Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:971/22.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PROVA
RECLAMAÇÃO 276CPPT
Sumário:I. Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis suscetíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia, incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos suscetíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento que apresente, instruindo-o com a documentação pertinente.
II. Tendo a AT feito a avaliação da alegada insuficiência de meios económicos da executada no caso em apreço e concluído não se verificar uma situação de manifesta insuficiência de meios económicos, juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha, nada há a apontar à sua atuação.
III. A opção legislativa de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado não comporta, a se, um ónus desproporcionado, atenta a natureza e finalidade do procedimento de pedido de dispensa de prestação de garantia.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

M... (doravante Recorrente ou Reclamante) veio recorrer da sentença proferida a 28.07.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal por si apresentada, que teve por objeto o despacho proferido, em 03.05.2022, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 3239202201031520, que indeferiu o pedido formulado de pagamento da quantia exequenda em prestações, com dispensa de prestação de garantia.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“46. Vem a Recorrente notificada de sentença proferida nos presentes autos de reclamação de ato de órgão de execução fiscal, a qual julgou totalmente improcedente a reclamação por si apresentada, decidindo manter o ato reclamado.

47. Estranhamente, não obstante os principais fundamentos invocados pela Recorrente não constarem da síntese com que se inicia o aresto ora recorrido, a verdade é que a patente ilegalidade do ato reclamado resulta, muito sumariamente, dos seguintes pontos:

a) manifesta contradição dos fundamentos do ato reclamado com a decisão adotada, já que nele considera-se existir notórias dificuldades financeiras para a extensão excecional do número de prestações autorizadas previsto no artigo 196° n°. 5 do CPPT, mas inexplicavelmente já não entende que as mesmas notórias dificuldades financeiras se verificam para efeitos da igualmente peticionada dispensa de prestação de garantia;

b) manifesta incongruência na fundamentação, já que o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia é baseado na falta de junção ao pedido formulado dos documentos comprovativos daquelas notórias dificuldades financeiras, quando afinal tais elementos já resultam de elementos ao dispor do próprio órgão de execução fiscal, conforme aliás resulta da própria fundamentação da decisão reclamada.

48. Como referiu a Recorrente no seu requerimento inicial, o indeferimento da dispensa de dispensa de prestação de garantia para poder proceder ao pagamento e prestações da quantia exequenda, aliada ao carácter excecionalmente avultado da mesma, tornam praticamente impossível à Reclamante - que é divorciada, tem dois filhos e vive e trata sozinha da sua mãe de 99 anos de idade e acamada Maria José Fernandes Homem (doc. n°. 3 à p.i.) - realizar simultaneamente diversas tarefas hercúleas que são igualmente direitos e por isso deviam, em atenção aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ser assegurados ou pelo menos favorecidos e não obstaculizados num Estado de Direito,

49. como sejam, designadamente: (1) suportar as suas despesas diárias e as do sustento e tratamento da sua mãe (doc. n°. 3 à p.i.), (2) proceder à constituição de garantia no montante de € 26.745,42 (doc. n°. 1 à p.i.), (3) proceder ao pagamento da quantia exequenda em prestações (4) proceder ao pagamento das custas e honorários de advogado devidos pela impugnação de dívida ilegalmente declarada em ato tributário inválido de que é destinatária, (5) reagir contra este ato ilegal porque também ele desconforme com os parâmetros que lhe são aplicáveis.

50. Essas tarefas hercúleas não deveriam ser impedidas ou desproporcionadamente dificultadas, nem à Requerente nem a qualquer outra pessoa, uma vez que como é evidente, não realiza o interesse público (artigo 266° n°. 1 da CRP) a atuação administrativa prosseguida sem respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266° n°. 2 da CRP), mais ainda se praticado com violação dos direitos dos particulares afetados por atos da administração (artigo 266° n°. 1 da CRP), como é o caso do ato aqui reclamado.

51. Além disso e como é evidente e resulta do princípio da boa fé (artigos 10° do CPA e 266° n°. 2 da CRP) e da mútua colaboração (artigosll0 do CPA e 59° n°. 1 do CPPT), aos contribuintes não pode ser exigida a apresentação de prova de factos que são do conhecimento da administração, suportados por elementos que se encontram já na posse ou ao seu dispor.

52. Refere a decisão recorrida que a Recorrente invocou “a existência de “notórias dificuldades financeiras” e o “caráter excecionalmente avultado da dívida a solver’”1’ (pág. 16), e ao mesmo tempo que aquela “não invocou qualquer facto”.

53. Refere ainda a mesma decisão que a Recorrente, “para prova do assim invocado, às últimas declarações Modelo 3 de IRS apresentadas”, e ao mesmo tempo que não fez qualquer prova.

54. Ora, como resulta claro do pedido formulado nestes autos, e em especial resulta da própria decisão reclamada, a Reclamante absteve-se de juntar mais elementos pois os mesmos são do perfeito conhecimento do órgão de execução fiscal.

55. Mas mais: de acordo com a sentença recorrida, “o despacho reclamado, ao indeferir o pedido de dispensa de garantia, por falta de prova da insuficiência de bens reveladora da notória ausência de meios financeiros, não padece dos vícios de violação de lei que lhe vêm assacados, porquanto e face ao referido incumprimento, estava aquele órgão vinculado a decidir no sentido do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, como fez” (página 20).

56. Isto significa que, no entender do tribunal recorrido, aparentemente a “falta de prova da insuficiência de bens” vincula o órgão decisor “a decidir no sentido do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia” mesmo que - como neste caso acontece - aquele órgão conheça perfeitamente a situação de “notória ausência de meios financeiros” do particular e esteja por isso na posse de todos os elementos de prova necessários a tomar uma decisão em sentido diverso (•)-

57. Neste caso a injustiça gerada por aquele comportamento autista é até mais gritante pois como atrás se referiu, o despacho reclamado:

a) indefere o peticionado com base na pretensa ausência da junção de elementos que na sua fundamentação o seu autor revela não ignorar,

b) e ao mesmo tempo inacreditavelmente aceita a existência de notórias dificuldades financeiras para a extensão excecional do número de prestações autorizadas prevista no artigo 196° n°. 5 do CPPT,

c) notórias dificuldades financeiras essas que inexplicavelmente já não entende existirem para efeitos de dispensa de prestação de garantia.

58. O que o advogado signatário vê como absolutamente extraordinário é a ausência de compreensão que o ónus de prova dos pressupostos legais do direito que se pretende ver reconhecido não é um fim em si mesmo, mas antes um meio que deixa logicamente de se justificar se a entidade com o poder-dever de proceder a esse reconhecimento já dispõe desses mesmos elementos e que os mesmos já permitem proceder a esse mesmo reconhecimento.

59. Foi o que considerou o STA em acórdão de 07-05-2014 (proc. 0468/14), “7 - Ao contrário do que estipula a lei para o pedido de dispensa de prestação de garantia, a lei não impõe que o requerimento do pedido de pagamento em prestações seja desde logo instruído com a prova necessária. II - Daí que, antes do indeferimento do pedido de pagamento em prestação por falta de prova dos pressupostos de que depende, deva a Administração Fiscal notificar o requerente para vir juntar os documentos de que não disponha e julgue em falta. III-A omissão de tal dever de notificação fere de ilegalidade o acto de indeferimento motivado por falta de prova”.

60. E o mais extraordinário de tudo é que, como se revela no último parágrafo da página 20 da decisão aqui recorrida, o raciocínio espantoso nela expresso não resulta de qualquer lapso, antes se devendo a uma verdadeira crença segundo a qual “a contradição invocada pela Reclamante em que incorre a informação subjacente ao ato reclamado, no sentido em que “aparentemente existe notória dificuldade financeira para deferir o pagamento das prestações para as 50 prestações, mas essa mesma notória dificuldade financeira já não existe para deferir a dispensa de prestação de garantia ”, não invalida o que até agora vem sendo dito no sentido de caber à Reclamante o ónus da prova dos factos por si alegados no que concerne às invocadas dificuldades financeiras (...) não podendo, por isso, a decisão da Administração Tributária concernente ao pedido de dispensa de garantia, e que aqui vem impugnada, ser diversa da que foi proferida.'>‘> (!) (página 20).

61. Ou seja: existe sim contradição, mas a falta de junção redundante ao pedido formulado pela Exequente de elementos na posse da AT, infelizmente a impede de decidir a seu favor.

62. Segundo esta lógica, poder-se-ia então defender a tese peregrina segundo a qual “mesmo que o órgão administrativo que tem a seu cargo a condução do processo executivo tenha conhecimento de todos os factos necessários a emitir uma decisão dispensando de prestação de garantia [como é o caso, conforme resulta do próprio texto da decisão reclamada], mesmo assim encontra-se impedido de proceder a esse deferimento caso esses elementos não sejam (ainda que redundantemente) fornecidos com o pedido formulado pelo particular”.

63. A Recorrente apenas aqui pretende pagar em prestações a dívida exequenda, pedindo apenas a graça da dispensa de prestação de garantia no montante de cerca de € 30.000,00, que a ter sido deferida já teria feito iniciar o plano de pagamento em prestações que lhe foi excecionalmente deferido em 50 prestações, em virtude das suas notórias dificuldades financeiras, reconhecidas pelo órgão de execução fiscal no despacho reclamado, nos termos do artigo 196° n°. 5 do CPPT.

64. Termos em que, estando a administração subordinada ao princípio da competência imposto pelo princípio da legalidade (artigo 266° n°. 2 da CRP), e sendo os limites impostos por lei à sua atuação normas que estabelecem os termos em que essa competência deve ser exercida, o desrespeito por essas normas em face dos elementos de facto flagrantemente ao dispor da Autoridade Tributária é gerador de vício de violação de lei, configurando ainda uma forma possível do vício de incompetência relativa, geradora da forma de invalidade que para todos os efeitos aqui se invoca (artigo 163° do CPA artigo 163° n°. 1 do CPA aplicável ex vi dos artigos 2o da LGT e 2o do CPPT).

Termos em que deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e em consequência, proferir decisão anulatória do ato reclamado, com todos os efeitos daí resultantes, pois só assim se fará a costumada

Justiça”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, dado que o ato reclamado é contraditório em si mesmo e a Recorrente não tem condições para suportar o custo inerente à garantia da dívida exequenda, o que é do conhecimento da administração tributária (AT)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. Em 04/02/2022, foi, contra a Reclamante, instaurado o processo de execução fiscal n.º 3239202201031520, para cobrança de dívida de IRS do ano de 2017, no valor de €23.784.50 (cfr. Documentos de fls. 44 a 46 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

B. Em 10/04/2022, foi emitida em nome da Reclamante, citação no processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente, da qual consta como total a pagar o montante de €24.494,25 (cfr. Documento de fls. 47 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

C. Em 20/04/2022, o Mandatário da Reclamante remeteu, ao Serviço de Finanças de Lisboa 7, através de carta registada com aviso de receção, o seguinte requerimento dirigido ao Chefe do referido Serviço de Finanças, não tendo com o mesmo sido juntos quaisquer documentos:


«texto no original»

(cfr. Documentos de fls. 48 a 51 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

D. Com data de 03/05/2022, foi proferida, no âmbito do mencionado processo de execução fiscal e no seguimento do requerimento mencionado na alínea antecedente, informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 7, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)


«texto no original»

(cfr. Documento de fls. 52 a 54 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

E. Em 03/05/2022, foi, sobre a informação a que se fez referência na alínea antecedente, proferido, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7, o seguinte despacho: “Visto o informado com o qual concordo e atendendo a que o ónus da prova pertence a quem o alega, constata-se que não foram apresentadas provas que demonstrem as dificuldades financeiras excecionais e previsíveis consequências económicas gravosas, conforme se encontra definido no n.º 5 do artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. // Pelo exposto, indefiro o pedido apresentado. // Dê-se conhecimento.” (cfr. Documento de fls. 52 a 54 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

F. Através do ofício do Serviço de Finanças de Lisboa 7, datado de 03/05/2022, foi a Reclamante notificada, em 09/05/2022, da informação e do despacho referidos nas antecedentes alíneas D. e E. (cfr. Documentos de fls. 55 a 59 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

G. A presente reclamação foi remetida por correio registado com aviso de receção ao Serviço de Finanças de Lisboa 7, em 17/05/2022 (cfr. Documento constante de fls. 41 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

H. Do sistema do património da Autoridade Tributária e Aduaneira não constavam, à data de 03/05/2022, quaisquer imóveis registados em nome da Reclamante (cfr. Documento de fls. 52 a 54 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e facto não controvertido);

I. Do cadastro de veículos da Autoridade Tributária e Aduaneira verificava-se, à data de 03/05/2022, a existência dos seguintes veículos em nome da Reclamante: o veículo com a matrícula ..., marca S..., do ano de 2012, com o valor comercial aproximado de €5.000,00 e o veículo com a matrícula ..., marca V.. (1J) do ano de 2002, com o valor aproximado de €5.000,00 (cfr. Documento de fls. 52 a 54 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e facto não controvertido);

J. No ano de 2021, a Reclamante auferiu rendimentos da categoria H (pensões), no valor anual de €13.477,66, pagos pela Caixa Geral de Aposentações I.P., e rendimentos da categoria B, no valor de €465,00, pagos pela Fundação ... (cfr. Documento de fls. 52 a 54 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e facto não controvertido);

K. À data de 03/05/2022, a Reclamante encontrava-se coletada em sede de IVA/IRS, pela atividade de Enfermeira, tendo emitido recibos, nos meses de janeiro e março de 2022, no valor de €877,50, à Fundação ... (cfr. Documento de fls. 52 a 54 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e facto não controvertido);

L. A mãe da Reclamante, de 99 anos, padece de várias doenças, estando totalmente dependente nas atividades de vida diárias e residindo no domicílio da filha (cfr. Documento 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

M. Foi deduzido, pela Reclamante, pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade da dívida de IRS de 2017 em cobrança coerciva no processo de execução fiscal melhor identificado na antecedente alínea A., correndo o mesmo termos no Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 207/2022-T (cfr. Documento de fls. 52 a 54 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e facto não controvertido – artigo 5.º da petição inicial)”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão sobre a matéria de facto teve por base toda a prova produzida nos autos, designadamente os documentos juntos pelas partes e as informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal e não impugnados, bem como a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, como melhor exposto nos vários pontos do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que, na sua perspetiva, não só o ato reclamado é contraditório em si mesmo, mas também porque não tem condições para suportar o custo inerente à garantia da dívida exequenda, o que é do conhecimento da AT.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 52.º da Lei Geral Tributária (LGT), é admissível a suspensão do processo de execução fiscal, designadamente em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução, desde que prestada garantia idónea ou desde que a AT, a requerimento do executado, o isente de tal prestação (cfr. art.º 52.º, n.º 4).

O art.º 170.º do CPPT determina os termos do procedimento do pedido de dispensa em causa, decorrendo do seu n.º 3 que “[o] pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”.

Como resulta do quadro normativo referido, a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois requisitos:

¾ Um requisito objetivo: a situação causar prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;

¾ Um requisito subjetivo, consubstanciado na imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.11.2020 (Processo: 0289/20.9BEALM):

“Estamos (…) perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo (…). Esse procedimento da iniciativa do executado (cf. art. n.º 4 do art. 52.º da LGT, que diz «a requerimento do executado» e o art. 170.º do CPPT, que diz «deve o executado requerer») é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cf. n.º 3 do art. 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art. 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art. 170.º do CPPT). (…)

(…) [O] procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT) (…): (….) [nele] está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há-de ter como excepcional em sede de execução fiscal – a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal – e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido”.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, como resulta provado, a ora Recorrente apresentou, junto do órgão de execução fiscal (OEF), um pedido de pagamento em prestações e de dispensa de prestação de garantia, que foi indeferido, sendo que a Recorrente apenas se insurge contra a decisão na parte respeitante ao pedido de dispensa de prestação de garantia.

Não obstante, refira-se, a informação mencionada em D. do probatório ser no sentido de ser deferido o pedido de pagamento em 50 prestações e indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, verifica-se que o despacho proferido foi no sentido de indeferir o requerido in totum (e não no sentido de deferir o pagamento em 50 prestações e indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia, como é interpretado designadamente pela Recorrente).

É certo que, de forma absolutamente conclusiva, na informação mencionada em D. do probatório se refere que, para efeitos do art.º 196.º, n.º 5, do CPPT, há notórias dificuldades financeiras da ora Recorrente. É, no entanto, igualmente certo que o despacho reclamado não acolhe integralmente essa fundamentação, constando do mesmo expressamente que: “Visto o informado com o qual concordo e atendendo a que o ónus da prova pertence a quem o alega, constata-se que não foram apresentadas provas que demonstrem as dificuldades financeiras excepcionais e previsíveis consequências económicas gravosas, conforme se encontra definido no n.º 5 do artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Pelo exposto, indefiro o pedido apresentado”.

O que daqui resulta, pois, é que a decisão final, acolhendo a informação prestada, dela se afasta quanto aos requisitos previstos no art.º 196.º, n.º 5, do CPPT, considerando que não estão os mesmos demonstrados.

Como tal, a alegada contradição de fundamentos não se verifica, porquanto o despacho expressamente refere não estarem reunidos os pressupostos do art.º 196.º, n.º 5, do CPPT.

Por outro lado, ao contrário do que refere a Recorrente, também não se está perante qualquer manifesta incongruência na fundamentação, pelo facto de o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia ser baseado na falta de junção ao pedido formulado dos documentos comprovativos daquelas notórias dificuldades financeiras.

Com efeito, como já deixamos expresso anteriormente, o nosso ordenamento exige que, para efeitos de dispensa de prestação de garantia, o requerimento apresentado pelo contribuinte seja acompanhado dos respetivos elementos probatórios.

No caso, tal não foi feito, limitando-se a ora Recorrente a remeter para as declarações modelo 3 de IRS.

Ainda assim, o OEF analisou os dados de que dispunha, concluindo que existem dois veículos automóveis registados em nome da Reclamante, que inexiste qualquer bem imóvel, que auferiu rendimentos da categoria H e B. No entanto, concluiu não poder deferir o pedido, pela falta de elementos probatórios que demonstrem inequivocamente as dificuldades financeiras alegadas.

E de facto assim é.

Veja-se que as bases de dados de que dispõe a AT não abrangem toda a realidade, não abrangem todos os bens patrimoniais de um administrado, desde logo sendo de sublinhar que das mesmas não constam os elementos relativos a depósitos bancários de pessoas singulares.

Portanto, ao contrário do que refere a Recorrente, não é suficiente, em casos como o dos autos, a informação de que a AT dispõe, caso contrário não era feita a exigência de documentação do requerimento já mencionada.

Veja-se, ademais, que tudo o alegado em relação à sua situação pessoal nunca foi alegado em sede administrativa (sede própria para o efeito). Acresce que, mesmo em sede judicial, essa alegação é meramente conclusiva: é feita uma menção conclusiva de que tem dois filhos e trata da sua mãe, mas sem se saber se os dois filhos estão a seu cargo (só alega que um dos automóveis é utilizado por um dos filhos e os custos por este pagos) ou se já são autónomos, sem se saber que gastos tem ou não com a sua mãe, sem se saber se esta dispõe ou não de rendimentos. Ou seja, além de nada ter sido oportunamente alegado, mesmo em sede judicial foi invocado de forma meramente conclusiva.

Mesmo em relação aos custos com a prestação de uma garantia, nunca a Recorrente alegou nem, consequentemente, provou, em qualquer momento, que custos serão esses.

Daí que não se possa concluir por qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, porquanto, em bom rigor, a Recorrente em momento algum invocou e provou a sua real condição económica, em termos não só de rendimentos que aufere, mas também em termos de outros bens de que dispõe e de encargos que suporte. Este défice alegatório não permite extrair conclusões no sentido da existência de uma situação de manifesta dificuldade económica.

O mesmo se refira quanto aos demais princípios que a Recorrente considera violados, porquanto o alegado parte de um pressuposto que não existe: a certeza de há manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. E essa certeza inexiste por falta de demonstração da Recorrente de tal circunstância.

Assim sendo, e em suma, não tendo sido juntos quaisquer elementos documentais por parte da Recorrente, remetendo apenas para os elementos de que a AT dispõe, não tendo, pois, sido facultada informação adicional (v.g. informação bancária), que demonstrasse o por si alegado, não tendo sido alegados concretos e mensurados encargos que tenha, não foi cumprido pela Recorrente o seu ónus de demonstração da insuficiência patrimonial, exigido em sede de pedido de dispensa de prestação de garantia.

Uma palavra se impõe ainda quanto à alegada incompetência, decorrente da conclusão 64., por referência ao art.º 266.º, n.º 2, da CRP, nos termos do qual “[o]s órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

O vício de incompetência respeita à atuação das pessoas coletivas públicas extravasando os seus poderes funcionais.

Com efeito, as pessoas coletivas públicas, onde se integra a pessoa coletiva Estado, têm atribuições, que se podem definir como “os fins ou interesses que a lei (…) [lhes] incumbe de prosseguir ou realizar” (1).

Para a sua concretização, são-lhes conferidos poderes funcionais, sendo que as competências se consubstanciam no conjunto desses poderes funcionais (2).

Assim, cada órgão da pessoa coletiva Estado deve atuar dentro dos limites das suas competências, sendo que tais competências podem ser próprias ou delegadas.

Sobre as competências da AT, é de chamar à colação o disposto, não só no DL n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que aprovou a orgânica da autoridade tributária e aduaneira, mas também o constante quer da LGT quer do CPPT.

Concretamente quanto à execução fiscal, há que chamar à colação o art.º 150.º do CPPT, nos termos do qual:

“1 - É competente para a execução fiscal a administração tributária.

2 - A instauração e os atos da execução são praticados no órgão da administração tributária designado, mediante despacho, pelo dirigente máximo do serviço.

3 - Na falta de designação referida no número anterior, a instauração e os atos da execução são praticados no órgão periférico regional da área do domicílio ou sede do devedor.

4 - (Revogado.)

5 - O dirigente máximo do órgão periférico regional onde deva correr a execução fiscal pode delegar a competência na execução fiscal em qualquer órgão periférico local da sua área de competência territorial”.

Por outro lado, considerando o constante do art.º 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o ato praticado por órgão incompetente é anulável.

Ora, atento este enquadramento, verifica-se que nada é alegado que configure vício de incompetência.

Resulta que o “princípio da competência” invocado terá a ver com um significado não jurídico do termo, no sentido de que a AT não atuou em cumprimento dos princípios que enformam a sua atuação – o que nunca seria vício de incompetência, nos termos assinalados.

Ora, mesmo sob esta perspetiva, como vimos, tal violação de princípios, genericamente suscitada, não ocorreu, na medida em que, a montante, a Recorrente não alegou nem provou a factualidade que lhe competia a si alegar e provar, nos termos já referidos anteriormente.

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de novembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentação de Direito Administrativo, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 17.

(2) Cfr. Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 17 e 18.