Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1872/10.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IRC;
FACTURA FALSA;
INDÍCIOS;
PROVA.
Sumário:
Aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, cabendo-lhe fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por L........, S.A., contra os actos de liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 2007 no montante total de € 4.609,11.

A Recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:

A) A sociedade impugnante (e ora recorrida) veio impugnar a liquidação de IRC e respectivos Juros Compensatórios, referente ao ano de 2007, na importância total de € 4.609,11, resultante das correcções meramente aritméticas efectuadas no âmbito de acção inspectiva realizada, em sede da qual se detectou a contabilização de factura indiciada como simulada, com a inerente desconsideração do valor de custos ou gastos contabilizados (bem como do afastamento do direito à dedução do IVA no período de imposto envolvido).

B) A douta sentença sob recurso entendeu enfim que os indícios constantes no relatório inspectivo não logravam colocar em causa a veracidade da factura emitida, não conseguindo inverter o ónus da prova quanto à existência da efectíva prestação de serviços.

C) Contudo, face aos indícios apurados, quer no procedimento inspectivo realizado junto da sociedade emitente, quer na acção inspectiva concretizada na sociedade utilizadora da factura posta em causa, a AT logrou reunir fundamentação bastante para promover as atinentes conecções em sede de IRC (e de IVA) - desconsideração dos custos (e do direito à dedução), nos termos conjugados dos artigos 23°, n° 1 e 77° do CIRC (e dos artigos 19°, n° 3 e 87° do CIVA).

D) O art. 75° da LGT determina que apenas quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, é que se deve presumir a veracidade dos dados e apuramentos dali resultantes, afastando-se tal presunção de veracidade sempre que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que aquela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.

E) Nesta situação em particular, a lei fiscal apenas exige à AT a demonstração de fundados indícios, determinando que estes são bastantes para fazer cessar a presunção de que, até então, beneficiava o contribuinte.

F) Neste circunstancialismo legai, recai sobre a sociedade impugnante demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos e respectivos suportes, provando os pressupostos em que assenta o direito à consideração dos custos ou gastos (e à dedução do IVA) que reclama.

G) Com a devida vénia, nesse exacto sentido, vejam-se os Acórdãos de 2003/04/30, do STA, processo 0241/03, do TCAN, de 2013/03/14, processo 01393/06.1BEBRG e do TCAN, de 2013/02/28, processo 00383/08.4BEBRG.

H) Pois que a AT, baseada nos indícios sérios que em sede inspectiva reuniu, no sentido de as operações suportadas pela factura posta em causa não haviam sido realizadas pelo preço nelas mencionado, atenta a disciplina do art. 23°, n° 1 do CIRC, não havia reconhecido o direito à consideração dos inerentes custos.

I) Pois que o art. 19°, n° 3 do CIVA só confere direito a dedução do imposto que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da actividade tributável realizada pelo sujeito passivo, afastando-o sempre que não se reporte a efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços ou, na formulação claríssima da própria norma, “(.. ) resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente’.

J) O art 19°, n° 3 do CIVA deve, assim, aplicar-se tanto em casos de simulação absoluta, como em situações de simulação relativa, no caso, simulação do valor das operações facturadas.

K) Com as devidas especificidades do próprio imposto, idêntico raciocínio se mostra válido à luz do n° 1 do art. 23° do CIRC, não podendo atender-se, enquanto custos, os valores contabilizados, dado não terem sido efectivamente suportados ou incorridos, faltando-lhes a necessária comprovação e indispensabilidade para a realização ou garantia dos proveitos ou rendimentos sujeitos a IRC.

L) Os indícios recolhidos pela AT (quer junto do emitente/fornecedor, quer junto da própria impugnante) revelam-se suficientes para demonstrar que o preço dos serviços subjacentes à facturação posta em causa era simulado.

M) Aceite esta prova assim realizada, finda a presunção da veracidade da declaração do contribuinte, bem como a veracidade da operação subjacente às facturas, passou a recair sobre a sociedade impugnante o ónus de demonstrar que ao conjunto de facturas em causa correspondeu o preço efectivamente facturado.

N) Prova que aliás a aqui impugnante estava em condições privilegiadas de produzir, mas não logrou produzir.

O) Pelo contrário, a AT demonstrou os pressupostos da sua iniciativa correctiva - art. 23° do CIRC e art. 74° da LGT, pelo que importa considerar que havia fundamento para rectificar a declaração do contribuinte, uma vez que havia sido considerada indevidamente a importância €15.930,00, enquanto custo do ano de 2007.

P) A sociedade Impugnante não tinha direito à discutida consideração de custos.

Q) Verifica-se erro de julgamento consubstanciado na deficiente avaliação da prova produzida.

R) A sentença sob recurso fez desacertada interpretação dos normativos aplicáveis, designadamente dos artigos 23°, n° 1 e 77° do CIRC (actual, 99°) e dos artigos 74°, 75°, n° 2 e 77° da LGT, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, anulando a decisão sob recurso, com o que se fará como sempre JUSTIÇA”

* *

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

* *

O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado que a administração tributária não recolheu indícios sérios e suficientes para considerar uma factura como falsa e como tal, não aceitar a sua dedução a título de custo/gasto.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos:

“Com interesse para a apreciação da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos, não impugnados, e pela prova testemunhal produzida, os seguintes factos:
A)
Em 04.07.2007, a Impugnante contratou a empresa “M………….., Lda.”, para a transformação de 80 vigas metálicas, incluindo o corte das mesmas, o corte das chapas para os topos, furações, desempanagem, soldaduras e decapagem. - (cfr. depoimento das testemunhas D........, A........ e N........).
B)
Os trabalhos referidos na alínea que antecede foram contratados pela Impugnante para a realização de parte da obra que se encontrava executar em Dillingen, na Alemanha. - (cfr. depoimento das testemunhas D........, A........ e N........).
C)
O preço global acordado para a elaboração dos trabalhos referidos em a) foi de € 15.930,00 acrescido de IVA. - (cfr. doc. de fls. 23 dos autos e depoimento da testemunha N........).
D)
O termo dos trabalhos foi fixado entre 10 a 13 de outubro de 2007. - (cfr. doc. de fls. 23 dos autos).
E)
Os trabalhos foram executados nas instalações da Impugnante e com materiais fornecidos por esta. - (cfr. doc. de fls. 23 dos autos e depoimento das testemunhas D........, A........ e N........).
F)
Os trabalhos contratados foram executados pelos funcionários da “M........, Lda.”, de acordo com as indicações técnicas dadas pela Impugnante. - (cfr. depoimento das testemunhas D........, A........ e N........).
G)
Em 22-10-2007, a “M........, Lda.”, emitiu a fatura n.º 362, em nome da Impugnante, no valor total de € 19.275,30, com as seguintes descriminações:
“Data de vencimento: 22-10-2007
Data de entrega: 22-10-2007
Descrição: Transformação e Preparação de vigas metálicas nas v/ instalações (vossa obra na Alemanha)
Valor: 15.930,00
IVA: 3.345,30
Total: 19.275,30”. - (cfr. doc. de fls. 26 dos autos).
H)
Em 06-12-2007, a Impugnante procedeu ao pagamento da fatura nº 362, através da emissão do cheque n.º ………. sob o B........, à ordem de “M........ . Lda”, no valor de € 19.275,30. - (cfr. docs. de fls. 27 e 28 dos autos).
I)
Das 80 vigas transformadas algumas foram soldadas, tendo no final resultado 64 peças, que foram transportadas para a obra na Alemanha em 07-12-2007. - (cfr. docs. de fls. 29 a 31 dos autos e depoimentos de D........, A........ e N........).
J)
Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria emitiram a ordem de serviço nº OI201000368, destinada à realização de ação inspeção à Impugnante, que decorreu entre 16-03-2010 e 19-06-2010 e incidiu sobre o IRC e IVA do ano de 2007. - (cfr. doc. de fls. 12 a 21 dos autos).

K)
Em 16-09-2010, foi elaborado o Relatório Final de Inspeção, no qual consta, na parte que releva para o caso dos autos, designadamente, o seguinte:
“(…)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
III.1. Factos e valores que indiciam a prática do crime fiscal
(…)
Da análise aos elementos disponíveis verifica-se que o principal fornecedor da M........, Lda. é F........, Lda., NIPC…………, representando mais de 90% de todas as compras de mercadorias e subcontratos registados pela M........, Lda..
Refira-se, ainda, que, pelo menos até 31/12/2008, data de cessação de F........, Lda., a M........ funciona nas mesmas instalações que essa firma, sitas em Parceiros, Leiria e que de acordo com a informação recolhida, nomeadamente informação relativa à negociação para os trabalhos faturados e relativa à movimentação de cheques, entre outros, ambas as firmas são geridas pela mesma pessoa: F........, sócio inicial de F........, Lda..
Da análise de toda a informação obtida verifica-se que existem fortes indícios da emissão de farturas falsas por parte da firma M........ , Unipessoal, Lda. porque:
Ø Sendo parte da sua faturação trabalhos que configuram a cedência de pessoal, esta empresa não apresenta custos relativos a funcionários, e de acordo com a informação obtida na Segurança Social a empresa não tem funcionários declarados a esta entidade;
Ø A M........, Lda. subcontrata quase todos os seus serviços e compra de matérias primas a F........, Lda., fornecedor que não possui funcionários e compras de materiais compatíveis com o volume de faturação detetada revelando, desta forma, que não possui estrutura que lhe permita ter efetivamente fornecido todos os bens e/ou prestado todos os serviços constantes das faturas emitidas.
Ø Para a maioria dos trabalhos faturados não terá havido um prévio contrato ou orçamento escrito;
Ø Para o transporte das mercadorias em causa (alegadamente feito por M........, Lda.) não foi detetada a emissão dos respetivos documentos de transporte, verificando-se, em quase todos os casos, que a respetiva fatura pretende servir de documento de transporte. Salienta-se, no entanto, que a empresa emitente não tem registado em seu nome viaturas que permitam fazer os transportes de alguns dos materiais faturados, tais como as barras de ferro, não tendo sido também detetado o recurso a empresas transportadoras;
Ø Detetaram-se situações em que a mesma viatura, propriedade de F........ e identificada em faturas de M........, Lda., consta como tendo realizado transportes em horas coincidentes para locais incompatíveis;
Ø Os vários documentos a que tivemos acesso foram emitidos em programas de faturação com 3 licenças distintas, sendo 2 delas de M........, Lda. e outra de F........, Lda. O aspeto gráfico das mesmas é semelhante, contendo na identificação do emitente 2 moradas, uma mais completa que outra e duas moradas distintas discriminadas em observações, independentemente do nº da licença do programa de faturação que a emite. Ocorrem ainda situações em que a fatura foi emitida em programa licenciado a M........, Lda. e as guias de transporte e os recibos foram emitidos em programa licenciado a F........, Lda.;
Ø Frequentemente, estão lançadas na contabilidade de M........, Lda. faturas que não foram apresentadas pelos clientes, e que desconhecemos se foram efetivamente emitidas para aqueles clientes e por aqueles valores;
Ø Detetaram-se faturas que não foram emitidas sequencialmente e pelo menos um caso em que a numeração das faturas é repetida;
Ø Detetaram-se ainda faturas que na contabilidade de M........, Lda. se encontram lançadas em contas correntes de clientes diferentes daqueles que nos apresentaram as respetivas faturas na contabilidade e por valores diferentes;
Ø Em muitas situações não foi obtida a prova do efetivo recebimento por parte da firma emitente dos valores faturados uma vez que:
o Muitos dos recebimentos foram justificados como tendo ocorrido em numerário;
o Dos recebimentos justificados com cheque existem vários emitidos ao portador, outros emitidos à ordem de terceiros (não relacionados com as transações em análise) e outros emitidos à ordem de M........, Lda mas que foram endossados;
o Dos recebimentos justificados com cheque, alguns terão sido levantados por sócios, empregados elou familiares das empresas emitentes dos cheques (ou seja das empresas clientes);
o Dos recebimentos justificados com cheque, alguns foram depositados em contas que apenas foram identificadas no respetivo cliente ou em contas dos sócios das firmas clientes;
o Em algumas situações existe uma grande distância entre a data de emissão dos cheques e a data do respetivo movimento bancário, que chega a ser superior a 4 meses;
o Alguns clientes seus admitiram a existência de faturação simulada por parte de M........, Lda., tendo entregue as correspondentes declarações de substituição para efeitos de IVA e IRC, regularizando a sua situação fiscal.
III.1.2. Elementos relacionados com L........, S.A.
Foi detetada 1 fatura emitida por parte de M........, Lda. em nome deste cliente em Outubro de 2007 no montante de € 15.930,00 acrescido de IVA no valor de € 3.345,30, que segue:

DATA FATURA CLIENTE NIF BASE IVA TOTAL
22-10-2007 362 L........, lda ………15 930,00 3 345,30 19 275,30
Total 15 930,00 3 345,30 19 275,30

A fatura refere a transformação e preparação de vigas metálicas nas instalações da L........, S.A., para obra na Alemanha. Pela descrição, verifica-se que está faturada cedência de pessoal, por parte de M........, Lda. No entanto, a fatura não identifica funcionários cedidos e não indica as horas e o preço-hora. Para além disso, não indica a data em que os serviços foram prestados conforme se encontra obrigada pela al. f) do nº 5 do artº 36º do CIVA. Nestes termos a fatura não cumpre com os requisitos constantes do artº 36º do CIVA pelo que o IVA não seria dedutível nos termos do nº 2 do art. 19º do CIVA.
Dado estarmos na presença de uma fatura relativa a cedência de pessoal torna-se necessário salientar que:
Ø Não são conhecidos funcionários da M........, Lda, uma vez que:
Ø Nenhum sujeito passivo declarou na declaração de rendimentos modelo 3 ter recebido rendimentos desta empresa;
Ø A M........ não apresenta na sua contabilidade custos com o pessoal;
Ø Não foram entregues declarações de remuneração na Segurança Social;
Ø Não se detetou o recurso por parte da M........, Lda a empresas de trabalho temporário, ou a subcontratação de serviços;
Ø O principal fornecedor da M........, Lda, firma que no período em análise exercia a atividade nas mesmas instalações, nem armazém em Parceiros, Leiria, e que é F........ Unipessoal, Lda, também não tinha funcionários em numero suficiente para executar a totalidade dos trabalhos realizados aos vários clientes de M........, Lda.
Quanto ao alegado pagamento foi exibida fotocópia frente e verso do cheque nº…………., do B....... emitido em 2007/12/06, pelo valor de € 19.275,30 à ordem de M........ Unip. Lda. Este cheque encontra-se endossado sendo que quem obrigou a M........, Lda. foi o senhor F........ dado ter sido ele a assinar o respetivo endosso. O cheque foi levantado em 2007/12/06 ao balcão do B....... Leiria e tem no verso a referência à conta nº ………. cujo titular desconhecemos mas que apenas é indicada neste cheque.
Atendendo ao exposto verifica-se a existência de fortes indícios de que esta fatura titula operações simuladas (ou seja, não tem subjacente a efetiva prestação de serviços ou venda de produtos), pelo que o IVA não dedutível nos termos do nº 3 do artº 19º do CIVA. Da mesma forma, os custos contabilizados, não comprovadamente necessários à realização de proveitos obtidos por L........, Lda. não serão aceites como custo fiscal nos termos do artº 23º do CIRC.
Períodos IVA
IRC
Base Trib IVA Matéria IRC
200710 15.930,00 3.345,30
TOTAL 2007 15.930,00 3.345,30 15.930,00 3.982,50

(…)
CONCLUSÃO
Face ao exposto, verifica-se que a fatura nº 362 emitida pela M........, Lda à L........, S.A. não tem subjacente a efetiva prestação de serviços pelo que se mantêm as correções propostas:
> Custos não necessários à realização de proveitos - €15.930,00
> IVA deduzido indevidamente - € 3.345,30”. - (cfr. fls 12 a 21 dos autos).
M)
Em 27-09-2010 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da Impugnante a liquidação adicional de IRC n.º …………… para o exercício de 2007 no valor a pagar de € 4.609,11. – (cfr. doc. de fls. 8 dos autos).
N)
Em 30-09-2010 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de acerto de contas com data limite de pagamento de 10-11-2010, no valor de € 4.609,11. – (cfr. fls, 6 dos autos).
O)
Na mesma data a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de liquidação de juros relativa ao IRC de 2010, no montante de € 387,67. – (cfr. fls. 7 dos autos).
**
Factos Não Provados
Inexistem factos cuja não prova releve para a decisão a proferir.
**
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo apenso, bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes.
O Tribunal assentou ainda a sua convicção no depoimento das testemunhas indicadas pelas partes, cujo depoimento foi claro e congruente, convencendo o Tribunal da sua veracidade.
A testemunha D........, respondeu com clareza às perguntas que lhe foram dirigidas e revelou conhecimento direito dos factos sobre os quais incidiu o seu depoimento. O conhecimento dos factos em discussão nos autos resulta da circunstância de trabalhar como administrativa para a Impugnante. Referiu que a M........ já havia antes prestado trabalhos para a Impugnante e que os trabalhos em causa foram contratados em virtude de uma obra que a Impugnante estava a fazer na Alemanha, tendo aquela sido contratada apenas para executar uma parte. Disse ainda que por regra, os pagamentos eram feitos a 45 dias e que as faturas são emitidas com a mesma data de entrega e de vencimento, por defeito. Referiu que os trabalhos foram executados nas instalações da Impugnante que adquiriu o material e controlava tecnicamente o trabalho, atenta a especificidade do mesmo.
A testemunha, A........, respondeu às questões que lhe foram perguntadas de modo claro, sem contradições, revelando conhecimento direto dos factos sobre que incidiu o seu depoimento, uma vez que exerce funções de Diretor de Produção da Impugnante. Referiu que conhece a empresa M........ há vários anos porque já haviam prestado trabalho para a Impugnante, noutras alturas. Sustentou que foi diretor de produção a obra da Alemanha, que para ser executada precisou de centenas de vigas, para compor a estrutura metálica. Por razões de controlo de qualidade, toda a obra de transformação das vigas foi levada a cabo nas instalações da Impugnante, tendo sido posteriormente enviadas as peças para a Alemanha. Explicou que as vigas são constituídas por vários subconjuntos de outras vigas, daí que seja natural que os trabalhos tenham iniciado com 80 vigas, mas terminado apenas com 62 peças para enviar. Referiu ainda que os trabalhadores da M........ eram sempre os mesmos e que tecnicamente obedeciam à Impugnante, mas os pagamentos e horários de trabalho nada tinha a ver com a Impugnante.
A testemunha N........, funcionário da impugnante com funções de orçamentista, revelou conhecimento direto dos factos, respondendo ao que lhe foi perguntado de forma clara, sem contradições. Referiu que esteve diretamente envolvido neste projeto para a Alemanha, na medida em que abordou diretamente a M........ para que lhe apresentasse um orçamento. O orçamento apresentado rondava os € 15.000,00. Sustentou que nesta atividade é normal subcontratar outras empresas. Reiterou que por questões de controlo de qualidade a obra foi integralmente executada nas instalações da Impugnante. Recorda-se de ter viso cerca de três ou quatro funcionários da M........ a trabalhar nas instalações da Impugnante.
A testemunha M......., arrolada pela Fazenda Pública, prestou esclarecimentos ao relatório da inspeção que elaborou, sem, contudo do seu depoimento resultar a prova de qualquer outro facto para além dos já dados por provados nos autos.”

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou procedente a impugnação judicial deduzida com referência à liquidação de IRC do exercício de 2007 tendo considerado que a AT não recolheu indícios suficientes para concluir pela existência de operação simulada relativa à factura emitida pela sociedade M........ Unipessoal, Lda., à ora Recorrida.

E relativamente aos indícios recolhidos pela AT vejamos o que a sentença menciona enquanto discurso fundamentador:
“(…) Atentemos então nesses indícios a fim de aferir se são suficientes para legitimar a sua atuação.
Como se referiu a Inspeção Tributária concluiu que existem fortes indícios de que a fatura em causa titula operações simuladas, ou seja que não tem subjacente uma efetiva prestação de serviços ou venda de produtos.
O que se verifica no relatório de inspeção elaborado, bem como da alegação expressa na contestação da Fazenda Pública, é que a Autoridade Tributária parte da análise da empresa M........, Lda, emitente da fatura, para daí desde logo concluir, que face à informação obtida existem fortes indícios de que a fatura seja falsa.
De entre o mais, é referido no relatório de inspeção que a M........, Lda, não apresenta custos relativos a funcionários, nem existe qualquer indicação na Segurança Social à existência de trabalhadores. Resulta ainda que foram detetadas várias incorreções em faturas emitidas pela M........ a outros clientes, faturas essas em que não existiu a prova do pagamento e em que alguns dos clientes constantes das faturas, admitiram a existência de faturação simulada.
Ora, destas conclusões, por si só, não é possível retirar nenhum indício de que a Impugnante tenha atuado em “conluio” com a M........, Lda. O facto da empresa contratada pela Impugnante ter sido alvo de inspeção e alegadamente ter emitido faturação simulada, não é suficiente para que se conclua que a Impugnante também o tenha feito.
Não é indício sério e bastante que a empresa contratada pela Impugnante tenha alegadamente emitido faturas falsas, não sendo uma consequência direta desse comportamento concluir que a Impugnante participa em negócio simulado.
Não bastam pois estes argumentos direcionadas à M........, para incluir a Impugnante no esquema de transações não efetuadas e tituladas em faturas emitidas pela prestadora de serviços. Os indícios que se exigem hão-de ser objetivamente direcionados à Impugnante, o que não sucede na caso presente.
Refere-se no relatório inspetivo que “A fatura refere a transformação e preparação de vigas metálicas nas instalações da L........, S.A., para obra na Alemanha. Pela descrição, verifica-se que está faturada cedência de pessoal, por parte de M........, Lda. No entanto, a fatura não identifica funcionários cedidos e não indica as horas e o preço-hora. Para além disso, não indica a data em que os serviços foram prestados (…).
Dado estarmos na presença de uma fatura relativa a cedência de pessoal torna-se necessário salientar que:
A) Não são conhecidos funcionários da M........, Lda., uma vez que:
i) Nenhum sujeito passivo declarou na declaração de rendimentos modelo 3 ter recebido rendimentos desta empresa;
ii) A M........ não apresenta na sua contabilidade custos com o pessoal;
iii) Não foram entregues declarações de remuneração na Segurança Social;
B) Não se detetou o recurso por parte da M........, Lda a empresas de trabalho temporário, ou a subcontratação de serviços;
C) O principal fornecedor da M........, Lda, firma que no período em análise exercia a atividade nas mesmas instalações, nem armazém em Parceiros, Leiria, e que é F........ Unipessoal, Lda, também não tinha funcionários em numero suficiente para executar a totalidade dos trabalhos realizados aos vários clientes de M........, Lda.
D) Quanto ao alegado pagamento foi exibida fotocópia frente e verso do cheque nº………., do B....... emitido em 2007/12/06, pelo valor de €19.275,30 à ordem de M........ Unip. Lda. Este cheque encontra-se endossado sendo que quem obrigou a M........, Lda foi o senhor F........ dado ter sido ele a assinar o respetivo endosso. O cheque foi levantado em 2007/12/06 ao balcão do B....... Leiria e tem no verso a referência à conta nº 24394067 cujo titular desconhecemos mas que apenas é indicada neste cheque.”
Concatenados todos estes indícios pode-se, desde já, afirmar que não são suficientes para se poder concluir pela existência de operação simulada.
Com efeito, a Inspeção Tributária não analisou a contabilidade da Impugnante, nem refere aspetos concretos em relação à atividade da mesma, apenas cingindo-se à fatura em causa.
A Inspeção Tributária não coloca em causa, de forma direta, que os trabalhos contratados não tenham existido. O que se verifica, e que é admitido na contestação, é que Administração Tributária detetou indícios de faturação simulada pela sociedade M........, concluindo genericamente que toda a faturação titula operações simuladas. Contudo, no que respeita à prestação de serviços com a Impugnante, não demonstra qualquer indício de que tal operação não se tenha realizado.
No que concerne ao cheque emitido pela Impugnante, a afirmação da Autoridade Tributária de que se desconhece o titular da conta indicada no verso do cheque, também não permite concluir pela simulação do negócio.
(…) Não se impõe que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 240.º do Código Civil, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, indícios sérios e objetivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que a fatura não titula uma operação real, pois de contrário seria praticamente impossível atingir aquele objetivo legal de combate à evasão fiscal.
Porém, face aos factos-índice acima descritos é de concluir que a AT não demonstrou de forma coerente e sustentada a existência de indícios de que a fatura em causa titula um negócio simulado.
Assim, conclui-se que a Administração Tributária, com os indícios constantes no Relatório de Inspeção Tributária, não logra colocar em causa a veracidade da fatura emitida, não conseguindo inverter o ónus da prova quanto à existência da efetiva prestação de serviços”.

Discordando do decidido vem a Fazenda Pública invocar que, face aos indícios apurados, quer no procedimento inspectivo realizado junto da sociedade emitente, quer na acção inspectiva concretizada na sociedade utilizadora da factura posta em causa, a AT logrou reunir fundamentação bastante para promover as atinentes conecções em sede de IRC (e de IVA) - desconsideração dos custos (e do direito à dedução), nos termos conjugados dos artigos 23°, n° 1 e 77° do CIRC (e dos artigos 19°, n° 3 e 87° do CIVA). (cfr. conclusão C) das suas alegações).

Invoca ainda que os indícios recolhidos pela AT (quer junto do emitente/fornecedor, quer junto da própria impugnante) revelam-se suficientes para demonstrar que o preço dos serviços subjacentes à facturação posta em causa era simulado (cfr. conclusão L) das alegações).
Concluindo que a sentença sob recurso fez desacertada interpretação dos normativos aplicáveis, designadamente dos artigos 23°, n° 1 e 77° do CIRC (actual, 99°) e dos artigos 74°, 75°, n° 2 e 77° da LGT, pelo que não deve manter-se (cfr. conclusão R) das alegações).

Apreciando.

A sociedade impugnante (e ora recorrida) impugnou judicialmente a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 2007, de que resultou o montante de € 4.609,11. A liquidação resultou de correcções meramente aritméticas realizadas no âmbito de acção inspectiva, na qual se detectou a contabilização de uma factura indiciada pela AT como simulada, com a inerente desconsideração do valor de custos ou gastos contabilizados (bem como do afastamento do direito à dedução do IVA no período de imposto envolvido).

O Tribunal a quo entendeu que os indícios constantes no relatório inspectivo não logravam colocar em causa a veracidade da factura emitida, não conseguindo inverter o ónus da prova quanto à existência da efectiva prestação de serviços, e como tal julgou procedente a impugnação determinando a anulação da mencionada liquidação.

Quanto ao âmbito e alcance do ónus da prova do art. 74º da LGT, nomeadamente no que se refere à extensão, abrangência ou amplitude desse ónus por parte da administração tributária (AT) nas situações em que se questiona a realidade da operação mencionada em factura, importa referir o entendimento uniforme e reiterado por parte dos tribunais superiores, de que são exemplo, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17/02/2016 – proc. 0591/15 (embora analise uma situação de IVA, para efeitos desta questão do ónus da prova é plenamente aplicável ao IRC) ao afirmar que “I - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”

No mesmo sentido, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2016 – proc. 0511/15 ao mencionar que “II- Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”

E acrescenta-se neste Acórdão “Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2.ª edição, pág. 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. n.º 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os acs. de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade – estendida aos seus elementos de apoio (art. 75.º da LGT) –, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:
«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349.º e 350.º do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de vista técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso – o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete (…)”

Recorde-se que o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) consagra que “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” estabelecendo assim uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita. Esta presunção implica que se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, da contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras.

Contudo, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, não sendo necessário demonstrar a falsidade das facturas. Basta à AT evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada, capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade, não sendo ainda necessário que faça prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

A AT poderá ainda ter em consideração elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes.

Importa ainda mencionar que, se necessário, a AT poderá recorrer à prova indirecta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154).

Prosseguindo, e como já foi referido, quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus da prova da realidade das operações tituladas pelas facturas.

Vejamos no caso em apreço se, conforme invoca a Recorrente, a AT cumpriu com o seu ónus, e, ao invés, o ora Recorrido não logrou provar nos presentes autos a veracidade da operação subjacente à factura.

Para tanto importa ter presente o que foi apurado pelos serviços de inspeção constante do relatório de inspecção e que se encontra elencado na alínea K) da matéria de facto assente na sentença recorrida.

Os serviços de inspeção tributária procederam à correcção da matéria tributável em sede de IRC do exercício de 2007 não tendo sido aceite como dedutível, enquanto gasto nos termos do art. 23º do CIRC, o montante de € 15.930,00 porquanto esse valor resulta da factura nº 362 emitida em 22/10/2007 pela sociedade M........, Unipessoal, Lda., factura que foi considerada por aqueles serviços como fictícia e que não titulava uma operação real.

Importa assim analisar que indicadores seguros, credíveis e consistentes da falsidade daquela factura foram recolhidos pela AT para que considerasse que não correspondia a uma operação real.

Reitera-se que nestas situações, em termos de ónus da prova a cargo da AT, é pacífico que esta não tem de provar a simulação, mas tem apenas de recolher indícios de que as operações a que se referem as faturas não ocorreram efetivamente. Nestes casos, como já referido, cessa a presunção de veracidade da contabilidade, passando o ónus da prova para o sujeito passivo, cabendo a este demonstrar a efetividade das operações, individualmente consideradas.

Com base na matéria assente, o tribunal a quo considerou, como acima foi transcrito, que a AT não recolheu indícios suficientes que apontassem com elevado grau de probabilidade que a sociedade M......., Lda., não prestou o serviço titulado pela factura em causa. Considera o Tribunal a quo que das conclusões vertidas no relatório a propósito da sociedade emissora da factura, “(…) por si só, não é possível retirar nenhum indício de que a Impugnante tenha atuado em “conluio” com a M........, Lda. O facto da empresa contratada pela Impugnante ter sido alvo de inspeção e alegadamente ter emitido faturação simulada, não é suficiente para que se conclua que a Impugnante também o tenha feito.
Não é indício sério e bastante que a empresa contratada pela Impugnante tenha alegadamente emitido faturas falsas, não sendo uma consequência direta desse comportamento concluir que a Impugnante participa em negócio simulado.
Não bastam pois estes argumentos direcionadas à M........, para incluir a Impugnante no esquema de transações não efetuadas e tituladas em faturas emitidas pela prestadora de serviços. Os indícios que se exigem hão-de ser objetivamente direcionados à Impugnante, o que não sucede na caso presente.”

Desde já se afirma que concordamos com o assim decidido, explicitando de seguida porque assim o entendemos.

Na verdade, se atentarmos nos indícios recolhidos pelos serviços de inspecção tributária vertidos na alínea K) do probatório, verificamos que assentam essencialmente em factos relacionados com a sociedade emitente da factura, como de seguida se transcreve:

Ø “ (…) A M........, Lda. subcontrata quase todos os seus serviços e compra de matérias primas a F........, Lda., fornecedor que não possui funcionários e compras de materiais compatíveis com o volume de faturação detetada revelando, desta forma, que não possui estrutura que lhe permita ter efetivamente fornecido todos os bens e/ou prestado todos os serviços constantes das faturas emitidas.
Ø Para a maioria dos trabalhos faturados não terá havido um prévio contrato ou orçamento escrito;
Ø Para o transporte das mercadorias em causa (alegadamente feito por M........, Lda.) não foi detetada a emissão dos respetivos documentos de transporte, verificando-se, em quase todos os casos, que a respetiva fatura pretende servir de documento de transporte. Salienta-se, no entanto, que a empresa emitente não tem registado em seu nome viaturas que permitam fazer os transportes de alguns dos materiais faturados, tais como as barras de ferro, não tendo sido também detetado o recurso a empresas transportadoras;
Ø Detetaram-se situações em que a mesma viatura, propriedade de F........ e identificada em faturas de M........, Lda., consta como tendo realizado transportes em horas coincidentes para locais incompatíveis;
Ø Os vários documentos a que tivemos acesso foram emitidos em programas de faturação com 3 licenças distintas, sendo 2 delas de M........, Lda. e outra de F........, Lda. O aspeto gráfico das mesmas é semelhante, contendo na identificação do emitente 2 moradas, uma mais completa que outra e duas moradas distintas discriminadas em observações, independentemente do nº da licença do programa de faturação que a emite. Ocorrem ainda situações em que a fatura foi emitida em programa licenciado a M........, Lda. e as guias de transporte e os recibos foram emitidos em programa licenciado a F........, Lda.;
Ø Frequentemente, estão lançadas na contabilidade de M........, Lda. faturas que não foram apresentadas pelos clientes, e que desconhecemos se foram efetivamente emitidas para aqueles clientes e por aqueles valores;
Ø Detetaram-se faturas que não foram emitidas sequencialmente e pelo menos um caso em que a numeração das faturas é repetida;
Ø Detetaram-se ainda faturas que na contabilidade de M........, Lda. se encontram lançadas em contas correntes de clientes diferentes daqueles que nos apresentaram as respetivas faturas na contabilidade e por valores diferentes;
Ø Em muitas situações não foi obtida a prova do efetivo recebimento por parte da firma emitente dos valores faturados uma vez que:
· Muitos dos recebimentos foram justificados como tendo ocorrido em numerário;
· Dos recebimentos justificados com cheque existem vários emitidos ao portador, outros emitidos à ordem de terceiros (não relacionados com as transações em análise) e outros emitidos à ordem de M........, Lda mas que foram endossados;
· Dos recebimentos justificados com cheque, alguns terão sido levantados por sócios, empregados elou familiares das empresas emitentes dos cheques (ou seja das empresas clientes);
· Dos recebimentos justificados com cheque, alguns foram depositados em contas que apenas foram identificadas no respetivo cliente ou em contas dos sócios das firmas clientes;
· Em algumas situações existe uma grande distância entre a data de emissão dos cheques e a data do respetivo movimento bancário, que chega a ser superior a 4 meses;
· Alguns clientes seus admitiram a existência de faturação simulada por parte de M........, Lda., tendo entregue as correspondentes declarações de substituição para efeitos de IVA e IRC, regularizando a sua situação fiscal.”

Mas importava essencialmente a recolha de indícios junto da Recorrida por forma a provar que a operação titulada pela factura nº 362 referente a “transformação e preparação de vigas metálicas nas v/ instalações (vossa obra na Alemanha)”, no montante de € 19.275,30 não poderia ser aceite como custo dado tratar-se de uma factura falsa.

E quanto ao Recorrido, assinala-se igualmente na alínea K) do probatório, os indícios recolhidos e que são os seguintes:
“A fatura refere a transformação e preparação de vigas metálicas nas instalações da L........, S.A., para obra na Alemanha. Pela descrição, verifica-se que está faturada cedência de pessoal, por parte de M........, Lda. No entanto, a fatura não identifica funcionários cedidos e não indica as horas e o preço-hora. Para além disso, não indica a data em que os serviços foram prestados conforme se encontra obrigada pela al. f) do nº 5 do artº 36º do CIVA. Nestes termos a fatura não cumpre com os requisitos constantes do artº 36º do CIVA pelo que o IVA não seria dedutível nos termos do nº 2 do art. 19º do CIVA.
Dado estarmos na presença de uma fatura relativa a cedência de pessoal torna-se necessário salientar que:
Ø Não são conhecidos funcionários da M........, Lda, uma vez que:
Ø Nenhum sujeito passivo declarou na declaração de rendimentos modelo 3 ter recebido rendimentos desta empresa;
Ø A M........ não apresenta na sua contabilidade custos com o pessoal;
Ø Não foram entregues declarações de remuneração na Segurança Social;
Ø Não se detetou o recurso por parte da M........, Lda a empresas de trabalho temporário, ou a subcontratação de serviços;
Ø O principal fornecedor da M........, Lda, firma que no período em análise exercia a atividade nas mesmas instalações, nem armazém em Parceiros, Leiria, e que é F........ Unipessoal, Lda, também não tinha funcionários em número suficiente para executar a totalidade dos trabalhos realizados aos vários clientes de M........, Lda.
Quanto ao alegado pagamento foi exibida fotocópia frente e verso do cheque nº……….., do B....... emitido em 2007/12/06, pelo valor de € 19.275,30 à ordem de M........ Unip. Lda. Este cheque encontra-se endossado sendo que quem obrigou a M........, Lda. foi o senhor F........ dado ter sido ele a assinar o respetivo endosso. O cheque foi levantado em 2007/12/06 ao balcão do B....... Leiria e tem no verso a referência à conta nº ………. cujo titular desconhecemos mas que apenas é indicada neste cheque.
Atendendo ao exposto verifica-se a existência de fortes indícios de que esta fatura titula operações simuladas (ou seja, não tem subjacente a efetiva prestação de serviços ou venda de produtos), pelo que o IVA não dedutível nos termos do nº 3 do artº 19º do CIVA. Da mesma forma, os custos contabilizados, não comprovadamente necessários à realização de proveitos obtidos por L........, Lda. não serão aceites como custo fiscal nos termos do artº 23º do CIRC.

Períodos IVA
IRC
Base Trib IVA Matéria IRC
200710 15.930,00 3.345,30
TOTAL 2007 15.930,00 3.345,30 15.930,00 3.982,50


Releva-se que, por um lado não se encontra fundamentada a razão pela qual os serviços de inspecção assumem tratar-se de uma cedência de pessoal, dado que consta da factura “transformação e preparação de vigas metálicas nas v/ instalações (vossa obra na Alemanha)”, podendo tal prestação de serviços consubstanciar-se numa empreitada de mão-de-obra como é mencionado na decisão recorrida, por outro lado os elementos recolhidos são escassos e diremos nós, insuficientes, para que a operação titulada por aquela factura seja considerada como fictícia.

Na verdade os indícios recolhidos assentam por um lado, na caracterização da operação como cedência de pessoal e na manifesta impossibilidade de realização dessa cedência por parte da M........, Lda., dado que não eram conhecidos funcionários desta (não existia registo de custos com pessoal, nem declarações de remuneração na segurança social) e não foi detectado o recurso a subcontratação, por outro lado que a factura não respeitava os requisitos enunciados no art 36º do CIVA e, finalmente, que o meio de pagamento (cheque) emitido à ordem da M........ Lda., foi endossado por F......., com a indicação no verso de uma conta bancária cujo titular os serviços desconhecem, tendo o cheque sido levantado ao balcão do Banco.

Ora de concreto e relativamente à Recorrida resulta apenas a questão do pagamento, que diga-se, não merece qualquer reparo porquanto a Recorrida efectuou o pagamento do valor da factura através de cheque emitido à ordem da sociedade M........, Lda., sendo que o facto de ter sido endossado e levantado ao balcão do Banco, por si só, não afecta a regularidade do pagamento por parte da Recorrida nem indicia a falsidade da operação.

Conclui-se assim que a administração tributária não recolheu indícios suficientes e credíveis que abalem a presunção de veracidade do art. 75º da LGT. Ademais, importa ainda referir que da prova produzida, em especial da prova testemunhal, resulta que a prestação de serviços titulada pela factura em questão mostra-se provada devendo o seu valor ser aceite como custo do exercício de 2007.

Em face do exposto conclui-se que o recurso apresentado não merece provimento, sendo de manter a sentença recorrida.

V- DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente

Lisboa, 11 de Março de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luísa Soares