Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03703/09
Secção:
Data do Acordão:05/12/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS
SUSPENSÃO NOS TERMOS DO ARTº 279º DO CPC
RENOVAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
ACTO ISOLADO TRIBUTÁVEL NA CATEGORIA B NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ART. 3°, N° 2, AL. B) E N° 3 DO CIRS
Sumário:I) - Encontrando-se a existência de facto tributário nos termos pressupostos no acto impugnado também a ser apreciada em acção cível, configurando-se, pois, uma causa prejudicial à decisão da presente impugnação, nos termos do disposto no artº 279º do CPC, é de ordenar a suspensão da instância da presente lide até à obtenção de decisão com trânsito em julgado naquela acção para determinação dos valores reais e das respectivas operações.
II) -A suspensão nos casos - como o dos autos - em que há controvérsia judicial, seja quanto à existência, quer mesmo quanto ao quantum do acto tributário de liquidação, será justificável pela necessidade que há em se aguardar pela decisão final da primeira demanda, o julgamento final da acção cível em cuja materialidade entronca a fundamentação do acto tributário impugnado, passando então a julgar-se a presente impugnação de harmonia com a decisão que seja proferida na causa prejudicial.
III) -É que a "ratio" do instituto da suspensão em apreço é, manifestamente, a de impedir a contradição de julgados, no que concerne à existência do facto tributário e sua quantificação.
IV) -Tal solução é imposta pelo princípio da unidade da jurisdição, pela inadmissibilidade de decisões contraditórias sobre a mesma questão e, ainda em que, na realidade, o procedimento e o processo administrativos e o processo cível demandam igualmente a verdade material.
V) -Face ao preceituado no art.º 712 nº, 3, do C.P.Civil, a lei permite que a 2ª instância forme diversa convicção da formada em primeira instância nomeadamente, recorrendo a outros meios de prova ou renovando os meios de prova já produzidos em primeira instância, sempre que o repute necessário mas não lhe impõe a repetição do julgamento para além da parte impugnada da decisão, como regra do regime.
VI) -E a reapreciação da matéria de facto, por este Tribunal, no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 712º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente à sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova.
VII) –Existindo esses erros e falhas na apreciação da prova como resultado de não se ter decretado a suspensão da instância nos termos do artº 279º do CPC, quando havia para tanto motivo justificado, há que determinar essa suspensão e, logo que julgada a causa considerada prejudicial e motivo justificado de tal suspensão, deverão ser coligidos para os autos os documentos consubstanciadores da decisão transitada em julgado, face aos quais haverá, então, que proceder à renovação dos meios de prova nos termos do nº 3 do art.712º do C.P.C, por esses meios de prova se mostrarem “absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada”.
VIII) -Tendo o impugnante intervindo numa prova/rali na qual obteve um prémio entregue pela Fiat Group e sobre o qual esta efectuou retenção na fonte e tendo o impugnante emitido o competente recibo e não logrando demonstrar que no decurso desse ano, no que lhe antecedeu ou no que lhe sucedeu, haja auferido valores por idêntica actividade e pela mesma entidade pagos, à míngua de outros elementos que permitam ao tribunal enquadrar tal rendimento como pretendido pelo impugnante na categoria dos profissionais, devendo ser qualificado como acto isolado a tributar como pertencente à categoria B nos termos do disposto no art. 3°, n° 2, al. b) e n° 3 do CIRS.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:
1.- A...e B..., com os sinais dos autos, recorreu para o TCAS da sentença que, proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação por eles deduzida contra as liquidações adicionais de IRS relativas ao ano de 2005.
No seu recurso, os recorrentes alegam e formulam as seguintes Conclusões:
“I A Administração Fiscal concluiu que o valor de aquisição do capital social cedido pelos recorrentes foi de 65.000€ e 35.000€ e não, respectivamente, de 195.000€ e 105.000€, mas trata-se questão controvertida, que carece de prova judicial, a fazer no processo judicial donde foram colhidos elementos que serviram de base às correcções e liquidações.
II A Senhora Juíza ordenou, através de douto despacho de 09/09/2009, a junção de certidão do Despacho Saneador do Processo 1171/06.8 TBCTB, mas dele não retirou qualquer fundamen­to para a decisão, omissão que deve ser corrigida, com renovação dos meios de prova.
III O Despacho Saneador continha também a Base Instrutória, à qual se haveria de responder no julgamento da causa.
IV Só uma decisão probatória, transitada em julgado, poderia servir de base às correcções efec­tuada pela Administração Fiscal, que levaram à liquidação do imposto.
V A Administração Fiscal corrigiu as declarações de IRS de 2005 dos recorrentes com base em denúncia e declarações de D...e no texto da contestação da acção cível, pelo que deveria ter sido suspenso o processo de impugnação judicial das liquidações, enquanto a acção cível não estivesse resolvida com trânsito em julgado.
VI Havia negócios subjacentes ao aumento de capital social da sociedade C..., entre D...e A..., que a Senhora Juíza entendeu não dar como provados, mas que careciam de melhor prova, nomeadamente através da decisão na acção cível.
VII Ao omitir a suspensão da instância a douta decisão violou as regras do artigo 97.° do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi, do artigo 2.° alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
VIII Em qualquer caso, havia fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, pelo que deve­ria ter-se lançado mão das regras do n.° l do artigo 100.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com a consequente procedência da impugnação.
IX O esclarecimento das questões duvidosas, relacionadas com acertos de contas, careciam de espera de decisão da acção cível, tanto mais que a conclusão da Administração Fiscal em tri­butar, foi fundamentada em parte, nos articulados da contestação dos ali réus, aqui impugnantes e ora recorrentes.
X A não se entender que o processo de impugnação judicial deve ser suspenso ou decido favo­ravelmente aos recorrentes, então o Tribunal a quem deve lançar mão da faculdade prevista no n.° 3 do artigo 712.° do Código de Processo Civil, ordenando a renovação dos meios de prova relacionados com os negócios entre o recorrente varão e o denunciante I..., em discussão no processo cível que corre termos no tribunal judicial de Castelo Branco.
XI Sobre a questão dos proventos obtidos pelo recorrente A...de participação em pro­vas automóveis de ralis, os mesmos devem ser efectivamente considerados rendimentos nor­mais da sua actividade e como tal tributados.
Termos em que:
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, ou, caso assim não seja entendido, ordenada suspensão da instância, na pendência da acção cível, ou a renovação dos meios de prova, com vista ao cabal esclarecimento dos negócios do recorrente varão com o denunciante José Pires.
Assim se fará BOA JUSTIÇA.”
Não foram apresentadas contra – alegações.
A EPGA emitiu a fls.179 parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.
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2. Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório:

“MATÉRIA DE FACTO PROVADA (ordenada alfabeticamente por nossa iniciativa):
a) Em 1992 foi constituída pelos impugnantes e um terceiro sócio a sociedade comercial "C... - Investimentos Hoteleiros, Lda" que, após várias vicissitudes veio a pertencer na proporção de 65% para o primeiro e 35% para a segunda impugnante.
b) O objecto da sociedade é a actividade de exploração de bares e discotecas.
c) Então o capital social foi de 2.000.000$00.
d) Em 28/01/2003 o capital social foi aumentado para 100.000,00 €, o qual foi realizado em dinheiro pelos sócios e assim consignado contabilisticamente.
e) No dia 15/07/2004 foi celebrado um contrato promessa de cessão de quotas entre os sócios da "C..." e D...e mulher E....
f) Na cláusula 5a deste contrato promessa ficou estipulado que:
"1 - O preço para a cessão ora prometida é de 375.000,00 € e será pago até ao dia 30/06/2006, data até à qual se deve realizar a escritura pública de cessão de quotas ora prometida.
2 - Porém, se os 3° e 4° outorgantes optarem por celebrar a escritura pública de cessão de quotas até ao dia 08/01/2005, o preço da cessão será de 350.000,00 €, não podendo em qualquer caso ser celebrada antes de 31/12/2004."
g) Em 14/09/2004 foi efectuado novo aumento de capital, destafeita para 300.000,00 €, tendo os sócios / impugnantes feito constar da escritura pública então outorgada que a importância em questão havia sido realizada em dinheiro na proporção das respectivas quotas.
h) Porém, o aumento de capital em 200.000,00 € foi contabilizado pela totalidade a débito da conta caixa por crédito das contas capital - A...e capital - B... pelos montantes proporcionais às suas participações no capital social, ou seja, de 130.000,00 e 70.000,00 €.
i) O valor do aumento de capital social nunca foi efectivamente realizado pelos então sócios.
j) Este aumento de capital social foi motivado pela falência técnica em que se encontrava a sociedade comercial, como forma de a viabilizar, e derivou de sugestão do então TOC da mesma.
k) Através de escritura pública exarada no 1° Cartório Notarial de Castelo Branco em 27/01/2005, ficou a constar que os impugnantes cederam as quotas de que eram titulares naquela sociedade, sendo nomeadamente os 65% do impugnante A...cedidos pelo valor de 195.000,00€ e os 35% da impugnante B...cedidos pelo valor de 105.000,00€.
l) D...apresentou uma queixa-crime que deu origem à instauração do inquérito n° 638/05.0 PBCTB a correr termos nos Serviços do Ministério Público de Castelo Branco, onde declarou que o valor acordado e efectivamente pago para a cessão da totalidade das quotas e capital social da sociedade comercial "C..." foi de 350.000,00 € e não de 300.000,00 € conforme ficou a constar da escritura pública.
m) O pagamento da totalidade da cessão das quotas aos impugnantes teve lugar mediante a entrega efectiva no momento da celebração da escritura pelo adquirente D...de dois cheques sacados sobre o Montepio Geral, com os n°s 7707201829 e 8607201828, nos valores respectivamente de 122.500,00 e 227.500,00 €.
n) Trata-se de dois cheques visados, emitidos ambos em 27/01/2005, sendo o primeiro (de menor valor) a favor de B... e o segundo a favor de A....
o) Tendo em conta a não realização efectiva do aumento de capital por parte dos sócios / impugnantes, à data da cessão das quotas o valor efectivo de capital social era de 100.000,00 €, esse sim efectivamente realizado.
p) As mais-valias a tributar consideram o valor real de capital social e ainda o valor real pago pela aquisição das quotas.
q) O valor de realização, no montante de 227.500,00 €, corresponde ao valor da contraprestação obtida por A...na alienação da quota daquela sociedade comercial, considerando-se como valor de aquisição a importância de 65.000,00 €.
r) A mais valia assim apurada corresponde a 162.131,00 €.
s) Corre termos no Tribunal Judicial de Castelo Branco, no 3° Juízo, a Acção de Processo Ordinário com o n° 1171/06.8 TBCTB em que são autores "C... -Investimentos Hoteleiro, Lda", D...e E...e réus A..., B... e F....
t) O impugnante recebeu no ano de 2005 a quantia de 2.706,00 € por parte de G...Portugal, SÁ como prémio de participação no Trofeu H...- Taça Luís Cabral Ferreira, emitindo o competente recibo em 16/06/2005, sobre o qual foi efectuada a retenção na fonte de 406.00 €.
u) Foram efectuadas ao impugnante correcções ao rendimento colectável declarado em sede de IRS nos valores de 162.500,00 e 2.706,00 € e elaborada a consequente liquidação adicional.
W) Existiu um contrato de cessão de exploração da discoteca "Alternativa" entre a "C..." e a sociedade comercial "J..." cujo capital também foi adquirido por I....
X) Durante uma época da vida do impugnante A...foi piloto de ralis, como tal intervindo em provas e sendo beneficiado por patrocínios.

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Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, incluindo processo administrativo, os quais não foram impugnados.

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FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:
-que o aumento de capital efectuado em 14/09/2004 correspondesse a um acto real e efectivo e que teve o acordo do I...;
-que existam outros negócios e acertos de contas entre o impugnante varão e José Pires, agindo este por vingança;
-que dos rendimentos profissionais do impugnante façam parte os provenientes da sociedade H...Group porque derivados de uma prática reiterada de piloto de ralis;
-que a omissão dos rendimentos assim obtidos derivou de mero lapso pois dedica-se com normalidade à actividade de piloto de ralis, pela qual obtém patrocínios remunerados, designadamente com a H...;
-que a sociedade comercial "J..." devia à "C..." vários valores de rendas, mercadorias e equipamentos em montante estimado em cerca de 200.000,00 €;
-que o aumento de capital social se destinava a satisfazer o pagamento de tais dívidas;
-que conjuntamente com a discoteca que a "C..." possuía foi vendida ao José Pires uma cave que servia de armazém;
-que o impugnante sempre disse que pretendia aumentar o capital social da sociedade antes da cessão para ter benefícios em termos de mais valias;
-que o impugnante A...praticasse no ano de 2005 actividade regular de piloto de ralis e como tal fosse patrocinado pela H...Group que então lhe pagou valor certo e permanente.
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A matéria não provada resultou da incongruência dos depoimentos das testemunhas indicadas com os documentos analisados, pelas contradições entre elas (note-se, por ex, a motivação do último aumento de capital) e pela possibilidade e razoabilidade da apresentação de documentos a sustentar os factos que nunca foram citados (designadamente para justificar os alegados acertos de contas).
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3. - De acordo com as conclusões das alegações, a questão a apreciar no presente recurso é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à questão da veracidade dos negócios subjacentes ao aumento de capital social, nomeadamente acerto de contas e venda de um armazém, bem como quanto a saber se a escritura do aumento de capital da sociedade C... foi superior ao feito na escritura outorgada.
E, na verdade, os elementos que serviram de fundamentação á decisão, constam do relatório elaborado pela AF e que se encontra no PA apenso, com base no qual a Mª Juíza assentou que o valor de aquisição do capital social cedido foi de 65.000 € e 35.000 € e não, respectivamente, de 195.000 € e 105.000 €.
Todavia, para os recorrentes, essa é uma questão controvertida, que carece de prova judicial, não podendo a Administração Fis­cal concluir legitimamente como conclui, a partir de meros indícios cíveis, cuja prova ainda não está efectivada no tribunal judicial da comarca de Castelo Branco, onde corre o processo judicial donde foram colhidos elementos que serviram de base às correcções que originaram a liquidações impugnadas, sendo que a Senhora Juíza terá sentido a necessidade de ver esclarecida esta questão central, motivo pelo qual ordenou, através de douto despacho de 09/09/2009, que se requeresse ao processo cível os elementos que foram juntos aos autos, concretamente certidão do Despacho Saneador do Processo n.° 1 171/06.8 TBCTB.
Ora, como se alcança do dito Relatório, elaborado pela DIVISÃO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA e que se encontra no referido PA, sob o ponto III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL, exarou-se o seguinte:
“III.1 - Cessão de Quotas
Através de escritura pública (Anexo 1) exarada no 1° Cartório Notarial de Castelo Branco em 27.01.2005, A...cedeu a quota de que era titular na sociedade "C... Investimentos Hoteleiros Lda", NIPC 502.759.488, com sede em Castelo Branco, pelo preço de €195.000,00 (cento e noventa cinco mil euros).
A referida quota, correspondente a 65% do capital social da empresa atrás identificada, foi cedida a I....
Previamente à escritura supra referida, foi celebrado entre os então sócios da sociedade "C... -Investimentos Hoteleiros Lda", A...e B..., e D...e mulher E..., um contrato promessa de cessão de quotas (Anexo 2), no dia 15 de Julho de 2004.
Na cláusula 5a do referido contrato promessa, ficou consignado que:
«1 - O preço para a cessão ora prometida é de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros), e será pago até ao dia 30 de Junho de 2006, data até à qual se deve realizar a escritura pública de cessão de quotas ora prometida.
2 - Porém, se os 3° e 4° outorgantes optarem por celebrar a escritura pública de cessão de quotas até ao dia 08 de Janeiro de 2005, o preço da cessão será de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), não podendo em qualquer caso ser celebrada antes de 31 de Dezembro de 2004.(...)»
Na sequência de uma queixa apresentada por I..., foi instaurado nos Serviços do Ministério Público de Castelo Branco, o Inquérito n°. 638/05.0 PBCTB.
No âmbito do inquérito atrás identificado, I..., declarou que o valor acordado para a cessão da totalidade das quotas da sociedade "C... Investimentos Hoteleiros Lda" foi de € 350.000,00 e não € 300.000,00, como consta da escritura pública acima referida.
Através de requerimento entregue nos Serviços do Ministério Público de Castelo Branco em 16.05.2007, D...requereu a junção aos autos supra identificados de uma fotocópia dos cheques n°. 7707201829 e 8607201828, sacados sobre o Montepio Geral, no valor de €122.500,00 e 227.500,00, respectivamente.
Encontramos ainda um exemplar dos referidos cheques no processo n.° 1171/06.8 TBCTB (3° Juízo, do Tribunal Judicial de Castelo Branco), tendo sido requerida certidão de fls 62 de que se anexa fotocópia (Anexo 3).
O somatório dos cheques perfaz, portanto, o montante de € 350.000,00.
O segundo dos cheques atrás referidos foi emitido a favor de A..., cujo montante (€ 227.500,00) corresponde a 65% de € 350.000,00, o qual, de acordo com as declarações prestadas por José Valente no Inquérito n.° 638/05.0 PBCTB, foi o valor real da cessão de quotas.
Acresce ainda que, no decurso do procedimento inspectivo, foi solicitada uma certidão da contestação apresentada no processo n°. 1171/06.8 TBCTB (Anexo 4), que a sociedade C... Investimentos Hoteleiros, Lda., representada por I..., e E..., move contra A..., F... e B... (a correr termos no 3° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco), na qual A...e B...(sócios cedentes das quotas da C..., Lda) confessam k...expressamente o teor dos documentos apresentados com a douta petição inicial sob os n°s 1, 2, 3, 4 e 12, a saber: (...) fotocópias de dois cheques no valor total de € 350.000,00 que efectivamente receberam para pagamento parcial do acordado no contrato inserto no documento n°. 2» (art°.8°)
Contudo, na declaração de IRS relativa ao ano de 2005, designadamente no respectivo Anexo G, no quadro correspondente à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, A...declarou como valor de realização a importância de € 195.000,00.
O valor de realização, correspondente à quota da Manuel Rolo, não foram os €195.000,00 declarados, mas €227.500,00 (€ 350.000,00 x 65%), atendendo ao exposto anteriormente.
Quanto ao valor de aquisição, foi declarado no quadro correspondente à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, do anexo G da declaração Mod. 3 de IRS, apresentada com referência ao ano de 2005, a importância de € 195.000,00.
A este respeito, dever-se-á ter em conta que a sociedade foi constituída em 1992, com o capital inicial de PTE 2.000.000, distribuídos pelos sócios A...(PTE 1.200.000), B... (PTE 600.000) e Fernando Cristóvão António (PTE 200.000).
Posteriormente, a quota pertencente ao sócio Fernando António foi dividida em duas, no valor unitário de PTE 100.000, que foram transmitidas aos sócios A...e Belarmina Filipe, que por unificação, ficaram titulares de uma quota de PTE 1.300.000 e de PTE 700.000, respectivamente.
Em 28/01/2003, o capital social foi aumentado para € 100.000,00, cfr. ap.18/20030319 da Conservatória do Registo Comercial de Castelo Branco, cabendo ao sócio Manuel Rolo, uma quota de € 65.000,00 e à sócia Belarmina Filipe, uma quota de € 35.000,00.
Este aumento de capital social, de acordo com a escritura, foi totalmente realizado em dinheiro.
A contabilização foi feita do seguinte modo:
- crédito das contas de capital: "511-A..." e "512-B...", nos montante de € 58.515,63 e €31.508,41, respectivamente.
- débito das contas de empréstimos de sócios 25511, 25512 e da conta "111 - caixa", nos montantes de €35.787,36; €41.184,73 e €13.051,95, respectivamente.
Posteriormente, no dia 14 de Setembro de 2004 viria a ser celebrada uma outra escritura pública de aumento de capital social, no 1° Cartório Notarial de Castelo Branco. Conforme consta da referida escritura pública, os sócios deliberaram «aumentar o capital social de cem mil euros para trezentos mil euros, sendo a importância do aumento de duzentos mil euros, subscrita e realizada em dinheiro na proporção e em reforço das respectivas quotas.»
Porém, na já citada contestação apresentada no processo n.° 1171/06.8 TBCTB admitem expressamente A...e B...que «o dinheiro não entrou de imediato, sendo essa uma tarefa a resolver no futuro, depois de D...comprar o Capital social, factos com o que este concordou...» (art.° 20°).
Mais refere «que, como é usual nestas condições se declara na escritura notarial que o dinheiro já entrou na sociedade sem entrar, mas que depois tudo se resolve através de lançamentos contabilísticos que os sócios regularizam no futuro.».
Em termos contabilísticos, o aumento de € 200.000,00, foi contabilizado pela totalidade a débito da conta "111 - caixa", por crédito das contas "511- capital/A..." e "512-capital/B...", pelos montantes proporcionais às suas participações no capital social, ou seja, €130.000,00 e €70.000,00, respectivamente.
Os lançamentos contabilísticos atrás referidos, encontram-se fielmente retratados na contestação apresentada no processo n°. 1171/06.8 TBCTB por A...e B..., mais precisamente no art°. 59°.
Neste contexto, será ainda pertinente ter em conta o alegado no art°. 58° da referida contestação: « O montante em causa ( 179.250,81 €) de saldo de caixa resulta dos lançamentos efectuados na contabilidade para regularizar o aumento de 200.000,00 de € capital. .."
Mais adiante (art°. 61°) pode ler-se que «... O caixa teoricamente recebeu os 200.000 euros de aumento de capital social subscritos pelos sócios A...e irmã B......»
No art°. 64° da peça processual em análise, consta igualmente que «O dinheiro do aumento de capital não entrou efectivamente em caixa (...)».
Na referida contestação, manifestam ainda os réus A...e B... disponibilidade «para devolver o valor da venda das quotas sociais e voltarem a assumir a titularidade do capital social, ou outorgarem nova escritura a anular a do aumento de capital, que não corresponde efectivamente à verdade material à data da sua celebração, porque o dinheiro não havia efectivamente dado entrada no caixa social, como formalmente declararam.»
Em face do exposto anteriormente, verifica-se que o aumento de capital titulado pela escriturai pública lavrada em 14 de Setembro de 2004, no 1° Cartório Notarial de Castelo Branco, na realidade, não existiu.
Sendo assim, dever-se-á considerar que à data da escritura da Cessão de Quotas (27/01/2005), o capital social da empresa C... - Investimentos Hoteleiros Lda., era de €100.000,00.
Deste modo, o valor de aquisição, correspondente à quota de A..., não foram os €195.000,00 declarados, mas, isso sim, € 65.000,00 (€100.000,00 x 65%), nos termos do art°. 48°, alínea b) do CIRS.
Os factos descritos anteriormente podem-se resumir no quadro seguinte:

Descrição Legislação (CIRS) Valor (€)
Declarado Corrigido Correcção
1 Valor de realização art. 44.° n.°1 al. f) 195.000,00 227.500,00 32.500,00
2 Valor de aquisição art. 48.° al. b) 195.000,00 65.000,00 -130.000,00
3 Despesas e encargos art. 51.° al. b) 369,00 369,00 0,00
4=(1- : (2+3))Mais Valia art. 10.°n°1 al.b) e n.°4al.a) -369,00 162.131,00 162.500,00

O quadro anterior demonstra os cálculos para o apuramento da Mais Valia, em conformidade com o disposto na al. b) do n.°1 do art. 10.° do CIRS, relativa à alienação onerosa de uma quota correspondente a 65% do capital social da "C...-lnvestimentos Hoteleiros, Lda", detida por A....
O valor de realização, no montante de € 227.500,00, corresponde ao valor da contraprestação obtida por A...pela alienação onerosa da quota que detinha na sociedade C... Investimentos Hoteleiros Lda., de acordo com a ali. f) n.°1 do art.° 44.° do CIRS, considerando-se como valor de aquisição a importância de € 65.000,00, nos termos do já citado art°. 48° - alínea b) do CIRS.
A Mais Valia apurada corresponde a €162.131,00, resultante da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, tendo em consideração as despesas ou encargos inerentes à alienação declarados (art. 51.° al. b do CIRS).
Assim, o valor da correcção ao rendimento colectável para efeitos de IRS a propor será de €162.500,00”.
É, pois, patente que as correcções se fundaram nos elementos recolhidos das peças da acção cível em cuja base instrutória se questiona a veracidade de todos os valores envolvidos no aumen­to do capital social da C..., sendo certo que a Administração Fiscal se serviu basicamente das declarações do denunciante D...e do texto da contestação dos réus no processo cível, os impugnantes e ora recorrentes, para concluir pela fundamentação das correcções aos rendimentos de 2005, em sede de IRS.
Por outro lado, apesar de se ter considerado na sentença que os impugnantes não lograram demonstrar os negócios entre A...e José Pires, nem o «acerto de contas», relativamente a que não existem documentos, nem prova da venda de um armazém, tal referência não parece encontrar fun­damento na matéria de facto alegada na petição inicial de impugnação judicial em que se alegou-se, antes, que existiu entre a sociedade C..., gerida pelo impugnante A...e outra denominada J..., gerida por Carlos Alberto Marques da Cruz, um contrato de cessão de exploração da discoteca «Alternativa», no âmbito do qual a J... devia vários valores, de rendas, mercadorias e equipamentos, em montante estimado em cerca de 200.000,00 €.
Daí que tenha razão a recorrente quando afirma que o esclarecimento destas questões careciam de espera pela decisão da acção cível, tanto mais que a conclusão da Administração Fiscal em tributar, foi fundamentada, como já se demonstrou, nos articu­lados da contestação dos ali réus, aqui impugnantes e ora recorrentes.
No corpo alegatório, os recorrentes alegam (vd, pontos 6º e ss) que a dita acção já foi julgada, com ganho de causa dos ora recorrentes, mas não obteve trânsito em julgado, visto que o vencido D...e a sociedade C... recorreram da sentença da 1a instância, para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Por assim ser, sustentam os recorrentes que uma vez que a Administração Fiscal corrigiu as declarações de IRS de 2005 dos ora recorrentes com base em denúncia e declarações de D...e no texto da contestação da acção cível, era normal que se suspendesse o processo de impugnação das liquida­ções do imposto, enquanto a acção cível não estivesse resolvida com trânsito em julgado.
Dessa forma também no que tange aos negócios subjacentes ao aumento de capital social da sociedade C..., entre D...e A..., que a Senhora Juíza entendeu não dar como provados, podendo ser outra a decisão se se aguardasse pela decisão cível sem a qual não será possível decidir a impugnação judicial das liquidações dos impostos, sem a certeza exigida pela segurança jurídica que deve rodear as correcções da matéria tributável dos contribuintes e consequentes liquidações de impostos.
Por tais razões substanciais, entendem os recorrentes que se impõe determinar a suspensão da instância e, por o não ter feito, a decisão recorrida violou as regras do artigo 97.° do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi, do artigo 2.° alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Quid juris?
Não restando dúvidas de que a existência ou não de facto tributário nos termos pressupostos no acto impugnado também se encontra a ser apreciada na acção cível, configurando, pois, uma causa prejudicial à decisão da presente impugnação, nos termos do disposto no artº 279º do CPC, sendo por isso de ordenar a suspensão da instância da presente lide até à obtenção de decisão com trânsito em julgado naquela acção para determinação dos valores reais e das respectivas operações.
Com efeito, à luz do disposto no artº 279º nº 1 do CPC, pode ser decretada a suspensão da instância quando a decisão estiver dependente de outra já proposta.
A suspensão da instância visa evitar não a colisão apenas teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis.
É nosso entendimento que a “ratio” da suspensão da eventual impugnação judicial, de forma a ficar a aguardar que a acção cível seja concluída, é possível, pois, a decisão desta é, de algum modo, “conformadora” com o que na presente acção seja decidido.
A suspensão nos casos - como o dos autos - em que há controvérsia judicial, seja quanto à existência, quer mesmo quanto ao quantum do acto tributário de liquidação, será justificável pela necessidade que há em se aguardar pela decisão final da primeira demanda, o julgamento final da acção cível em cuja materialidade entronca a fundamentação do acto tributário impugnado, passando então a julgar-se a presente impugnação de harmonia com a decisão que seja proferida na causa prejudicial.
É que a "ratio" do instituto da suspensão em apreço, como se disse, é manifestamente a de impedir a contradição de julgados, no que concerne à existência do facto tributário e sua quantificação.
Da procedência da acção cível pode resultar a existência do facto tributário e o seu quantum, tal como se configura no acto de liquidação, mas também a sua inexistência a justificar a sua anulação nos termos pretendidos pelo impugnante, donde decorrerá a estabilização definitiva da relação jurídico-tributária.
Assim, a suspensão justifica-se por existir nexo de prejudicialidade em relação à decisão do processo cível em termos de se evitar, mediante aquele regime, a possibilidade de desencontros ou incoerências na liquidação quanto aos direitos e respectiva quantificação.
A ser assim, dúvidas não sobram de que o prosseguimento da presente instância representa o risco do proferimento de uma decisão sobre a existência e quantificação do acto tributário impugnado, contraditório com o que possa ser emitido pelo outro Tribunal de que possa advir, eventualmente, que a concreta situação tributária «sub-judice» viesse a ter um tratamento diferente do adoptado pela AT.
Sabe-se que as duas causas estão propostas e ocorre motivo justificado e objectivo da suspensão pois, a penderem as duas causas, a decisão de uma depende logicamente da decisão que vier a ser proferida na outra na medida em que, o eventual não reconhecimento do direito de crédito objecto da respectiva acção tem como consequência inevitável a sua não consideração para os efeitos pretendidos nestes autos, sendo aquela, por conseguinte, causa prejudicial.
Tal solução é imposta pelo princípio da unidade da jurisdição, pela inadmissibilidade de decisões contraditórias sobre a mesma questão e, ainda em que, na realidade, o procedimento e o processo administrativos e o processo cível demandam igualmente a verdade material.
É que a vinculação tem de ser prismada segundo as regras reguladoras do caso julgado próprias da jurisdição em que a decisão tivesse sido proferida.
No sentido de que os procedimento e o processo administrativos demandam igualmente a verdade material, cabe referir que no direito adjectivo fiscal, art.° 13º do CPPT, e no direito adjectivo civil, art.° 265.° n.°3 do CPC, ambos regidos pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.° 264.° n.°s 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a ...suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto... cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário. Cabe-lhe o ónus de prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder - dever inquisitório, diligenciar também comprová-los - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPT, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, anotação 8. ao art.° 121.°, págs. 267 e 268.
Em igual sentido, já antes da LGT, aponta Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, (Lições), 2.ª edição, pág. 269., ao escrever:
«há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos».
A repartição do ónus da prova em sede de impugnação judicial, após a entrada em vigor do CPT, em que se situa a presente liquidação adicional, ao vir introduzir um novo preceito - o do art.° 121.° e hoje do art.° 100.° do CPPT- afigura-se-nos como exprimindo um princípio estruturante do processo contencioso tributário, como do processo administrativo tributário, em que a «fundada dúvida sobre a existência do facto tributário» deve implicar que a administração fiscal se abstenha, quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do imposto.
No dizer de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, In Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 275, notas 7. e 8, é a consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que, na prática, era acatado no regime anterior à Reforma Fiscal.
O preceito em anotação, todavia, carece de aprofundado esforço interpretativo, a fim de se aferir do seu correcto alcance.
A «dúvida fundada» a que alude o art.° 100º do CPPT, que implica a anulação do acto impugnado, não pode assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do contribuinte (Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 15. l. 1997, recurso n.° 17 914).
Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação de facto tributário.
Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de a AF ou o juiz, caso o acto seja impugnado, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los.
Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir pelo fundamento daquela dúvida.
Como, aliás, também entendem A. José de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Procedimento e do Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 292, nota 7., o contribuinte “...tem, por conseguinte, o ónus da alegação dos factos integradores da ilegalidade do acto tributário a anular"...E na nota 10., pág. 293: Sem embargo do ónus da prova de tais factos que recai sobre o impugnante (art.° 342.° do Código Civil)"...
A produção de prova está associada à alegação. Quem tem de alegar os factos tem também em princípio, o ónus da produção da prova respectiva.
Cabia, com efeito, ao contribuinte, para impedir a prática do acto administrativo de liquidação, e, no âmbito da impugnação que deduziu, ter provado tal factualidade como parte integrante do seu direito à hipotética anulação, o que constituía a causa de pedir, ou sejam "os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido", como se diz na norma do art.° 108.° n.°1 do CPPT, tendo em vista obter a pretendida anulação (Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 4.4.1995, recurso n.° 62 872).
Cabia ao contribuinte alegar tal matéria, como alegou, mas também prová-la, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria, a do art.° 342.° do CC, que dispõe que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado». Princípio que hoje encontra expressa guarida na norma do art.° 74.° da LGT.
Ora e como decorre do Relatório em que se ancorou o acto tributário, a AF usou da avaliação directa e com ela não se conformaram os contribuintes usando dos meios contenciosos, impugnando o acto junto dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecerem dos vícios de que estava inquinado.
A lei confere aos vários órgãos das pessoas colectivas públicas poderes funcionais a fim de prosseguirem as respectivas atribuições.
Em geral o conceito de competência é definido como o complexo de poderes funcionais conferidos por lei a cada órgão ou cargo para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em que esteja integrado.
No âmbito da pessoa colectiva Estado e no quadro da clássica divisão de poderes ou funções - legislativas, administrativas e jurisdicional -, a questão da competência em apreço recorta-se, entre nós, na área jurisdicional, isto é, face às diversas ordens de tribunais.
Tratando-se de conhecer, por um lado, da validade de um contratos de natureza civil e, por outro, da validade de um acto administrativo definitivo e lesivo dos interesses do contribuinte cuja fundamentação repousa naqueles, a questão da competência jurisdicional para o efeito coloca-se perante o ramo da alternativa de uma de duas ordens de tribunais - judiciais e administrativos.
Aos referidos tribunais - órgãos de soberania - compete administrar justiça em nome do povo (artigo 205°, n° 1, da CRP).
Os conceitos de jurisdição e de competência traduzem realidades conexas mas distintas, significando o primeiro o poder de julgar genericamente atribuído, na organização do Estado, ao conjunto de tribunais, e o último a medida de jurisdição legalmente atribuída a cada um deles.
A medida de jurisdição de cada um dos tribunais, ou seja, a sua competência é susceptível de variar em razão da matéria, do valor, da hierarquia e do território (artigo 13°, n°1, da Lei n° 38/87, de 23 de Dezembro - LOTJ).
No caso em apreço só releva a divisão interna do poder jurisdicional pelas diferentes categorias de tribunais segundo o critério da natureza da matéria dos litígios, isto é, a vertente da competência material.
A competência em razão da matéria fragmenta-se pelas diversas categorias de tribunais à luz do chamado princípio da especialização inspirado na ideia de vantagem de atribuir a determinados órgãos jurisdicionais o conhecimento de questões reguladas por específicas áreas de direito em razão da sua vastidão ou especificidade.
Compete-lhes, segundo a referida matriz constitucional, o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenha por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 214°, n° 3, d CRP).
Em desenvolvimento do estatuído nos artigos 211°, n° 1, alínea b), e 214°, n° 3, da CRP foram publicados o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei n° 129/84, de 27 de Abril, e o Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - LPTA -, aprovada pelo Decreto-Lei n° 267/85. de 16 de Julho e, depois, o CPTA.
A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, com o estatuto de órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo (artigo 1° do ETAF).
Incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (artigo 3° do ETAF).
A expressão "contencioso administrativo "é utilizada pelas leis em pelo menos cinco sentidos distintos - orgânico, funcional, material, instrumental e normativo - a maioria deles sem grande rigor.
No presente caso releva o sentido material da expressão contencioso administrativo isto é, "o conjunto de litígios entre a Administração Pública e os particulares, que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos com aplicação do Direito Administrativo”.
No quadro da competência material dos tribunais administrativos distingue-se entre o contencioso por natureza ou essencial e o contencioso por atribuição ou acidental, abrangendo o primeiro os actos e regulamentos administrativos e o último os contratos administrativos, a responsabilidade da administração, os direitos e interesses legítimos e as questões eleitorais (artigos 51°, alíneas a) a d), e) f), g) e h), do ETAF).
O contencioso administrativo por natureza ou essencial – o que aqui importa - constitui a garantia dos particulares contra o exercício ilegal por via unilateral do poder administrativo.
O contencioso administrativo por natureza desenvolve-se «in casu» através da impugnação judicial- cfr. artºs. 99º e ss do CPPT que, se não forem usados, conduzem, segundo as regras próprias desta jurisdição, à formação de «caso resolvido».
Tudo isto para se concluir que, quer no procedimento administrativo, quer no processo judicial, o que há-de relevar é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, provado directamente pela declaração e (ou) contabilidade do contribuinte ou pela administração fiscal, nos casos tipificados na lei, através dos meios gerais e especiais de prova legalmente admissíveis (...) sendo que a dúvida fundada sobre a existência e quantificação de tal facto tributário, estabelecida no processo judicial (ou administrativo) equivalerá à conclusão pela sua inexistência e consequente anulação (ou abstenção da prática) do acto tributário que o tenha por base – Cfr. A . José de Sousa e Silva Paixão, CPPT Comentado e Anotado, 1ª ed., pág. 237.
Ora, os recorrentes, pelas razões já escalpelizadas, entendem que deve ser ordenada a suspensão da instância, na pendência da acção cível, ou a renovação dos meios de prova, com vista ao cabal esclarecimento dos negócios do recorrente varão com o denunciante José Pires.
O certo é que, caso o juiz não tenha investigado, como devia, os factos, pode ser determinada por esta instância a necessidade de ampliação da matéria de facto, ao abrigo do nº 4 do artº 712º do CPC, o que não traduz o cometimento de nulidade.
Por outro lado, anulada a decisão da 1ª instância nos termos do artº712º nº 4, do C.P.C., disposição que acolhe no nosso direito processual civil o regime cassatório deve o tribunal recorrido proferir nova decisão pois, quando o Tribunal de 2ª instância anula a decisão de 1ª instância, embora subsista a instância no sentido de instância processual que se extinguirá nos casos referidos no art.287º do CPC, deixou de subsistir o recurso até então pendente interposto da sentença proferida pelo tribunal recorrido (vd., nesse sentido, o Ac. RL, de 22.1.2004: Proc. 105 I 8/2003-8.dgsi.Net).
Acresce que, face ao preceituado no art.º 712 nº, 3, do C.P.Civil, a lei permite que a 2ª instância forme diversa convicção da formada em primeira instância nomeadamente, recorrendo a outros meios de prova ou renovando os meios de prova já produzidos em primeira instância, sempre que o repute necessário mas não lhe impõe a repetição do julgamento para além da parte impugnada da decisão, como regra do regime.
Ora, a renovação dos meios de prova é ancorada pelos recorrentes no facto de a materialidade considerada na fundamentação da liquidação impugnada se basear em documentos extraídos de um inquérito e de uma acção judicial, que são documentos autênticos e, como tal, fazem prova plena dos factos que referem como praticados pelo funcionário que os passou, assim como dos factos que nela são atestados com base nas percepções do mesmo. Já não abrange, porém, as declarações dela constantes, sendo o documento, quanto a elas, mero meio de prova, a apreciar livremente pelo tribunal, de acordo com a livre convicção do julgador.
Sendo assim, não podia a AF e a sentença dar como certos e verdadeiros os factos que se discutem naqueles processos, sem que houvesse decisão definitiva quanto aos factos neles investigados.
E a reapreciação da matéria de facto, por este Tribunal, no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 712º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente à sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova (Ac. STJ, de 14.3.2006 CJ/STJ, 2006 1º-130).
Ora, como já supra se demonstrou, esses erros e falhas na apreciação da prova existiram e resultaram de não se ter decretado a suspensão da instância nos termos do artº 279º do CPC, quando havia para tanto motivo justificado.
Logo que julgada a causa considerada prejudicial e motivo justificado de tal suspensão, deverão ser coligidos para os autos os documentos consubstanciadores da decisão transitada em julgado, face aos quais haverá, então, que proceder à renovação dos meios de prova nos termos do nº 4 do art.712º do C.P.C, por esses meios de prova se mostrarem “absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada”.
Termos em que procedem as conclusões do recurso sob análise, a impor a revogação da sentença.
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Todavia, como se disse, o uso do poder estabelecido no art.º 712 nº, 4, do C.P.Civil, não impõe a repetição do julgamento para além da parte impugnada da decisão, como regra do regime.
Sendo assim, esse regime não impede, antes impõe, que em relação à outra matéria que não se baseou na referida acção, se conheça do objecto do recurso.
E, nesse ponto, concorda-se inteiramente com o fundamentado e decidido na sentença recorrida.
Com efeito, afigura-se-nos correcta a qualificação a dar aos rendimentos obtidos pelo impugnante A...por conta da H...Group pela singela razão de que os factos são inequívocos e aquele não logrou demonstrar o contrário.
É que evidencia o probatório que no decurso do ano de 2005, sempre antes de 16/06, o impugnante interveio numa prova/rali na qual obteve um prémio no valor de 2.706,00€ entregue pela H...Group e sobre o qual esta efectuou retenção na fonte de 406,00€.
Tendo o impugnante emitido o competente recibo e não logrando demonstrar que no decurso desse ano, no que lhe antecedeu ou no que lhe sucedeu, haja auferido valores por idêntica actividade e pela mesma entidade pagos, à míngua de outros elementos que permitam ao tribunal enquadrar tal rendimento como pretendido pelo impugnante na categoria dos profissionais, devendo ser qualificado como acto isolado a tributar como pertencente à categoria B nos termos do disposto no art. 3°, n° 2, al. b) e n° 3 do CIRS.
Improcede, pois, o recurso nesta parte, não padecendo a liquidação adicional de ilegalidade que acarrete a sua anulação.

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4. Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a suspensão da instância até à decisão, com trânsito em julgado, da acção cível supra identificada, devendo, após, proceder-se à renovação da prova nos termos do artº 712º nº4 do CPC, recorrendo aos meios de prova obtidos a partir daquele processo e/ou renovando os meios de prova já produzidos em primeira instância, mantendo-se a sentença no que tange aos rendimentos obtidos pelo impugnante A...por conta da H...Group.
Custas pelos recorrentes em função do seu decaimento.
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Lisboa, 12 de Maio de 2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)