Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:361/11.6BELLE
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PROCEDIMENTO CONCURSAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O princípio da igualdade de tratamento, o princípio da imparcialidade subjetiva ou negativa, o princípio da imparcialidade objetiva ou positiva e o princípio da transparência são princípios materiais conformadores de qualquer procedimento de recrutamento a levar a cabo no âmbito da Administração Pública.
II - A fundamentação-justificação do ato administrativo predominantemente vinculado e a fundamentação-motivação do ato administrativo predominantemente discricionário, ainda que feitas por remissão ou de forma sintética, não podem deixar de ser claras, congruentes e encerrar os aspetos essenciais, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e o itinerário ponderativo ou valorativo prosseguido pela Administração para a decisão adotada.
III – Viola o dever de fundamentação o júri em que cada jurado fundamenta a sua decisão com recurso a critérios próprios ou diferentes entre si.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
L.., casado, contribuinte fiscal n.º …, docente da Universidade do Algarve, e com domicílio na Urbanização …, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de LOULÉ ação administrativa especial contra
- UNIVERSIDADE DO ALGARVE, com sede na Estrada da Penha, 8005-139 Faro;
Indicando como contra-Interessada, M…, com domicílio profissional na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139, Faro.
Os pedidos formulados foram os seguintes:
1 - Anulação da deliberação de 7/12/201O do júri do concurso documental, para provimento de uma vaga de professor associado do grupo de Psicologia da Universidade do Algarve, aberto através do Edital n.º 202/2006, publicado no D.R. II série de 24/4/2006, que aprovou o projecto de lista de ordenação dos candidatos opositores a tal concurso, deliberação esta com a sua execução já desencadeada conforme o referido no artigo 101 da p.i.
2 - Anulação do despacho do Sr. Reitor da Universidade do Algarve de 23/2/2011 publicado no D.R. II série de 3/3/2011 que autorizou a celebração com a Drª … do contrato de trabalho em funções publicas por tempo indeterminado, e em Regime de TERNURE, como Professora Associada, com exclusividade, do Grupo de Psicologia do mapa de pessoal docente do Ensino Superior Universitário da Universidade do Algarve, com efeitos a partir do dia seguinte ao da referida publicação no Diário da República, auferindo a remuneração ilíquida correspondente ao escalão l, índice 220 da tabela remuneratória aplicável aos docentes do Ensino Superior Universitário.
3 - Anulação do contrato de trabalho em Funções Publicas por tempo indeterminado e em Regime de TERNURE como Professora Associada, com exclusividade, do Grupo de Psicologia do mapa de pessoal docente do Ensino Superior Universitário da Universidade do Algarve, com efeitos a partir do dia seguinte ao da publicação no Diário da República, referida na alínea anterior, auferindo a remuneração ilíquida correspondente ao escalão l, índice 220 da tabela remuneratória aplicável aos docentes do ensino superior universitário, celebrado entre a Universidade Ré e a Dr.ª …, e autorizado pelo despacho referido na alínea anterior.
4 - Ser a Universidade do Algarve, ora Ré, condenada à adopção dos actos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria se os actos e o contrato cuja anulação ora se requer não tivessem sido praticados, tudo a concretizar nos termos do previsto no artigo 95.4 do C.P.T.A.
Por sentença de 19-09-2014, foi julgada improcedente a acção proposta.
A 15-10-2014, o Autor reclamou para a conferência da sentença proferida.
Por acórdão de 19-06-2015, o TAF de Loulé indeferiu a reclamação para a conferência.
Na sequência de recurso deduzido deste acórdão do TAF de Loulé pelo autor, este TCA Sul proferiu em 13-09-2016 acórdão em que julgou procedente o recurso, declarando a nulidade do acórdão proferido pelo TAF de Loulé, ordenando ao Tribunal a quo a emissão do acórdão previsto no nº 3 do artigo 40º do ETAF.
Em 30-11-2016, e em cumprimento do exarado por este TCA Sul, o TAF de Loulé emitiu novo acórdão, onde indeferiu novamente a reclamação apresentada, confirmando a sentença anteriormente proferida.
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Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
a. No concurso documental para abertura de uma vaga de professor associado do grupo de Psicologia da Universidade do Algarve aberto através do Edital nº 202/2006, publicado no D.R. 2ª série de 24.04.2006, ora em apreço, o júri, em função de pronúncia do ora recorrente e do consequente despacho do Sr Reitor da referida Universidade que lhe deu razão, deixou cair critérios de selecção de candidatos que ele próprio havia anteriormente definido, nomeadamente na designada "vertente extensão", em que não acrescentou às duas outras vertentes avaliativas, a científica e a pedagógica, o peso avaliativo que aquela detinha antes de ser retirada.
b. Fê-lo, contudo, em 07.12.2010, quando conhecia os currículos dos candidatos e os relatórios dos mesmos desde 05.11.2009.
c. Aos concursos que seguem o ECDU aprovado pela Lei nº 19/80 de 16.01, como ocorre, in casu, são aplicáveis as garantias gerais constantes do artigo 5 n.ºs 1 e 2 do D.L. 204/98 de 11/07, nos termos do disposto no artigo 3.2. desse mesmo decreto-lei e artigos 266, nº 2 da CRP e 6º, do CPA. Cfr. Acs do STA (Pleno da Secção) de 23.11.2007 e de 29.11.2012, processo 01031/12.
d. Tais garantias visam acautelar, nomeadamente, a igualdade, a imparcialidade, e a transparência, de modo a que o júri, ou qualquer dos seus membros, não possa afeiçoar critérios por via do conhecimento prévio dos currículos dos candidatos, bastando a possibilidade de o fazerem para que tais princípios se mostrem violados.
e. ln casu, o acórdão recorrido, ao ter acolhido e confirmado a sentença proferida em lª instância que, assim não o entendeu, interpretou e aplicou incorrectamente o direito, com a consequente violação do disposto nos artigos, 5 nºs 1 e 2 do O.L. 204/98 de 11/07, nos termos do disposto no artigo 3.2. desse mesmo decreto-lei e 266, nº 2 da CRP e 6º do CPA.
Por outro lado,
f. No aviso de abertura do concurso em apreço não contam definidos ou elencados os métodos de selecção a utilizar, o sistema de classificação dos candidatos, nem qualquer referência de que os mesmos constam em acta do júri, tudo de modo a permitir aos candidatos, antes do termo do prazo de apresentação das candidaturas, orientarem a sua estratégia de acordo com as regras de avaliação e pontuação estabelecidas.
g. Tal omissão viola frontalmente o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 3º nº 2, 5º, nºs l e 2 alíneas b) e c) e 27º, alíneas f) e g) do D.L. 204/98 de 11 de julho em vigor à data da abertura do concurso em causa.
h. O acórdão recorrido, ao ter acolhido e confirmado a sentença proferida em 1ª instância que, assim não o entendeu, interpretou e aplicou incorrectamente o direito, com a consequente violação de tais normas. Igualmente,
i. Não obstante, na acta de 07.12.2011 do júri, constar que a ordenação dos candidatos foi feita apenas com base no mérito científico e pedagógico do curriculum vitae dos candidatos e do valor pedagógico e cientifico dos relatórios apresentados pelos mesmos, o que é certo é que, conforme se extrai do ora plasmado no segmento 20º do presente recurso, os membros do júri aí referidos, de per si, definiram eles próprios novos critérios que vão para além daqueles e sem que,
j. O júri, como órgão, tivesse deliberado adaptar tais critérios, para seriar os candidatos.
k. Tal violou os princípios, da divulgação atempada dos critérios e da adopção de critérios objectivos de avaliação, previstos no artigo 5° nºs 1 e 2, alíneas b) e c) do D. L. 204/98 de 11 de julho aplicado, in casu, por força do disposto no artigo 3.2. desse mesmo decreto-lei. Cfr. Ac do STA - Pleno da Secção - de 13.11.2007, proc. 1140/06
l. O acórdão recorrido, ao assim não o ter reconhecido, na senda do entendimento já manifestado pela sentença proferida em 1ª instância que confirmou e absorveu, fez incorrecta interpretação e aplicação do direito, com a violação das normas e princípios vertidos na conclusão anterior.
Por outro lado,
m. O júri atribuiu uma posição relativa a cada um dos candidatos, classificando-os como primeiro e segundo, sem ter pontuado os vários itens em que se decompõem o mérito científico e pedagógico do curriculum vitae de cada um e bem assim os itens em que se decompõe o valor pedagógico do relatório por eles apresentado.
n. O júri efectuou, assim, uma avaliação curricular comparativa entre os candidatos, sem levar em linha de conta os pressupostos constantes dos artigos 5.2, alínea c) do Decreto-Lei 204/98 de 11/07 e 38 e 49 nº 2 do Estatuto da Carreira Docente Universitária, nomeadamente que do processo concursal resulte uma pontuação individual dos candidatos.
o. Neste sentido se pronunciou o Ac do T. C. A. do Norte de 15.04.2011, processo nº 00338/06.3BEMDL da 1º Secção, dizendo no ponto 4 do respectivo sumário o seguinte: "Não tendo sido divulgados ou sequer estabelecidos os critérios de selecção a utilizar e do sistema de classificação final, a avaliação feita pelo júri, de comparação directa entre os currículos dos candidatos, colocando um em primeiro lugar e o outro, por contraposição, em segundo,, padece necessariamente de erro nos pressupostos e de violação do disposto nos artigos 38º, 49º nº l , do Estatuto da Carreira Docente Universitária, preceitos estes que impõem a valoração individual dos currículos dos candidatos, resultando a posição relativa de ambos, indirectamente, da classificação obtida por cada um."
p. Ao, assim, não o ter entendido, corroborando o entendimento vertido na sentença produzida em 1 º instância o acórdão ora recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito com a violação dos pressupostos vertidos na alínea c) do artigo 5.2. do D.L. 204/98 de 11/07 e nos artigos 38 e 49 nº 2 do Estatuto da Carreira Docente Universitária aprovada pela Lei 19/80 de 16.07, nomeadamente que do processo concursal resulte uma pontuação individual dos candidatos.
Igualmente,
q. O júri não enunciou os métodos de seleção a utilizar, o sistema de classificação final, não avaliou os candidatos com base em pontuações concretas no quadro de uma opção classificativa, limitando-se os seus membros a meras referências a elementos constantes dos currículos dos candidatos.
r. Não existe uma fundamentação da deliberação do júri como um todo, mas apenas e só da decisão de cada um dos seus membros de per si considerados, de onde resulta não ter a mesma uma só fundamentação, mas sim muitas ao mesmo tempo e diferentes, cada uma delas de cada elemento do júri de per si considerado
s. O resultado terá que ser, logicamente, uma frontal violação do artigo 125 do CPA, decorrente de uma fundamentação composta, incoerente e obscura o que equivale à falta de fundamentação.
t. Inexistindo um modelo de avaliação uniforme para todos os candidatos e verificando-se que os membros do júri se basearam em diferentes factores de avaliação, a fundamentação torna-se necessariamente obscura e contraditória como entenderam os acórdãos do TCA do Sul de 09.11.2006 e de 25. 10.2012, processos 0663 /05 e 04562/08 respectivamente.
u. O acórdão recorrido, ao assim não o entender, na senda da ratificação integral da sentença proferida em 1ª instância, errou na interpretação e aplicação do direito, violando as disposições conjugadas dos artigos 124 nº 1 e 125 nº 2 do CPA.
v. No sentido da procedência do presente recurso pronunciou-se o parecer do Ministério Público de 11.11.2015 proferido ao abrigo do disposto no artigo 146 nº 1 do CPTA
Por outro lado,
w. Em função dos vícios do acórdão recorrido, ora invocados, e em consequência deverá esse tribunal conceder provimento ao alegado e peticionado pelo autor nos artigos 88 a 92 e 106 a 107 tudo da petição inicial por ser matéria a conhecer, apenas, após ter sido decretada a anulabilidade da deliberação do júri do concurso de 7/ 12/2010, conforme o peticionado na p.i., o que, desde já, se reitera.
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A recorrida contra-alegou, concluindo pela manutenção da sentença.
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Por sua vez, a contra-interessada terminou as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
1. O douto acórdão recorrido mostra-se elaborado de acordo com a matéria de facto dada como provada ao tempo dos factos (2010).
2. À matéria dada como provada foram aplicadas as normas jurídicas pertinentes devidamente interpretadas, pelo que se não descortina que a decisão proferida sofra de qualquer erro de facto ou de direito ou da violação de normas pertinentes à matéria de facto.
3. Improcedem todas as conclusões apresentadas pelo recorrente.
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O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.
E é mister atender a esta delimitação, dado que o recorrente, nas conclusões formuladas, arrima-se de diversas questões que não foram abordadas na sentença sob recurso. Em síntese nossa:
A - O aviso de abertura do concurso em apreço viola o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 3º nº 2, 5º, nºs l e 2 alíneas b) e c) e 27º, alíneas f) e g) do D.L. 204/98 de 11 de julho em vigor à data da abertura do concurso em causa, dado que não indica os métodos de selecção a utilizar, o sistema de classificação dos candidatos, nem qualquer referência de que os mesmos constam em acta do júri? (conclusões F a H),
B - Definiram os membros do júri novos critérios que vão para além dos que constam na ata de 07/12/2011 (mérito científico e pedagógico do curriculum vitae dos candidatos e valor pedagógico e cientifico dos relatórios apresentados pelos mesmos) e sem que, o júri, como órgão, tivesse deliberado adaptar tais critérios, para seriar os candidatos, assim se mostrando violados os princípios da divulgação atempada dos critérios e da adopção de critérios objectivos de avaliação, previstos no artigo 5° nºs 1 e 2, alíneas b) e c) do D. L. 204/98 de 11 de Julho aplicado, in casu, por força do disposto no artigo 3.2. desse mesmo decreto-lei? (conclusões I a L),
C - Ao atribuir uma posição relativa a cada um dos candidatos, classificando-os como primeiro e segundo, sem ter pontuado os vários itens em que se decompõem o mérito científico e pedagógico do curriculum vitae de cada um e bem assim os itens em que se decompõe o valor pedagógico do relatório apresentado pelos candidatos, o júri efectuou uma avaliação curricular comparativa entre os candidatos, sem levar em linha de conta os pressupostos constantes dos artigos 5.2 , alínea c) do Decreto-Lei 204/98 de 11/07 e 38 e 49 nº 2 do Estatuto da Carreira Docente Universitária, nomeadamente que do processo concursal resulte uma pontuação individual dos candidatos? (conclusões M a P).
Ora, analisada a sentença sob recurso, facilmente se descortina que a mesma não abordou a matéria inclusa nas conclusões F a P.
Não se desconhece que o Autor e agora recorrente já tinha elencado tais questões, quer em sede de petição inicial, quer em sede de reclamação para a conferência.
Não se desconhece também que, embora tais questões não estejam expressamente identificadas no petitório formulado em sede de petição inicial, supratranscrito, ainda assim bulem com os pedidos formulados naquela sede.
Todavia, constituía ónus do recorrente, caso vislumbrasse aqui uma omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo, arguir tal vício.
Não o tendo feito, e não estando nós perante matéria de conhecimento oficioso, caem as apontadas conclusões no âmbito de questões novas, delas não podendo, em consequência, este Tribunal de recurso conhecer.
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou declare nula, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, reunidos que se mostrem no caso os pressupostos e condições legalmente exigidos.
As questões a resolver neste recurso são, pois, as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS
O tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:
A - Pelo Edital nº 202/2006, publicado no DR, II Série, nº 80 de 2006.04.24, foi aberto concurso para uma vaga de Professor Associado do grupo de Psicologia do mapa de pessoal docente da Universidade do Algarve (cfr doc nº 1 da pi);
B - Pelo ofício de 2010.01.12, o Autor foi notificado que o júri “reunido em 07 de janeiro de 2010, deliberou sobre a ordenação dos candidatos admitidos, cuja fundamentação, se encontra nos documentos anexos” tendo-lhe sido facultado prazo para a audiência dos interessados (cfr fls 126 do pa);
C - Em 2010.01.28, o Autor pronunciou-se em sede de audiência dos interessados (cfr fls 57 a 70 do pa);
D - Por despacho de 2010.05.13, a Entidade Demandada revogou “todos os atos procedimentais praticados a partir da definição de critérios, recuperando contudo os actos praticados em momento anterior; solicitar ao júri que proceda de novo à avaliação dos candidatos, com base, apenas, no critério que já se mostrava plasmado na lei, ou seja, o do respectivo mérito científico e pedagógico, bem como no valor científico e pedagógico do relatório da disciplina, fundamentando devidamente a nova decisão” (cfr fls 36 do pa);
E - Pelo ofício de 2010.05.28, o Autor foi notificado do despacho de 2010.05.13, a Entidade Demandada (cfr fls 37 do pa);
F - Em 2010.12.07, o júri pronunciou-se sobre o mérito científico e pedagógico dos candidatos, desdobrada em A e B, determinando a ordenação dos candidatos (cfr fls 9 e 10 do pa);
G - Em 2010.12.07, na avaliação dos candidatos, realizada por J…, pode ler-se designadamente o seguinte: “Considerando o desempenho científico (…) e a capacidade pedagógica (…) e ainda o relatório (…) ordeno os candidatos do seguinte modo:
1º - C…
2º - L…” (cfr fls 12 do pa);
H - Em 2010.12.07, na avaliação dos candidatos, realizada por S…, pode ler-se designadamente o seguinte: “Tendo em conta a avaliação da documentação entregue por cada um dos candidatos, no que diz respeito ao mérito científico e pedagógico do currículo, bem como ao valor científico e pedagógico do relatório da disciplina, considero que a sua ordenação deve ser a seguinte:
1º)C…
2º) L…” (cfr fls 14 e 15 do pa);
I - Em 2010.12.04, na avaliação dos candidatos, realizada por Armando Machado, pode ler-se designadamente o seguinte:
“Mérito Científico
Atribuímos 60 pontos em 100 a esta dimensão e distribuímos estes pontos pelos seguintes itens:
Publicações Científicas (40 pontos);
Projectos de Investigação (15 pontos);
Outras Actividades Científicas (5 pontos). (…)
Mérito Pedagógico
Atribuímos 30 pontos em 100 a esta dimensão e distribuímos estes pontos pelos seguintes itens:
Docência (15 pontos);
Orientação e arguição de teses (10 pontos);
Outras Actividades Pedagógicas (5 pontos). (…)
Mérito do Relatório da Disciplina
Atribuímos 10 pontos em 100 a esta dimensão. (…)
A partir das avaliações expostas em cima, ordenámos os candidatos da seguinte maneira:
1º) L…, com 67.5 pontos.
2º) C…, com 39 pontos” (cfr fls 17 a 20 do pa);
J - Na Acta de 2010.12.07 do concurso, consta designadamente o seguinte: “para efectuar a ordenação dos candidatos com fundamento no mérito científico e pedagógico do curriculum vitae de cada um deles, mas também no valor pedagógico e científico do relatório (…).
Em seguida, o presidente deu a palavra a cada um dos membros do júri para se pronunciarem sobre o mérito científico, pedagógico do curriculum de cada um deles e do relatório e passou-se à votação e respectiva justificação. Foi votado candidato, para o primeiro lugar a Doutora M… e o candidato L… para segundo lugar. (…)” (cfr fls 21 a 23 do pa);
K - Pelo despacho de 2010.12.07, o júri proferiu decisão final graduando os candidatos ao concurso referido em A) facultando prazo para o exercício do direito de audiência prévia (cfr doc nº 1 da pi);
L - Nos termos da Informação nº 4/11, de 2011.01.18, da Directora de Recursos Humanos da Entidade Demandada, em 2011.01.11, a classificação e o concurso finalizaram (cfr fls 535 dos autos virtuais);
M - Pelo despacho de 2011.02.23 foi autorizado o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado e em regime de ternure, com a Doutora Maria C… como Professora Associada, com exclusividade, do Grupo de Psicologia, do mapa de pessoal docente do Ensino Superior Universitário da Universidade do Algarve (cfr doc nº 2 da pi);
N - Em 2011.03.04 foi celebrado contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado e em regime de ternure entre a Universidade do Algarve e a Doutora M… (cfr doc nº 9 da pi).
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II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter omnipresentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade da administração pública, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas, que têm todas a mesma dignidade; (iii) certeza e segurança jurídicas; e (iv) tutela jurisdicional efetiva dos direitos das pessoas.
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Afastadas as questões de índole nova, o presente recurso de apelação demanda que se resolva o seguinte:
1 - O júri, ao alterar os critérios de selecção de candidatos que ele próprio havia anteriormente definido, nomeadamente na designada "vertente extensão", em que não acrescentou às duas outras vertentes avaliativas, a científica e a pedagógica, o peso avaliativo que aquela detinha antes de ser retirada, acrescendo-lhe o facto de quando o fez, já conhecer os currículos e os relatórios dos candidatos, violou as garantias de igualdade, imparcialidade e transparência previstas nos artigos 5º/1/2 do D.L. 204/98 de 11/07, nos termos do disposto no artigo 3º/2 desse mesmo decreto-lei e dos arts. 266º/2 da CRP e 6º do CPA de 1991? (conclusões A a E)
2 – O júri, ao não enunciar os métodos de seleção a utilizar, o sistema de classificação final, ao não avaliar os candidatos com base em pontuações concretas no quadro de uma opção classificativa, limitando-se os seus membros a meras referências a elementos constantes dos currículos dos candidatos, inexistindo assim uma fundamentação da deliberação do júri como um todo, mas apenas e só da decisão de cada um dos seus membros de per si considerados, violou os artigos 124 nº 1 e 125 nº 2 do CPA de 1991? (conclusões Q a U)
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Vejamos.
1 – Esta primeira questão encerra em si duas subquestões.
Por um lado, importa aquilatar das consequências para o concurso impugnado da alteração dos métodos de selecção e respectivo peso avaliativo. Por outro lado, aponta-se, ainda, que tal alteração ocorreu quando o júri já conhecia os currículos e relatórios dos candidatos.
Ora bem, sobre a circunstância de ter “desaparecido” o método “extensão”, é importante clarificar que o júri andou mal, quer ao ter definido os métodos de selecção e respectivo peso avaliativo depois da publicação do aviso de abertura do procedimento concursal, quer ao não ter densificado os mesmos no aviso de abertura.
De facto, só constando do aviso de abertura todos os métodos de selecção e respectiva ponderação no cálculo da classificação final (ou, em alternativa, de ata disponível sob pedido e elaborada antes da publicação do aviso), será possível aos potenciais candidatos se prepararem convenientemente para as provas de seleção a realizar. Ao cuidar do cumprimento desta obrigação, estará também o júri a observar os princípios da igualdade, da imparcialidade e da transparência, previstos, entre outros, nos artigos 5º/1/2 do D.L. 204/98 de 11/07, e nos artigos 266º/2 da CRP e 6º do CPA.
Note-se que estes são princípios conformadores de qualquer procedimento de recrutamento a levar a cabo no âmbito da Administração Pública, e não apenas no âmbito de procedimentos abertos nas carreiras gerais (ao tempo dos factos, previstas no Decreto-Lei nº 204/98 de 11/07, e hoje na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
São, por isso, também aplicáveis às carreiras especiais, onde se inclui a carreira docente, no caso regulada pelo ECDU.
Neste sentido, veja-se por exemplo o Acórdão do STA de 29/11/2012, lavrado no processo nº 1031/12 (disponível em ww.dgsi.pt), e onde se sumariou que:
I - As disposições dos arts. 5º, nºs 1 e 2, al. b), e 27º, nº 1, als. f) e g), do DL nº 204/98, de 11 de julho, atinentes à publicitação e objectividade dos actos de selecção no âmbito dos procedimentos concursais do funcionalismo público, visam assegurar a isenção, transparência e imparcialidade da actuação administrativa, de molde a cumprir os princípios enunciados no nº 2 do art. 266º da CRP.
II - A exigência de divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar e do sistema de classificação final, plasmada nos referidos preceitos legais, tem de ser tida como querendo significar que todo o sistema classificativo, incluindo os critérios de avaliação, tem que ser fixado e levado ao conhecimento dos interessados em momento anterior ao da abordagem pelo júri dos currículos dos candidatos.
III - O que se exige é que os critérios de apreciação e ponderação e o sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa, tenham sido definidos pelo júri antes do termo do prazo de apresentação das candidaturas, pois que só a partir desse momento o júri tem possibilidades de conhecimento da identidade dos candidatos e de abordagem dos respectivos currículos.
Na mesma linha, vejam-se também o acórdão do STA de 13/11/2007, lavrado no processo nº 1140/06, e os acórdãos deste TCA Sul nos processos nº 10454/01 de 16/03/2005, nº 172/04 de 31/01/2008 ou nº 5140/09, de 20/05/2010, todos disponíveis em ww.dgsi.pt
Todavia, não só tal vício foi corrigido através do despacho revogatório de 2010.05.13 que determinou que se procedesse “de novo à avaliação dos candidatos, com base, apenas, no critério que já se mostrava plasmado na lei, ou seja, o do respectivo mérito científico e pedagógico, bem como no valor científico e pedagógico do relatório da disciplina” (assim desaparecendo o método “extensão”), como estamos aqui perante vícios que decorrem directamente do aviso de abertura do concurso, o qual devia ter densificado os conceitos indeterminados previstos no artigo 49º do ECDU (com a redacção à data dos factos), a saber: mérito científico e pedagógico do curriculum vitae e valor pedagógico e científico do relatório a apresentar na sequência do despacho de admissão da candidatura.
Dito de outro modo, o mal não está propriamente na deliberação, que até tem os mesmos dizeres do aviso de abertura ou do ECDU, mas sim no aviso de abertura, que devia prever os concretos métodos de selecção, devidamente densificados e o respectivo contributo para a classificação final.
Mas, repetindo-nos, estas são questões de que não podemos conhecer nesta sede, apresentando-se como questões não conhecidas pela sentença sob recurso, e por isso novas perante este Tribunal de recurso, remetendo-se aqui para as considerações tecidas supra. De nada valendo, assim, a alusão do Recorrente ao parecer do Ministério Público emitido a fls. 420 e ss. (conclusão V), dado que em sede recursiva silenciou sobre a eventual omissão de pronúncia do tribunal a quo, no que tange às putativas omissões do aviso de abertura e violações dos princípios supra identificados.
Vejamos agora a circunstância de o júri já conhecer os currículos e relatórios dos candidatos quando procedeu à alteração dos métodos de seleção.
De facto, além de o concurso em discussão estar muito longe de ser exemplar - veja-se, a título de exemplo, o enorme lapso de tempo decorrido entre a formalização das candidaturas e a avaliação das mesmas – superior a 4 anos – ou o facto de do aviso de abertura não constarem os critérios de apreciação e ponderação e o sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa (questão que, como já vimos, não nos é possível conhecer nesta sede), o júri conhecia os currículos e relatórios dos candidatos em momento anterior ao momento da sua graduação (fruto da sua intervenção no momento de admissão dos candidatos ao concurso),
Mas isso não traduz, por si só, a violação das garantias de igualdade, imparcialidade e transparência legalmente previstas, violação esta que, aliás, não foi concretizada pelo alegante.
Com efeito, não se tratou de o órgão decisor conhecer ou poder conhecer, antes da decisão de abrir o procedimento e de fixar os critérios e métodos de avaliação, os elementos a avaliar. O que, sim, seria ilegal.
Em conclusão, não tendo o recorrente densificado ilegalidades nesta sede, cumprindo o ónus que sobre si impendia (cf. o princípio dispositivo [de parte; cf., em especial, Anselmo de Castro, DPCD, 1982, III, pp. 156 ss]), não há como concordar com a pretendida anulação da deliberação de 07/12/2010 por causa desta questão, pelo que improcedem as conclusões A a E e V.
2 – Na segunda questão, entende o recorrente que ocorre falta de fundamentação, dado que o júri não enunciou os métodos de seleção a utilizar, o sistema de classificação final, nem avaliou os candidatos com base em pontuações concretas no quadro de uma opção classificativa, limitando-se os seus membros a meras referências a elementos constantes dos currículos dos candidatos, inexistindo assim uma fundamentação da deliberação do júri como um todo, mas apenas e só a decisão de cada um dos seus membros de per si considerados.
Comece-se por dizer que, relativamente à não enunciação dos métodos de selecção e do sistema de classificação final, como dissemos, isso é um vício a jusante da deliberação impugnada, o qual, reitere-se, não podemos aqui conhecer, porque não discutido no acórdão recorrido.
Já quanto às alegações in fine, isto é, à imputação de que o júri “não avaliou os candidatos com base em pontuações concretas no quadro de uma opção classificativa, limitando-se os seus membros a meras referências a elementos constantes dos currículos dos candidatos, inexistindo assim uma fundamentação da deliberação do júri como um todo, mas apenas e só a decisão de cada um dos seus membros de per si considerados”, comecemos por recordar o quadro legal aplicável:
- A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
- Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
- Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados (artigo 125º do C.P.A./91).
O ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal, possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controlo da legalidade do acto, aferindo o seu acerto em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação-justificação e a fundamentação-motivação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não podem deixar de ser claras, congruentes e encerrar os aspectos essenciais, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a decisão adotada.
Como referimos no Acórdão deste T.C.A. Sul de 16-06-2016, p. nº 12565/15:
“II – A garantia constitucional da fundamentação do ato administrativo, como concretizada no Código do Procedimento Administrativo, exige que a decisão administrativa exteriorize sempre, tanto (i) na justificação (ii) como na motivação, (iii) os respetivos discursos justificativos, ou seja, os raciocínios fundamentadores (iv) da conclusão ou de cada uma das conclusões em que assenta (iv) a decisão administrativa; III - A evidência de a fundamentação variar em qualidade e quantidade, consoante os casos concretos, não exclui o dever constitucional de exteriorização do processo decisório (necessariamente racional), isto é, dos raciocínios fundamentadores de cada uma das conclusões em que assenta a decisão contida no ato administrativo. IV – É precisamente no exercício da margem de livre decisão administrativa, incluindo nesta os chamados “poderes discricionários da função administrativa” e a chamada “liberdade avaliativa de administração pública”, que o dever de fundamentação implica (devido à natureza dos poderes exercidos e ao maior perigo objetivo de arbítrio) uma exigência acrescida quanto à exteriorização dos raciocínios fundamentadores das conclusões apresentadas em sede de motivação; está em causa impedir o esvaziamento dos princípios jurídico-administrativos fundamentais (i) da “juridicidade e legalidade”, (ii) do “procedimento transparente e equitativo” e (iii) da “tutela jurisdicional efetiva”. V - Violam o “dever constitucional e legal de fundamentar os atos administrativos de um modo expresso, racional, coerente, suficiente e claro” todas as decisões administrativas que se limitem a exteriorizar como seus fundamentos (i) adjetivos qualificativos, (ii) avaliações numéricas e ou (iii) opiniões, já que se tratam de meras conclusões e não de discursos justificativos, isto é, de raciocínios fundamentadores de conclusões”.
Perante este pano de fundo, note-se que no ECDU inexiste uma norma que obrigue à “fundamentação da deliberação do júri como um todo”. Esta, no entanto, é exigida pela C.R.P. (artigo 268º/3) e pelo C.P.A./1991 (artigos 124º e 125º): a decisão administrativa (artigo 148º do C.P.A. atual) deve ter a sua fundamentação de facto e de direito (una, como é lógico e racional), em termos que permitam aceitá-la ou impugná-la efetivamente.
Do mesmo modo, inexiste também uma norma que obrigue todos os elementos do júri a seguir uma determinada grelha de fatores de avaliação. Como já se referiu, isso devia constar do aviso de abertura (e/ou das atas que o suportam), mas não consta.
Todavia, e ainda que cumprindo os artigos 50º e ss. do ECDU, a verdade é que, dada a disparidade da fundamentação-motivação aqui convocada por cada elemento do júri, não se pode vislumbrar na mesma a congruência e clareza exigidas pelo ordenamento jurídico português (quer em sede constitucional, quer em sede infraconstitucional, designadamente no âmbito do procedimento administrativo).
E nem a inexistência de uma grelha de orientação pode justificar a incongruência de termos um elemento do júri a detalhar em escalas numéricas a sua avaliação e os outros não; ou a de um elemento de um júri fazer uma apreciação sumária, face a um outro elemento do júri que fez uma apreciação mais detalhada.
A forma díspar como cada elemento do júri justificou a sua posição impede ou torna muito difícil ao destinatário do ato a tarefa de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido no ato, dificultando-lhe de uma forma inadmissível a compreensão do ato e a opção racional e legítima de se conformar com o ato ou, ao invés, optar pela sua impugnação.
Em síntese, esta fundamentação do ato administrativo é incongruente.
Esta matéria já mereceu, inclusive, anterior pronúncia por parte deste TCA Sul, convocando-se aqui, por similitude, o que deixámos escrito no Acórdão de 25/10/2012, processo nº 04562/08, disponível em www.dgsi.pt:
“Como ficou provado, não existe uma fundamentação da deliberação do júri. Cada jurado exarou uma fundamentação distinta.
Antes de mais, devemos esclarecer que o poder administrativo discricionário ou o ato administrativo predominantemente discricionário (onde podemos incluir de certo modo a “liberdade probatória” e a “justiça burocrática”) é o oposto do arbítrio, porque exige logicamente uma fundamentação expressa, suficiente, clara e coerente, em vista a se obter a solução mais acertada ou justa, dentro do quadro imperativo que resulte da lei fundamental.
Dito isto, a fiscalização jurisdicional do ato administrativo predominantemente discricionário existe e visa impedir
a) a incompetência legal,
b) o vício de forma,
c) a violação dos princípios constitucionais da atividade administrativa (arts. 266º ss da Constituição),
d) os erros notórios ou grosseiros e
e) o desvio de poder.
Ora, no caso presente ocorre o fenómeno estranho de a deliberação não ter uma só fundamentação, mas sim muitas, diferentes, cada uma de cada jurado de per si.
O resultado é, logicamente, uma frontal violação do art. 125º do CPA, uma fundamentação composta, incoerente e obscura. O que equivale a falta de fundamentação, causa de anulabilidade.
Portanto: inexistindo um modelo de avaliação uniforme para todos os candidatos, e verificando-se que os membros do Júri se baseiam em diferentes fatores de avaliação, a fundamentação torna-se necessariamente obscura e contraditória.”
No mesmo sentido, veja-se ainda o Acórdão, também deste TCA Sul, de 9-11-2006, tirado no processo nº 0663/05.
Procedem assim estas conclusões de recurso, sendo, pois, de revogar o acórdão proferido pelo TAC de Loulé.
Assim, e pelos fundamentos supra expostos, é de anular a deliberação de 7/12/2010 do júri do concurso documental, para provimento de uma vaga de professor associado do grupo de Psicologia da Universidade do Algarve, aberto através do Edital n.º 202/2006, publicado no D.R. II série de 24/4/2006.
Com a anulação da deliberação impugnada, e porque se encontram numa relação de dependência e consequência, são também ilegais os consequentes e dependentes:
- Despacho do Senhor Reitor da Universidade do Algarve de 23/2/2011 publicado no D.R. II série de 3/3/2011 que autorizou a celebração com a Drª M… do contrato de trabalho em funções publicas por tempo indeterminado, e em Regime de TERNURE, como Professora Associada, com exclusividade, do Grupo de Psicologia do mapa de pessoal docente do Ensino Superior Universitário da Universidade do Algarve; e
- Contrato de trabalho em Funções Publicas por tempo indeterminado e em Regime de TERNURE como Professora Associada, com exclusividade, do Grupo de Psicologia do mapa de pessoal docente do Ensino Superior Universitário da Universidade do Algarve, celebrado entre a Universidade Ré e a Dr.ª M….
Com efeito, é esse o aqui aplicável regime dos atos administrativos consequentes e das ilegalidades contratuais derivadas, de acordo, por um lado, com o artigo 133º/2-i) e, por outro lado, com os artigos 185º/3-b) do Código do Procedimento Administrativo/1991 e 280º/1 do C.C.
É o regime que reflete a lógica inerente a esse CPA – cf. assim, por ex., o Ac. do STA de 17-06-1998, pr. Nº 039998, o Ac. do STA de 06-04-2000, pr. Nº 41906 A, e o Ac. do STA de 04-10-2005, pr. Nº 0791/04.
Finalmente, sendo o último pedido formulado pelo Autor a condenação da Universidade do Algarve na adopção dos actos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria se os actos e o contrato cuja anulação foi requerida não tivessem sido praticados, resta-nos concluir pela legitimidade e bem fundado de tal pretensão, como obriga o artigo 173º/1/2 do C.P.T.A.:
- a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado,
- a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.
*
III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- Conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão proferido pelo TAC de Loulé;
- Anular o ato administrativo do júri, ora impugnado;
- Declarar a nulidade consequente do ato administrativo do Reitor, ora impugnado;
- Declarar a nulidade derivada do contrato administrativo, ora impugnado; e
- Condenar, nos termos dos artigos 95º/4 e 173º/1/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a entidade demandada, na pessoa do atual reitor, a adotar, no prazo máximo de noventa dias seguidos, os atos e as operações necessárias para reconstituir a situação que existiria se os actos administrativos e o contrato não tivessem sido praticados.
Custas a cargo dos demandados, em ambos os tribunais.
Notifique-se também o atual reitor da entidade ré.
Lisboa, 05-04-2018


(Paulo Pereira Gouveia - relator)


(Nuno Coutinho)


(J. Gomes Correia)