Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:988/09.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO; CONVOLAÇÃO; RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA NECESSÁRIA; INTEMPESTIVIDADE; CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR.
Sumário:1. A decisão de convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, comunicada ao contribuinte, constitui um acto constitutivo de direitos (o de ver apreciado o mérito da pretensão) e não pode ser livremente revogável decidindo-se depois na reclamação graciosa que a convolação se reporta afinal a uma posterior exposição que o contribuinte dirigiu sobre a questão à AT e, com esse entendimento, não conhecer do mérito da reclamação por intempestiva nos termos do art.º 151/1 do CPT e 131/1 do CPPT.
2. Se o Tribunal ad quem não dispõe de elementos que permitam julgar do mérito da impugnação, que o Tribunal a quo julgou intempestiva, haverá que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para produção da prova (nomeadamente, a testemunhal requerida) pertinente ao julgamento do mérito.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


H. – H., S.A., interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo recurso jurisdicional da sentença proferida em 09/11/2017 pelo Tribunal tributário de Lisboa, que julgou procedente a caducidade do direito de impugnar e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«

1. Segundo a douta Sentença recorrida, o Ministério Público (MP) terá previamente emitido Parecer no sentido da extemporaneidade da presente Impugnação, em consequência da extemporaneidade da antecedente Reclamação Graciosa.

2. Ou seja, o MP arguiu uma excepção peremptória no seu douto Parecer - a qual, a proceder (como procedeu), obstou ao conhecimento de mérito do pedido da Impugnante/Recorrente sobre a questão de fundo.

3. Ora, sucede que a Recorrente não foi notificada desse Parecer, para se pronunciar, querendo.

4. Em consequente violação do seu direito ao contraditório (artigo 3º nº 3 do CPC).

5. Sendo certo que, nos termos do artigo 121º nº 2 do CPPT, “Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, SERÃO OUVIDOS O IMPUGNANTE e o representante da Fazenda Pública”.

6. Face ai teor da douta Sentença recorrida, que se estriba em larga medida, senão na íntegra, naquele douto Parecer do MP, é manifesto que este mesmo Parecer influiu decisivamente sobre a decisão proferida.

7. Como a Impugnante, aqui Recorrente, não foi previamente ouvida sobre o Parecer do Ministério Público, verificou-se, assim, uma nulidade processual, por omissão de formalidade legal – notificação do Parecer do Ministério Público – susceptível de influir na decisão de mérito (cfr. artigo 195º nº 1 do CPC).

8. Com a consequente anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença recorrida, nos termos dos artigos 195º nº 2 do CPC e 98º nº 3 do CPPT.

9. Sendo as presentes alegações de recurso o “lugar” próprio para suscitar esta nulidade processual.

10. É este, aliás, o entendimento unânime da Jurisprudência a este propósito – falta de prévia notificação do Parecer do Ministério Público no qual tenha sido suscitada matéria de excepção, impeditiva do conhecimento de mérito, de fundo.

11. Independentemente da posição concreta que o Tribunal antecipadamente tenha sobre a matéria, as considerações que a parte “prejudicada” porventura venha a fazer sobre o douto Parecer do MP podem, em abstracto, influir no sentido decisório.

12. Ao não lhe ter sido previamente notificado o Parecer do Ministério Público, ficou a Impugnante, aqui Recorrente, prejudicada na prévia e “ampla” discussão de todos os fundamentos em que a subsequente decisão judicial se poderia basear (face a todas as questões até então suscitadas), antes da prolação da decisão final.

13. No caso em apreço, e conforme resulta da douta Sentença recorrida, o Ministério Público terá suscitado questão – a alegada intempestividade da presente Impugnação - que obstou ao conhecimento do mérito das questões de fundo.
14. É o próprio princípio da igualdade das partes e de “armas” que demanda a prévia notificação de Parecer do Ministério Público no qual se suscite questão que obste ao conhecimento das questões de mérito suscitadas pela parte, e que acabou por influir decisivamente na decisão final que veio subsequentemente a ser proferida.

15. Assim, verifica-se uma nulidade processual, com a consequente anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida.

Acresce que,

16. Como se deduz dos sinais dos autos, não foi produzida a prova testemunhal requerida pela Impugnante – depoimento de 2 testemunhas, conforme PI.

17. No entanto, existe matéria de facto relevante para a apreciação de mérito que é carenciada de prova testemunhal (cfr. artigos 115º nº 1 do CPPT, 265º nº 3, 511º nº 1 e 513º do CPC, e 392º do CC).

18. De facto, a Impugnante/Recorrente alegou factualidade, relevante para a apreciação de mérito (segundo as diferentes soluções plausíveis de Direito), que se mostra convertida e carenciada de produção de prova testemunhal (cfr. artigos 511º nº 1 e 513º do CPC).

19. Com efeito, a Impugnante/Recorrente alegou a seguinte factualidade (cfr. artigos 7., 8., 26., 39., 45. e 46. da PI e requerimento de 17.03.2014):

- na autoliquidação inicial, efectuada em 28.05.1992, a Impugnante, por lapso, omitiu, no quadro 19 da respectiva declaração de rendimentos, os valores das retenções na fonte, no total de Esc. 862.422$00 (Euro 4.301,74);
- por isso, apresentou, em 14.08.1992, uma declaração de substituição, na qual considerou essas retenções na fonte;
- a AT não reembolsou o contribuinte das retenções na fonte de imposto que o mesmo suportou ao longo de 1991, com a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, sobre rendimentos declarados a final;
- a AF nunca solicitou à Impugnante prova dessas retenções na fonte;
- os comprovativos das retenções na fonte em questão há muito que foram exibidos junto da AF.
- o rendimento da Impugnante foi objecto de retenções na fonte no total de Euro 4.301,74 (Esc. 862.422$00), conforme a mesma inscreveu na declaração de substituição.

20. Com efeito, por meio de requerimento apresentado nestes autos em 17.03.2014, a Impugnante/Recorrente, em resposta e mediante prévio convite do Tribunal (através de Despacho de 18.11.2013),

21. indicou que os depoimentos das 2 testemunhas arroladas na PI seriam repartidos pela matéria de facto a que se reportam os artigos 7., 8., 26., 39., 45. e 46. da PI.

22. No entanto, o Tribunal a quo entendeu indeferir a produção de prova testemunhal.



23. Ora, pelo menos parte da sobredita factualidade é carenciada de produção de prova testemunhal, particularmente do depoimento dos responsáveis pela contabilidade e pelo preenchimento e apresentação das declarações de IRC.

24. Efectivamente, parte daquela factualidade não é passível de prova documental.

25. Para além do que os depoimentos das testemunhas são fundamentais como complemento na interpretação da prova documental produzida.

26. Sendo que, nos termos do artigo 265º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que deve conhecer - princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.

27. Por outro lado, a produção de prova testemunhal deve ser aceite em todos os casos em que não seja proibida por lei (cfr. artigo 392º do CC).

28. A sobredita matéria de facto elencada na PI, e a respectiva prova testemunhal, ERAM RELEVANTES PARA A DECISÃO DE MÉRITO SEGUNDO AS DIFERENTES SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS DE DIREITO – conforme resulta da PI e do enquadramento jurídico-tributário da factualidade relevante, abaixo explanado.

29. Como se denota da douta Sentença recorrida, a mesma OMITIU COMPLETAMENTE A SOBREDITA MATÉRIA DE FACTO, absolutamente relevante para a decisão de mérito,

30. padecendo, por isso, de erro de julgamento e manifesto défice instrutório.

31. Por outro lado, e por força do disposto no artigo 114º do CPPT, o Juiz deve ordenar todas as diligências de prova necessárias.

32. Sendo que, PELO MENOS PARTE da sobredita matéria de facto podia e deveria ter sido objecto de produção de prova testemunhal – já que se tratava de matéria de facto relevante para a decisão de mérito segundo as diferentes soluções plausíveis de Direito e passível de prova testemunhal.

33. Aliás, o artigo 113º nº 1 do CPPT permite a dispensa de prova testemunhal quando a questão decidenda for apenas de Direito, ou, sendo-o também de facto, o processo fornecer todos os elementos necessários à decisão.

34. Contudo, isso apenas pode suceder após vista ao Ministério Público, como se extrai do teor daquele nº 1 do artigo 113º do CPPT – o que não foi o caso, já que a dispensa da prova testemunhal antecedeu a vista ao Ministério Púbico.

35. Sendo certo que, por força do disposto no artigo 115º nº 1 do CPPT, em processo impugnatório devem ser aceites os meios gerais de prova, designadamente a prova testemunhal.

36. E era necessário complementar a prova documental produzida com prova testemunhal.



37. Com efeito, os depoimentos das testemunhas são fundamentais como complemento na interpretação da prova documental produzida.

38. Por conseguinte, a douta Sentença padece de erro de julgamento e défice instrutório, atentas as plausíveis soluções de Direito e as várias questões em discussão (artigo 513º do CPC).

39. Com o consequente erro omissivo no julgamento da matéria de facto – decorrente da indevida dispensa da prova testemunhal, relevante para a decisão de mérito.

40. Tendo sido negada a produção de prova testemunhal oportuna e legitimamente requerida pela Impugnante/Recorrente, ocorreu uma nulidade processual, já que essa omissão é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigos 195º nº 1 do CPC),

41. a qual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida, conforme decorre do disposto nos artigos 195º nº 2 do CPC e 98º nº 3 do CPPT.

42. Para além disso, a douta Sentença recorrida, ao omitir toda a factualidade acima discriminada, padece de erro de julgamento da matéria de facto, precisamente por omissão de factos relevantes para a decisão de mérito, como acima se referiu.



43. Pelo que, ao indeferir a prova testemunhal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e violação do disposto nos artigos 113º do CPPT, 511º nº 1 e 513º do CPC, e demais disposições legais acima citadas.

Acresce que,

44. A douta Sentença padece de erro de julgamento quando considera que o artigo 151º do CPT, na redacção aplicável aos factos, consagrava que o prazo de reclamação de autoliquidações era de 90 dias.

45. Com efeito, o artigo 4º nº 3 do DL nº 47/95, de 10/3, veio dispor que o novo prazo de reclamação graciosa, de 2 anos, é aplicável às retenções efectuadas antes da entrada em vigor daquele diploma.

46. O mesmo sucedendo, por identidade de razões, nos casos de erro na autoliquidação, previstos no artigo 151º do CPT: “Ora, apesar de não ter sido previsto igual regime para os casos do preceito em anotação, não se vê razão aparente para que não valha aqui idêntico princípio, quanto ao novo prazo de 2 anos (que, anteriormente, era de 90 dias)” (cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPT Coment. e Anot., 4ª ed., pág. 348).

Mais,

47. Esta em causa um erro na autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 1991.

48. Com efeito, na autoliquidação inicial (declaração de rendimentos modelo 22 inicial), efectuada em 28.05.1992, a Impugnante, por lapso, omitiu, no quadro 19 da respectiva declaração de rendimentos, os valores das retenções na fonte, no total de Esc. 862.422$00 (Euro 4.301,74).

49. Por isso, apresentou, em 14.08.1992, uma declaração de substituição, na qual considerou essas retenções na fonte – dela resultando, por isso, o reembolso da dita quantia de Esc. 862.422$00 (Euro 4.301,74).

50. Ora, sucede que POR OFÍCIO DATADO DE 27.12.1995, A DF DE LISBOA CONVOLOU AQUELA DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO EM RECLAMAÇÃO GRACIOSA, por considerar que aquela declaração não era o meio adequado para promover o reembolso solicitado.

51. Esta factualidade resulta da prova documental junta aos autos, designadamente do PA apenso – PELO QUE DEVE SER ADITADA À MATÉRIA DE FACTO ASSENTE/PROVADA.

52. Por conseguinte, decorrendo da iniciativa da própria AT (DF de Lisboa), A RECLAMAÇÃO GRACIOSA APRESENTADA CONTRA A AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC DE 1991 DEVE CONSIDERAR-SE APRESENTADA EM 14.08.1992,

53. ou seja, dentro do prazo legal, quer se considere que este é de 90 dias, quer se considere que é de 2 anos.

54. Com efeito, o prazo legal conta-se a partir da data da autoliquidação inicial, que ocorreu em 28.05.1992, como se disse e ficou provado.

55. Pelo que a Reclamação Graciosa (contra a autoliquidação) apresentada em 14.08.1992 (fruto da convolação administrativa, em reclamação graciosa, da declaração de substituição apresentada na mesma data) não pode deixar de se considerar como tempestiva, independentemente do prazo ser de 90 dias ou de 2 anos.

56. Assim, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto.

Sem prescindir, se por hipótese assim não se entender,

57. Se a declaração de rendimentos de substituição (que veio substituir a inicialmente apresentada) foi apresentada em 14.08.1992, então a “reclamação graciosa” poderia ser apresentada até 14.08.1994, nos termos do artigo 151º nº 1 do CPT (diploma legal em vigor à data dos factos).


58. Ora, a 1ª petição do contribuinte foi apresentada em Julho de 1994.

59. E, por isso, dentro do prazo.

60. Por conseguinte, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação da sobredita disposição legal.

Mais,

61. Em caso de documento superveniente, os prazos de reclamação contam-se da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento (artigo 97º nº 3 do CPT).

62. Ora, a dita declaração de substituição, apresentada em 14.08.1992, não pode deixar de se considerar um “documento superveniente” em relação à declaração inicialmente apresentada.

63. Por isso, o aludido prazo de 2 anos só se contaria a partir de 14.08.1992.

64. Como a 1ª petição foi apresentada em Julho de 1994, a “reclamação” foi apresentada em tempo.

65. Assim, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação da sobredita disposição legal.

Ainda sem prescindir,

66. Conforme é Jurisprudência unânime, ainda que, por mera hipótese, a Reclamação Graciosa fosse intempestiva, deveria ter sido oportunamente convolada pela AT em pedido de revisão oficiosa, porque apresentada no prazo de 5 anos à data consignado no artigo 94º b) do CPT.

67. Aliás, na Informação que consta do projecto decisório que subjaz ao despacho aqui impugnado, A DSIRC/AT É CLARA AO AFIRMAR QUE “ENTENDE-SE QUE, OU A PETIÇÃO DO CONTRIBUINTE ERA CONVOLADA EM PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA NOS TERMOS DOS ARTº 93º E 94º DO CPT, CONSIDERANDO-SE O PRAZO DE 5 ANOS APÓS A LIQUIDAÇÃO, OU SE CONSIDERAVA A RECLAMAÇÃO APRESENTADA NA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO.”.

68. Essa Informação foi sancionada por despachos concordantes das demais entidades administrativas intervenientes.

69. O que a douta Sentença recorrida omitiu, em erro de julgamento.

Acresce que

70. Independentemente da questão da tempestividade do pedido do contribuinte, o imposto em questão deveria ter sido OFICIOSAMENTE RESTITUÍDO à Impugnante, por força do disposto, entre outros, nos artigos 36º da Carta de Lei de 9 de Setembro de 1908 (D.G. nº 205, de 12/9/908), 35º do DL nº 155/92, de 28/7, 19º nº 3 do DL 492/88, de 30/12, e 30º nº 1 c) da LGT.

71. Precisamente porque a AF deve actuar segundo os princípios constitucionais do interesse público, da justiça e da legalidade (artigos 55º da LGT e 266º nº 2 da CRP).

72. Assim não tendo sucedido, verifica-se um enriquecimento injustificado do Estado.

73. Com efeito, o Estado ficou com imposto que não lhe pertence e que há muito deveria ter sido oficiosamente restituído ao contribuinte.

74. Aliás, nos termos do artigo 93º do CPT, o acto tributário deve ser objecto de revisão oficiosa, com fundamento no errado apuramento da situação tributária do interessado.

75. Atento o disposto no artigo 94º nº 1 b) do CPT, a revisão dos actos tributários a favor do contribuinte, por iniciativa da AF ou a pedido do contribuinte, pode ser efectuada no prazo de 5 anos, com fundamento em duplicação de colecta.

76. Ao não reembolsar o contribuinte das retenções na fonte de imposto que o mesmo suportou ao longo de 1991, com a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, sobre rendimentos igualmente declarados a final, constata-se uma duplicação de colecta de IRC sobre esses rendimentos.

77. Com efeito, foram tributados, uma 1ª vez, aquando da retenção na fonte, e uma 2ª vez, na liquidação final do imposto do exercício.


78. E é certo é que as 1ªs petições do contribuinte foram apresentadas em 1994, dentro do aludido prazo de 5 anos.

79. A propósito da correspondente norma actualmente vigente, o artigo 78º da LGT, “mesmo nos casos em que neste art. 78º se refere que a revisão é da iniciativa dos serviços, nada impede que os interessados requeiram à administração tributária a revisão dos actos tributários, uma vez que tudo o que pode ser feito oficiosamente pode ser feito a pedido dos interessados” (cfr. Prof. Diogo Leite de Campos e outros, in LGT com. e anot., 2002, pág. 347).

80. E deve sê-lo se houver motivos para tal, como é o caso, pelas mais elementares regras de justiça e interesse público (artigo 266º nº 2 da CRP).

81. Com efeito, “no caso de se verificarem os pressupostos da revisão, a administração tributária terá de proceder à mesma, por imposição dos princípios da justiça, da boa fé e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, que devem nortear a sua actividade (art. 55º da LGT)” (ibidem).

82. A menos que a AF se pretenda locupletar indevida e injustamente, à custa do contribuinte.

83. Aliás, hoje é indubitável que a apresentação de pedido de revisão oficiosa interrompe o prazo de revisão da situação tributária (artigo 78º nº 6 da LGT).

84. Mais, a revisão da situação tributária em questão sempre estaria hoje legitimada pelo disposto no artigo 78º nº 3 da LGT, por se verificar injustiça grave e notória na não devolução de imposto que o contribuinte suportou por retenção na fonte sobre os seus rendimentos.

Quanto à questão de fundo,

85. Considera também a douta Sentença recorrida que a Impugnante/Recorrente não fez prova das retenções na fonte de IRC sobre os rendimentos obtidos.

86. Ora, o que sucede é que A AF NUNCA SOLICITOU À IMPUGNANTE PROVA DESSAS RETENÇÕES NA FONTE.
87. Outrossim, A AF SEMPRE SE REFUGIOU, ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE, NA ALEGADA EXTEMPORANEIDADE DA RECLAMAÇÃO.

88. Por evidentes razões de protecção do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva do contribuinte, consagrado nos artigos 20º e 268º nº 4 da CRP, não é legalmente admissível a FUNDAMENTAÇÃO INOVADORA.

89. A fundamentação tem necessariamente de ser anterior ou coincidente com o respectivo acto tributário.

90. Com efeito, é pacífico na Jurisprudência que não pode ocorrer uma fundamentação a posteriori do acto tributário – a fundamentação deve ser anterior ao acto tributário ou, quando muito, contextual/contemporânea do acto tributário, sob pena de irremediável prejuízo do direito de defesa do contribuinte.

91. Isto, sob pena de violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da boa-fé e das legítimas expectativas dos contribuintes (artigos 55º da LGT, 266º nº 2 da CRP e 10º do CPA).

92. O contribuinte, quando se defende contra um acto tributário, só pode direcionar o seu direito de defesa relativamente aos concretos fundamentos desse acto tributário,

93. não podendo ser surpreendido com argumentos novos, supervenientes ao exercício do seu direito de defesa.

Por outro lado,

94. A AF violou o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58º da LGT.

95. Com efeito, e nos termos deste preceito legal, a AF deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

96. O que não fez, pois não solicitou qualquer elemento ao contribuinte sobre as retenções na fonte, limitando-se a indeferir a reclamação por extemporaneidade.

Sendo certo que,

97. À DATA DA APRESENTAÇÃO DA PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL JÁ HAVIA DECORRIDO O PRAZO LEGAL, DE 10 ANOS, DA OBRIGAÇÃO DE CONSERVAÇÃO E ARQUIVO DOCUMENTAL, POR BANDA DO CONTRIBUINTE.

98. Com efeito, o prazo legal de arquivo é de 10 anos (artigos 52º nº 1 do CIVA, 123º nº 4 do CIRC e 40º do CCom., redacções aplicáveis), o qual já havia decorrido HÁ VÁRIAS DÉCADAS à data da apresentação da presente Impugnação Judicial – ESTÁ EM CAUSA O EXERCÍCIO DE 1991.

99. Pelo que a Recorrente não estava obrigada a apresentar prova documental de factos (retenções na fonte) ocorridos em 1991.

100. E só à AF se deve o facto de em pleno ano de 2018 continuarmos a discutir assuntos de 1991, conforme se extrai dos sinais dos autos.

101. Por conseguinte, a douta Sentença recorrida, ao julgar a Impugnação improcedente também com fundamento no facto da Impugnante/Recorrente não ter provado as retenções na fonte feitas em 1991, padece de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais.

Sendo ainda certo que,

102. Os comprovativos das retenções na fonte em questão há muito foram exibidos junto da AF.

103. E que o rendimento da Recorrente foi objecto de retenções na fonte no total de Euro 4.301,74 (Esc. 862.422$00), conforme a mesma inscreveu na sobredita declaração de substituição.

104. Havendo, por isso, lugar à restituição desta importância.

105. À qual devem acrescer os correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º nº 3 a) da LGT.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso, anulando ou revogando a douta Sentença recorrida, julgando a presente Impugnação procedente e revogando o despacho aqui impugnado, com a consequente correcção da autoliquidação de IRC de 1991 no sentido de ser restituído à Recorrente o dito valor de Euro 4.301,74 (retenções na fonte), acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

Por despacho do Exmo. Conselheiro Relator de 19/09/2018, foi o Supremo Tribunal Administrativo julgado incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso jurisdicional e considerado competente para dele conhecer este Tribunal Central Administrativo Sul.

Neste Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão a dirimir reconduz-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela caducidade do direito de impugnar, sem olvidar a questão da nulidade processual por falta de contraditório sobre o parecer do Ministério Público na 1.ª instância.
3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Para conhecimento da excepção dão-se por provados os seguintes factos:
A) Em 28 de Maio de 1992 a impugnante entregou a respectiva declaração de rendimentos Modelo 22 relativa ao exercício de 1991 (fls 5 e 6, do pa apenso);
B) Em 14 de Agosto de 1992 a impugnante apresentou declaração de substituição, Modelo 22, de IRC de 1991, na qual considerou como retenções na fonte a quantia de €862.422$00 (€4.301,74) (fls 7 e 8, do pa apenso);
C) Em 1 de Julho de 1994 a impugnante apresentou requerimento relacionado com a autoliquidação de IRC de 1991, no sentido de obtenção do reembolso das retenções na fonte (fls 9, do pa apenso);
D) Em 4 de Novembro de 1994 a impugnante apresentou requerimento relacionado com a autoliquidação do IRC de 1991, no mesmo sentido, referido em C) (fls 27 do pa apenso);
E) Em 14 de Setembro de 1995 foi instaurado o processo de reclamação graciosa (fls 11, do pa);
F) Em 27 de Dezembro de 2007 o impugnante foi informado de que havia sido mandada instaurar processo gracioso de reclamação;
G) Por despacho de 29 de Setembro de 2006 a reclamação graciosa foi indeferida por intempestividade, de acordo com o disposto no artº 70º nº 1 conjugado com o nº 1 do artº 131º, ambos do CPT, visto ter decorrido o prazo de 2 anos sobre a data da apresentação da declaração - 28-05-1992 (fls 99 a 101, do pa apenso);
H) Em 06 de Novembro de 2006 a impugnante interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (fls do pa apenso);
I) Por despacho de 17-07-2007 foi negado provimento ao recurso, por não ter
sido feita prova da efectivação das retenções na fonte de rendimentos obtidos pelo contribuinte (fls 35 e 36, dos autos);
J) Em 19 de Maio de 2009 deu entrada a presente impugnação.».
Ao abrigo do disposto no art.º 662.º do CPC, altera-se o ponto I) da matéria de facto, que passa a ter a seguinte redacção:

I) Por despacho de 23-01-2009 foi negado provimento ao recurso, por não ter sido feita prova da efectivação das retenções na fonte de rendimentos obtidos pelo contribuinte (fls. 35 e 36 dos autos);

Ao abrigo da mesma disposição, adita-se ao probatório o seguinte facto:

k) Consta do processo administrativo como doc.2 apenso ao requerimento de recurso hierárquico, um ofício datado de 27/12/1995, da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa dirigido à Recorrente, subscrito pelo competente Director Distrital de Finanças sobre o assunto “IRC – Situação do pedido de reembolso (IRC/91)”, com o seguinte teor:
«Sobre o assunto constante das cartas de 1.7.94, 4.11.94, 28.8.94 e 7.5.95, cumpre-me informar que, tendo-se constatado que a Declaração Mod.22 de IRC, de substituição, apresentada por V. Exa., em 14.8.92, não era o meio adequado para promover o reembolso solicitado, foi mandado elaborar um processo gracioso de reclamação que se encontra ainda pendente»

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Sendo as conclusões que delimitam o âmbito do recurso, defende a Recorrente ocorrer nulidade processual consubstanciada no facto de não ter sido notificada, para exercer o contraditório, do Parecer do Ministério Público na 1.ª instância em que este suscitou excepção obstativa da apreciação do mérito da impugnação e padecer a sentença de erro de julgamento ao concluir pela falta de condições de procedibilidade da impugnação por não ter sido precedida de reclamação prévia necessária apresentada tempestivamente.

Estabelece o art.º 121.º do CPPT:

«Artigo 121.º
Vista do Ministério Público
1 - Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais.
2 - Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública.»

Na interpretação que fazemos do n.º 2, não ocorre a invocada nulidade processual, porquanto, o Ministério Público no seu douto Parecer se limitou a apreciar e a aderir aos fundamentos da excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar já suscitados pela Fazenda Pública na contestação.

Em consequência e bom rigor, não suscitou o Ministério Público questão nova obstativa do conhecimento do mérito do pedido, pressuposto em que assenta o contraditório previsto no n.º 2 do art.º 121.º do CPPT.

Como assim, improcede a invocada nulidade processual por falta de contraditório sobre o Parecer do Ministério Público na 1.ª instância.

Passemos agora a apreciar se a douta sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe é imputado, se fez uma correcta apreciação da matéria fáctica bem como da sua subsunção às normas legais aplicáveis.
Em bom rigor, o que a impugnante pretende é discutir a tempestividade da reclamação administrativa necessária enquanto condição de procedibilidade da impugnação judicial.

Como se colhe do acervo factual, em 28/05/1992, a impugnante entregou a respectiva declaração de rendimentos mod.22, relativa ao exercício de 1991.

Em 14/08/1992, a impugnante apresentou declaração de substituição mod.22 de IRC com relação ao mesmo exercício de 1991, na qual considerou no campo 19 (imposto a recuperar) como retenções na fonte a quantia de Esc.862.422$00.

Subsequentemente, em 01/07/1994 e 07/11/1994 (cf. fls. 10 do PA,) a impugnante apresentou à AT exposições referenciadas à autoliquidação de IRC/91, no sentido da obtenção do reembolso das retenções na fonte (Esc.862.422$00).

Esta última exposição, de 07/11/1994, foi convolada pela AT em reclamação graciosa e indeferida por intempestividade “de acordo com o n.º 1 do art.º 70.º conjugado com o n.º 1 do art.º 131.º ambos do CPPT, visto ter decorrido o prazo de dois anos sobre a data de apresentação da declaração de rendimentos (28/05/1992). É esta data de 28/05/1992 que deverá ser considerada para efeitos da contagem do prazo de reclamação” (cf. informação complementar de 11/10/2006, exarada a fls. 107 do PA).

Que dizer?

Como ressalta do aditado probatório, a AT num primeiro momento decidiu convolar a declaração de substituição apresentada em 14/08/1992 em reclamação graciosa e, num segundo momento, contraditoriamente, veio a convolar em reclamação graciosa a exposição do contribuinte solicitando o reembolso das retenções na fonte apresentada em 07/11/1994 e, com esse fundamento, a julgar intempestiva a reclamação por excedido o prazo de dois anos previsto no art.º 151.º, n.º 1 do CPT, na redacção do DL n.º 47/95, de 10 de Março e 131.º, n.º 1, do CPPT, que dispõe: «Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração».

Como esta bem de ver, sendo o dies a quo da contagem do prazo de dois anos da reclamação aferido à data da apresentação da declaração de rendimentos, no caso, 28/05/1992, o prazo da reclamação só é observado se a convolação for reportada à data da apresentação da declaração de substituição (14/08/1992), mas não se for reportada à data da segunda exposição da impugnante insistindo no reembolso das retenções na fonte, datada de 07/11/1994.

Desde logo se diga que a decisão da AT, em contradição com anterior decisão, de reportar a convolação à segunda exposição do contribuinte apresentada em 07/11/1994, se mostra ilegal na medida em que a primitiva decisão comunicada ao contribuinte de convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa é constitutiva de direitos (o de ver apreciado o mérito da pretensão) e, como assim, não é livremente revogável ao arrepio do disposto nos artigos 140.º e 141.º, do então aplicável Código do Procedimento Administrativo.

De resto, a solução primeiro encontrada pela AT, de reportar a convolação à data de apresentação da declaração de substituição, é a que melhor se compatibiliza com os normativos vigentes à data da decisão da reclamação graciosa (2006), dispondo o art.º 59.º, n.ºs 5 e 6, do CPPT, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro:

«5 - Nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram de divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados em declaração de substituição apresentada no prazo legal para reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto ou de fundada dúvida sobre a existência dos referidos actos, factos ou documentos, o chefe de finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando da decisão o sujeito passivo.
6 - Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas».

Reportada a convolação em procedimento de reclamação graciosa à data da apresentação da declaração de substituição (14/08/1992), torna-se inútil entrar na discussão em torno da sucessão temporal dos prazos potencialmente aplicáveis, porquanto, até o prazo mais restrito de 90 dias previsto na redacção primitiva do art.º 151.º do CPT, tem-se por observado, com relação à data de apresentação da declaração de rendimentos de 1991 (28/05/1992).
A conclusão a que chegou a sentença de 1.ª instância de que a extemporaneidade da reclamação determina a extemporaneidade da impugnação, impossibilitando o contribuinte de discutir a legalidade das liquidações, enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, não podendo manter-se na ordem jurídica.

Daqui não se segue a anulação da liquidação de IRC/91, apenas se abre à impugnante a possibilidade, que é, no fundo o que ela pretende, de ver discutida a legalidade dessa liquidação.

Sucede que como a impugnante salienta nas doutas conclusões alegatórias, requerera a produção de prova, nomeadamente, testemunhal, que o Mmo. juiz a quo entendeu não produzir, por desnecessária e que se prende, entre o mais, com a demonstração das alegadas, mas controvertidas, retenções na fonte que diz terem sido efectuadas e fez reflectir na dita declaração de substituição mod.22 de IRC, referenciada ao exercício de 1991.

Assim, e porque a ausência de prova inviabiliza a decisão jurídica do pleito, impõe-se a anulação da decisão recorrida e a consequente remessa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que se produza a prova pertinente ao julgamento do mérito da impugnação.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para produção de prova nos termos acima preconizados, com prolação de nova sentença.

Sem custas.

Lisboa, 07 de Dezembro de 2021



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha