerente não consegue demonstrar ser pessoalmente alvo de perseguição, discriminação ou ameaças graves, nem que a sua permanência no pais se tornou insustentável a ponto de fazê-la sair, pelo facto de ser alegadamente homossexual.

A credibilidade do relato é imperativa em pedidos de protecção baseados na orientação sexual do indivíduo e, por esse motivo, a pertença a um determinado grupo social. De facto, nalguns casos, não é possível apresentar provas dos factos alegados; porém, de acordo com o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR “(...) o benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos (...); no caso em apreço, e como já se referiu, afigura-se que o relato e a motivação não são credíveis pelo que se considera não se encontrarem reunidas as condições para a concessão do benefício da dúvida quanto à credibilidade geral do requerente e o consequente reconhecimento do estatuto de refugiado.

Face ao exposto, entendemos que se trata de um pedido de asilo infundado, por não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado.

8. Da apreciação da admissibilidade da Autorização de Residência por razões humanitárias

O artigo 79 da Lei n.º 27/08, de 30.06, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 39, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estes sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Na aplicabilidade do regime previsto no art. º 72, há que ter em conta o caso concreto, ou seja, analisar até que ponto podem os requerentes invocar com razão que se encontram impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a uma situação de sistemática violação dos direitos humanos ou por aí se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave. Elemento determinante na análise da aplicabilidade deste regime é a comprovação da nacionalidade do requerente, já que o que está em causa é precisamente a avaliação, face ao caso concreto, se o requerente pode invocar com razão que ele próprio se encontra impossibilitado de regressar ao seu país devido a qualquer um dos pressupostos acima descritos.

Assim, considerando as declarações factuais do requerente e a apreciação que é feita das mesmas nos pontos anteriores, julgamos que estas são insusceptíveis de preencherem os pressupostos do regime do direito de residência por razões humanitárias.

Por último, não resulta em concreto das suas declarações nada que permita aferir, fundamentadamente, do invocado risco de sofrer ofensa grave à sua integridade física, ou mesmo risco de morte, caso regresse ao ponto de onde iniciou a sua viagem, neste caso o Senegal, onde não se vislumbra que a sua esfera pessoal possa vir a ser afectada por quaisquer das situações atrás referidas.

Assim, por via do disposto no artigo 34º da Lei nº 27/08, de 30.06, que manda aplicar às situações previstas no artigo 70 as disposições constantes das secções 1, II, III e IV do capítulo I, também a concessão de autorização de residência por razões humanitárias pode ser liminarmente indeferida nos casos previstos no artigo 19°, da mesma lei. Ora, face aos factos apreciados atrás, resulta claro que as mesmas cláusulas de inadmissibilidade se aplicam à apreciação para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de asilo infundado, por não se enquadrar em nenhuma das disposições previstas na Convenção de Genebra e no Protocolo de Nova Iorque.

Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos igualmente que o caso não é susceptível de enquadramento no regime de protecção subsidiária previsto no artigo 7º da mesma Lei.

Assim, submete-se à consideração do Exmo. Director Nacional do SEF a não admissão do pedido de asilo nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 19º e n.º 4 do artigo 24 todos da Lei n.º 27/08, de 30.06.

7. Em 07.10.13, o Director-Nacional Adjunto do SEF produziu despacho do seguinte teor:

Considerando o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 19º e nº 4 do artigo 24 ambos da Lei nº 27108, de 30 de Junho, com base na informação nº 457/GAR/13 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, recuso o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como ADAMA ………….., nacional do Mali.

Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, aplicáveis por força do disposto no artigo 34º da Lei nº 27198, de 30 de Junho, considero não ser de enquadrar este caso no regime previsto no artigo 7º da supra citada Lei e, por isso, não admitir o pedido para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão acima identificado.” (cfr. doc. de fls. 50 do PA).”.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, que não se mostra impugnada, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Do erro de julgamento, de facto e de direito em relação ao pedido de asilo

Cumpre apurar se a sentença recorrida errou de facto e de direito, quando julgou improcedente a acção, por considerar que o Autor, requerente do pedido de asilo, não reúne os requisitos para ver deferida a sua pretensão.

Segundo a alegação no presente recurso, os motivos invocados pelo Autor são mais do que suficientes para justificar que o Autor tema pela sua vida, pois sendo homossexual, foi expulso da casa do tio devido à sua orientação sexual e alvo de ameaças por parte dos moradores do bairro onde vivia com o companheiro, o qual foi assassinado, o que motivou a sua saída do país.

O ora Recorrente tem várias razões para desconfiar de que caso volte ao seu país de origem, por ser homossexual, poderá correr sério risco de vida, visto os homossexuais serem objecto de discriminação e até de perseguição no Senegal.

Sustenta que a sentença recorrida ao manter o acto impugnado cometeu erro de julgamento, quer em relação ao pedido de asilo, quer em relação ao regime de protecção subsidiária, pois as declarações proferidas permitem fundar o pedido de asilo ou, se assim não se entender, deve ser concedida a protecção subsidiária que constitui a autorização de residência por razões humanitárias.

Ao decidir de outro modo, defende o Recorrente que a sentença erra quanto aos factos e quanto à interpretação e aplicação do Direito.

Vejamos se assim é.

Compulsado o teor das alíneas A) e B) da matéria de facto extrai-se que o Autor apresentou-se no posto de fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa, constatando-se que o passageiro não era portador de documento de viagem válido, o que motivou a proposta da sua recusa de entrada.

Em sequência, veio o Autor a solicitar protecção do Estado português, nos termos da lei de asilo.

Ouvido o requerente do pedido de asilo, veio este dizer ser muçulmano, que pertence à etnia Wolof.

Mais resulta das declarações do requerente de asilo que vivia com o seu companheiro, que foi encontrado morto.

Depois disso, e perguntado quanto à forma como teve conhecimento da morte do seu companheiro disse que ouviu dizer no bairro que tinham morto um homossexual, mas que não sabe onde o mataram, nem se efectivamente era o seu companheiro.

Depois, rectificando o que havia dito antes, disse que telefonou para o seu companheiro, mas que ninguém atendia.

Disse que após assumir a sua homossexualidade nunca foi alvo de perseguição, mas que ao ouvir dizer da morte do seu companheiro, sentiu medo e fugiu.

Das suas declarações resulta ainda ele e o seu companheiro foram insultados, mas nunca foram agredidos fisicamente.

Sobre a saída do seu país, disse que conseguiu obter contactos com uma pessoa que lhe disse que o ia ajudar a sair do país e que lhe pagou uma quantia em dinheiro, para pagar a viagem e os documentos - passaporte e visto.

Também referiu não pertencer a nenhuma organização política, religiosa, militar, étnica ou social e sobre o seu regresso, disse que tem receio de regressar ao Senegal, porque tem medo que lhe aconteça o mesmo que ao seu companheiro.

A sentença sob recurso, depois de enquadrar o regime legal de asilo, procedeu à análise da matéria de facto assente, referindo que “o A. não configura quaisquer medidas de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade por ele exercida no Senegal em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz humana entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nem invocou receio com fundamento em perseguição em virtude da sua raça, religião, nacionalidade ou opiniões políticas. Foi por si invocado receio de perseguição da integração num grupo social, na acepção dos nºs 1 e 2 do artigo 3° da Lei nº 27/08, de 30.06.

O A. fundamenta o pedido de asilo no facto de ser homossexual, de esta orientação sexual não ser aceite no seu país de origem (Senegal), e de recear ser perseguido, agredido e morto caso regresse ao Senegal.

Integra o seu pedido de asilo no nº 3 do artigo 3° da Lei nº 27/08, de 30.06, considerando que as pessoas que têm a sua orientação sexual, ou seja, a homossexualidade, integram o conceito de grupo social previsto nesse preceito.

Contudo, um grupo social é, como a própria palavra diz, um conjunto duradouro e organizado de pessoas que desempenham papéis recíprocos na sociedade e que actuam em conformidade com os mesmos valores e objectivos acordados, que são necessários ao bem comum do grupo e à prossecução dos seus objectivos.

A orientação sexual das pessoas não as insere automaticamente num grupo social (Mesmo nos casos em que existem lobbies de homossexuais - o que não é o caso dos autos -os mesmos não configuram grupos sociais).

Assim, o caso configurado pelo A. não tem enquadramento no artigo 3° da Lei nº 27/08, de 30.06, que, portanto, não tem aplicação ao caso.

(…)

O A. justifica a sua saída do Senegal com o facto de, nesse país, os homossexuais serem perseguidos e com o facto de estar a ser perseguido em virtude da sua homossexualidade, alegando que o seu companheiro foi morto por ser homossexual e que ele próprio corre o mesmo risco.

Contudo, as declarações que o A. prestou no SEF (supra transcritas na matéria de facto) não comprovam ou sequer tomam credíveis estas alegações da p.i.

Senão vejamos:

Nas declarações que prestou junto do SEF (transcritas supra na matéria de facto) aludiu a uma “caça aos homossexuais”, mas depois não concretiza nada.

Na verdade, solicitado a explicar ao que se refere quando diz que houve uma “caça aos homossexuais”, o A. não soube concretizar em que consistiu essa caça nem soube como concretizar por parte de quem era feita (tendo respondido: “Pode ser por vizinhos, ou qualquer outra pessoa; que são os habitantes do bairro e de localidades vizinhas de Dakar e diz que rectifica e diz que é de gente do bairro onde vivia”).

A única concretização que o A. fez sobre a dita “caça” foi que, “no dia 7 de Setembro, “aquilo rebentou com a morte do Pape Diop” (seu companheiro).

Contudo, a seguir, o A. disse não saber se o seu companheiro havia sido morto ou não. Ou seja, perguntado sobre se tinha a certeza de que o seu companheiro fora morto: “Não, ouviu dizer que tinham morto um homossexual e fugiu com medo; assumiu logo que o seu companheiro tinha sido morto porque não o conseguia contactar.”

E quanto à perseguição de que diz sido alvo no Senegal, as suas declarações não a confirmaram.

Assim, perguntado se depois de ter assumido que era homossexual, fora alvo de algum tipo de perseguição, respondeu que: “Não; Para além de terem sido insultados com palavrões, nunca tinham sido fisicamente agredidos.”

Ou seja o receio que o A. alega em voltar ao Senegal é meramente subjectivo, limitando-se o A. a fazer conjecturas sobre a morte do seu companheiro e sobre a perseguição à sua própria pessoa, sem que consiga objectivar qualquer perseguição concreta a ambos a algum deles. Nem consegue concretizar nada relativamente à perseguição à homossexualidade que é feita no Senegal, apenas dizendo que a caça aos homossexuais não se trata de um acontecimento isolado e que acontece com frequência e que também ouviu no rádio as pessoas queixarem-se da presença dos homossexuais.

Não se vê portanto, que o A. cumpra o ónus que lhe compete de alegar os factos concretos indiciadores das situações contempladas na lei, ou seja, da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da autorização de residência por razões humanitárias.”.

A decisão recorrida, cujo excerto se transcreve procede a um correcto julgamento dos factos e do Direito, além de que se mostra fundamentada quanto à falta de preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender, quer para a concessão de asilo por razões humanitárias, quer para a protecção subsidiária.

Prevê o nº 1, do artº 3º da Lei nº 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do artº 1º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, os requisitos para a concessão do direito de asilo, a saber, que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objecto de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.

Tais requisitos não se verificam no caso concreto, nos termos em que o revelam a matéria de facto dada por assente, baseada nas declarações do requerente.

Do mesmo modo quanto ao decidido em relação à concessão da protecção subsidiária conferida pela autorização de residência por razões humanitárias, nos termos do disposto no artº 7º da Lei nº 27/08, de 20/08.

Extrai-se da sentença, com razão, que decorre das declarações do requerente de asilo, vertidas no probatório assente, que o seu relato dos factos apresenta várias contradições e incongruências, além de que relata factos manifestamente insuficientes para fundar a sua pretensão de asilo e de protecção subsidiária.

Por outro lado, embora se possa extrair das declarações do requerente a existência de um sentimento de insegurança, não se pode extrair que exista o risco sério de o Autor vir a sofrer ofensa grave, tanto mais que alegou nunca ter tido problemas quer com as autoridades, que com ninguém.

Tal como entendeu a sentença recorrida, não se afigura que tenha ficado indiciada a possibilidade de que no caso de o Autor regressar ao seu país de origem, o Senegal, ocorra ameaça grave contra a sua vida, pelo que, não estão reunidos os pressupostos que permitam o deferimento, seja da pretensão de asilo, seja perante o disposto no artº7º da Lei nº 27/2008.

O receio que o Autor caracteriza, integra apenas o elemento subjectivo, não invocando quaisquer factos que de uma forma objectiva revelem o intento persecutório, que afectem o requerente de asilo, para tanto não bastando a referência à perseguição da homossexualidade.

Aliás, em rigor, das declarações proferidas pelo ora recorrente, não é possível extrair que alguma vez tenha sido perseguido, mas apenas o receio de o vir a ser, por ser homossexual.

Das declarações do ora Recorrente, requerente do pedido de asilo, não resulta que o mesmo seja objecto de perseguição, nem se apresenta suficientemente caracterizada uma ameaça à sua integridade física ou à sua própria vida.

Do teor das declarações constantes do probatório, também não se extrai que o ora Recorrente se sinta gravemente ameaçado.

Nos termos das declarações proferidas pelo requerente no âmbito do processo de asilo e ainda nos termos da sua alegação constante nos autos, seja na petição inicial, seja no presente recurso jurisdicional, decorre que não foram alegados factos suficientes que evidenciem que o requerente foi efectivamente alvo de perseguição ou que se sentiu gravemente ameaçado e, nem ainda, que exerça actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

O relato dos factos não apresenta concretização factual suficiente para revelar que a ameaça sentida pelo Requerente seja objectiva ou tão pouco que o mesmo se sinta gravemente ameaçado de perseguição.

Assim, não pode proceder o erro de julgamento de facto e de direito que se mostra assacado contra a sentença recorrida, a qual é de manter, integralmente.

Em face dos factos apurados, não é possível extrair outra interpretação, pelo que, em rigor, o invocado erro de julgamento de facto, traduz-se num pretenso erro de apreciação dos factos apurados, que não se verifica.

Tal como bem decidiu o Tribunal a quo, não estão verificados os pressupostos legais para poder ser deferido, quer o pedido de asilo, quer o de protecção subsidiária, pois como na Convenção de Genebra de 1951 e no Protocolo de Nova Iorque, é necessário que se verifiquem dois elementos: o subjectivo, o receio, e o objectivo, a situação objectiva em que se funda aquele receio.

Compete ao requerente do direito de asilo o ónus de alegar e demonstrar, de forma directa ou indirecta, o seu fundamentado receio de vir a ser perseguido por qualquer dos motivos enunciados na lei, convencendo as entidades competentes de que foi ou está, individualmente, sujeito a perseguições ou ameaças no país de que é nacional ou residente habitual, com o enquadramento aí especificado, o que no caso não ocorre.

Embora considerando a natureza pública dos direitos que se pretendem salvaguardar através da concessão do asilo e do facto de, na maioria dos casos, ser difícil ou impossível a prova dos factos alegados, este ónus é muitas vezes mitigado pela concessão do benefício da dúvida, atendendo às especiais circunstâncias em que o pedido é formulado e desde que a versão dos factos alegada pelo requerente seja credível, coerente e consistente, mas no caso, não existe um grau mínimo de verosimilhança que permita sustentar a protecção requerida.

Admitindo-se que o Autor possa sentir receio subjectivo de que algum mal lhe possa acontecer, caso regresse ao seu país de origem, tal não é suficiente para efeitos de concessão da protecção de asilo ou de protecção subsidiária, de autorização de residência por razões humanitárias.

Não existe nenhuma ameaça pessoal suficientemente concretizada de facto, que permita sustentar o receito pessoal e nem ainda, que essa ameaça seja dirigida contra a pessoa do requerente.

Além disso, a existir essa ameaça, não se pode dizer que a mesma se deva a motivos políticos, raciais, religiosos ou sequer, por o requerente fazer parte de um certo grupo social.

O julgamento a que procedeu o Tribunal a quo afigura-se correcto, quer em face do teor das declarações do requerente do pedido de asilo, quer nos termos em que vem a juízo, não se sendo de subsumir as circunstâncias de facto apuradas à tutela do direito de asilo, por não se encontrar concretizada qualquer situação de perseguição ou de ameaça de perseguição da pessoa do requerente do ponto de vista objectivo.

O requerente não produziu declarações que permitam extrair que vá ser perseguido caso regresse ao Senegal e, nem ainda, que esteja impossibilitado de regressar ao seu país de origem, para a mesma localidade ou para localidade diferente em relação à que vivia antes de sair do país.

Do mesmo modo não incorre a sentença recorrida na censura assacada, no que respeita ao enquadramento do pedido à luz do princípio do “non-refoulement”, consagrado no artº 33º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, já que a situação factual, tal como caracterizada pelo requerente, não permite subsumir a pretensão à tutela que é requerida.

Pelo que, por não resultarem dos autos dados objectivos suficientes que permitam enquadrar a situação do requerente na protecção do direito de asilo, nem no regime subsidiário consagrado no referido artº 7º da Lei de asilo, não pode ser concedida a tutela requerida.

Por estes motivos, não procede o erro de julgamento assacado à sentença recorrida, por não ser concretizada qualquer situação que permita fundar a ameaça ou o risco de vida do Recorrente.

Em face do probatório apurado, assente nas declarações prestadas pelo requerente, encontra-se devidamente valorada a factualidade em causa, sendo que, em rigor, o Recorrente embora manifeste a sua discordância com a decisão proferida, não logra pôr em crise os pressupostos de facto e/ou de Direito em que a mesma assentou.

O Tribunal procedeu a um correto enquadramento dos factos relevantes para a decisão a proferir, não se apurando existir qualquer erro de julgamento de facto ou de Direito que deva ser corrigido.

Nestes termos, não procede o erro de julgamento, de facto e de direito imputado à sentença recorrida, a que se referem as conclusões do recurso, pois em face da matéria de facto assente e do seu enquadramento nos normativos de Direito aplicáveis, procedeu o Tribunal a quo a um correcto julgamento, quer no que se refere à pretensão de asilo, quer no que se refere à concessão da protecção subsidiária conferida pela autorização de residência por razões humanitárias.


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Em suma, pelo exposto, improcede o presente recurso, por não provados os seus respectivos fundamentos, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O nº 1 do artº 3º da Lei nº 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do artº 1º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê quanto aos requisitos para a concessão do direito de asilo que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objecto de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.

II. Não se extraindo das declarações do requerente do pedido de asilo ou dos autos, que o mesmo seja objecto de perseguição ou que se sinta gravemente ameaçado, não foram alegados factos que permitam fundar o pedido de asilo, à luz do nº 2 do artº 3º da Lei nº 27/2008.

III. Do mesmo modo, quanto ao disposto no nº 2 do artº 3º da citada Lei, por não se mostrar alegado que o requerente possua o fundado receio de ser perseguido em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social e que não possa ou não queira voltar, em virtude desse receio, ao Estado da sua nacionalidade ou residência.

IV. Das declarações prestadas pelo requerente não se pode retirar que o mesmo tenha sido ameaçado, já que nada diz a este respeito, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias, ao abrigo do artº 7º da Lei nº 27/2008.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida na ordem jurídica, que julgou improcedente o pedido.

Sem custas – artº 84º da Lei nº 27/2008, de 30/06.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Carlos Araújo)

(António Vasconcelos)