Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:349/22.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA
GARANTIA REAL/GARANTIA DE CRÉDITO
REDUÇÃO DE TAXA DE JUROS DE MORA
Sumário:No nº 4 (anterior n.º 3) do artigo 3.º do Decreto-Lei nº 73/99 de 16 de março, a expressão “dívidas cobertas por garantias reais” deve ser interpretada extensivamente, por forma a abranger na sua previsão legal, para efeitos da redução da taxa de juros de mora, não apenas as dívidas cobertas por garantias reais, stricto sensu, nominadas, mas também as cobertas por penhora registada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem AT- Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a reclamação deduzida por A....-A..., Lda., ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário contra a decisão proferida pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal nº …..442, que indeferiu o pedido de redução da taxa de juros de mora a metade.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

46. Visa o presente recurso reagir contra a Douta Sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, que julgou procedente a presente reclamação apresentada por A …- A….. LDA, concluindo pela consequente anulação do ato reclamado.

47. Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se a penhora sobre imóvel, pode ou não integrar no conceito de “garantia real” e se permite que a reclamante possa beneficiar da redução prevista no n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do Decreto-Lei 73/99 de 16 de março, quanto aos juros de mora.

48. Discorda a Fazenda Publica, com o devido respeito, do entendimento sufragado na Douta Sentença, e com a mesma não se conforma, porquanto padece de erro de direito ao valorar erradamente a prova de facto, por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas mormente no n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do Decreto-Lei 73/99 de 16 de março.

49. Vejamos:

50. O processo executivo foi instaurado a 30/12/2009 para cobrança coerciva da nota de liquidação referente ao IRC do ano de 2003, com quantia exequenda no montante de € 158.760,81.

51. A reclamante veio impugnar judicialmente a legalidade da divida [referência ao processo de impugnação nº 319/10.2BESNT], prestando garantia.

52. Nessa sequência foram bens nomeados à penhora.
a) Fração autónoma designada pela letra “N” que corresponde à loja com entrada pelo 58B, do prédio urbano sito na Av. ª Tomás Ribeiro, n.º …..e Travessa da Rocha, n.º….., em Carnaxide, inscrito na Matriz sob o Artigo …..º das Freguesias de Carnaxide e Queijas e
b) Lote de terreno para construção urbana, sito na Rua Irene Lisboa, lote…., na Brandoa, Amadora, inscrito na Matriz sob o n.º ….. da Freguesia da Encosta do Sol.

53. Houve decisão de improcedência no âmbito do processo de impugnação nº 319/10.2BESNT nessa sequência foi apresentado recurso jurisdicional onde foi negado provimento ao mesmo.

54. Decorrido o trânsito em julgado do acórdão de improcedência em 23/09/2021, a reclamante foi notificada para proceder ao pagamento da importância em dívida no âmbito do processo executivo, sob pena da normal tramitação do mesmo, promovendo-se a venda dos prédios penhorados acima citados.

55. Por requerimento e através do seu Mandatário veio a reclamante alegar redução do cálculo dos juros de mora, uma vez que no seu entender, deveria ser reduzido a metade por força do estatuído no nº 4 do art.º 3 do Dec. Lei nº 73/99 de 16 de março.

56. O Serviço de Finanças Oeiras 2 informou o mandatário da reclamante e citamos “É entendimento da AT que, pese embora a penhora tenha uma função de garantia, dado que retira ao executado o poder de livre disposição do bem, em bom rigor, não se trata de uma garantia real mas sim de uma apreensão judicial do bem.

57. A reclamante não concordando deu entrada no Serviço de Finanças Oeiras 2, de reclamação.

58. A AT manteve a sua posição e remeteu os autos a tribunal.

59. Pelo Douto Tribunal foi proferida Sentença julgando a reclamação de A …– A…. LDA procedente com a consequente anulação do ato reclamado.

60. Sentença com que a AT não se conforma,

61. A penhora, não é uma garantia real, trata-se de uma apreensão judicial dos bens e/ou rendimentos do executado que em regra geral serve como garantia dos créditos no âmbito de um processo executivo.

62. O preâmbulo o citado Decreto-Lei 73/99 de 16 de março vem determinar “Com carácter inovador, e tendo em conta a necessidade de garantir adequadamente os créditos do Estado e de outras entidades públicas em situações que afetem a continuidade da atividade económica do devedor, o diploma cria um incentivo à constituição de garantias reais por iniciativa ou com a colaboração dos devedores, ou de garantias bancárias, traduzido numa redução da taxa de juros de mora a metade. “, (sublinhado nosso).

63. É certo que para efeitos de suspensão do processo executivo, a penhora constituída pela reclamante foi considerada como uma garantia idónea e suficiente para pagamento da divida executiva e acrescido, mas isso não quer dizer que deva ser considerada como “garantia real” no âmbito de aplicação do n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do Decreto-Lei 73/99 de 16 de março.

64. No capítulo VI do Código Civil encontram-se identificadas e definidas as garantias especiais das obrigações, dividindo-se estas em garantias de natureza pessoal, como seja a fiança, e as de natureza real como é o caso do penhor e da hipoteca.

65. Porém, neste elenco não se encontra incluída a penhora, a qual vem tratada no capítulo seguinte do Código Civil, dedicado ao cumprimento e não cumprimento das obrigações e realização coativa da prestação.

66. A penhora é um ato de apreensão de bens por autoridade pública, não consubstancia um direito real de garantia.

67. A preferência da penhora sobre as garantias reais posteriormente constituídas decorre naturalmente dos seus efeitos previstos, designadamente, no artigo 822º do CC.

68. Relativamente à doutrina, esta não é consensual no que diz respeito à classificação da penhora como garantia real, por a sua formação ocorrer no âmbito de um processo judicial, e não no decurso de um ato negocial.

69. Até os que defendem que a penhora constitui uma garantia real, reconhecem que não se trata de uma garantia real plena.

70. In casu, estamos perante um crédito reclamado pela AT que beneficia de uma penhora e, portanto, é tido como um crédito comum e não um crédito com garantia real.

71. De resto, o n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do DL 73/99, de 16 de março especifica as garantias suscetíveis de beneficiar desta redução de juros – as garantias reais e bancárias, donde se extrai que o referido normativo não pretende abranger a totalidade das garantias.

72. Não o tendo sido, e não fazendo a penhora parte do elenco das garantias reais definidas no Código Civil, porque de uma verdadeira garantia real não se trata, o n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do DL 73/99, de 16/03 deve ser interpretado no sentido de não abranger no seu âmbito de incidência a penhora, ainda que a mesma seja suscetível de constituir garantia idónea.

73. A garantia real é sempre uma garantia idónea, mas uma garantia idónea pode (ou não) ser uma garantia real.

74. Com o máximo respeito por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública aceitar o que o Douto Tribunal vem defender e citamos “(…) “nosso ver, a característica da oponibilidade a terceiros da penhora devidamente registada faz dela um “autêntico” direito real que tem como consequência satisfazer o que se pretendeu acautelar na citada disposição legal. É que a penhora registada envolve a constituição de um direito real de garantia conferindo ao credor/exequente o direito de ser pago com preferência sobre outros credores, que não beneficiem de garantia real anterior (art. 822º nº1 do C.C.).”, [cfr.1 parágrafo a fls. 12º da douta sentença], (destacado nosso), e

75. “É que, pela penhora, independentemente da sua qualificação jurídica, e a par dos direitos reais de garantia propriamente ditos e previstos na lei, o Estado obtém garantia plena e segura de que será pago.”, [cfr.4 parágrafo a fls. 13º da douta sentença], (destacado nosso)

76. De facto, o Estado, mormente no caso concreto a AT, pode ter penhora registada sobre um imóvel e consequentemente ter o direito de ser pago com preferência sobre outros credores.

77. Porém, o direito de preferência já não se confirma se outros credores beneficiem de garantia real anterior, ou seja, o Estado pode ter uma penhora registada sobre um imóvel, mas, será uma garantia “não plena e não segura” de que a divida exequenda venha a ser efetivamente liquidada, e, ainda assim é plenamente aplicável o previsto no n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do Decreto-Lei 73/99 de 16 de março?

78. Não estará a posição defendida pela Douta Sentença contradita ao defendido pelo legislador no Decreto-Lei 73/99 de 16 de março? Uma vez que, no citado Decreto-Lei o legislador não incluiu a penhora, [até porque podem existir outros credores que beneficiem de garantia real anterior], mas as garantias reais e bancárias.

79. Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que in casu, não poderá o executado beneficiar do n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do Decreto-Lei 73/99 de 16 de março.

80. Nestes termos, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de direito e de facto relevante para a boa decisão da causa, por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas mormente n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 3º do Decreto-Lei 73/99 de 16 de março.

81. Assim, face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
* *
A Recorrida apresentou contra-alegações formulando conclusões nos seguintes termos:

“1.ª- Salvo o devido respeito por quem tem opinião contrária, o presente Recurso, por visar unicamente a apreciação de matéria de direito, deve ser, por isso, remetido ao S.T.A., por ser da sua competência o conhecimento do mesmo;

2.ª- Sem prejuízo e previamente, o mesmo Recurso deve ser rejeitado pelo facto das alegações serem a cópia fiel das conclusões, o que equivale á falta de conclusões e, consequentemente, haverá lugar à rejeição do Recurso;

3.ª- Por outro lado e não obstante o referido supra, o que é certo é que a penhora de bens imóveis, com registo a favor do credor, o qual tem preferência relativamente aos demais credores, com registo posterior, deve ser considerada uma garantia real das obrigações ao lado das demais garantias nominadas.

4.ª- Sendo que tal classificação não está proibida nem pela letra, nem pelo espírito do Dec.-Lei n.º 73/99 de 16.Março, razão pela qual e quando o n.º 3 do Art.º 3.º, do citado diploma, diz: as dívidas cobertas por garantias reais, tal expressão deve ser interpretada extensivamente de molde a englobar na sua previsão o benefício da redução a metade da taxa de juros de mora aplicável também nas dívidas garantidas por penhora.

5.ª- Razão pela qual a douta Sentença Recorrida não merece censura, antes pelo contrário, deve ser mantida na ordem jurídica por ter feito jus à Justiça e ter prestigiado a mesma.

Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente Recurso ser considerado improcedente e não provado, caso não ocorra qualquer outro vício prévio, que impeça o seu conhecimento, mantendo-se a Sentença Recorrida em pleno vigor e nos seus precisos termos.”.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado ilegal o indeferimento do pedido de redução da taxa de juros de mora a metade no âmbito do processo de execução fiscal nº …..442.
Importa igualmente decidir das questões prévias suscitadas pela Recorrida nas suas contra-alegações, a saber:

i) a incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia;

ii) da rejeição do recurso por não estarmos perante verdadeiras conclusões


* *
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Em 30-12-2009, contra a ora Reclamante, A….. – A….., LDA., foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3, o processo de execução fiscal n.º ….442, para cobrança coerciva de dívida de IRC do ano de 2003, no valor de €158.760,81 – cfr. fls. 2 e 3 do registo do sitaf n.º 006499288;

B) A 05-03-2010, a Reclamante apresentou requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças Oeiras 3, pelo qual informou que pretendia impugnar judicialmente a legalidade da dívida tributária e que pretendia prestar garantia para suspensão da execução – cfr. fls. 8 e 9 do registo do sitaf n.º 006499288;

C) Em 16-03-2010, no âmbito do referido processo de execução fiscal, foi proferido despacho pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras 3 com o seguinte teor: “Fixo o valor a ser prestado como garantia para suspensão da execução em 211.123,38€ (duzentos e onze mil, cento e vinte e três euros e trinta e oito cêntimos). Notifique-se para que a mesma seja prestada em 15 dias.” - cfr. fls. 11 do registo do sitaf n.º 006499288;

D) A Reclamante requereu a nomeação de bens imóveis à penhora para garantia e suspensão dos autos – cfr. fls. 14 do registo do sitaf n.º 006499288;

E) Com data de 05-04-2010, na 1.ª conservatória do Registo Predial de Amadora, freguesia da Brandoa, relativamente ao prédio urbano situado na rua Irene Lisboa, lote…., parcela…, com a matriz n.º 2…, foi efetuado o seguinte registo:

“(…)
AP. 2950 de 2010/04/05 16:21:46 UTC - Penhora
Registado no Sistema em: 2010/04/05 16:21:46 UTC
Data da Penhora: 2010/03/29
Quantia Exequenda: 166.914,35 Euros
SUJEITO(S) ACTIVO(S):
FAZENDA PÚBLICA
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
A…. A….., LDA
NIPC ….510
Processo de execução fiscal n.º ……442 - Serviço de Finanças de Oeiras 3 Algés
(…)”
- cfr. certidão permanente a fls. 53 a 54 do registo do sitaf n.º 006499288;

F) Com data de 05-04-2010, na 2.ª conservatória do Registo Predial de Oeiras, relativamente à fração N do prédio urbano situado na Avenida Tomás Ribeiro, n.°s…, ….e ….e Travessa da Rocha n.°s…, …. E…, freguesia de Carnaxide, com a matriz n.º …..6, freguesia de Carnaxide, foi efetuado o seguinte registo:

“(…)
AP. 3161 de 2010/04/05 16:31:09 UTC - Penhora
Registado no Sistema em: 2010/04/05 16:31:09 UTC
DATA DA PENHORA: 2010/04/05
QUANTIA EXEQUENDA: 166.914,35 Euros
SUJEITO(S) ACTIVO(S):
* * FAZENDA NACIONAL
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
** A….- A…., LDA
NIPC …10
Sede: Rua Damião de Góis, ….° Esq°
Localidade: Algés
PROCESSO EXECUTIVO N.º ……442 – Serviço de Finanças de Oeiras 3 – Algés
(…)”- cfr. certidão permanente a fls. 21 a 27 do registo do sitaf n.º 006499288;

G) Por despacho de 11-09-2012 do Diretor de Finanças Adjunto, exarado sobre a Informação de 10-09-2012, foi aceite como idónea a garantia da penhora dos prédios inscritos sob o artigo n.º …..6, fração N, sito na freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras e sob o artigo T-2…, da freguesia da Brandoa, concelho da Amadora, e ordenada a suspensão do processo executivo – cfr. fls. 6 a 9 do registo do sitaf n.º 006499301;

H) Em 18-11-2019, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no processo n.º 319/10.2BESNT, na qual, além do mais, pode ler-se o seguinte:
“I- RELATÓRIO
A….. – A…., LDA. pessoa coletiva n.° …..510, com sede na Rua Damião de Góis, …° esq., em Algés, Oeiras, vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 96.°, n.° 1, 97.°, n.° 1, aí. a) e 99.° e seguintes, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), deduzir a presente impugnação judicial contra o ato de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2003, identificada com o n.° …..491, e correspondentes juros compensatórios, que deram origem à emissão de demonstração de acerto de contas n.° …..306, de 30.10.2009, com montante a pagar de €158.760,81, com data limite de pagamento a 09.12.2009, invocando, em suma, a caducidade do direito de liquidação.
(…)
IV – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos fáctico-jurídicos expostos, julga-se improcedente, mantendo o ato impugnado na ordem jurídica.
(…)” - cfr. fls. 14 a 22 do registo do sitaf n.º 006499301;

I) Da sentença referida na alínea antecedente foi interposto recurso jurisdicional, tendo o Supremo Tribunal Administrativo negado provimento ao recurso – cfr. acórdão a fls. 23 a 37 do registo do sitaf n.º 006499301;

J) Em 22-10-2021, pelo Chefe de Finanças (por delegação) do Serviço de Finanças de Oeiras 2 (Algés), foi emitido ofício sob o assunto “IMPUGNAÇÃO – EXECUÇÃO DE GARANTIA”, dirigido à ora Reclamante, com o seguinte teor:
Teve este serviço de finanças conhecimento que, para o processo de impugnação judicial e do recurso jurisdicional n.° 319/10.2BESNT que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e pelo Supremo Tribunal Administrativo, foi proferida sentença e acórdão de improcedência, cujo trânsito em julgado ocorreu em 23.09.2021,
Não se encontrando cumpridas as formalidades descritas no n.° 8 do artigo 189.° do Código de Procedimento e do Processo Tributário, fica Va Exa notificado(a) para no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento da importância em dívida no âmbito do processo de execução fiscal n,° …..442 a correr termos neste serviço de finanças, por dívida do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao ano de 2003.

Na falta do referido pagamento, irá este serviço de finanças proceder à normal tramitação do processo executivo, promovendo a venda do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de União das Freguesias de Carnaxide e Queijas, concelho de Oeiras, sob o artigo n°…, fracção…, bem como do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de Encosta do Sol, concelho da Amadora, sob o artigo n°…, penhorados no âmbito do processo executivo e que haviam sido constituídas como garantia para suspensão do mesmo.
- cfr. fls. 38 do registo do sitaf n.2 006499301;

* * *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Tal como mencionado supra importa desde já decidir das questões prévias suscitadas pela Recorrida nas respectivas contra-alegações, mais concretamente, quanto à competência deste Tribunal Central Administrativo Sul em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, e ainda decidir se o recurso deve ser rejeitado, por não estarmos perante verdadeiras conclusões.



i) Quanto à competência deste Tribunal Central Administrativo Sul em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, importa recordar que a infracção às regras de competência em razão da hierarquia determina, nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, sendo-lhe aplicáveis as alterações introduzidas no CPPT e no ETAF, respetivamente, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro.

As questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso, precedendo o seu conhecimento o de qualquer outra questão, e pode ser arguida por qualquer interessado, Fazenda Pública e suscitada pelo Ministério Público (cf. art.º 16.º, n.º 2, do CPPT).

Por conseguinte, a competência do Tribunal em razão da hierarquia constitui questão que o tribunal deve conhecer oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. Ac. do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0161/14).

Assim, é competente para conhecer dos recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (art. 26.º, al. b), do ETAF), sendo competente a Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo nos demais casos (art. 38.º, al. a), do ETAF).

Igualmente consagra o art. 280.º, n.º 1 do CPPT que das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Para aferir da competência do tribunal em razão da hierarquia há que atender aos fundamentos do recurso, que devem constar das conclusões, uma vez que estas fixam o objeto do recurso nos termos do disposto no art. 635.º, n.º 4, do CPC.

No caso em apreço a decisão recorrida configura uma decisão de mérito, na medida em que julgou procedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal. Contudo, das conclusões de recurso que delimitam o objecto do mesmo, resulta que o presente recurso não versa unicamente sobre matéria de direito, uma vez que nas conclusões 50 a 59 a recorrente alega os factos que, em seu entender, teriam conduzido a uma “inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa “ (cfr. conclusão 80), o que releva para a decisão dos autos, e, portanto, havendo ilações de facto, é competente para conhecer do presente processo o Tribunal Central Administrativo.

Face ao exposto, não se verifica a excepção suscitada pela Recorrida.

ii) Rejeição do recurso por não estarmos perante verdadeiras conclusões.

Reconhecendo-se que as conclusões da Recorrente poderiam ser mais sintéticas, entende-se, no entanto, que a alegação feita pela Recorrida de que as conclusões são cópia das alegações, não é de molde a pôr em causa a possibilidade de se conhecer o presente recurso.

A este propósito chama-se à colação o Acórdão deste TCAS de 05.03.2020 (Processo: 113/19.5BEFUN), onde se refere:
“Do facto de as alegações serem da “mesma dimensão” das conclusões (…), não decorre necessariamente que as conclusões não sejam sintéticas”.

Por outro lado importa salientar que da análise das conclusões formuladas, conclui-se que as mesmas não são deficientes, obscuras, complexas ou que nelas faltem as especificações exigíveis no art. 639º do CPC, e como tal, por se considerar que a rejeição do recurso se mostraria em concreto excessivo, passar-se-á de seguida ao conhecimento do presente recurso.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal apresentada pela executada no âmbito do processo de execução fiscal nº …..442 por entender que a penhora registada dos bens imóveis da reclamante, enquanto garantia do pagamento da quantia exequenda e do acrescido, deve ser considerada um direito real de garantia dos créditos exequendos, e como tal, beneficia da redução a metade da taxa de juros de mora sobre a quantia exequenda, ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 1 conjugado com o nº 4 do Decreto-Lei nº 73/88 de 16 de março.

A Recorrente discorda do decidido invocando que a penhora não configura uma garantia real, dado tratar-se de uma apreensão judicial de bens e/ou rendimentos do executado que, em regra geral, constitui garantia dos créditos no âmbito do processo executivo, sendo no caso em apreço um crédito comum e não um crédito com garantia real, conclui que a penhora não faz parte do elenco das garantias reais definidas no Código Civil, porque não se trata de uma verdadeira garantia real, e nessa medida o nº 4 (anterior nº 3) art. 3º do Decreto-Lei nº 73/99 de 16 de março, deve ser interpretado no sentido de não abranger a penhora, ainda que esta seja susceptível de constituir garantia idónea (cfr. conclusões 61, 70 e 72 das alegações).

Vejamos então.

O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou em diversos Acórdãos sobre a interpretação do nº 4 (anterior nº 3) do art. 3º do Decreto-Lei nº 73/99 de 16 de março, jurisprudência seguida pelo Tribunal a quo na sentença recorrida e que igualmente sufragamos.

No Acórdão do STA de 20/12/2006 – proc. 0886/05 (embora numa situação de arresto) entende-se que “O n º3 e do artigo 3º do DL 73/99, de 16/3, ao afirmar que a taxa de juros de mora é reduzida a 0,5% para as dívidas cobertas por garantias reais deve ser interpretado amplamente de modo a terem-se por abrangidas na sua estatuição não apenas as dívidas cobertas por garantias reais, stricto sensu, mas também as cobertas por arresto.”, com a seguinte fundamentação:
A única questão aqui suscitada é, assim, a de se saber se o arresto se integra ou não na previsão do n.º 3 do artigo 3.º do DL 73/99, de 16/3, ou seja, se na expressão “garantia real” aí prevista se deve admitir como aí incluído ou não o arresto.
O arresto é, por alguma doutrina, considerado um direito real de garantia (cfr. Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, vol. II, p. 495; Lebre de Freitas, in Acção Executiva, p. 121, e CPC Anotado; II, p. 132; Anselmo de Castro, in Acção executiva singular, comum e especial, p. 178; Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, p. 297; e Salvador da Costa, in O concurso de credores).
Também o Prof. Paulo Cunha, in Da garantia nas obrigações, II, p. 157/158, refere que “o arresto apesar de, em si, ser acto diferente, vem a produzir os efeitos da penhora, pela conversão nela; logo, se a penhora tem uma preferência especial, o arresto também a tem, pelo que o arresto é também uma garantia especial”.
Já para o Prof. Teixeira de Sousa, in Acção Executiva, p. 251, o arresto não é um verdadeiro direito real, faltando-lhe para tanto o elemento “realidade” que une directamente o titular à coisa.
De igual modo, a jurisprudência mostra-se também dividida a este respeito.
No sentido de que o arresto não é um verdadeiro direito real, sequer de garantia real, tal como a lei a configura, podem ver-se, por exemplo, os acórdãos do STJ de 17/3/05 e de 8/6/06, nos processos 438/05 e 1532/06, respectivamente.
E, no acórdão de 9/4/2003 desta Secção do STA, no processo 2064/02, se escreveu também que “o arresto não é mais do que uma medida cautelar, um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores, cuidando de evitar a sua dissipação, visando prevenir a possibilidade de o crédito ficar insatisfeito por inexistência de bens do devedor, mas que não constitui, antes de convertido em penhora, uma garantia real, apesar de ter os efeitos que lhe atribuem os artigos 662.º, n.º 2 e 822.º, n.º 1 do Código Civil”.

Contudo, já no acórdão de 16/6/04 desta mesma Secção, se deixou escrito que “No que se refere ao paralelismo com o arresto, a posição do S.T.A. assenta no pressuposto errado de que ele não tem natureza de garantia real, antes de convertido em penhora, mas os arts. 622.º, n.º 1, e 822.º que se citam, determinando a ineficácia dos actos de disposição dos bens em relação ao arrestante revelam, precisamente, que ele confere a este o direito de sequela imprescindível para tal qualificação, pois essa ineficácia significa que o direito de crédito pode ser exercido coercivamente sobre os bens arrestados, mesmo que eles tenham sido transferidos para a titularidade de terceiros, e é mesmo a partir dele que se determina a anterioridade do direito do exequendo sobre os bens arrestados (art. 822.º, n.º 2). Aliás, sendo os efeitos do arresto os mesmos da penhora, a nível da oponibilidade a terceiros, remetendo-se mesmo expressamente para as regras da penhora (art. 622.º, n.ºs 1 e 2), não se vê como pode encontrar-se fundamento para uma diversidade de qualificação jurídica”.
Idêntica posição é defendida pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado, a págs. 982: “As garantias reais, como direitos reais que são, só existem os casos previstos na lei, como se infere do preceituado no art.º 1306.º do Código Civil.
São direitos reais de garantia propriamente ditos a consignação de rendimentos (arts. 656.º a 665.º do Código Civil), o penhor (arts. 666.º a 685.º do Código Civil), a hipoteca (arts. 686.º a 732.º do Código Civil), os privilégios creditórios especiais (arts. 733.º a 735.º, 738.º, 748.º, e 750.º a 752.º do Código Civil) e o direito de retenção (arts. 754.º a 761.º do Código Civil).
Como tal deverão considerar-se ainda, para este efeito, o arresto não convertido em penhora e a penhora noutra execução, por lhes ser atribuído o efeito de preferência sobre qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (arts. 622.º, n.º 2 e 822.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil)”.
No caso em apreço, mais do que tomar partido a favor duma ou outra posição, talvez o que importe apurar é se o arresto, a par de qualquer outra garantia real ou bancária, satisfaz o que se pretendeu acautelar na citada disposição legal.
No DL 73/99, de 16 de Março, como se assinala no seu preâmbulo, pretendeu-se criar um incentivo à constituição de garantias reais por iniciativa ou com a colaboração dos devedores, ou de garantias bancárias, traduzido numa redução da taxa de juros de mora a metade.
Ou seja, oferecendo-se uma taxa de juros mais baixa, pretende-se garantir duma forma mais eficaz e efectiva o pagamento das dívidas ao Estado.
O arresto, consistindo numa apreensão judicial de bens destinada a garantir a cobrança dos créditos tributários e do acrescido (juros e custas) e sendo convertido em penhora, independentemente de qualquer despacho, se o pagamento não for efectuado (artigo 214.º CPPT), e tendo, por outro lado, os mesmos efeitos da penhora, a nível da oponibilidade a terceiros, na medida em que incide sobre bens determinados e ao seu titular é conferida preferência sobre qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, deve ter-se por abrangido na estatuição do n.º 3 do art.º 3.º daquele diploma legal.

É que, pelo arresto, independentemente da sua qualificação jurídica, e a par dos direitos reais de garantia propriamente ditos e previstos na lei, o Estado obtém garantia plena e segura de que será pago.
E, assim sendo, não se vê motivo, por que as dívidas cobertas por arresto não beneficiem também elas de uma taxa de juros de mora reduzida a 0,5%, nos termos do citado DL 73/99”.

Igualmente no Acórdão do STA de 14/09/2011 – proc. 0203/11 se sufraga o entendimento que “O n º 3 do artigo 3º do DL 73/99, de 16/3, ao afirmar que a taxa de juros de mora é reduzida a 0,5% para as dívidas cobertas por garantias reais deve ser interpretado amplamente de modo a terem-se por abrangidas na sua estatuição não apenas as dívidas cobertas por garantias reais, stricto sensu, mas também as cobertas por penhora registada”.

E mais recentemente esta jurisprudência foi reiterada no Acórdão do STA de 03/06/2020 – proc. 0166/20.3BEAVR ao afirmar-se que “Para os efeitos do artigo 3.º n.º 3 (atualmente, n.º 4) do Decreto-Lei 73/99 de 16 de março, a expressão “dívidas cobertas por garantias reais” deve ser interpretada, extensivamente, por forma a abranger na sua previsão legal, conferente do benefício da redução da aplicável taxa (regra) de juros de mora, não apenas as dívidas cobertas por garantias reais, stricto sensu, nominadas, mas, também, entre outras, as cobertas por penhora, com registo a favor do credor.”.

Perante a jurisprudência acima exposta com a qual concordamos, entendemos que deve ser efectuada uma interpretação extensiva do nº 4 (anterior nº 3) do art. 3º do Dl nº 73/99 de 16 de março no sentido de que a penhora está abrangida na expressão “dívidas cobertas por garantias reais”. Destarte porque o tribunal recorrido também assim o entendeu, a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo assim de aplicar in casu o disposto naquele normativo quanto à redução da taxa de juros de mora nele prevista.

Por tudo o que vem exposto conclui-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.

* *
V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 15 de Setembro de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto