Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09691/16
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REGIME DE DETERMINAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL CONSOLIDADO (ARTºS.69 E SEG. DO C.I.R.C. ACTUAL).
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES. NOÇÃO COMERCIAL E CONTABILÍSTICA.
ARTº.42, Nº.3, DO C.I.R.C. (NA VERSÃO APLICÁVEL EM 2004, RESULTANTE DA LEI 32-B/2002, DE 30/12).
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
SUBSÍDIOS JURISPRUDENCIAIS RELATIVOS À APLICAÇÃO DO ARTº.23, DO C.I.R.C.
MENOS-VALIAS APURADAS. DESCONSIDERAÇÃO EM SEDE DE ARTº.23, DO C.I.R.C.
PROVA DA DISPENSABILIDADE DO CUSTO. PROCESSO DIALÓGICO.
Sumário:1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
2. Adoptada por diversos sistemas jurídicos da União Europeia e, especialmente, por Portugal, o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria colectável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respectiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber:
a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades;
b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo.
3. O legislador não assumiu, em concreto, uma definição específica de grupo de sociedades, embora preveja (cfr.artº.59, nºs.2 e 3, do C.I.R.C.) a concretização do perímetro de consolidação ao critério da sociedade-dominante deter o domínio total do capital social das demais sociedades integradas no grupo, na previsão do denominado grupo de domínio total, igualmente consagrado nos artºs.488 a 491, do C. S. Comerciais. Assim, o nível de integração entre as sociedades do grupo tem de ser especialmente intenso, para que o mesmo seja fiscalmente elegível, devendo apresentar-se como um grupo fortemente integrado, centralizado, estruturado e hierarquizado, no qual existam elevados níveis de participação no capital das várias sociedades-dominadas por parte da sociedade-dominante.
4. Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação de capital, da qual se diferenciam (cfr.artºs.210 e 211, do C.S.Comerciais).
5. A contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta “53 - Prestações suplementares” e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta “51 - Capital”, respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC. A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixam margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C.S.Comerciais.
6. A norma do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., na redacção que lhe conferiu a Lei 32-B/2002, de 30/12 (aplicável em 2004), não abrangia, na sua previsão, as perdas resultantes da alienação onerosa de prestações suplementares. Enquanto elemento histórico de interpretação, deve, desde logo, fazer-se referência ao relatório do Orçamento de Estado para 2003, quer na versão referente à proposta de lei, quer na versão referente à lei aprovada, a inovação legislativa que o aditamento da norma ínsita no artº.42, nº.3, do C.I.R.C., constituía foi anunciada com a utilização da expressão "partes sociais" no lugar de "partes de capital", vector que constitui um elemento interpretativo no sentido desta última expressão abarcar somente partes do capital social. A referência às prestações suplementares não existia antes da redacção do artigo sob exegese introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12, pelo que, sendo aquela referência introduzida com evidente alcance esclarecedor, é de presumir, reforçadamente, que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil), e que pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as "outras componentes do capital próprio".
7. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
8. Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.
9. Prevê o artº.23, nº.1, al.i), do C.I.R.C., que são considerados custos ou perdas, nomeadamente as menos-valias realizadas. Deve entender-se que a mera menção a “menos-valias realizadas” na al.i), do nº.1, do referido artº.23, do C.I.R.C., não confere, só por si, a aquisição de todos os requisitos para os valores assim considerados serem aceites como componentes negativas do rédito, pois que não podem deixar de ficar, como acontece com todos os demais custos ou perdas na mesma norma enumerados, sujeitos ao escrutínio do corpo do nº.1, do referido preceito, portanto que se afigurem como comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
10. Segundo a doutrina a menos-valia pode definir-se como uma perda de valor económico de um activo empresarial devido a causas físicas (deterioração), técnicas (obsolência) ou económicas, sendo estas derivadas de uma baixa de preço no mercado. Em sede de I.R.C., o legislador dispõe que são consideradas menos-valias realizadas (por contraposição às menos-valias latentes) as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (cfr.artº.43, nº.1, do C.I.R.C.). As menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas (cfr.artº.43, nº.2, do C.I.R.C.). O valor de realização é definido nas diversas alíneas do nº.3, do artº.43, do C.I.R.C.
11. A questão da prova da dispensabilidade do custo depende do caso concreto, consubstanciando um processo dialógico. Num primeiro momento, o contribuinte afirma a indispensabilidade do custo através da sua contabilidade (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.; artº.76, nº.2, do C.P.T.), sendo que a A. Fiscal o coloca em causa. A partir daqui, a intensidade dos deveres de prova do sujeito passivo varia com as circunstâncias do caso e o grau de normalidade da situação. Se estivermos perante um custo que indicie confusão de esferas patrimoniais ou outro tipo de fraudes, a intensidade de prova é maior para o contribuinte do que para a Fazenda Pública. Caso contrário, não se verifica qualquer acréscimo de intensidade dos deveres probatórios do sujeito passivo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.88 a 105 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação pela sociedade recorrida, "B..., SGPS, L.da.", intentada, visando acto de liquidação de I.R.C., relativo ao ano de 2004 e com o montante a pagar de € 30.145,79.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.124 a 139 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, uma vez que a norma do art.º 42.º, n.º 3 do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, não abrangia as perdas resultantes da alienação onerosa de prestações suplementares, pelo que a liquidação em causa padece do vício de violação de lei, sendo anulável e, quanto à não indispensabilidade da perda, nos termos do art.º 23.º do CIRC, a referência é feita no relatório final, na sequência da exposição do entendimento pelo inspector, de que os factos deveriam ser subsumidos na hipótese da norma do n.º 3 do art.º 42.º do CIRC, podendo, por isso, ser aceites fiscalmente e surge com o sentido de um raciocínio alternativo hipotético e, sendo assim, “(…) a não serem enquadradas as prestações suplementares no n.º 3 do artigo 42.º do CIRC como se acabara de defender no relatório, então, essa falta de enquadramento conduziria à aplicação do artigo 23.º do CIRC e as perdas em questão não passariam no teste da indispensabilidade – cfr. Alínea L) dos factos provados. Subjacente a esta conclusão estará um raciocínio que dá prioridade à aplicação da norma do artigo 42.º sobre a do artigo 23.º, considerando a aplicação desta última afastada pela subsunção da factualidade na norma daquela primeira: não chega a aplicar a norma do artigo 23.º porque já aplicou a do artigo 42.º. Deste modo, a norma do n.º 3 do artigo 42.º do CIRC é interpretada como uma norma que concede uma dedução ao sujeito passivo – dispensando a formulação de um juízo acerca da indispensabilidade da perda em questão – e não como uma norma que reduz a possibilidade de dedução de 100% para 50%. Apesar de incorrecto aquele raciocínio e seja ou não correcto o juízo acerca da não indispensabilidade daquelas perdas, certo é que o conteúdo do acto impugnado não decorre desta afirmação, pelo que a mesma não passa de mero obter dictum, mera alusão ao enquadramento jurídico que, na visão do inspector, o caso teria caso não tivesse tido aquele que concretamente lhe foi dado. Não constituindo, portanto, esta afirmação um fundamento da decisão impugnada, não releva para a decisão de anular ou não o acto impugnado, que nela se não baseia, pelo que a arguição de invalidade por efeito da mesma se mostra improcedente.”;
2-Ora, os serviços de inspecção consideraram que a cedência das quotas e das prestações suplementares das sociedades C... e P... sobre a sociedade B..., alienadas à sociedade B..., originaram menos valias, as quais poderiam ser deduzidas nos termos do art.º 42.º, n.º 3 do CIRC, à data dos factos, isto é, em 2004, ou seja, sob a redacção dada pela Lei n.º 32 - B/2002. Mas, para que fossem deduzidas teriam de ser consideradas custos ou perdas, nos termos do art.º 23.º do CIRC;
3-Mas, ao considerar como foi considerado pela douta sentença que, as prestações suplementares não são capital social nem partes do capital mas partes sociais, errou no seu julgamento e violou o art.º 42.º, n.º 3 do CIRC e, violou, também, o art.º 23.º do CIRC, uma vez que para poderem ser dedutíveis as perdas das prestações suplementares deveriam ser considerados custos, o que não poderiam sê-lo, como veremos. Assim, deve a douta sentença ser anulada e revogada por outra uma vez que se encontra ferida de violação de lei;
4-Neste pendor, o thema decidendum, assenta em saber se as prestações suplementares são consideradas partes de capital e, se assim for, se podem ser dedutíveis como custo nos termos do art.º 23.º do CIRC;
5-A douta sentença considerou que, o art.º 42.º, n.º 3 do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 32 - B/2002, de 30/12, se estaria abrangida pela norma as perdas resultantes da alienação onerosa de prestações suplementares, para concluir que o aditamento da norma do art .º 42.º, n.º 3 do CIRC utilizava a expressão partes sociais no lugar de partes de capital, o que constituía um elemento interpretativo no sentido da expressão ter como significado partes do capital social. Com a Lei n.º 60-A/2005, de 30/12 foi alterada a redacção do art.º 42.º, n.º 3 do CIRC passando a consagrar as prestações suplementares o que inculca que anteriormente não as contemplava, pelo que não as abrangendo o mesmo será dizer que a liquidação em causa padece de vício de violação de lei, sendo anulável. Por outro lado, o outro vício apontado prende-se com a ilegalidade do fundamento alternativo da não indispensabilidade da perda, nos termos do art.º 23.º do CIRC, tendo referido que este fundamento não constitui um fundamento em sentido próprio do acto impugnado porquanto aparece no relatório da inspecção na sequência da exposição do entendimento de que os factos deveriam ser subsumidos na hipótese da norma do n.º 3 do art.º 42.º o CIRC, podendo por isso ser aceites fiscalmente e surge com o sentido de um raciocínio alternativo hipotético, ou seja, a não serem aceites as prestações suplementares no n.º 3 do art.º 42.º do CIRC essa falta de enquadramento conduziria à aplicação do art.º 23.º do CIRC e as perdas em questão não passariam no teste da indispensabilidade. E, este raciocínio dá prioridade à aplicação da norma do art.º 42 sobre a do art.º 23.º, considerando a aplicação desta última afastada pela subsunção da factualidade na norma daquela primeira: não chega a aplicar a norma do art.º 23.º porque já aplicou a do artigo 42.º, deste modo, a norma do art.º 42.º, n.º 3 do CIRC é interpretada como uma norma que concede uma dedução ao sujeito passivo e não como uma norma que reduz a possibilidade de dedução de 100% para 50%. Conclui a douta sentença que, não constituindo esta afirmação um fundamento de decisão impugnada, não releva para a decisão de anular ou não o acto impugnado, que nela se não baseia, pelo que a arguição de invalidade por efeito da mesma se mostra improcedente;
6-Ora, a Fazenda é contra este entendimento como veremos;
7-No relatório de inspecção foi considerado que, por deliberação, pela Acta n.º 36, de 05/12/2001, os sócios da sociedade B..., Lda, ou seja, C... e a sociedade P..., decidiram efectuar prestações suplementares no montante de € 10.948.613,84. Em 27/04/2004, foi restituído o montante de € 855.000,00 de parte das prestações suplementares. Em 22/11/2004. Na escritura de cessão de quotas, os sócios da sociedade B... Lda, cederam as suas quotas e as prestações suplementares à sociedade B... Co I BV, com sede na Holanda. Com a cedência das prestações suplementares registaram-se menos valias fiscais. No relatório de inspecção tributária, doravante RIT, no enquadramento fiscal foi mencionado que “Para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC de 2004, não acresceu no Q07 do Mod. 22 do IRC de 2004, a importância total de € 4.185.672,81 correspondente a 50% das menos valias geradas com as cedências das Prestações Suplementares realizadas, na sociedade B..., LDA, não aceites como custo de acordo com o previsto no n.º 4 do art. 42º do CIRC.” No RIT concluiu-se que o resultado obtido com a alienação das prestações suplementares deveria ter o mesmo tratamento que foi dado às menos valias apuradas com a alienação das quotas, com a limitação imposta pelo art.º 42.º, n.º 3 do CIRC. A perda registada com a cedencia das prestações suplementares não poderá ser desassociada da cessão das quotas. De outro modo, de acordo com o consagrado no art.º 23.º do CIRC e com observância do art.º 39.º do CIRC, a referida perda deveria ser acrescida ao Q07 da Mod.22 do IRC, para efeitos de determinação do lucro tributável, por não poder ser considerada como indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora;
8-No Ac. do STJ de 26/10/2010 é mencionado que as prestações suplementares são sempre em dinheiro e não vencem juros, não constituindo aumento de capital, ser a ele equivalente, dispensando o cumprimento de formalidades legais e despesas. Elas devem estar estipuladas no contrato de sociedade e são exigidas mediante deliberação dos sócios, devendo ser estabelecido o seu montante máximo. A realização de prestações suplementares não confere ao socio um direito de crédito mas uma eventual restituição. A obrigação de realização de prestações suplementares de capital está intrinsecamente ligada à qualidade do sócio e, nos termos do art.º 577.º do CC, não é permitida a cessão de créditos quando estes, pela própria natureza da prestação, estejam ligados á pessoa do credor. Por outro lado, o art.º 213.º do CSC prescreve que a restituição aos sócios de prestações suplementares de capital só é possível se existir uma deliberação nesse sentido e a situação liquida não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal. Os pressupostos legais de que depende a restituição das prestações suplementares de capital (i) a qualidade do sócio; (ii) a efectiva entrega à sociedade da quantia a esse título; (iii) a existência de uma deliberação de restituição; (iv) não ficar a situação líquida da sociedade inferior à soma do capital e da reserva legal; (v) o sócio ter liberado a sua quota. Quanto à natureza jurídica das prestações suplementares são um implemento do património social para Pinto Furtado e uma figura hibrida com elementos análogos aos que integram o aumento de capital para Braz Teixeira. Para Paulo Olavo Cunha são sempre em dinheiro e não vencem juros e pelo seu regime designam-se como quase capital (Ac. do STJ de 26/10/2010, proferido no rec. n.º 3571/1999.P1.S1);
9-Para Rogério Ferreira menciona que as prestações suplementares são um tertium genus que o POC, por motivos práticos, entendeu de considerar no capital próprio.- vide Revista de Finanças e de Direito Fiscal, n.º 3, Ano 4, Inverno, In Memoriam, Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes Capital, pp 17;
10-Assim, as prestações suplementares têm de figurar no contrato de sociedade e até que montante, sendo a sua restituição aos sócios, os quais, também, têm de deliberar sobre esse assunto. E, traduzem-se num reforço do capital sem os formalismos próprios dos outros meios de financiamento, estipulado no código das sociedades comerciais, sendo por isso partes do capital;
11-Ora, a douta sentença considerou que não eram partes de capital mas, sim partes sociais, pelo que errou no seu julgamento;
12-No Ac. do TCAN de 17/11/2011 consagrou-se que “I - Constituindo as prestações suplementares de capital entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta (para além do montante do capital social) não vencem juros e podem ser-lhes restituídas porque não se incluem no capital da sociedade, distintamente do que ocorre com os suprimentos propriamente ditos na medida em que estes constituem empréstimos efectuados pelos sócios à sociedade e, como tal, implicam para esta a obrigação de restituir.
II - As prestações suplementares de capital visam objectivos idênticos aos do aumento de capital, sem envolver o formalismo e a responsabilidade deste e daí que, tal como o aumento de capital realizado pela Impugnante foi considerado pela administração tributária na determinação do valor de aquisição, também o devem ser as referidas prestações suplementares.” – vide Ac. do TCAN de 17/11/2011 proferido no proc. n.º 00467/07.6BEBRG. Atente-se no facto de que no aresto do TCAS supra mencionado, o imposto é referente a IRC do exercício de 2002, sendo, no caso dos autos, o exercício de 2004;
13-Para Brito Correia, “(…) As chamadas prestações suplementares de capital são entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do montante do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital da sociedade” – vide Correia, Luís Brito, Direito Comercial, 2º volume, 1989, AAFDL, pág. 297-298;
14-E, “As prestações suplementares de capital distinguem-se dos suprimentos propriamente ditos na medida em que estes constituem empréstimos efectuados pelos sócios à sociedade e, como tal, implicam para esta a obrigação de restituir, ao passo que as prestações suplementares, visam o reforço do património social podendo ou não ser restituídas” – vide nesse sentido, acórdão STJ 9 Jan. 92, processo 77834, w w w .dgsi.pt.;
15-E, “As prestações suplementares assumem o papel de um complemento do património social e não, como os suprimentos, de mero mútuo à sociedade.” – Cordeiro, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, Volume II, Das Sociedades em Especial, 2007, pág. 289;
16-No Ac. do TCAN de 17/11/2011 é mencionado que “(…) Nesta medida, é de considerar que com transmissão das acções detidas pela Impugnante e representativas do capital da G… (TIA) para a G… foram transmitidas a esta, entre o mais, e como consta do contrato, os direitos de conteúdo patrimonial decorrentes das prestações suplementares de capital efectuadas pela Impugnante, sem que se mostre necessário prever expressamente e de modo separado um acordo de cessão de tais direitos, uma vez que eles decorrem da titularidade das participações sociais. A Impugnante acordou com a G… ... em incluir no objecto das participações sociais transmitidas, expressamente, os direitos decorrentes das prestações suplementares de capital efectuadas e isso será suficiente, não sendo de exigir a celebração de um acordo complementar de cessão desses direitos. Ora, tendo a Impugnante efectuado prestações suplementares de capital no montante de 6.000.000,00 de euros que, subsequentemente, englobou no negócio de alienação das acções da TIA e da TPS, é de considerar que tal montante deve englobar-se no valor de aquisição das referidas sociedades. De resto, as prestações suplementares de capital visam objectivos idênticos aos do aumento de capital, sem envolver o formalismo e a responsabilidade deste e daí que, tal como o aumento de capital realizado pela Impugnante foi considerado pela administração tributária na determinação do valor de aquisição, também o devem ser as referidas prestações suplementares. ” – vide Ac. do TCAN de 17/11/2011 proferido no proc. n.º 00467/07.6BEBRG;
17-Veja-se a similitude com os presentes autos, em que através da escritura de cessão de quotas foram transmitidas as quotas que C... e a P... detinham na sociedade B... bem como as suas prestações suplementares, pelo que tendo sido considerado, o que não foi posto em causa nem pela impugnante nem pelo Tribunal e muito menos pela inspecção tributária, se foram considerados os reforços no capital social através de prestações suplementares, então ter-se-á de ter em conta a menos valia realizada com a perda das prestações suplementares, pois sendo considerado como capital social, concorrem para a formação do lucro tributável. Assim, e até ao presente momento, no relatório de inspecção foi considerado e tratado como capital social as prestações suplementares, sendo considerado a sua menos-valia em 50%, nos termos do art.º 42.º, n.º 3 do CIRC;
18-Agora, outra coisa é saber se aquela dedutibilidade da mais-valia ou menos-valia, era considerada custo para a empresa. Para ser considerado custo para a empresa tem de obedecer a dois requisitos, tem de estar devidamente comprovado e tem de ser indispensável para a realização dos proveitos da sociedade;
19-Quanto a este aspecto, o aresto do TCAS de 17/11/12011 entende que, “(…) Nesta medida, é de considerar que com transmissão das acções detidas pela Impugnante e representativas do capital da G… ... (TIA) para a G… ... foram transmitidas a esta, entre o mais, e como consta do contrato, os direitos de conteúdo patrimonial decorrentes das prestações suplementares de capital efectuadas pela Impugnante, sem que se mostre necessário prever expressamente e de modo separado um acordo de cessão de tais direitos, uma vez que eles decorrem da titularidade das participações sociais.
Segundo o conceito definido no nº 1 do art° 23º do Código do IRC “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...” Ora, o que se verifica no caso em apreço é que aquela perda extraordinária de €6.000. 000,00 nem cumpre o factor de indispensabilidade, nem está ligada à manutenção da fonte produtora. Estando prejudicado o enquadramento da situação no conceito de custos ou perdas, importa analisar o assunto no que respeita às variações patrimoniais negativas não reflectidas nos resultados, as quais, nos termos do art° 24°, concorrem para a formação do lucro tributável. Porém, é o próprio n° 1 do art° 24° do Código do IRC que faz depender a respectiva aplicação às condições referidas para os custos ou perdas a que alude o art° 23° do mesmo Código. Realce-se, ainda, que, tal posição sai reforçada pela excepção prevista na alínea a) do n° 1, daquele art° 24°, ao excluir do âmbito de aplicação do mesmo as variações patrimoniais negativas que “...não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeitas a IRC”, como acontece na situação em análise. Abordando o problema por outra linha de pensamento complementar, poderemos dizer que, independentemente do critério utilizado para contabilizar as partes de capital detidas, o que releva para efeitos do apuramento das Mais-valias ou Menos-valias fiscais, aquando da sua alienação, é apenas o custo de aquisição ao valor histórico, eventualmente corrigido pela aplicação dos coeficientes de desvalorização previstos no art° 44° do Código de IRC; Tal facto implica excluir desse âmbito os montantes envolvidos nas operações em causa, sendo de referir, a este propósito, o disposto no n° 7, do art° 18° do Código do IRC. Assim, no plano fiscal, a participação financeira deve manter-se registada pelo valor de aquisição, sem quaisquer alterações, prevalecendo este para efeitos do disposto nos artigos 43° e 44º do Código do IRC; Ou seja, o valor de aquisição, para efeitos fiscais, quer relativamente à entrada, quer à saída das participações financeiras, é o valor efectivamente dispendido com a sua aquisição. Se quisermos, ainda, poder-se-á acrescentar que a transmissão do direito aos € 6.000. 000,00 das prestações suplementares sem a atribuição de qualquer valor, retira o seu enquadramento do conceito de Mais ou Menos-valia que se lhe queira associar, nos termos do n° 1 do art° 43° do Código do IRC, por não respeitar o conceito de onerosidade ou, até, sublinhar o facto das participações financeiras adquiridas em Julho de 2002 através do aumento de capital apenas terem permanecido na posse da “G…” por cerca de 5 meses, logo, por período bastante inferior ao de 1 ano referido no art° 45° do Código de IRC. EM CONCLUSÃO O valor de € 6.000.000,00 respeitante ao direito às prestações suplementares detidas pela “ G… ” na “ G…” e que em Dezembro de 2002 foi transmitido à “ G… ...” não pode ser aceite como custo fiscal do exercício de 2002. Em consequência de tal circunstância e para efeitos fiscais, o valor de aquisição das participações alienadas em Dezembro de 2002 pela “G…” à “G… ...” deverá ser construído da seguinte forma:” – vide Ac. do TCAN de 17/11/2011 proferido no proc n.º 00467/07.6BEBRG;
20-Ora, transpondo o aresto supra para os presentes autos, constata-se que as prestações suplementares são consideradas como capital, mas para efeitos de mais e menos valia, aquando da cessão de quotas com as correspondentes prestações suplementares, só releva para efeitos de mais e menos valia o custo histórico da aquisição das quotas, sendo o mesmo corrigido com o coeficiente de desvalorização uma vez que, as prestações suplementares, em 2004 tinham de ser expurgadas desse conceito;
21-Ora, a impugnante alega que a dedução teria de ser em 100% uma vez que o art.º 42.º, n.º 3 do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002; à data dos factos em 2004, era omisso quanto a esse aspecto e o douto Tribunal considerou que, tendo entrado em vigor, só em 2006, o art.º 42.º, n.º 3 do CIRC, redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005, em que contemplava que as prestações suplementares deveriam de ser deduzidas em 50%, julgou procedente o pedido da impugnante;
22-Mas, tal como já vimos, a jurisprudência atribuía que na cessão de quotas, as prestações suplementares não entrariam para o computo das mais e menos-valias, uma vez que as quotas seriam a custo histórico ou custo de aquisição devendo ser considerado o coeficiente de desvalorização;
23-Contudo, os serviços de inspecção consideraram que a impugnante poderia deduzir em 50% as mais e menos valias geradas aquando da cessão de quotas e das prestações suplementares, ou seja, pela jurisprudência supra a impugnante não poderia deduzir nada, mas a inspecção considerou que sim, mas em 50%;
24-Assim, o que se está a discutir é se as mais ou menos valias geradas pela alienação das quotas e prestações suplementares seriam dedutíveis em 100% ou em 50%, apesar da lei ser omissa;
25-E, já vimos que a lei atribuiu só em 2006 a dedutibilidade de 50% das mais ou menos-valias geradas com a alienação das prestações suplementares, pelo que, em 2004 a dedutibilidade era zero, por isso a Fazenda refuta todos os argumentos da impugnante bem como da douta sentença, porque erraram ao considerar que o art.º 42.º, n.º 3 do CIRC prevalecia sobre o art.º 23.º do CIRC, sendo precisamente o contrário, pois até poderia as mais-valias ou menos-valias serem dedutíveis em 50%, mas seriam consideradas custos para que aquela dedutibilidade fosse concretizada, claro que não;
26-Tendo como ponto de partida tudo quanto foi mencionado quanto às prestações suplementares e à sua dedutibilidade ou não como custos e às mais e menos valias geradas, vejamos o que foi referido na contestação, pois não difere dos arestos supra mencionados, nem do mencionado supra;
27-Atente-se no facto de Vitorino Duarte “(…) Quanto às prestações suplementares, embora não tenham um carácter de permanência, apenas deverão ser restituídas aos sócios caso a situação liquida não se torne inferior à soma do capital e da reserva legal. Em termos gerais, as prestações suplementares são a forma de autofinanciamento das empresas por não vencerem juros e apenas dependerem das deliberações sociais. As prestações suplementares levantam também algumas questões de ordem contabilística e fiscal. Em termos contabilísticos, as prestações suplementares correspondem às variações patrimoniais positivas (quando há exigibilidade) ou negativas (quando há restrições), quando não se reflectem no resultado liquido mas constituem uma das componentes dos capitais próprios da empresa. Deste modo, e para não se reflectirem no resultado líquido, as prestações suplementares não deverão concorrer para o apuramento do lucro tributável nos termos do Código do IRC. Em termos fiscais, a questão reside em saber se as prestações suplementares são ou não consideradas encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo que venham a ser consideradas como custos ou perdas do exercício. De facto, com o Orçamento do Estado para 2006, o n.º 3 do art. 42.º do Código do IRC, veio estabelecer o seguinte: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. [Redacção dada pela Lei n.º 60 -A/2005, de 30 de Dezembro – OE]. Até ao Orçamento do Estado para 2006, o nosso ordenamento jurídico não consagrava expressamente um regime para as perdas associadas às prestações suplementares, facto que originou várias interpretações, em especial por parte dos Tribunais. Assim, as perdas associadas às prestações suplementares são apenas dedutíveis em metade do seu valor, desde que se encontrem preenchidos os requisitos consagrados na disposição geral do art. 23.º do Código do IRC. ” - vide Autofinanciamento das sociedades comerciais: prestações acessórias, suprimentos e prestações suplementares, artigo integralmente disponível em http://www.otoc.pt/noticias_site/detalhes.php?id=4080;
28-Para Sofia Gouveia Pereira, a natureza jurídica das prestações suplementares consubstancia “Tal como a figura se encontra desenhada no actual Código das Sociedades Comerciais, somos da opinião de que as prestações suplementares se aproximam mais do capital social de que de um empréstimo dos sócios. Elas constituem, em sentido amplo, uma parte das entradas globais dos sócios., . São um capital adicional, que não se integra no capital nominal. Assim, optamos por caracterizá-las como um “ágio” em sentido lato, ou seja, um “sobrepreço” da quota.” – vide Pereira, Sofia Gouveia, As prestações suplementares no direito societário português, Principia, Cascais, 2004, pp 250. A mesma autora, refere que “De um ponto de vista contabilístico, e de acordo com as regras do Plano Oficial de Contabilidade, devem ser contabilizadas nos capitais próprios da sociedade, aumentando a situação líquida ou o capital próprio desta, facto que numa óptica de autonomia financeira, os torna preferíveis às outras formas alternativas de financiamento, v.g. suprimentos, representando hoje em dia um instrumento fundamental para o equilíbrio económico-financeiro da sociedade.” – vide Pereira, Sofia Gouveia, As prestações suplementares no direito societário português, Principia, Cascais, 2004, pp 247;
29-António Borges refere que “As prestações suplementares são parcelas do capital próprio da sociedade, ocupando lugar intermédio entre o capital nominal e as reservas propriamente ditas.” – vide Borges, António, Rodrigues, Azevedo e Rodrigues, Rogério, Elementos de Contabilidade Geral, 13.ª Edição, Rei dos Livros, 1993 , pp 568;
30-Nos termos expostos, as prestações suplementares equivalem a um aumento de capital sem as formalidades legais exigidas para o mesmo e, não se fundem com o capital nominal, ao qual é aplicado a conta 51 do POC, porquanto não alteram o montante daquele último, daí acrescerem ao montante do capital social nominal, na conta 53 do POC;
31-Ora, sendo as prestações suplementares uma parte do capital, dúvidas não podem restar de que as mesmas, apesar de não estarem expressamente consagradas no art.º 42.º, n.º 3 do CIRC, se inseriam ab initio no conceito de partes de capital, tendo sido por isso incorporadas na norma em 2006;
32-Como suporte do entendimento preconizado está a letra da lei, pois na versão originária o preceito foi mantido em 2005, ou seja, quando se menciona “transmissão onerosa de partes de capital” e não “transmissão onerosa de partes do capital”;
33-Assim sendo, a sentença do Tribunal a quo ao mencionar que as prestações suplementares não poderiam integrar o conceito de capital porque não estavam estipuladas e que da interpretação feita não se retiraria esse sentido, está errada, devendo ser anulada, por violação do art.º 42.º, n.º 3 do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, devendo ser alterada;
34-Chegados a este ponto quando foi alienado o capital social das sociedades P... e C... para a B..., constante da escritura de cessão de quotas, as menos valias geradas devem ser consideradas em 50% do seu valor desde 2002 e não só após 2006;
35-No entanto, apesar de na sentença se considerar irrelevante se as perdas são consideradas como custos ou perdas nos termos do art.º 23.º do CIRC, para serem dedutíveis, para a Fazenda não é bem assim, pois é o art.º 23.º do CIRC que determina se podem ou não ser dedutíveis;
36-Quanto a este aspecto, o Ac. do TCAN de 17/11/2011 consagra que “(…) Segundo o conceito definido no nº 1 do art° 23º do Código do IRC “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...”. Ora, o que se verifica no caso em apreço é que aquela perda extraordinária de € 6.000.000,00 nem cumpre o factor de indispensabilidade, nem está ligada à manutenção da fonte produtora. Estando prejudicado o enquadramento da situação no conceito de custos ou perdas, importa analisar o assunto no que respeita às variações patrimoniais negativas não reflectidas nos resultados, as quais, nos termos do art° 24°, concorrem para a formação do lucro tributável. Porém, é o próprio n° 1 do art° 24° do Código do IRC que faz depender a respectiva aplicação às condições referidas para os custos ou perdas a que alude o art° 23° do mesmo Código. Realce-se, ainda, que, tal posição sai reforçada pela excepção prevista na alínea a) do n° 1, daquele art° 24°, ao excluir do âmbito de aplicação do mesmo as variações patrimoniais negativas que “...não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeitas a IRC”, como acontece na situação em análise. Abordando o problema por outra linha de pensamento complementar, poderemos dizer que, independentemente do critério utilizado para contabilizar as partes de capital detidas, o que releva para efeitos do apuramento das Mais-valias ou Menos-valias fiscais, aquando da sua alienação, é apenas o custo de aquisição ao valor histórico, eventualmente corrigido pela aplicação dos coeficientes de desvalorização previstos no art° 44° do Código de IRC; Tal facto implica excluir desse âmbito os montantes envolvidos nas operações em causa, sendo de referir, a este propósito, o disposto no n° 7, do art° 18° do Código do IRC. Assim, no plano fiscal, a participação financeira deve manter-se registada pelo valor de aquisição, sem quaisquer alterações, prevalecendo este para efeitos do disposto nos artigos 43° e 44º do Código do IRC; Ou seja, o valor de aquisição, para efeitos fiscais, quer relativamente à entrada, quer à saída das participações financeiras, é o valor efectivamente dispendido com a sua aquisição. Se quisermos, ainda, poder-se-á acrescentar que a transmissão do direito aos € 6.000.000,00 das prestações suplementares sem a atribuição de qualquer valor, retira o seu enquadramento do conceito de Mais ou Menos-valia que se lhe queira associar, nos termos do n° 1 do art° 43° do Código do IRC, por não respeitar o conceito de onerosidade ou, até, sublinhar o facto das participações financeiras adquiridas em Julho de 2002 através do aumento de capital apenas terem permanecido na posse da “G…” por cerca de 5 meses, logo, por período bastante inferior ao de 1 ano referido no art° 45° do Código de IRC.” – vide Ac. do TCAN De 17/11/2011 proferido no proc. n.º 00467/07.6BEBRG;
37-Na verdade, o que se retira do aresto supra é que para serem considerados custos será unicamente os montantes do custo de aquisição e não as mais ou menos valias geradas, pelo que tendo os serviços de inspecção calculado as menos-valias, estas deveriam acrescer ao quadro 07 da Mod. 22, para efeitos de determinação do lucro tributável, por não ser considerada indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, tal como mencionado pelo técnico no relatório de inspecção;
38-Pelo exposto, a douta sentença do Tribunal a quo errou no seu julgamento quer de facto quer de direito uma vez que as prestações suplementares são outras partes do capital, com as especificidades consagradas na lei pelo que ao gerar-se as menos-valias com a alienação das quotas, o valor a considerar para efeitos fiscais seria de 50% das menos -valias geradas e, ao errar no seu julgamento deve a douta sentença ser revogada por outra, uma vez que foi violado o art.º 23.º do CIRC que não pode ser afastado tal como o foi pela douta sentença;
39-A considerar-se como considerou o Tribunal a quo, foram violados os art.ºs 42.º, n.º 3 e 23.º, ambos do CIRC, devendo a sentença ser anulada por violação de lei dos preceitos supra, sendo revogada por outra;
40-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.141 a 144 dos autos), tendo Concluído nos seguintes termos:
1-No relatório de inspeção tributária que fundamentou o ato impugnado, os serviços verificaram e confirmaram a realização da perda fiscal suportada pelo contribuinte em resultado final do valor das prestações suplementares realizadas face ao preço da sua cedência;
2-Os serviços fiscais não contestaram a efetiva realização do custo fiscal, não questionaram os valores declarados, não negaram que da alienação referida resultou o custo mencionado, não contestaram o seu apuramento, não questionaram que se trata de um custo real e, efetivamente, suportado pelo sujeito passivo;
3-No relatório de inspeção que fundamentou o ato impugnado, os serviços fiscais concluíram, por um lado, que o contribuinte poderia deduzir o custo ou perda apurada com a alienação das prestações suplementares, mas, apenas, em metade do seu real valor, supostamente, por força do nº3 do artº 42º do Código do IRC;
4-Conforme bem julgou a douta sentença recorrida, aquela lei invocada pelos serviços fiscais não pode ser aplicada aos factos em causa, os quais não são subsumíveis naquela norma nem em nenhuma outra em vigor à data dos factos (2004);
5-Se assim fosse, o legislador não teria sentido a necessidade de alterar a redação da mesma norma. Ou teria atribuído a tal alteração natureza meramente interpretativa. O que não foi o caso;
6-Só com a alteração legislativa introduzida pelo n.º 1 do artigo 44º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que aprovou o OE de 2006, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006 (ou seja, dois anos após a ocorrência dos factos) e que veio alterar o referido nº 3 do artº 42º do Código do IRC, veio a ser acolhido o argumento invocado pela AT nos presentes autos que se reportam a fatos ocorridos em 2004;
7-A liquidação impugnada é ilegal, por ter sido fundamentada no disposto no nº 3 do artº 42º do Código do IRC, na sua redação à data dos factos (em 2004), nele subsumindo a limitação em metade das perdas relativas à alienação de prestações suplementares, cuja previsão legal só foi introduzida naquela norma, com efeitos a partir de 2006;
8-Se a AT entendeu que a menos-valia em causa é dedutível [nos termos do artº 23º, nº 1, alínea i) (atual alínea l), do CIRC], mas estaria sujeita à redução a metade por lhe ser aplicável o disposto no artº 42.º, nº 3 do CIRC, não pode, ao mesmo tempo, argumentar que o mesmo custo fiscal não é dedutível nos termos do mesmo artº 23º, por não ser indispensável, sem justificar, na fundamentação do ato impugnado, o porquê de tal conclusão;
9-Os serviços fiscais não contestaram a efetividade da perda ou custo apurado, nem a sua natureza, nem o seu valor, nem a sua comprovação documental e também não invocaram, em substância, nenhum dos pressupostos legais que permitissem recusar a dedutibilidade integral do custo fiscal que, assim, foi legalmente deduzido;
10-Não o tendo feito, não pode agora, oito anos depois, a FP vir invocar, nas suas alegações de recurso, aquilo que não constituiu fundamento do ato impugnado nem pode a AT, em sede de recurso, vir corrigir ou suprir qualquer falta ou insuficiência de fundamentação, a qual sempre deverá ser coeva do ato impugnado;
11-Contrariamente ao entendimento constante das alegações da FP, a liquidação impugnada é ilegal por violação do disposto nos artigos 42º, nº 3 (bem como do artº 17.º, nº 1 e 23.º, nº 1, alínea i), do Código do IRC). Conforme muito bem julgou a douta sentença recorrida. Que, assim, não merece qualquer censura;
12-Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o recurso da Fazenda Pública improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida que, assim, não merece censura.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do presente recurso (cfr.fls.158 e 159 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.91 a 96 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, "B..., SGPS, L.da.", com o n.i.p.c. …, no período de tributação de dois mil e quatro, era a sociedade dominante de um grupo de empresas composto, entre outras, pelas sociedades C..., S.A. (NIPC …), P..., LDA (…) e B..., LDA. (cfr.relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso; documentos juntos a fls.50 a 52 do processo administrativo apenso); ……
2-O referido grupo de sociedades estava, no período de tributação de dois mil e quatro, sujeito ao regime especial de tributação de grupos de sociedades (cfr.relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso; documentos juntos a fls.50 a 52 do processo administrativo apenso);
3-No dia 5/12/2001, as sociedades C..., S.A. e P..., LDA. deliberaram em assembleia, na qualidade de únicas sócias da B..., LDA., com as quotas de quatro mil setecentos e cinquenta euros (95%) e de duzentos e cinquenta euros (5%), respectivamente, efectuar-lhe ambas, prestações suplementares no montante total de € 10.948.613,84, na proporção das respectivas quotas (cfr.documento junto a fls.61 e 62 do processo administrativo apenso);
4-Cabendo, de acordo com tal deliberação, à C..., S.A., efectuar prestações suplementares no valor de dez milhões, quatrocentos e um mil, cento e oitenta e três euros e quinze cêntimos - € 10.401.183,15 (cfr.documento junto a fls.61 e 62 do processo administrativo apenso);
5-No dia 27/12/2001, as referidas prestações suplementares foram realizadas (cfr. relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso);
6-No dia 27/4/2004, a sociedade B..., LDA. restituiu às sociedades C..., S.A. e P..., LDA. o montante total de € 855.000,00, tendo cabido à sócia C..., S.A., atendendo à proporção da sua quota, o valor de oitocentos e doze mil, duzentos e cinquenta euros - € 812.250,00 (cfr.relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.67 do processo administrativo apenso);
7-No dia 22/11/2004, as sociedades C..., S.A. e P..., LDA. outorgaram, na qualidade de únicas sócias da B..., LDA., com as quotas de quatro mil setecentos e cinquenta euros (95%) e de duzentos e cinquenta euros (5%), respectivamente, escritura de cessão das suas quotas naquela e respectivas prestações suplementares, livres de ónus ou encargos e com todos os direitos e obrigações inerentes, à sociedade B... I B.V., NIPC …, com sede na Holanda (cfr.documento junto a fls.68 a 73 do processo administrativo apenso);
8-A sociedade C..., S.A. cedeu a sua quota pelo preço de setecentos e noventa e três euros e quinze cêntimos e as prestações suplementares, no valor de nove milhões quinhentos e oitenta e oito mil novecentos e trinta euros e quinze cêntimos (€ 9.588.933,15), pelo valor de um milhão seiscentos e um mil cento e quarenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos - € 1.601.144,85 (cfr.documento junto a fls.68 a 73 do processo administrativo apenso);
9-Em resultado da cedência das referidas prestações suplementares, a sociedade C..., S.A. registou uma menos-valia fiscal de oito milhões, trezentos e setenta e um mil, trezentos e quarenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos - € 8.371.345,62 (cfr.relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso);
10-Para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, no período de tributação de 2004, a sociedade impugnante não acresceu, no quadro 07 da declaração periódica de rendimentos modelo 22, a importância de quatro milhões, cento e oitenta e cinco mil, seiscentos e setenta e dois euros e oitenta e um cêntimos (€ 4.185.672,81), correspondentes a cinquenta por cento da menos-valia resultante da alienação das prestações suplementares, montante não aceite como custo (cfr.relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso);
11-Na sequência de acção inspectiva realizada ao grupo dominado pela impugnante, e em resultado da correcção efectuada à declaração individual da sociedade dominada C..., S.A., a Administração Tributária efectuou correcções positivas à matéria colectável do grupo, referente ao período de tributação de 2004, no valor de quatro milhões cento e oitenta e cinco mil seiscentos e setenta e dois euros e oitenta e um cêntimos - € 4.185.672,81 (cfr.relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso);
12-No relatório de inspecção, datado de 27/11/2007, mencionado no ponto anterior lê-se, entre o demais, o seguinte:
"(...)
b) – Enquadramento fiscal
Para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC de 2004, não acresceu no Q07 do Mod 22 do IRC de 2004, a importância total de € 4.185.672,81 correspondente a 50% das menos valias geradas com a cedência das Prestações Suplementares realizadas, na sociedade B..., LDA., não aceites como custo de acordo com o previsto no n.º 4 do art. 42.º do CIRC;
(…)
A cedência das prestações suplementares nos termos acima descritos, foram negociados no âmbito da cessão de quotas detidas pelo C..., SA na B..., Lda.
O resultado obtido com a alienação dos referidos valores, negociados em tais circunstâncias, deverá ter, para efeitos fiscais, o mesmo tratamento que foi dado às menos valias apuradas com a alienação das quotas, com a limitação imposta pelo disposto no n.º 3 do art.º 42.º do CIRC, com a redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002.
(…)
A perda registada com a cedência das prestações suplementares, ao preço correspondente a aproximadamente 17% do saldo da referida conta, não poderá ser desassociada da cessão das quotas.
De outro modo, de acordo com o consagrado no art.º 23.º do CIRC e com observância do disposto no art.º 39.º do mesmo diploma legal, a referida perda deveria ser acrescida ao Q07 do Mod. 22 do IRC, para efeitos de determinação do lucro tributável, por não poder ser considerada como indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
(...)
(cfr.relatório de inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.37 a 46 do processo administrativo apenso);
13-Através do ofício com o registo postal …, a impugnante foi notificada da demonstração de acerto de contas ID …, por estorno da liquidação de IRC respeitante ao período de tributação de 2004-07-01 e 2005-06-30 e acerto da mesma pela liquidação n.º … (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos);
14-Através do mesmo ofício foi notificada da liquidação de juros compensatórios para o mesmo período, mais se indicando como valor global a pagar o de trinta mil cento e quarenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos (€ 30.145,79) e data limite para pagamento o dia 21/01/2008 (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento da testemunha, considerada credível…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, determinar a anulação da liquidação de I.R.C. objecto do presente processo (cfr.nºs.13 e 14 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese, que a lei atribuiu só em 2006 a dedutibilidade de 50% das mais ou menos-valias geradas com a alienação das prestações suplementares. Que em 2004 a dedutibilidade não existia. Que no relatório de inspecção foi considerado e tratado como capital social as prestações suplementares, sendo considerada a menos-valia em 50%, nos termos do artº.42, nº.3, do C.I.R.C. Que o apelante refuta a fundamentação da decisão recorrida ao considerar que o artº.42, nº.3, do C.I.R.C., prevalecia sobre o artº.23, do mesmo diploma, quando deve ser precisamente o contrário, visto que as menos-valias somente seriam dedutíveis em 50%, desde que consideradas custos para que aquela dedutibilidade fosse concretizada. Que sendo as prestações suplementares uma parte do capital, dúvidas não podem restar de que as mesmas, apesar de não estarem expressamente consagradas no artº.42, nº.3, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2004, se inseriam "ab initio" no conceito de partes de capital constante do mesmo preceito. Que foram violados os artºs.23 e 42, nº.3, ambos do C.I.R.C. (cfr.conclusões 1 a 39 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.115, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2004; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Revertendo ao caso dos autos, desde logo se dirá que a sociedade impugnante/recorrida era a entidade dominante de um grupo de empresas que, no ano de 2004, se encontrava abrangido pelo regime da tributação pelo lucro consolidado, nos termos do artº.63 e seg. do C.I.R.C., na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12 (cfr.nº.1 do probatório; artºs.69 e seg. do C.I.R.C., actualmente em vigor).
A figura jurídica do grupo de sociedades, prevista na legislação tributária em sede do C.I.R.C. (cfr.artº.59, do C.I.R.C.), é passível de ser doutrinariamente definida como um conjunto, mais ou menos vasto, de sociedades que, embora conservando as personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram em subordinação a uma direcção económica unitária e comum, conceptualização esta que possui por elementos fundamentais a independência jurídica das várias sociedades agrupadas, a falta de personalidade autónoma do grupo e a articulação do grupo através da direcção unitária. Assim, ainda que cada uma das sociedades englobadas possua, formalmente, os seus órgãos sociais próprios, enquanto centros de definição e execução das respectivas vontades sociais individuais, será o órgão de gestão da sociedade que dirige o grupo o responsável pela orientação dos sectores essenciais da vida do mesmo, mormente nos domínios financeiro e fiscal. Nesse sentido, a característica da direcção unitária permite distinguir a figura do grupo de sociedades de outras realidades, designadamente das coligações entre sociedades ou da participação de sociedades noutros entes societários (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; Gonçalo Avelãs Nunes, Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em Sede de I.R.C., Almedina, 2001, pág.15 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.360 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.148 e seg.).
O grupo de sociedades resulta de uma evolução natural e necessária das empresas, em face de condições de mercado cada vez mais complexas e competitivas, com vista a melhor exercerem a sua actividade, justificando-se que uma determinada sociedade opte por criar ou adquirir outra ou outras sociedades em detrimento de sistemas clássicos de crescimento, caracterizados pela criação de departamentos ou sucursais. Em face desta emergente realidade, torna-se legítimo para o legislador fiscal optar por um regime próprio de tributação, aplicável a grupos que assumam certas características e particularidades legalmente definidas, abstraindo-se da individualidade jurídica de cada uma das entidades que constituem o grupo e promovendo a sua tributação apenas como uma unidade. Assim, a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento encontra-se fundamentada, num primeiro momento, no princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da actividade empresarial, na medida em que se defende que o sistema fiscal deve tributar o rendimento da mesma forma, independentemente da estrutura organizativa e da forma assumida pelas empresas no exercício da sua actividade. Visa-se, por este meio, que as soluções assumidas em matéria fiscal não condicionem as formas jurídicas adoptadas pelas empresas, aproximando a optimização dos lucros e as vantagens do investimento empresarial com os desvirtuamentos introduzidos por razões de natureza fiscal. Nesse sentido, justifica-se que, ao nível do grupo empresarial, seja dado o mesmo tratamento fiscal, em matérias de operações internas do grupo e de compensação de resultados negativos das sociedades integrantes, o qual se encontra reservado para as operações realizadas entre os vários sectores da mesma entidade jurídica. Em certos casos, o respeito pelo princípio da neutralidade do imposto só se consegue através de um regime de consolidação dos resultados, o qual derroga o princípio da personalidade do imposto e assim elimina as desvantagens da não neutralidade da tributação separada das sociedades pertencentes ao grupo (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.45 e seg.).
A justificação desta figura jurídica e seu regime legal assenta, ainda, na defesa do princípio da capacidade contributiva como concretização do princípio da igualdade, na medida em que estes se apresentam como os limites das opções do legislador na estruturação do regime jurídico-fiscal aplicável ao grupo de sociedades, designadamente, em matéria de definição dos deveres inerentes à relação jurídica fiscal e de identificação e distribuição da responsabilidade fiscal no seio do grupo. A eliminação da dupla tributação económica dos dividendos surge, igualmente, como fundamento legitimador, cuja total concretização advém do apuramento de um único resultado tributável e de uma só liquidação, bem como da admissibilidade de compensação de perdas entre as sociedades integradas no grupo. A introdução do regime do grupo de sociedades deve desincentivar, igualmente, o recurso a meios fraudulentos de evasão fiscal no seio do mesmo, neutralizando as eventuais vantagens decorrentes do recurso às técnicas dos preços de transferência ou da sub-capitalização, bem como potencia a actividade económica das empresas sem que esteja em causa o combate à concorrência fiscal prejudicial. Em igual medida, tal regime jurídico preserva o princípio da liberdade de empresa (cfr.art.80, al.c), da Constituição da República Portuguesa), na vertente da liberdade de organização empresarial, devendo o legislador abster-se de introduzir obstáculos ou restrições injustificadas de natureza fiscal que contendam com o direito de livre organização empresarial, na opção por um grupo de sociedades. Atento o exposto, este regime jurídico apresenta, como vantagens fundamentais:
a) a possibilidade de adopção da forma societária mais adequada ao mercado, eliminando as desvantagens da não neutralidade da tributação separada de sociedades;
b) uma maior transparência e visibilidade dos fluxos entre as sociedades do grupo, os quais serão fiscalmente irrelevantes, afastando as vantagens de métodos evasivos;
c) a tributação conjunta faculta à A. Fiscal e à própria sociedade-dominante uma visão conjunta e mais aproximada da verdadeira situação financeira e patrimonial e da capacidade contributiva da unidade empresarial que constitui o grupo de sociedades;
d) por último, este regime de tributação constitui um instrumento útil, válido e adequado de apoio à reestruturação empresarial e de promoção da competitividade, mesmo a nível internacional (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.50 e seg.).
Na teorização que desenvolve, a doutrina releva que os regimes de tributação dos grupos de sociedades se caracterizam, regra geral, por instituírem um procedimento que, em maior ou menor grau, abstrai da autonomia jurídica das entidades que integram os grupos e permite que, de alguma forma, a unidade formada pelas sociedades que constituem o grupo se reflicta nas operações de quantificação e liquidação, instituindo mecanismos de apuramento conjunto da matéria tributária ou, simplesmente, permitindo a compensação de resultados entre as várias sociedades. Adoptada por diversos sistemas jurídicos da União Europeia e, especialmente, por Portugal, o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria colectável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respectiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber:
a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades;
b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo.
Em resultado da liquidação única, a tributação do grupo de sociedades gera apenas uma dívida tributária, cabendo à sociedade-dominante o dever de apresentação da declaração conjunta de rendimentos, na qual apura o resultado unitário a partir da matéria tributável apurada em conjunto, de acordo com as regras específicas aplicáveis aos grupos de sociedades. Importa, ainda, referir que este regime jurídico-fiscal é de aplicação voluntária, assumindo a sociedade-dominante o poder decisório de optar pela aplicabilidade do mesmo (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.61 e seg.).
O legislador não assumiu, em concreto, uma definição específica de grupo de sociedades, embora preveja (cfr.artº.59, nºs.2 e 3, do C.I.R.C.) a concretização do perímetro de consolidação ao critério da sociedade-dominante deter o domínio total do capital social das demais sociedades integradas no grupo, na previsão do denominado grupo de domínio total, igualmente consagrado nos artºs.488 a 491, do C. S. Comerciais. Assim, o nível de integração entre as sociedades do grupo tem de ser especialmente intenso, para que o mesmo seja fiscalmente elegível, devendo apresentar-se como um grupo fortemente integrado, centralizado, estruturado e hierarquizado, no qual existam elevados níveis de participação no capital das várias sociedades-dominadas por parte da sociedade-dominante (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.74 e seg.).
A realidade unitária fiscal que caracteriza o grupo de sociedades não coloca em crise a estrutura da relação jurídico-fiscal que se encontra subjacente às personalidades jurídicas de cada uma das sociedades componentes do grupo, as quais permanecem na posição jurídica de contribuintes (enquanto entidades que realizam o pressuposto de facto e que vão ver o seu rendimento tributado), não obstante a tributação dos seus rendimentos ser realizada conjuntamente e em observação dos encargos globalmente suportados, nos termos dos princípios que fundamentam este regime específico. Atenta a previsão do citado artº.59, do C.I.R.C., e a sua sistematização no diploma em apreço, as respectivas normas apenas têm eficácia em sede de regras de apuramento da matéria tributável, não alterando nem definindo nenhuma nova situação ou posição subjectiva passiva por parte do grupo, pelo que a doutrina defende não poder este assumir o cariz de contribuinte ou de sujeito passivo “strictu sensu”. Neste sentido, o regime de tributação do lucro consolidado pode definir-se como consistindo num mero método de quantificação da matéria tributável das várias sociedades que integram o grupo, método segundo o qual, partindo-se do resultado individual de cada uma das sociedades, determinado de acordo com a regras gerais, se procede às devidas correcções, em resultado, designadamente, da eliminação das operações internas do grupo conforme mencionado supra, e se efectua a soma algébrica desses resultados corrigidos, quantificando-se a matéria tributável do grupo de sociedades, e procedendo-se, por fim, à liquidação e às deduções à colecta que tiverem lugar (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.89 e seg.).
Evidencia-se, ainda que, em consequência da previsão normativa inserta no artº.92, do C.I.R.C., na definição da responsabilidade fiscal dos entes integrados no grupo de sociedades, o legislador fiscal consagrou que a sociedade-dominante se assume como devedora principal e originária da prestação tributária devida pelo grupo, sendo as sociedades-dominadas subsidiariamente responsáveis em relação ao devedor principal e solidariamente entre si. Como consequência do acabado de mencionar, cabe exclusivamente à sociedade-dominante, nos termos do artº.96, nº.6, do C.I.R.C., o dever de entregar a declaração periódica referente aos rendimentos do grupo, cuja quantificação e apuramento vai obedecer às regras específicas do regime de tributação do lucro consolidado, bem como as declarações periódicas individuais de cada sociedade pertencente ao grupo, elaboradas de acordo com as regras gerais de apuramento da matéria tributável em sede de I.R.C. No entanto, as declarações individuais de rendimentos das sociedades constituintes dos grupos tributados sob o regime de consolidação não dão origem a liquidações directas de I.R.C., antes tendo fins meramente estatísticos e de análise sectorial dos respectivos elementos, sendo que todas as correcções que sobre as mesmas recaiam produzem efeitos na declaração de rendimentos do grupo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.5631/12; Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.114 e seg.).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da factualidade provada (cfr.nºs.11 e 12 do probatório), a Fazenda Pública considerou que as prestações suplementares são parte do capital social, assim se enquadrando as respectivas menos-valias na previsão do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2004, em virtude do que estruturou a liquidação objecto dos presentes autos.
Contrariamente, o Tribunal "a quo" entendeu que a norma do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., na redacção que lhe conferiu a Lei 32-B/2002, de 30/12, não abrangia, na sua previsão, as perdas resultantes da alienação onerosa de prestações suplementares, pelo que a liquidação em causa padece do vício de violação de lei, sendo anulável.
Vejamos quem tem razão.
Comecemos pelo exame da noção de prestações suplementares.
Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação de capital, da qual se diferenciam (cfr.artºs.210 e 211, do C.S.Comerciais; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª. Edição, Almedina, 1989, pág.235 e seg.; Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2º. Volume, Sociedades Comerciais, AAFDL, 1989, pág.297 e seg.).
Passemos à vertente contabilística.
No Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, vigente à data dos factos, a expressão “partes de capital” era empregue para designar a subconta 411 da subconta 41 (Investimentos financeiros) da conta 4 (Imobilizações), onde, ao lado das contas “Obrigações e títulos de participação” (412), “Empréstimos de financiamento” (413), “Investimentos em Imóveis” (414) e “Outras aplicações financeiras” (415), deveriam ser registados os investimentos em “partes de capital” na óptica do investidor (sócio).
Já para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta “53 - Prestações suplementares” e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta “51 - Capital”, respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC.
A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixam margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C.S.Comerciais (cfr.António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 1995, pág.545 e 574; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.11 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o artº.42, nº.3, do C.I.R.C. (na versão aplicável em 2004, resultante da Lei 32-B/2002, de 30/12 - cfr.artº.12, do C.Civil) dispunha como se segue:
Artº.42
(Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)
(...)
3-A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

Por sua vez, o artº.42, nº.3, do C.I.R.C. (na versão resultante da Lei 60-A/2005, de 30/12) dispunha como se segue:
Artº.42
(Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)
(...)
3-A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
A questão a que, através da interpretação da norma ínsita no trecho legal transcrito, importa responder é a seguinte: estão abrangidas pelo preceito as perdas resultantes da alienação onerosa de prestações suplementares?
A previsão da norma em vigor em 2004 refere-se, textualmente, a perdas resultantes da alienação onerosa de “partes de capital”. É pacífico que o preceito em questão, ao utilizar na sua previsão a expressão “partes de capital”, se refere, desde logo, às perdas resultantes da transmissão onerosa de participações sociais, ou seja, acções e quotas. Mas será que a previsão da norma abrange, ainda, as perdas resultantes da transmissão onerosa de (créditos por) prestações suplementares?
Pensamos que não.
Expliquemos porquê.
Enquanto elemento histórico de interpretação, deve, desde logo, fazer-se referência ao relatório do Orçamento de Estado para 2003, quer na versão referente à proposta de lei, quer na versão referente à lei aprovada, a inovação legislativa que o aditamento da norma ínsita no artº.42, nº.3, do C.I.R.C., constituía foi anunciada com a utilização da expressão "partes sociais" no lugar de "partes de capital", vector que constitui um elemento interpretativo no sentido desta última expressão abarcar somente partes do capital social.
A referência às prestações suplementares não existia antes da redacção do artigo sob exegese introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12, pelo que, sendo aquela referência introduzida com evidente alcance esclarecedor, é de presumir, reforçadamente, que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil), e que pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as "outras componentes do capital próprio".
O artº.42, nº.3, do C.I.R.C., deve visualizar-se como a contra face sistemática do artº.45, do mesmo diploma.
Na sua versão inicial resultante da Lei 32-B/2002, de 30/12, a previsão da norma limitava-se às variações patrimoniais negativas em partes de capital (títulos), inseridos em existências. Com a redacção introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12, passa a incluir duas concretas extensões de incidência, vertidas em padrões anti-abuso, quais sejam, as citadas variações patrimoniais negativas em partes de capital (títulos), a que se juntam as variações patrimoniais negativas de capital próprio, nomeadamente, as prestações suplementares (cfr.Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.242 e seg.; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.26 e seg.).
Face a tudo o exposto, haverá que concluir que a norma do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., na redacção que lhe conferiu a Lei 32-B/2002, de 30/12, não abrangia, na sua previsão, as perdas resultantes da alienação onerosa de prestações suplementares, pelo que padece o acto tributário objecto dos presentes autos do vício de violação de lei, sendo anulável, neste esteio se confirmando a decisão recorrida.
Apesar disso, o recorrente chama à colação o disposto no artº.23, do C.I.R.C., visto que as menos-valias somente seriam dedutíveis em 50%, desde que consideradas custos para que aquela dedutibilidade fosse concretizada, tudo passando pelo crivo do dito artº.23, do C.I.R.C.
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Constitui prejuízo fiscal o saldo negativo entre os proveitos ou ganhos e demais variações patrimoniais positivas e os custos ou perdas e demais variações patrimoniais negativas susceptíveis de concorrer para o lucro tributável de um sujeito passivo de I.R.C. num dado período de tributação. O prejuízo fiscal é, em princípio, um corolário da periodização do lucro tributável, isto é, constitui, tendencialmente, uma mera consequência da particular extensão temporal do período por referência ao qual se determina a obrigação de imposto (cfr.artº.46 e seg., do C.I.R.C., em vigor em 1995; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.5631/12; J. L. Saldanha Sanches e Outros, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2009, pág.111 e seg.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.405 e seg.).
Prevê o artº.23, nº.1, al.i), do C.I.R.C., que são considerados custos ou perdas, nomeadamente as menos-valias realizadas.
Deve entender-se que a mera menção a “menos-valias realizadas” na al.i), do nº.1, do referido artº.23, do C.I.R.C., não confere, só por si, a aquisição de todos os requisitos para os valores assim considerados serem aceites como componentes negativas do rédito, pois que não podem deixar de ficar, como acontece com todos os demais custos ou perdas na mesma norma enumerados, sujeitos ao escrutínio do corpo do nº.1, do referido preceito, portanto que se afigurem como comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.5631/12).
Segundo a doutrina a menos-valia pode definir-se como uma perda de valor económico de um activo empresarial devido a causas físicas (deterioração), técnicas (obsolência) ou económicas, sendo estas derivadas de uma baixa de preço no mercado (cfr.José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.170 e seg.).
Em sede de I.R.C., o legislador dispõe que são consideradas menos-valias realizadas (por contraposição às menos-valias latentes) as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (cfr.artº.43, nº.1, do C.I.R.C.). As menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas (cfr.artº.43, nº.2, do C.I.R.C.). O valor de realização é definido nas diversas alíneas do nº.3, do artº.43, do C.I.R.C. (cfr.Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.144 e seg.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.369 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, a A. Fiscal não põe em causa o montante suportado pelas sociedades "C..., S.A." e "P..., L.DA.", aquando da efectivação das prestações suplementares a favor da "B..., L.DA.", da qual eram as únicas sócias (cfr.nºs.3 a 5 do probatório).
Naturalmente que a questão da prova da dispensabilidade do custo depende do caso concreto, consubstanciando um processo dialógico. Num primeiro momento, o contribuinte afirma a indispensabilidade do custo através da sua contabilidade (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.), sendo que a A. Fiscal o coloca em causa. A partir daqui, a intensidade dos deveres de prova do sujeito passivo varia com as circunstâncias do caso e o grau de normalidade da situação. Se estivermos perante um custo que indicie confusão de esferas patrimoniais ou outro tipo de fraudes, a intensidade de prova é maior para o contribuinte do que para a Fazenda Pública. Caso contrário, não se verifica qualquer acréscimo de intensidade dos deveres probatórios do sujeito passivo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.5631/12).
Ora, em sede do artº.23, do C.I.R.C., conforme mencionado supra, as menos-valias apuradas apenas poderiam ser desconsideradas enquanto custo fiscal dedutível se se verificasse que não tinham sido realizadas no interesse da empresa em ordem (directa ou indirectamente) à obtenção de lucros. Estando em causa custos correspondentes às menos-valias decorrentes da efectivação de prestações suplementares, não se descortina como é que é possível não considerar que esse diferencial entre o custo de aquisição e o de realização se não repercute nas sociedades que concederam os créditos. Com efeito, tais elementos integravam o activo das empresas, na medida em que as mesmas suportaram um custo na respectiva concessão que tiveram de contabilizar. Ora, este custo da concessão dos créditos é que poderia ser posto em causa nos termos do artº.23, do C.I.R.C., alegadamente, por não ter qualquer interesse para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. Tal significa que a partir do momento que se aceita este custo, a menos-valia resultante da efectivação de prestações suplementares não poderá ser desconsiderada com fundamento no mesmo artº.23, do C.I.R.C. A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa, reveste a natureza de indispensável.
Por último, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida viole, como defende o recorrente, embora sem fundamentar tais alegações, o disposto nos examinados artºs.23 e 42, nº.3, do C.I.R.C.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 15 de Setembro de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)