Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2294/21.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:PRESCRIÇÃO
FINANCIAMENTO
ORÇAMENTO DE ESTADO
SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:I – É de aplicar, exclusivamente, o prazo ordinário de prescrição estabelecido no artigo 309.º do Código Civil (20 anos) a dívidas com as características da exigida ao Recorrente, ou seja, auxílios, financiamentos e comparticipações em geral, suportados por receitas próprias do Estado Português.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


S…., melhor identificado nos autos, apresentou Reclamação do despacho proferido pelo Serviço de Finanças de Lisboa-4 que indeferiu o requerimento apresentado com vista ao reconhecimento da prescrição da dívida exequenda em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3123.2004/01003364.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de Agosto de 2022, julgou a presente Reclamação parcialmente procedente, declarando extinta, por prescrição, a dívida referente às comparticipações financeiras atribuídas pelo Fundo Social Europeu, no montante de € 367.526,24; determinando a extinção do processo de execução fiscal instaurado para a respectiva cobrança e anulando o acto reclamado nesta parte, mantendo-se quanto à demais dívida não declarada prescrita, tudo com as demais consequências legais.

O Supremo Tribunal Administrativo, por decisão de 1 de Março de 2023, revogou o acórdão deste Tribunal Central Administrativo (TCAS), de 11 de Janeiro de 2023, que se havia declarado incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso interposto pela Reclamante, mais determinando a sua remessa, agora, a este TCAS, ao abrigo do art.º 18.º, n.º1, do CPPT.

Nessa conformidade, S…., aqui Recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

«Do erro de julgamento/Da prescrição da obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas/Da aplicabilidade do Regulamento do Regulamento CE Euratom nº 2988/95 do Conselho Europeu também às verbas provenientes do Estado Português

a) Considerou o Tribunal da 1.ª Instância que “…quanto à parcela da dívida referente às verbas do Estado Português, nomeadamente do Orçamento da Segurança Social, (no valor de € 196.250,06) o prazo de prescrição aplicável é o prazo geral de vinte anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, segundo aquele que tem constituído o entendimento pacífico, reiterado e uniforme da jurisprudência”.

b) Não corroboramos de todo, salvo o devido respeito, com tal entendimento do Tribunal a quo por considerar que o mesmo é ilegal.

c) Desde logo por considerar a sentença recorrida que existe uma “parcela da dívida referente às verbas do Estado português, nomeadamente do Orçamento da Segurança Social”.

d) Quando na verdade o valor total em causa nos presentes autos, em cobrança coerciva em sede de execução fiscal é todo ele proveniente do Fundo Social Europeu, sendo valores inscritos no Orçamento do Estado.

e) Inexistindo qualquer disposição legal que conduza ao entendimento de que de que existem valores aqui em causa que devem ter um tratamento diferente, quanto ao prazo prescricional, daquele que está previsto no Regulamento (CE Euratom) 2988/95 do Conselho Europeu de 18 de Dezembro.

f) Antes pelo contrário, de tal regulamento e da própria legislação interna se extrai que deve existir um tratamento homogéneo quanto às verbas aqui em causa.

g) O Decreto Regulamentar n.º 12-A/2000 de 15 de Setembro, (citado na sentença recorrida), no n.º 1 do seu art.º 24.º, (que é o que aqui interessa) dispõe o seguinte: “Considera-se financiamento público a soma da contribuição comunitária com a contribuição pública nacional, calculada em função do custo total elegível aprovado, deduzido da contribuição privada definida nos termos dos regulamentos específicos das intervenções operacionais e das receitas próprias das acções, quando existam”.

h) Deste n.º 1 do art.º 24.º do referido Decreto Regulamentar se extrai de forma clara que o legislador considera financiamento público quer a comparticipação comunitária quer a comparticipação nacional.

i) Ou seja, atribui um tratamento idêntico à comparticipação comunitária e nacional.

j) Tanto assim é que, no n.º 9 do art.º 35.º do referido Decreto regulamentar, o legislador nacional prevê que a cobrança coerciva de tais montantes seja efectuada pela mesma via, ou seja, através da execução fiscal, ao afirmar que “Sempre que as entidades obrigadas à restituição de qualquer quantia recebida no âmbito das comparticipações do FSE e do Estado Português não cumpram a sua obrigação no prazo estipulado, será a mesma realizada através de execução fiscal, nos termos da legislação aplicável.

k) E mais, tratam-se de comparticipações conjuntas recebidas pelo recorrente, do Fundo Social Europeu (FSE) e do Orçamento da Segurança Social, (OSS) em que se torna difícil separar a origem dos fundos , ainda que seja o Estado Português o responsável pela devolução, às autoridades comunitárias, dos valores por aquela primeira entidade adiantadas - art° 6° do Regulamento CEE n° 2950/83, do Conselho, de 17 Outubro.

l) E a quantia reclamada no processo executivo corresponde ao saldo credor apurado, a final, por decisão da Comissão relativamente às acções de formação profissional comparticipadas com as referidas verbas

m) E, as comparticipações financeiras do FSE e do OSS, para tais acções, constituem, ambas, no entendimento da jurisprudência, “despesas de capital”, como tal inscritas no Orçamento da Segurança Social, conforme mapas anexos ao respectivo Orçamento anual do Estado.

n) Isto significa que o próprio legislador interno não diferencia as referidas comparticipações, quer quanto à sua natureza, quer quanto ao meio de cobrança coerciva das mesmas, dando-lhes um tratamento homogéneo.

o) Os incentivos em causa nos presentes autos foram atribuídos no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio então vigente, e com base em fundos comunitários.

p) Nesta medida, encontramo-nos, assim, perante a atribuição de fundos de incentivo de matriz comunitária, mormente FSE o qual se incluía no Quadro Comunitário de Apoio, então vigente.

q) Não sendo sequer questão controvertida o que de o incentivo financeiro concedido pelo Estado ter sido financiado através de fundos comunitários.

r) Sendo que a comparticipação financeira do estado português é de origem comunitária, ou seja, decorre igualmente do orçamento comunitário.

s) Daí que, encontrarmo-nos perante a reposição de fundos comunitários.

t) obstante o Supremo Tribunal de Justiça, mormente, em vários arestos tenha decidido, pela inaplicabilidade do prazo de cinco anos previsto no nº1 do artigo 40.º do DL nº 155/92, de 28 de julho, e aplicação, ao invés, de um prazo de vinte anos constante no artigo 306.º do CC, a verdade é que, entretanto deu-se a alteração do paradigma, quanto a tal entendimento após a prolação do douto Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Setembro no âmbito do processo n.º C-341/13, na sequência de reenvio prejudicial por parte do STA, no âmbito do processo nº 0398/12, de 17 de abril de 2013.

u) O Tribunal de Justiça da União Europeia respondeu às questões prejudiciais que lhe foram colocadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, a prepósito da prescrição, no acórdão proferido em 07 de Setembro, no processo n.º C-341/13, não fazendo distinção, quanto proveniência da dívida em questão, sublinhado nosso.

v) Daqui se extrai que existe uma unidade de tratamento das quantias em dívida, quer para efeitos da certificação da sua irregularidade, quer para efeitos da sua cobrança, não se vislumbrando, por isso, que à mesma possam ser aplicáveis prazos de prescrição diferentes, sendo, de resto, a quantia a recuperar para os fundos nacionais uma parcela substancialmente inferior àquela em dívida e proveniente de fundos da União, pelo que, a unicidade do processamento da recuperação dos fundos em dívida impõe que o prazo prescricional a ter em conta deve também ser o mesmo no caso concreto.

w) Considera assim o já referido Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia que, “ Embora o artigo 3.º, n.º 3, do mesmo regulamento permita que os Estados-Membros apliquem prazos de prescrição mais longos do que os de quatro ou três anos previstos no n.º 1, primeiro parágrafo, deste artigo, resultantes de disposições de direito comum anteriores à adoção do referido regulamento, a aplicação de um prazo de prescrição de vinte anos excede o que é necessário para atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União.”

x) Em face do supra aludido, conclui-se, assim, que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, é também aplicável ao montante de € 196.250,06 o prazo de prescrição previsto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento 2988/95, porquanto se trata de norma jurídica diretamente aplicável na ordem jurídica interna (artigo 288.ºTFUE e 8.º n.º 3 da Constituição) e bem assim porque inexiste no ordenamento jurídico nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior.

y) E, existindo norma expressa na regulamentação comunitária, diretamente aplicável, como é o caso, o acolhimento, no direito interno, dessa norma não pode, de modo algum, gerar incumprimento ou ineficácia do direito comunitário.

z) Pelo contrário, tal acolhimento assegura a imposição efetiva do direito comunitário.

aa) Conforme resulta dos factos provados, em 1, 2, 15 e 16, o recorrente foi notificado do relatório de auditoria financeira em 23-11-1993, devendo esse relatório considerar-se como o acto administrativo que determinou a reposição de ajudas que haviam sido concedidas, o qual se consolidou na ordem jurídica dois meses depois, nos termos do artigo 28.º n.º 1 alínea a) da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), ou seja em Janeiro de 1994.

bb) Quando o recorrente foi citado em 11 de Fevereiro de 2004 para a execução, tal citação ocorreu já muito para além do prazo de três anos para a execução da decisão previsto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento n.º 2988/95.

cc) O que significa que se encontra prescrita também a parcela da dívida no valor de € 196.250,06, já que nem o legislador interno, nem o legislador comunitário diferencia a natureza das comparticipações financeiras aqui em causa, quer quanto à sua origem, quer quanto aos meios de cobrança, considerando-as comparticipações comunitárias, para todos os devidos efeitos legais.

dd) Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que desde o ano em que foram concedidos os fundos aqui em causa, ou seja o ano de 1990, até à actualidade já decorreram 30 anos, tempo esse no entendimento do TJUE inconcebível e “excede o que é necessário para atingir o objectivo de protecção dos interesses financeiros da União”.

ee) No recurso para Uniformização de Jurisprudência que correu termos sob o processo n.º 0173/13, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo proferiu douto Acórdão em 26 de Fevereiro de 2015, considerou que “O prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola é o previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, por se tratar de uma norma jurídica directamente aplicável na ordem interna, e, porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior”.

ff) Motivo pelo qual, requer-se a este Venerando Tribunal, se digne declarar a prescrição da obrigatoriedade de reposição da quantia de € 196.250,06, e em consequência, revogar-se a sentença recorrida por erro de julgamento.

Ainda sem prescindir/Da prescrição da obrigação pecuniária que constitui a dívida exequenda

gg) Na eventualidade de V.ª Exa. considerar, o que não se concede, que o prazo prescricional a aplicar é o prazo previsto no art.º 309.º do C. Civil, o que seria violador de normas comunitárias e do entendimento sufragado pelo TJUE e pelo STA, sempre se dirá que, a alegada prática da irregularidade teve lugar através do relatório de inspecção cujo teor foi notificado ao Requerente em 22 de Novembro de 1993.

hh) Pelo que, o prazo prescricional teve o seu início em 22 de Novembro de 1993.

ii) E, ainda que considerássemos que tal prazo foi interrompido com a instauração da execução em 30 de Janeiro de 2004, até esta data já tinham decorrido 10 anos, dois meses e oito dias, prazo esse que retomou a sua contagem em 20 de Novembro de 2008 (data do trânsito em julgado do douto acórdão do TCA Sul, que julgou improcedente o recurso por aquele interposto no âmbito da Oposição), tendo terminado os 20 anos em 20 de Setembro de 2018.

jj) Prescrição essa que deve ser declarada.

Ainda sem prescindir/Do Reenvio Prejudicial

kk) Na eventualidade da aplicabilidade do prazo prescricional previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro, à comparticipação no valor de € quantia de € 196.250,06, suscitar, salvo o devido respeito, dúvida razoável, o que apenas se aceita à cautela de patrocínio, requer-se a este Venerando Tribunal se digne determinar a pronúncia em reenvio prejudicial do Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), ex-artigo 234.º do Tratado das Comunidades Europeias, para resposta à seguinte questão:

1- O prazo de prescrição previsto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, aplica-se apenas à comparticipação comunitária, ou também se aplica ao valor suportado pelo respectivo Estado Membro no âmbito do Fundo Social Europeu por ser considerado também montante devido ao Fundo Social Europeu?”

2- O prazo de prescrição de vinte anos previsto na legislação interna do Estado Membro é um prazo razoável para atingir o objectivo de protecção dos interesses financeiros da União?.

ll) Devendo em consequência, com a D.V, este Venerando Tribunal determinar a suspensão da instância recursiva até à pronúncia do TJUE e ordenar a emissão de carta, a dirigir pela Secretaria deste Tribunal à daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhada do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente e das contra-alegações da recorrida, se for o caso.

NESTES TERMOS, NOS MAIS DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA. DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E DAÍ SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA A QUAL PADECE DO VÍCIO DE ERRO DE JULGAMENTO.

MAIS SE REQUER A V.ª EXA. SE DIGNE DETERMINAR O REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE, NOS SOBREDITOS TERMOS.»


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer de improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com relevância para a decisão, considera se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

1. Em 09-12-1992 foi elaborado pela Inspecção Geral de Finanças, relatório de auditoria referente à Reclamante, comunicado através de ofício de 22 11 1993 (cfr. fls. 452 a 469 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

2. A Reclamante teve conhecimento do relatório identificado no número antecedente em 23-11-1993 (por acordo; facto não controvertido e expressamente assumido pela Reclamante a fls. 451 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6472, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 60.609,30 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

4. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6473, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 27.305,24 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

5. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6474, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 67.959,96 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

6. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6475, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 70.065,39 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

7. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6476, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 213.444,56 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

8. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6477, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 58.379,87 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

9. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6478, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 80.185,30 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

10. Em 15-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6479, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 23.787,53 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

11. Em 16-10-2001 foi emitido pelo Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu o ofício n.º 6524, dirigido à Reclamante, para proceder à devolução da quantia de € 11.605,75 em conformidade com o despacho de 27 01 1997 (cfr. fls. 341 a 411 dos autos e fls. 4 a 69 do processo de execução fiscal PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

12. Em 11-02-2002 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, no âmbito do processo n.º 716(A/01, a qual indeferiu o pedido de suspensão de eficácia formulado pela Reclamante com vista à suspensão de eficácia dos despachos do Director Geral do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu que determinou a devolução de quantias (cfr. fls. 105 a 114 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. Em 02-05-2002 foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul a negar provimento ao recurso interposto pela Reclamante da sentença identificada no número antecedente (cfr. fls. 116 a 119 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. Em 11-12-2002 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo a negar provimento ao recurso interposto pela Reclamante do acórdão identificado no numero antecedente (cfr. fls. 119 a 129 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. Em 30-01-2004 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4, contra a Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 3123200401003364, para cobrança de dívida proveniente montantes devidos ao Fundo Social Europeu, referente ao ano de 1993, cuja quantia exequenda ascende ao valor global de € 563.776,33 (cfr. fls. 1 a 3 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

16. Em 11-02-2004 foi assinado o aviso de recepção que acompanhava a citação da Reclamante para o processo de execução fiscal identificado no número antecedente (cfr. fls. 70 e 71 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17. Em 10-03-2004 a Reclamante deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 3123200401003364 (cfr. fls. 87 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18. Em 11-06-2004 foi assinado o aviso de recepção que acompanhava a notificação da Reclamante para prestar garantia (cfr. fls. 90 e 91 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

19. Em 22-06-2004 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4, requerimento a solicitar a dispensa da prestação de garantia (cfr. fls. 92 a 95 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

20. Em 29-09-2004 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 a indeferir o pedido de dispensa de garantia apresentado pela Reclamante e a determinar o prosseguimento do processo para penhora, o qual foi comunicado em 25-10- 2004 (cfr. fls. 130 a 136 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

21. Em 08-11-2004 a Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 4, reclamação judicial contra o despacho identificado no número antecedente, dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (cfr. fls. 137 a 140 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

22. Por sentença proferida em 24-03-2005, no processo n.º 128/05.BELRS, foi a reclamação identificada no número antecedente julgada improcedente (cfr. fls. 149 a 152 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

23. Em 23-08-2006 o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 proferiu novo despacho a indeferir requerimento apresentado pela Reclamante com vista à dispensa da prestação de garantia, o qual foi comunicado em 28-08-2006 (cfr. fls. 169 a 171 do PEF apenso a fls. 42 a 244 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

24. Em 01-06-2021 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4, requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição da dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3123200401003364 (cfr. PEF apenso a fls. 245 a 286 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

25. Em 04-11-2021 foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4 a propor o indeferimento do requerimento identificado no número antecedente, com o seguinte teor:

Em 02-06-2021, foi rececionado neste Serviço de Finanças, um requerimento apresentado pela Sra. Dra. G… Advogada, na qualidade de mandatária da executada S…. NIPC: 501…., ao qual foi atribuída a Entrada n.º 1126755, a solicitar prescrição da divida exequenda e extinção da execução.
O presente processo foi instaurado por divida ao IGFSE - Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, em 2004-01-30. no valor de Q. Exeq. € 563.776,33;
Porque não está em causa nos autos, divida da AT, foi o requerimento apresentado pela Mandatária, remetido pelo oficio n.° S/90794, datado de 25-06-2021, para a entidade credora Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, Organismo sob tutela do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, sito na Rua Castilho, 5 7.° - S 78, 1069-451 Lisboa, para efeitos de apreciação do pedido do mesmo, tendo o mesmo vindo devolvido em 01-07-2021, com indicação “o destinatário mudou-se sem deixar nova morada”;
Em 13-07-2021, remeteu-se o ofício n.° S/101057, para Agência para o Desenvolvimento e Coesão, sito na Av. 5 de Outubro, 1050-053 Lisboa, para efeitos de apreciação do processo executivo, quanto à prescrição do mesmo.
Em 04-08-2021, foi rececionado neste serviço, o mail proveniente daquela agência, na qual informaram que, considerando que a citação suspende o prazo de prescrição e a que a oposição deduzida à execução fiscal interrompe do prazo de prescrição, tendo o processo sido acompanhado pelo Representante da Fazenda Pública, desconhecendo-se, por isso, se tinha sido proferida decisão Judicial transitada em julgado e sem informação concreta sobre tais elementos, não lhes era possível precisar se a divida exequenda se encontra ou não proscrita.
Neste seguimento, foi aquela entidade informada pelo nosso email datado de 22-10-2021, dos seguintes elementos:
A citação do processo executivo ocorreu em 11-02-2004.
Em 10-03-2004, foi deduzida Oposição à execução tendo sido instaurada com o n.° 9000046/04;
Entrou no Tribunal em 07-05-2004, sendo admitida liminarmente em 13-05-2004;
A oposição foi julgada improcedente por Sentença de 22-09-2006;
A advogada foi notificada em 26-09-2006;
Em 10-10-2006, apresentou Recurso da Sentença da Oposição;
Em 04-11-2008, por Acórdão do TCA Sul, foi o Recurso Julgado Improcedente.
Advogada foi notificada pelo OF datado de 05-11-2008, do recurso preferido no processo n.° 01626/07.
A notificação ocorreu em 10-11-2008, o trânsito em julgado ocorreu em 20-11-2008.
Não tendo sido, obtida resposta daquela entidade, quanto à apreciação da prescrição da divida exequenda do referido processo executivo; em 03-11-2021, foi remetido novo e-mail, reiterando o nosso pedido de apreciação de prescrição do processo em causa.
Ontem, dia 03.11.2021, pelas 17H29, foi recebida resposta á análise da prescrição do processo, cujo teor foi o seguinte:
Na sequência das vossas mensagens do correio eletrónico infra, cumpre informar o seguinte:
De acordo com as indicações fornecidas por V. Exa verifica-se que em 11.02.2004, com a citação, iniciou-se nova contagem de prazo de prescrição, que ficou suspenso desde 10.03.2004, data em que foi deduzida a oposição, até 20.11.2008, data do trânsito em julgado da sentença.
A partir de 21.11.2008 continuou a contagem do prazo de prescrição de 20 anos constante do artigo 306.º do Código Civil, pelo que se constata que o mesmo termina em 28.10.2028.
Assim sendo, e salvo melhor opinião, a divida exequenda não se encontra prescrita.
(cfr. PEF apenso a fls. 245 a 286 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

26. Na mesma data 04 11 2021 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças a indeferir o requerimento apresentado pela Reclamante, o qual foi comunicado à Reclamante, através de mensagem de correio electrónico, em 05 11 2021 (cfr. PEF apenso a fls. 245 a 286 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

27. A presente Reclamação foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Lisboa 4 em 12 11 2021, tendo dado entrada neste Tribunal em 24 11 2021 (cfr. fls. 1 e 41 dos autos);»


*

Factos não provados

«Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, designadamente, não está provado o seguinte:
1. Não ficou provado em que data foram remetidos e recebidos pela Reclamante, os ofícios a comunicar a obrigação de proceder à restituição de verbas na origem da dívida exequenda constantes nos ofícios referidos nos números 3 a 11 do probatório.»

*

Motivação da decisão de facto

«Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos juntos pelas partes bem como do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, conforme indicado em cada número do probatório, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.


*

No que diz respeito ao facto não provado, a convicção do tribunal baseou-se no facto de os elementos probatórios constantes nos autos, nomeadamente no processo de execução fiscal e solicitados pelo Tribunal não serem suficientes para se concluir em que data tal sucedeu.

Com efeito, sabe-se apenas que o Reclamante terá tido conhecimento dos aludidos ofícios, mas não a data específica em que tal ocorreu, considerando que resulta do probatório que aquela apresentou meio processual com vista à suspensão de eficácia de tais actos. Contudo, uma vez que nesses ofícios é feita menção à remessa por carta registada com aviso de recepção, dos autos não consta nem o talão de registo, nem o aviso de recepção assinado pelo Reclamante, tendo o Tribunal diligenciado, a fls. 435, no sentido de obter esses elementos junto da Agência para o Desenvolvimento e Coesão I.P. que, a fls. 437 veio informar não ser possível a junção dos mesmos. Razão pela qual, perante essa falta de demonstração, se deu o facto como não provado.»


*


Ao abrigo dos poderes concedidos pelo artigo 662º do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto:

28 – Em 03/11 /2003 foi emitida certidão de dívida, pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, onde consta, nomeadamente, o seguinte:

“António Luís Valadas da Silva, presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE), organismo sob a tutela do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, pessoa colectiva nº 504 987 682, sito na Rua Castilho, nº5, 7º/8º, 1250-066 Lisboa, certifica que “S…”, pessoa colectiva nº 504 …., com sede na Rua da E…, 37, 1º, 1200-…. Lisboa, é devedora a este Instituto, da quantia de € 563 776,33, relativa a comparticipações financeiras provenientes do Fundo Social Europeu (€ 367 526,24) e do Estado Português (€ 196 250,09), indevidamente recebidas, no âmbito dos pedidos de contribuição nº2, do PO 90 1001, nºs 1000 e 4 do 90 1004 P1, nºs 1, 2, 3, e 4 do PO 90 7003 P1 e nº6 do PO 90 4001 P1.(…)” – Cfr. fls. 1 a 3 do PEF digitalizado, constante do SITAF, as quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidas.


*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na determinação do regime de prescrição aplicável à parcela da dívida exequenda proveniente do Orçamento de Estado da Segurança Social.

Subsidiariamente, na eventualidade de se concluir que o prazo prescricional a aplicar é o de 20 anos previsto no CC, apreciar se o mesmo se completou em 2018, como pretende o Recorrente.

Vejamos, então.

Comecemos por dizer que apenas está em apreciação o segmento da sentença recorrida que considerou não se verificar a prescrição das dívidas respeitantes a verbas concedidas ao Recorrente pelo Orçamento de Estado da Segurança Social.

Assim, entendeu a sentença recorrida, acolhendo jurisprudência dos tribunais superiores, que era de aplicar o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil, tendo concluído que o referido prazo ainda não se completou.

Já quanto às verbas provenientes do FSE, entendeu que já tinha decorrido o prazo de prescrição aplicável.

Começa o Recorrente por discordar da sentença recorrida por nela se ter concluído que quanto à parcela de dívida referente às verbas do Estado Português, nomeadamente do Orçamento da Segurança Social (no valor de € 196.250,06) o prazo de prescrição aplicável é o prazo geral de vinte anos previsto no artigo 309º do Código Civil, segundo aquele que tem constituído o entendimento pacífico, reiterado e uniforme da jurisprudência.

Afirma o Recorrente que as quantias exequendas são, na totalidade, provenientes do Fundo Social Europeu, sendo valores inscritos no Orçamento de Estado.

Não vislumbramos em que documentos (ou outro elemento de prova) se baseia o Recorrente para concluir deste modo.

A certidão de dívida a que se refere o ponto 28º da factualidade assente é clara ao identificar a origem das dívidas exequendas. Efectivamente, ali se pode ler, detalhadamente, qual o montante da dívida com origem em verbas provenientes do FSE e qual o montante correspondente a dívidas com origem no Orçamento do Estado Português - comparticipações financeiras provenientes do Fundo Social Europeu (€ 367 526,24) e do Estado Português (€ 196 250,09).

A sentença recorrida assim o entendeu, nos seguintes termos:

“(…) cumpre referir que estão em causa dívidas referentes a quantias recebidas indevidamente do Fundo Social Europeu e do Estado Português, respeitantes a acções de formação profissional, (…)”

Não procede, nesta medida, a argumentação do Recorrente referente à origem da dívida aqui em apreciação – que é, sem dúvida, o Orçamento de Estado, sendo, portanto, dívidas ao Estado Português.

Esclarecida esta questão, prossigamos.

Dissente o Recorrente do entendimento vertido na sentença recorrida de que o prazo de prescrição aplicável à dívida referente às verbas do Estado Português é o de 20 anos previsto no artigo 309º do C.C., seguindo o entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Pretende, ao invés, que seja aplicado o regime estabelecido no nº2 do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95.

Não tem razão.

Assente que está que a parcela da dívida em causa respeita a verbas provenientes do Orçamento da Segurança Social, e considerando que a sentença recorrida acolheu o entendimento constante e uniforme da jurisprudência dos Tribunais Superiores, atentemos no que se escreveu, a este propósito, no Acórdão do STA, de 22 de Junho de 2022, proferido no âmbito do processo nº 789/10:

“(…) Esta corrente jurisprudencial, afirmativa da aplicação, exclusiva, do prazo ordinário de prescrição estabelecido, em 20 anos, no art. 309.º do CC, a dívidas com as características da exigida à, aqui, rte, ou seja, auxílios, financiamentos e comparticipações em geral, suportados/as por receitas próprias do Estado Português, acaba de ser reafirmada no, recentíssimo, acórdão, do STA, de 8 de junho de 2022 (782/21.6BEPNF) (Debruçou-se sobre “a prescrição da dívida exequenda, proveniente dos apoios financeiros … concedidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP)”.), apenas, cumprindo aditar ao rol de decisões, aí, convocadas em abono, os arestos, do STA, de 6 de novembro de 2002 (0727/02) e de 5 de julho de 2006 (0462/06), que se debruçaram, especificamente, sobre dívidas ao FSE.(…)” (sublinhado nosso).

Face ao descrito, tratando-se de dívidas ao Estado Português, não há dúvida de que o prazo de prescrição aplicável é o de 20 anos previsto no artigo 309º do CC.

Resta verificar se, como pretende a Recorrente, a título subsidiário, já decorreu o prazo de 20 anos de prescrição da dívida.

A sentença recorrida entendeu que não se tinha completado o prazo prescricional. Para tanto, considerou o seguinte:

“(…)Mais recentemente, veja-se ainda o acórdão do STA de 22-06-2022, proferido no processo n.º 0789/10.9BECBR: «II - É de aplicar, exclusivamente, o prazo ordinário de prescrição estabelecido, em 20 (vinte) anos, no art. 309.º do Código Civil (CC), a dívidas com as características da exigida à, aqui, recorrente, ou seja, auxílios, financiamentos e comparticipações em geral, suportados/as por receitas próprias do Estado Português. III - Tal prazo começa a correr desde o momento em que a obrigação do devedor (inerente ao direito do credor) se torna, for, exigível.» (disponível em www.dgsi.pt).

Pelo que, não há qualquer dúvida que o prazo de prescrição aplicável à parcela da dívida exequenda referente às verbas provenientes do Orçamento da Segurança Social, é o prazo de vinte anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.(…)

importa ter presente que, nos termos do artigo 323.º n.º 1 do Código Civil a prescrição interrompe-se pela citação, que exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

Por sua vez, quanto aos efeitos da interrupção, prevê o n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil que a interrupção inutiliza todo o tempo recorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.

Estabelece ainda o n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil que se a interrupção resultar da citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Por fim, prevê o n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. Contudo, se o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo de prescrição.

Regressemos ao caso dos autos.

Conforme resulta do probatório, o Reclamante foi citado em 11-02-2004 (cfr. n.º 11 do probatório).

Embora não esteja apurada a data em concreto em que os apoios foram recebidos, tal como resulta do relatório de auditoria financeira e reconhecido pelo próprio Reclamante, os mesmos foram pagos no ano de 1992, sendo que, foi em 23-11-1993 que o Reclamante teve conhecimento dessa decisão de restituição dos valores em causa, pelo que só após essa decisão poderia ser exercido o direito de solicitar o reembolso das quantias em causa (cfr. n.ºs 1 e 2 do probatório).

Assim, o prazo de prescrição, de vinte anos, começou a correr em 24-11-1993 e completar-se-ia em 24-11-2013, sendo por isso manifesto que não ocorreu a prescrição da dívida exequenda.

Com efeito, tendo o Reclamante sido citado em 11-02-2004, a prescrição interrompeu-se, não começando a correr novo prazo enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reconhecer que a citação para a execução constitui um facto interruptivo do prazo de prescrição com eficácia duradoura, mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal (cfr., entre muitos outros, acórdão do STA de 08-06-2022, proc. n.º 0782/21.6BEPNF, disponível em www.dgsi.pt).

Pelo que, com tal facto – citação – interrompeu-se o curso do prazo de prescrição da dívida exequenda sem mais retomar a sua contagem até à data, nos termos acima expostos, uma vez que não teve ainda lugar a extinção do processo de execução fiscal correspondente.

Assim, quanto à parcela da dívida proveniente do Orçamento da Segurança Social no valor de € 196.250,06, é manifesto que a mesma não se encontra prescrita.(…)”

Para o Recorrente, o início de contagem do prazo de 20 anos de prescrição teve lugar em 22 de Novembro de 1993, data em que lhe foi notificado o Relatório de Inspecção.

Entende que, ainda que a contagem do prazo tenha sido interrompida em 30 de Janeiro de 2004, por força da instauração do processo de execução fiscal, retomou-se a contagem em 20 de Novembro de 2008, data do trânsito em julgado do Acórdão deste TCAS que julgou improcedente o recurso interposto no âmbito do processo de Oposição, cumprindo-se o prazo de 20 anos em 20 de Setembro de 2018.

Não tem razão.

A sentença decidiu com acerto, de acordo com o regime legal aplicável, bem como seguindo a orientação dos Tribunais Superiores, que citou.

No mesmo sentido, de que, como refere o DMMP, a citação do executado funciona como causa interruptiva do prazo de prescrição, com a consequente inutilização de todo o tempo decorrido, e não se inicia o novo prazo de prescrição enquanto a execução fiscal, instaurada para cobrança daquela dívida, estiver pendente, veja-se o que se escreveu no Acórdão do STA de 8 de Junho de 2022, proferido no âmbito do processo nº 7872/21, que nos permitimos transcrever:

“(…)Assim, há que aplicar – directamente e não, como parece supor o Recorrente, por «inexistência de previsão legal» – as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art. 327.º, que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
Em conclusão: porque o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, (…)

Concluímos, pois, que a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação das pertinentes normas e princípios jurídicos aplicáveis, que alicerçou também na jurisprudência dos tribunais superiores, motivo por que não enferma dos invocados erros de julgamento, quer quando considerou aplicável o prazo prescricional de 20 anos, previsto no art. 309.º do CC, quer quando reconheceu à citação, para além do efeito instantâneo, de inutilizar para a prescrição todo o tempo já decorrido, também e cumulativamente, o efeito duradouro, de suspender o início do novo prazo enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo no qual foi efectuada a citação (cfr. arts. 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do CC).(…)”

Regressando ao caso dos autos, não havendo notícia de que o processo de execução fiscal esteja findo, não se iniciou o novo prazo de prescrição, pelo que improcede a argumentação do Recorrente.

Resta concluir que bem andou a sentença recorrida ao decidir como decidiu, pelo que será de negar provimento ao recurso.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Abril de 2023

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria Cardoso)