Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:191/04.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:ERRO DA FORMA DE PROCESSO
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I. O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer.
II. É hoje jurisprudência consolidada que, pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. artigo 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada (cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA recorre para este Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida no âmbito de acção administrativa especial apresentada pela sociedade denominada «T……….., LDA, interposta na sequência do despacho que indeferiu o pedido de pagamento de juros indemnizatório formulado no pedido de revisão oficiosa.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
«1ª) O despacho saneador ora recorrido ao decidir convolar a acção para o reconhecimento de um direito em acção administrativa especial fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, em dois segmentos: quer quanto a considerar que a acção seria convolável no meio processual da acção administrativa especial, quer quanto a considerar que a mesma seria tempestiva, motivo pelo qual não deve ser mantido.
2ª) Efectivamente, a presente acção foi interposta como acção para o reconhecimento de um direito, em que a então A. vinha pedir o pagamento de juros indemnizatórios e de mora num total de €15.266,40, fundamentando tal pedido no facto de ter pago indevidamente IVA, mais juros compensatórios, no montante de €77.586,12, e de a AT ao ter revogado, na sequência de um pedido de revisão, tais liquidações, não ter restabelecido a relação jurídica inicial, restituindo o que indevidamente recebeu e indemnizando a mesma, nos termos do art. 43º da LGT, através do pagamento de juros indemnizatórios.
3ª) Ora, como então se defendeu na contestação e alegações da ora recorrente, verifica-se que tal meio processual, escolhido pela então A., não era o próprio e adequado para assegurar a tutela efectiva do direito a que a mesma se arroga.
4ª) O Tribunal “a quo” concordou com a ora recorrente quando decidiu que a acção para o reconhecimento de um direito não era o meio processual adequado para a ora recorrida fazer valer o direito a que se arroga.
5ª) Contudo daí não decorre, como foi concluído, que o meio processual adequado seja a acção administrativa especial.
6ª) Na verdade, visto ser na (i)legalidade de uma liquidação que radica o fundamento, a causa de pedir do direito a tais juros, a acção administrativa especial não é o meio processual adequado para assegurar uma tutela plena, efectiva e eficaz do mesmo direito, mas sim, a impugnação judicial, na qual assenta a tutela judicial de tal liquidação, cfr. al. a) do nº 1 do art. 97º, art. 99º e 102º , todos do CPPT.
7ª) Ora, tendo a então A. interposto uma impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA, cfr. artigos 16. e 17. dos factos dados como provados, era este o meio processual próprio e adequado para a mesma discutir o seu pretenso direito a juros indemnizatórios.
8ª) Efectivamente, não colhe, salvo o devido respeito, a interpretação que o despacho saneador fez de que a então A., face a um acto produzido pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, de 13/02/13, cfr. artigo 25. dos factos dados como provados, devia ter interposto acção administrativa especial, “relativamente à única parte do pedido de revisão oficiosa que considerou ter sido indeferida”.
9ª) É que, na acção administrativa especial não pode ser apreciada a questão da legalidade da liquidação e a atribuição de juros indemnizatórios, no caso, dependeria sempre da consideração de a liquidação em causa enfermar, ou não, de erro imputável aos Serviços.
10ª) E essa conclusão mantém-se mesmo que estivesse em causa um pedido de revisão oficiosa, uma vez que, conforme se deliberou no Ac. do STA, de 06/11/08, in proc. nº 0357/08, a forma processual de reacção contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a acção administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do acto de liquidação.
11ª) Deste modo, a acção administrativa especial só será o meio adequado para a impugnação do acto impugnado, desde que seja unicamente apreciado o controle da verificação dos pressupostos para a aplicação do art. 78º da LGT. Sempre que esteja em causa a apreciação do acto de liquidação, já não é a acção administrativa especial o meio processual próprio, mas sim, a impugnação judicial.
12ª) Donde, o despacho saneador, a fls…, fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, artigos 97.º, nº 3 da LGT, art. 98.º nº 4, al. d) do nº 1 e nº 2 do art. 97º e 145º, todos do CPPT, aos factos quando decidiu, antes de mais, que a presente acção para o reconhecimento de um direito era convolável em acção administrativa especial.
13ª) E também fez uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, quando considerou, em segundo lugar, que a acção era tempestiva para efeitos de convolação.
14ª) Na verdade, ainda que se admitisse, sem conceder que, no caso, a forma processual adequada a utilizar pela então A. era a acção administrativa especial, o despacho saneador a fls…, devia ter concluído pela impossibilidade de convolação em tal meio processual decorrente da caducidade do direito de recorrer à mesma, aquando da data em que é interposta a presente acção para o reconhecimento de um direito.
15ª) De facto, considerando as normas do CPTA à data aplicáveis, a então A. das duas uma: ou interpunha acção no prazo de 3 meses após a notificação do acto que lhe comunicou a anulação da liquidação adicional por erro imputável aos serviços, uma vez que aí ficou a ter conhecimento que não lhe iriam ser pagos quaisquer juros indemnizatórios, ou então, considerando que a notificação não continha toda a fundamentação do acto requeria passagem de certidão com a fundamentação do mesmo, cfr. art. 37º do CPPT e nº 2 do art. 60º do CPTA..
16ª) E, ainda que se considere que a notificação da decisão de revisão oficiosa traduz- se “quanto muito, numa mera execução da decisão do pedido de revisão oficiosa”, cfr. nº 2 do art. 59º do CPTA, ainda assim sempre teria sido ultrapassado quer o prazo de 2 meses, cfr. al.a) do nº 1 do art. 28º da anterior LPTA, quer o prazo de 3 meses previsto na al. b) do nº 2 do art. 58º do CPTA, na redacção à data aplicável.
17ª) Logo, sempre seria inviável a convolação da presente acção para o reconhecimento de um direito em acção administrativa especial, por se encontrar ultrapassado o prazo para a dedução da mesma acção.
18ª) Donde, ao decidir o contrário, o despacho saneador, a fls…, fez uma incorrecta interpretação e aplicação aos factos dos artigos, 58º, 59º 60º e 69º do CPTA, na redacção à data aplicável aos mesmos.
19ª) Quanto à sentença, a fls…, que decidiu pela condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto, antes de mais e, atendendo aos factos considerados como provados, deveria a sentença recorrida ter concluído que quando a AT procede à anulação e efectiva restituição do imposto em virtude do pedido de revisão oficiosa apresentado pela então A., nunca considerou o pagamento de juros indemnizatórios.
20ª) E isso deveu-se ao facto de ter considerado que, nos termos do nº 3 do art. 43º da LGT no pedido de revisão oficiosa só podiam ser atribuídos juros indemnizatórios nos termos desse normativo, bem como, que não tinha existido erro imputável aos serviços aquando da liquidação, cfr. al. M) dos factos dados como provados.
21ª) E sendo certo que, como se admite na sentença recorrida, a informação citada em M) dos factos dados como provados fundamenta a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, não pode ser atribuída qualquer relevância ao ofício de notificação citado em N.) dos factos dados como provados.
22ª) Donde, está incorrecta a ilação de facto tirada pela sentença recorrida quando conclui que as liquidações impugnadas foram anuladas por erro imputável aos serviços.
23ª) Quanto ao direito, na verdade, a sentença recorrida, a fls…, parece ter esquecido que, embora a presente acção tenha sido interposta como acção para o reconhecimento de um direito, ela foi convolada em acção administrativa especial.
24ª) Assim, o que esteve em causa nos presentes autos foi essa decisão administrativa que, em sede de revisão oficiosa, entendeu que não deveriam ser atribuídos à então A. quaisquer juros indemnizatórios, cfr. fundamentação que se encontra transcrita em M.) dos factos dados como provados.
25ª) Deste modo, salvo o devido respeito, a sentença recorrida não pode proceder à condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios como se estivesse perante um processo de execução de julgados dizendo que a AT deveria “ ter procedido de imediato à restituição do pagamento indevido e, bem assim, ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios” na sequência da anulação das liquidações em sede de impugnação judicial.
26ª) Donde, salvo o devido respeito, não poderia a sentença recorrida fazer tábua rasa do acto que estava em causa apreciar na presente acção administrativa especial, que era uma decisão de indeferimento de um pedido de atribuição de juros indemnizatórios feito na sequência de um pedido de revisão oficiosa, e apenas considerar analisar a questão do direito a juros indemnizatórios numa perspectiva de execução da decisão de anulação decorrente de interposição de impugnação judicial.
27ª) Contrariamente ao decidido, os efeitos da anulação que determinou a extinção da impugnação judicial devem ser ignorados, porquanto a então A. não só não recorreu da extinção da instância, mas também, não requereu judicialmente a execução da decisão.
28ª) E sendo certo que sobre tal questão já existia caso julgado ou decidido, e que o que agora estava em causa analisar e decidir era sobre a legalidade da decisão da AT que, em sede de pedido de revisão oficiosa, lhe indeferiu o pedido de atribuição de juros indemnizatórios, não podia a sentença recorrida ter feito renascer um novo meio processual, o da execução de julgados, para concluir que eram devidos juros indemnizatórios nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT.
29ª) Efectivamente, era no processo de impugnação judicial ou em sede de execução de julgados, que a então A. deveria ter pedido tais juros.
30ª) É evidente que, contrariamente ao invocado na sentença recorrida, o contribuinte foi relapso, não na impugnação judicial das liquidações, mas sim, na não utilização do meio processual próprio para fazer valer os efeitos da anulação das liquidações em sede de impugnação judicial, isto é, no processo de execução de julgados.
31ª) Por outro lado, para além de em sede de pedido de revisão a AT não ter assumido o erro imputável aos serviços, também analisou tal pretenso direito a juros indemnizatórios à luz do disposto no nº 3 do art. 43º da LGT.
32ª) Donde, sendo certo que a então A. optou por não recorrer ao meio processual da execução de julgados, mas antes optou por efectuar um pedido de revisão oficiosa e nele pedir a anulação da liquidação e a atribuição de juros indemnizatórios, está correcto e conforme à lei o acto administrativo ora impugnado que decidiu pela não atribuição de tais juros, dado que a revisão do acto/anulação da liquidação, não se efectuou mais de um ano após o pedido deste.
33ª) Na verdade a situação seria, não enquadrável no nº 1 do art. 43º, mas sim na al. c) do nº 3 do mesmo artigo.
34ª) Assim, uma vez que a AT reviu a liquidação dentro do prazo de um ano após a dedução de revisão oficiosa, a sentença recorrida devia ter absolvido a AT do pedido de juros indemnizatórios, ao não o ter feito, salvo o devido respeito, incorreu numa errada interpretação e aplicação dos nºs 1 e al. c) do nº 3 do art. 43º da LGT aos factos.


Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Ex.ª, deve o despacho saneador recorrido, a fls…, ser revogado e ser substituído por outro que considere o erro na forma de processo sem possibilidade de convolação, ou mesmo que assim não se entenda, deve ser concedido provimento ao recurso interposto da sentença a fls…, devendo a mesma ser revogada, na parte em que condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto, devendo a AT ser absolvida de tal pedido, com todas as legais consequências.»

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, não emitiu parecer.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste quadro são as seguintes as questões a decidir:
(i) se a sentença errou ao considerar verificado o erro na forma de processo;
(ii) se a sentença errou ao determinar não a convolação da petição inicial de acção para reconhecimento de direito em petição de acção administrativa especial;
(iii) se a sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação do artigo 43.º, n.º 3, al. c) da LGT.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A. A Autora, T……, LDA., com o NIF ........., remeteu à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, a declaração periódica de IVA n.º ........., relativa ao período de tributação de Julho de 1999, onde, além do mais, solicitou o reembolso do crédito de imposto, no valor de 2.400.000$00 (€ 11.971,15). - cf. Doc. 1 junto pela Autora - Declaração Periódica – Modelo A e registo dos CTT, de fls. 24 a 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
B. Em 23 de Dezembro de 1999, foi remetido à Autora, o Relatório de Inspecção Tributária, elaborado em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 41593, referente ao exercício de 1999, do qual resultou, além do mais, o indeferimento do pedido de reembolso no valor de 2.400.000$00 e uma liquidação adicional de IVA, no valor de 15.072.170$00. – cf. Ofício n.º 21582, de 23 de Dezembro de 1999 - Notificação das Conclusões resultantes da acção de Inspecção Tributária (C/CORRECÇÕES) e relatório anexo, de fls. 53 a 57
C. Em 6 de Junho de 2000, a Autoridade Tributária, emitiu as seguintes liquidações, com data limite de pagamento até 31 de Agosto de 2000, em que é sujeito passivo, a ora Autora:
i. N.º ........., referente a IVA de 1999, no valor de 15.072.170$00 / € 75.179,67;
ii. N.º ........., referente a juros compensatórios do IVA de Janeiro de 1999, no valor de 48.815$00 / € 243,49;
iii. N.º ........., referente a juros compensatórios do IVA de Fevereiro de 1999, no valor de 80.079$00 / € 399,43;
iv. N.º ........., referente a juros compensatórios do IVA de Março de 1999, no valor de 89.176$00 / € 444,81;
v. N.º ........., referente a juros compensatórios do IVA de Abril de 1999, no valor de 102.544$00 / € 511,49;
vi. N.º ........., referente a juros compensatórios do IVA de Maio de 1999, no valor de 48.784$00 / € 243,33;
vii. N.º ........., referente a juros compensatórios do IVA de Junho de 1999, no valor de 65.500$00 / € 326,71;
viii. N.º ........., referente a juros compensatórios do IVA de Julho de 1999, no valor de 47.552$00 / € 237,19. – cf. Doc. 6 junto pela Autora - liquidações de fls. 67 a 74.
D. Em 1 de Setembro de 2000, a Impugnante efectuou o pagamento das liquidações descritas na alínea anterior, no valor global de € 77.586,12. - cf. Doc. 6 junto pela Autora – carimbo aposto nas liquidações de fls. 67 a 74
E. Em 8 de Novembro de 2000, a Impugnante pediu à empresa S........., com o NIF DE ........., o pagamento do IVA em doze factura que havia emitido, no valor global de € 75.148,70 / 15.065.962$00. – cf. Doc. 4 junto pela Autora – Nota de Débito D 1, a fls. 60
F. Em 20 de Novembro de 2000, a Impugnante deduziu impugnação judicial das liquidações descritas na alínea C) supra, que veio a tramitar sob o n.º 29/2002, no 3º juízo – 1ª Secção do Tribunal Tributário de Lisboa. – cf. petição inicial de fls. 227 a 257
G. Em 12 de Agosto de 2002, foi proferido despacho de anulação da liquidação adicional de IVA, referente a 1999, e respectivos juros compensatórios, descritas na alínea C) supra, com o seguinte teor:
"Face ao informado e aos elementos oficiais juntos aos autos, revogo o acto impugnado e defiro o pedido". – cf. despacho e informação dos serviços, de fls. 63 a 66
H. A Informação em que se fundamenta o despacho descrito na alínea precedente, conclui da seguinte forma:
"11º Porque o impugnante dispunha da prova de que o adquirente dos serviços de tradução era sujeito passivo de IVA (…) as operações não estão sujeitas a IVA (…).
Face ao exposto, somos de parecer que os actos tributários impugnados devem ser anulados ". – cf. informação dos serviços, de fls. 63 a 66
I. No dia 6 de Setembro de 2002, apresentou um pedido de revisão oficiosa referente à liquidação adicional de IVA do ano de 1999, no valor de 15.072.170$00 / € 75179,67, e respectivos juros compensatórios no valor de 482.450$00 / € 2.406,45, onde formula os seguintes pedidos:
"a) Anular os actos tributários de liquidação controvertidos;
b) Promover a restituição do que foi indevidamente pago pela peticionária a título de imposto e juros compensatórios;
c) Ordenar a liquidação e pagamento dos respectivos juros indemnizatórios que a peticionária considera que lhe são devidos". – cf. Doc. 8 junto pela Autora - requerimento de fls. 78 a 98
J. Em 11 de Setembro de 2002, a Autoridade Tributária informou no processo de impugnação n.º 29/2002, que tramitava no 3º juízo – 1ª Secção do Tribunal Tributário de Lisboa, que "o acto impugnado foi revogado nos termos do artº 112º, nº 2 do CPPT" e requereu, "em conformidade com o estabelecido no nº 4 do sobredito preceito" a "extinção da instância nos termos do artº 287º, al. e) do CPC". - cf. requerimento a fls. 206.
K. Em 18 de Novembro de 2002, foi expedida carta dirigida à Autora, notificando-a da sentença proferida em 11 de Setembro de 2002, no processo de impugnação n.º 29/2002, que tramitava no 3º juízo – 1ª Secção do Tribunal Tributário de Lisboa, que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. - cf. notificação e decisão judicial, a fls. 211 e 212.
L. Em 13 de Fevereiro de 2003, no pedido de revisão oficiosa requerido pela Autora, foi ordenada "a anulação do acto tributário (imposto e acrescido)", referente à liquidação de IVA de 1999 e respectivos juros compensatórios e a "restituição das importâncias pagas relativamente às mesmas liquidações". – cf. despacho, parecer e relatório, de fls. 279 a 287.
M. O despacho descrito na alínea anterior, fundamenta-se em relatório e proposta de decisão, elaborado em 10 de Janeiro de 2003, de cujo teor se extrai:
"II – Descrição dos Factos
1. Pedido de reembolso de IVA com correcções efectuadas pelos serviços de prevenção e inspecção tributária
No período de Julho de 1999, o sujeito passivo T………….., Lda encontrava-se na situação de crédito de imposto em sede de IVA no montante de Esc. 2.437.95$00, razão pela qual solicitou o respectivo reembolso de IVA no valor de Esc. 2.400.000$00, conforme pedido N.º ……….. de 1999.09.08
Da análise inspectiva ao mesmo, por via da nossa ordem de serviço N.º 41593/99, foram efectuadas correcções de IVA no montante global de Esc. 15.072.170$00, por falta de liquidação de IVA, nos termos do N.º 4 do Art.º 6 do CIVA, relativamente a operações de prestação de serviços de traduções efectuadas ao cliente SAP (…), sujeito passivo com sede na Alemanha, com o número de contribuinte……………..
(…)
5. Seguidamente, o sujeito passivo alemão SAP (…) veio solicitar o respectivo reembolso de IVA (…).
Tal pedido deu origem à emissão da ordem e serviço N.º 71902, emitida em 2002.01.18, em resultado do pedido de informações solicitado pela Direcção de Serviços de Reembolso do Imposto sobre o Valor Acrescentado – DSRIVA (…).
Do supracitado pedido de reembolso, no montante de Esc. 16.772.826$00, a DSRIVA solicitou aos nossos serviços de inspecção a análise da referida Nota de Débito emitida pela T…………. (…) à (…) S….. AG, no valor de Esc. 15.065.962$00.
Decorrente da análise inspectiva ao pedido de reembolso de IVA apresentado pela S…………, foi proferido o seu indeferimento em virtude de a T……… (…) ter adquirido o direito de lhe ser restituído o montante indevidamente cobrado (…).
Perante esta situação, a T......... solicitou a presente revisão oficiosa em análise.
IV – Conclusões (…)
Quanto à questão suscitada na alínea c) do ponto III relativamente à liquidação e pagamento de juros indemnizatórios, importa fazer uma introdução prévia sobre o enquadramento legal em vigor no que concerne aos requisitos a cumprir para a justificação do pagamento dos mesmos. (…)
Face ao atrás exposto, importa primeiro sublinhar que o acto tributário referente à correcção efectuada de IVA no momento da análise ao pedido de reembolso, bem como as liquidações dai subjacentes, não resultam de erros imputáveis aos serviços.
Na verdade, o fundamento da correcção efectuada tem, naquele momento (1999.12.20 data do despacho do Ex.mo Sr. Chefe de Divisão), plena cobertura legal, pois tal prestação de serviços era efectivamente enquadrável no N.º 4 do Art.º 6º do CIVA, pelo que não é legítimo afirmar que nesse momento tenha havido qualquer infracção ou erro imputável aos serviços, dado que apenas actuaram de acordo com o estipulado na lei.
Todavia, uma vez em desacordo com esta actuação, o sujeito passivo, legitimamente, exerceu o seu direito de expor a situação a instâncias superiores, nomeadamente ao Ex.mo Sr. Director Geral dos Impostos, relativamente ao entendimento defendido pelos serviços de prevenção e inspecção tributária de Lisboa.
Da resposta obtida, foi entendimento dos serviços de IVA (…), que no caso do adquirente ser um sujeito passivo num Estado membro da União Europeia esta operação seria enquadrável na alínea a) do N.º 9 do Art.º 6º do CIVA, pelo que não estaria sujeita a IVA.
Ora do entendimento superveniente, que vem de encontro às pretensões do sujeito passivo e que difere do inicialmente defendido pelos serviços de inspecção, não se pode concluir que o procedimento dos referidos serviços tenha sido errado ou ilegal.
Contudo, e no respeito pela lei, dever-se-á proceder à anulação das correcções efectuadas, se bem que não deverá haver lugar à liquidação de quaisquer juros indemnizatórios, pois analisando o N.º 2 do Art.º 92 do CIVA, o "pagamento do imposto em montante superior ao legalmente devido…" não resulta de "…erro imputável aos serviços…" pelo que não são devidos "juros indemnizatórios nos termos do Art.º 43º da LGT …"
Aliás, acresce que da análise ao Art.º 43º da LGT, não existe sustentação legal para a liquidação de juros indemnizatórios no presente pedido de revisão oficiosa.
Em primeiro lugar, no N. 1 do referido artigo, apenas estão previstas a reclamação graciosa e a impugnação judicial, como os meios ao alcance do sujeito passivo para requerer o pagamento de juros indemnizatórios, excluindo-se deste número a revisão oficiosa.
O direito a juros indemnizatórios resultantes de um pedido de revisão oficiosa vem previsto no N.º 3 do mesmo artigo 43º.
No entanto, o presente pedido em análise não contempla nenhuma das situações previstas, pois:
a) ainda decorre o prazo legal para a restituição oficiosa dos tributos em causa;
b) ainda não foi processada qualquer nota de crédito, dado que não existia qualquer decisão sobre a revisão oficiosa agora em análise, pelo que obviamente, não foram ainda decorridos trinta dias sobre a decisão que só agora irá ser tomada;
c) por fim, ainda não passou o prazo de um ano sobre o pedido de revisão do acto tributário solicitado pelo sujeito passivo em 2002.09.06.
Logo resulta que do disposto no Art.º 43º da LGT não existe sustentabilidade legal para haver lugar a qualquer liquidação de juros indemnizatórios.
Em conclusão, é de propor que:
1) sejam anulados os actos tributários referentes às liquidações de imposto em falta e dos respectivos juros compensatórios elencadas anteriormente;
2) sejam restituídas as importâncias pagas relativamente às referidas liquidações, no total de € 77.586,12;
3) não sejam atribuídos quaisquer juros indemnizatórios". – cf. despacho, parecer e ponto IV – Conclusões, do Relatório de fls. 279 a 287
N. Em 24 de Junho de 2003, a Autoridade Tributária informou a Autora que a liquidação adicional n.º ........., no valor de € 75.179,67, referente a 1999, foi anulada "Por ter havido erro imputável aos Serviços". – cf. Ofício n.º 03000261904, de 24 de Março de 2003, a fls. 201
O. Em 24 de Junho de 2003, a Autoridade Tributária restituiu à Autora a quantia de € 77.586,12, "relativa ao documento REV OFICIOSA IVA/99 pago em 2000-06-06", resultante da soma de € 75.179,67, referente à rubrica 0231, e de € 2.406,45, referente à rubrica 0510, que corresponde ao pagamento das liquidações descritas na alínea C) supra. – cf. Doc. 9 junto pela Autora - comprovativo de crédito em conta emitido pela C…………….., a fls. 104
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não foram alegados quaisquer outros factos com relevo para a decisão de mérito e que importe registar como não provados.

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A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, constantes dos autos e do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, conforme referido no probatório junto a cada alínea.»
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B. DO DIREITO

Começamos por lembrar que a Autora (doravante Recorrida) apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, petição inicial de acção para reconhecimento de direito, prevista no artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) peticionando a condenação da Entidade Demandada (doravante Recorrida) no pagamento de juros indemnizatórios e juros de mora.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgando estar verificada a existência de erro na forma de processo, convolou a petição inicial de acção de reconhecimento do direito apresentada em processo de acção administrativa especial e julgando procedente o pedido de anulação do acto de indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, condenou a Autoridade Tributária a substitui-lo por acto que reconheça tal direito.

Como se observa pela análise das conclusões de recurso a primeira questão que se coloca, tal como delimitado supra, é a de saber se existe, ou não, erro na forma do processo.

O erro na forma de processo, como sabemos, afere-se essencialmente pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção e constitui nulidade de conhecimento oficioso (artigos 199.º e 202.º do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

O processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre o pedido formulado pelo autor.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.05.2014, proferido no processo n.º 01086/13: «É em função destes pedidos que temos de aferir da verificação do erro na forma do processo que, como é sabido, se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.)(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Também na doutrina, ensina Alberto dos Reis «Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado pela lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial. Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial» (sublinhado nosso). (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 288).

Dito isto, podemos avançar de modo a encontrar a solução à questão formulada.

No contencioso tributário a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPTT), insere-se na necessidade de tutela judicial efectiva, postulada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Nesta matéria, o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado que o carácter de complementaridade da acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária em relação aos outros meios contenciosos, afasta o seu uso quando existir meio mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido (Neste sentido, entre muitos outros, vide os Acórdãos de 18.06.2003, 24.04.2004, 28.03.07, 21.10.2009, 25.10.2017 e de 17.10.2018, proferidos respectivamente nos processos nºs 524/03, 1708/03, 41/07, 0291/09, 01169/16 e 01191/17, disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).

Tal como referido na jurisprudência que seguimos, também explica Jorge Lopes de Sousa que a « (…) possibilidade de utilizar a acção para obter o reconhecimento judicial de um direito não reconhecido, por força da referida regra da complementaridade, estará condicionada à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos. (…)

«Assim, à face do preceituado no n.º 3 deste artigo 145.º, só quando, por estes meios, não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados, poderá utilizar-se a acção para obter a tutela judicial do direito ou interesse legítimo em matéria tributária». (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Vol. II, 6.ª edição, pág.497 e 500).

À luz desta orientação jurisprudencial e doutrinal, importa então verificar se o Tribunal «a quo» seguiu uma forma de processo quando a adequada seria outra.

Como resulta da matéria de facto provada, a recorrida apresentou no dia 06 de Setembro de 2002, um pedido de revisão oficiosa referente à liquidação adicional de IVA do ano de 1999, no valor de € 75179,67, e juros compensatórios no valor de € 2.406,45, peticionando a anulação dos respectivos actos tributários de liquidação, a restituição do que foi indevidamente pago a título de imposto e juros compensatórios e o pagamento dos juros indemnizatórios (cfr. Ponto I. do probatório).

Mais ficou a constar como provado que no dia 13 de Fevereiro de 2003, no âmbito do pedido de revisão oficiosa, foi ordenada «a anulação do acto tributário (imposto e acrescido)", referente à liquidação de IVA de 1999 e respectivos juros compensatórios e a "restituição das importâncias pagas relativamente às mesmas liquidações» e indeferido o pagamento de juros indemnizatórios, por não estarem verificados os respectivos pressupostos, constantes do artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT ( cfr. Ponto L. do probatório).

Neste quadro fáctico, como bem afirmou o Tribunal «a quo», contra o indeferimento expresso referente ao pagamento dos juros indemnizatórios, cabia à recorrida intentar acção administrativa especial, nos termos do artigo 97.º, n.º 2, do CPPT, uma vez que a apreciação do pedido não envolvia a indagação sobre a legalidade de actos de liquidação (vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.05.2014, proferido no processo n.º 01263/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Nem se diga, como o faz a recorrente que tendo a recorrida interposto impugnação judicial contra a liquidação de IVA, era este o meio próprio para pedir os juros indemnizatórios, na medida em que «[o] direito a juros indemnizatórios é uma mera decorrência da Lei, nas situações nela previstas, impondo-se o seu pagamento, sem necessidade de prévio pedido, por força do dever que impende sobre a Administração de reconstituir a situação hipotética que existira caso não tivesse sido praticado o acto anulado.

O pagamento de tais juros não carece de ser requerido, mas, se o for, nada obsta a que seja logo no início ou posteriormente (…)» (Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2004, proferido no processo n.º 0463/03, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Alega, ainda, a recorrente que ainda que se admitisse, sem conceder que, no caso, a forma processual adequada a utilizar pela recorrida era a acção administrativa especial, sempre o Tribunal «a quo» devia ter concluído pela impossibilidade de convolação em tal meio processual decorrente da caducidade do direito de recorrer à mesma, atenta a data em que é interposta a presente acção para o reconhecimento de um direito.

É certo que não poderá ordenar-se convolação quando a petição não possa ser aproveitada para outro meio processual, por haver algum obstáculo a que esse meio possa prosseguir, designadamente por a isso se opor a extinção do prazo de propositura da ação ou a ocorrência de outra exceção perentória ou dilatória, uma vez que não será de convolar uma determinada ação noutra espécie se o seu destino for o indeferimento liminar.

Mas, sendo assim, como realmente é, então não assiste razão à recorrente quando defende seria inviável a convolação da presente acção para o reconhecimento de um direito em acção administrativa especial, por se encontrar ultrapassado o prazo para a dedução da mesma acção.

Senão vejamos.

Estabelece o artigo 69.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), (redacção anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10)

«1 – Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.

2 – Tendo havido indeferimento, o prazo de propositura da acção é de três meses.

3 – No caso previsto no número anterior, o prazo corre desde a notificação do acto, sendo aplicável o disposto nos arts. 59.º e 60.º» .

Por sua vez, nos termos do artigo 59.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, «[o] prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o acto administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação, ainda que o acto tenha sido objecto de publicação obrigatória”, acrescentado o n.º 2 que “[o] disposto no número anterior não impede a impugnação, se a execução do acto for desencadeada sem que a notificação tenha tido lugar».

Por último, artigo 60.º, n.º 1, do referido diploma estabelece-se que: «[o] acto administrativo não é oponível ao interessado quando a notificação ou a publicação, quando exigível, não dêem a conhecer o sentido da decisão.»

Quando a notificação deixa de poder ser oponível ao interessado, significa que a mesma não pode, em qualquer circunstância, desencadear o início do prazo para a propositura da acção (neste sentido, vide: Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2010, 3.ª edição, Almedina, págs. 404 e 405; e, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, 2004, Almedina, págs. 394 e 395).

No nosso caso, como bem avançou o Tribunal «a quo» a acção administrativa especial é tempestiva (cfr. artigos 59.º, n.º 2, e 69.º, n.º 3, do CPTA), uma vez que, ainda que se considere que houve uma decisão expressa sobre pedido de revisão oficiosa, não resulta demonstrado que foi objecto da devida notificação à Autora, nos termos dos artigos 77.º, n.º 6, da LGT e do artigo 36.º do CPPT. Sendo, certo que é a Administração Tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos.

Improcedem, por conseguinte, estes fundamentos do recurso.

Vejamos agora a questão atinente à condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 43.º da LGT, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por sua vez o nº 3, al. c) do mesmo preceito dispõe também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».

Sobre o regime especial contido no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, pronunciou-se já por diversas vezes o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no Acórdão de 03.07.2019, proferido em Plenário no processo n.º 4/19.0BALSB.

Escreveu-se em tal Acórdão : «A questão tem-se colocado diversas vezes e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quer no Pleno da mesma Secção ( A título de exemplo, referimos os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 1201/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f10bab6bc3edec5a8025829d0033feb5;
- de 24 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 99/18.3BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/51a3fd190da40efa802583350054ae9a;
- de 27 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 22/18.5BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a483fda3886e1bcd802583bd005456c9;
- de 8 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 116/18.7BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bb965cb6aa7aa5f0802583fb003f0b80.). Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.º 22/18.5BALSB:

«A leitura do disposto no art. 61.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário permite concluir que dirigindo-se ele à entidade administrativa lhe confere poder/dever de reconhecer o direito a juros indemnizatórios em benefício do contribuinte em diversas situações sendo que, tratando-se de entidade a quem compete decidir o pedido de revisão do acto tributário a pedido do contribuinte, situação destes autos, tal entidade apenas pode reconhecer esse direito se não for cumprido o prazo legal de revisão do acto tributário. O mesmo é dizer que se tal decisão for proferida dentro do prazo legal não tem a entidade administrativa competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios.
Além do referido normativo dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art. 43.º, n.º 3, que: «São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c), do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário.
Entre 2012 e 2016 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação.

O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.

Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.

A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.».

É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.

Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.

Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art. 57.º, n.º 1)». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Ora, no caso em apreço, tendo sido formulado o pedido de revisão no dia 6 de Setembro de 2002 e deferido parcialmente pelo despacho de 13 de Fevereiro de 2003, não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.

Assim, a sentença recorrida, que assim não decidiu, não pode manter-se.

IV.CONCLUSÕES

I.O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer.

II. É hoje jurisprudência consolidada que, pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. artigo 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada (cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT).

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte em que condenou a Entidade Demandada no pagamento de juros indemnizatórios e, em consequência, anular nessa parte o acto impugnado.

Custas a cargo da Recorrida.


Lisboa, 7 de Maio de 2020.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]