Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1865/09.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:FACTURAS FALSAS;
IRC;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. Quando estão em causa liquidações de IRC que tem por fundamento a desconsideração de custos documentados por facturas reputadas de falsas pela administração tributária, compete a esta fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação.

II. Feita essa prova, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17.º nº 1 e 23.º do CIRC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO





I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade «P...................» contra os actos de liquidação adicional de IRC, dos exercícios de 2005 e 2006 e respectivos juros compensatórios, no montante global de €217.042,40.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

«A) A AT cumpriu as exigências legais impostas em matéria de fundamentação formal das suas decisões – artigo 77º, nº1 da LGT e artigos 152 e 153º do CPA, aplicáveis ex vi o art.2º do CPPT, dado ter apresentado os elementos factuais e documentais que integram o procedimento inspectivo num discurso suficiente, claro e congruente, permitindo ao seu destinatário, do ponto de vista de um “destinatário normal” colocado numa situação semelhante à sua, conhecer e avaliar das concretas razões de facto e de direito que levaram a AT a decidir como veio a decidir.

B) Igualmente, cumpriu o ónus probatório que sobre si recaía, trazendo ao procedimento inspectivo todo um acervo de sérios e suficientes indícios, no sentido de demonstrar que as operações tituladas pelas facturas postas em causa não correspondiam a reais e efectivas transacções de bens e/ou serviços.

C) Não competindo à AT demonstrar a falsidade das facturas em crise, mas apenas evidenciar os indícios bastantes da sua inverdade, de molde a fazer cessar a presunção de veracidade de que beneficia a contabilidade e as declarações do contribuinte, tudo nos termos dos artigos 74º, nº 1 e 75º, nºs 1 e 2 da LGT e do art.342º, nº 1 do Código Civil, aplicável ex vi o art. 2º do CPPT.

D) Cabendo ao contribuinte, nestas circunstâncias, o ónus da prova da realidade das operações respectivas.

E) Nesse exacto sentido e com a devida vénia, vejam-se os Acórdãos de 2003/04/30, do STA, processo 0241/03, do TCAN de 2013/03/14, processo 01393/06.1BEBRG e, ainda, do TCAN de 2013/02/28, processo 00383/08.4BEBRG.

F) O relatório inspectivo final amplamente demonstrou que as facturas postas em crise não discriminavam os alegados serviços prestados quer quanto à data da sua realização, que quanto ao local da sua realização, quer quanto à sua duração, extensão ou quantidade, recorrendo a expressões vagas, tais como “prestações de serviços de betonilhas” ou “execução de trabalhos de betonilhas” e incapazes de possibilitar qualquer exame ou controlo pela AT.

G) A contabilidade ou escrita da sociedade impugnante também não supriu qualquer das insuficiências apontadas à facturação, nem a notificação que lhe foi dirigida, em 29/09/2008, veio fornecer quaisquer elementos documentais complementares, de modo a colmatar as lacunas do descritivo das facturas.

H) A mesma ausência de elementos se verificou em relação aos meios de pagamento envolvidos, evidenciando o relatório inspectivo que as facturas questionadas foram alegadamente liquidadas em numerário e em montantes que excediam os limites impostos pelo art.63º-C da LGT, na redacção vigente à data dos factos (€7.494,00 e €7.718,00, respectivamente para 2005 e 2006).

I) Ficando por esclarecer, designadamente, o facto de os pagamentos efectuados em numerário não terem reflexo nos extractos bancários da impugnante, a discrepância detectada entre os locais, as datas da prestação/fornecimento dos serviços, os pagamentos efectuados e as saídas de meios financeiros das contas bancárias e, ainda, a identificação dos beneficiários desses pagamentos, nem o estabelecimento de uma correspondência entre os valores debitados na conta-caixa e os valores das facturas em causa.

J) A organização contabilística implementada na impugnante não permitia, de forma clara e inequívoca, demonstrar os pagamentos aos fornecedores relativos às prestações de serviços postas em causa.

K) Violando os artigos 17º, nº 3 e 123º do CIRC.

L) As facturas em causa não cumprem os formalismos legais em sede de IVA (art.36º do CIVA) e em sede do IRC (art 23º do CIRC), não podendo documentar os custos do exercício (nem conferir direito à dedução do IVA mencionado).

M)Tudo nos termos do art.23º do CIRC (e do art.19º, nº 3 do CIVA).

N) Conforme profusa prova documental produzida pela Fazenda Pública - relatório inspectivo final e seus anexos e documento único que foi junto à contestação, e, ainda, o depoimento da testemunha arrolada pela RFP que, na audiência de julgamento, depôs com objectividade e conhecimento pessoal dos factos.

O) Factualidade assim provada, mas sem reflexo no probatório e, a final, sem consideração na fundamentação da decisão final.

P) O probatório encontra-se pois deficientemente fixado, notoriamente insuficiente quanto à factualidade estabelecida a partir da prova documental e testemunhal produzida pela AT.

Q) A fundamentação substancial das correcções efectuadas reveste-se da clareza, suficiência e congruência que a lei lhe impõe e foi contemporânea à iniciativa correctiva da AT.

R) A sentença sob recurso incorre em erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental e testemunhal produzidas pela AT e fixação do probatório, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente, designadamente, do artigo 268º/3 da CRP, dos artigos 63º-C, 74º, 75º e 77º da LGT e artigos 23º, 17º e 123º do CIRC, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, anulando a decisão ora recorrida e mantendo-se as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2005 e 2006 na ordem jurídica, com o que se fará como sempre JUSTIÇA»


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A Sociedade Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, anulando as liquidações nº ................ e nº ................, relativas a IRC dos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente, emitidas na sequência das correcções efectuadas no âmbito de acção de inspecção externa desencadeada pela DFL, por alegada violação do disposto nos artigos 23º do CIRC, 38º, 58º, 74º e 75º da LGT e 6º do RCPIT;

B) As correcções efectuadas pela inspecção tributária, nas quais se baseia a decisão ora sindicada, partem do pressuposto de que algumas das facturas emitidas pela Recorrente não titulam verdadeiras prestações de serviços, configurando operações simuladas;

C) Em sede de decisão, o Douto Tribunal a quo aderiu na íntegra à argumentação expendida pela ora Recorrida, dando como provados os factos alegados e sustentados nos documentos do procedimento administrativo, concluindo que os indícios recolhidos pela Recorrente não permitem suportar objectivamente as correcções efectuadas à matéria tributável da ora Recorrida e, consequentemente, a emissão das respectivas liquidações adicionais;

D) Factualidade reforçada pelos Serviços do Ministério Público que decidiram arquivar o processo-crime contra a Recorrente por insuficiência e contradições nos elementos recolhidos pelos serviços da AT e em concreto pela DFL no decurso do procedimento de inspecção;

E) Por discordar da referida decisão, a Fazenda Pública apresentou recurso da sentença proferida alegando, em suma, que a decisão do Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental e testemunhal produzidas pela AT e fixação do probatório, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a questão controvertida;

F) Desde logo, a Recorrida não pode deixar de salientar a clamorosa falta de rigor das alegações apresentadas pela Recorrente, quanto aos argumentos que fundamentam o presente recurso, uma vez que esta entende ter feito "profusa prova" dos factos alegados, invocando para o efeito o depoimento da testemunha por si arrolada, quando, na verdade, não houve nos presentes autos produção de prova testemunhal, (cfr. Despacho proferido pelo Douto Tribunal a quo a fls. 533, de 4 de dezembro de 2012);

G) Por outro lado, a ora Recorrente não logrou cumprir o ónus a que estava adstrita nos termos do artigo 640ºCPC, não resultando claro das suas alegações quais os factos que esta entende terem sido incorrectamente julgados e, também, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

H) Feitas estas considerações prévias e conforme se evidenciou nas presentes contra-alegações, entende a Recorrida que a posição sustentada pela Recorrente nas suas doutas alegações de recurso padece de manifesto erro nos pressupostos de facto, pelo que a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando Tribunal, bem como a total improcedência do presente recurso;

I) Face ao teor da impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, da sentença do Tribunal a quo e das alegações da Fazenda Pública, a questão material controvertida é só uma: averiguar se a AT cumpriu os critérios legais e em concreto o ónus de prova para fundamentar as correcções em sede de IRC ora sindicadas;

J) Em primeiro lugar, refira-se que as alegações da Fazenda Pública se encontram em de arquivamento tomada pelos Serviços do Ministério Público competentes sobre o processo de inquérito de crime fiscal instaurado pela DFL contra a Recorrida e seus representantes legais, sobre a alegada utilização contabilística de facturação falsa;

K) Como resulta do referido despacho de arquivamento, os serviços do Ministério Público efectuaram uma análise individualizada relativamente a cada um dos prestadores de serviços contratados pela ora Recorrente nos exercícios de 2005 e 2006 e às acções inspectivas fiscais movidas contra cada um deles, tendo chegado à conclusão de que os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Leiria não lograram reunir indícios e prova suficiente para concluir no sentido da simulação das operações relevantes e consequentemente realizar correcções à matéria colectável na esfera da ora Recorrida;

L) Concretizando: os serviços do Ministério Público arquivaram o processo-crime, não por prova insuficiente ou dúvida fundada, mas sim porquanto não foram minimamente corroborados os factos alegados pela inspecção tributária, i.e. não só os alegados indícios não foram concretizados, como os mesmos foram expressamente negados pelos Serviços do Ministério Público, matéria que não poderá deixar de ser sindicada por este Venerando Tribunal;

M) Por sua vez, conforme resulta do relatório final de inspecção e da posição seguida pela Recorrente nos presentes autos, a Administração Tributária entende (i) que estamos perante negócios simulados e, como tal (ii) os respectivos custos não são dedutíveis para efeitos de IRC, conforme preceituado no artigo 23º do CIRC;

N) Sobre esta matéria refira-se, desde logo, que a questão relevante para aferir da legalidade dos actos tributários ora sindicados não reside na análise dos critérios legais previstos no artigo 23º do CIRC - como pretendeu fazer crer a DFL -, mas sim no cumprimento do ónus de prova para inverter a presunção do 75º da LGT e concluir pela existência de simulação dos negócios jurídicos, sendo, assim, evidente o erro nos pressupostos de direito e a manifesta contradição e incoerência na fundamentação das correcções;

O) Com efeito, invocam os serviços de inspecção tributária que "é o artigo 23 do CIRC que estabelece as regras específicas para a consideração dos custos como fiscalmente dedutíveis para apuramento da matéria tributável em IRC. E foi este artº23º do CIRC que não foi cumprido", para depois concluir que "o conjunto da prova recolhida permitiu a conclusão de que as facturas dos fornecedores indicados não se referem a operações efectivamente realizadas, antes se referindo a negócio simulado, quanto ao valor e natureza.";

P) Mas pode um custo inexistente ser recusado por não se mostrar indispensável?

Q) A resposta é evidente e só pode ser negativa, aqui residindo de forma clara a contradição entre os fundamentos de facto e de direito, bem como a contradição insanável na fundamentação de que padece o relatório final de inspecção que sustenta as correcções efectuadas e que motivaram a emissão dos actos tributários ora sindicados e ainda o erro nos pressupostos de facto e de direito, passíveis, inclusive, de inviabilizar o recurso ao procedimento especial anti abuso previsto no artigo 63e do CPPT;

R) Com efeito, parece relativamente pacífico concluir que um negócio simulado, inexistente, não pode ser sindicado pelos critérios da indispensabilidade previstos no artigo 23º do CIRC, o que justificou, aliás, a sua autonomização num preceito da LGT, ao contrário do que se concluiu no relatório final de inspecção;

S) Concluindo: sempre que a Administração Tributária entenda não estar verificado algum dos requisitos para a dedutibilidade de um custo, a saber, indispensabilidade ou comprovação, pode recusar a sua dedutibilidade com base no disposto no artigo 23º do CIRC. Ao invés, em caso de suspeita de simulação de operações, o legislador criou um mecanismo específico -consubstanciado na norma prevista no artigo 39º da LGT - cujos trâmites e requisitos particulares devem ser respeitados pela Administração Tributária na análise das questões fiscais suscitadas em sede de inspecção tributária, sob pena de preterição dos direitos dos contribuintes, o que não sucedeu no presente caso;

T) Assim, nos casos de operações fraudulentas ou simuladas, os deveres de fundamentação e encargos probatórios são significativamente mais intensos, pois que da prova da efectividade de tais comportamentos, os mesmos terão implicações penais, sendo evidente o maior desfasamento com os deveres de boa prática tributária a que estão obrigados todos os sujeitos passivos;

U) Tal como decorre inequivocamente da decisão recorrida, os serviços de inspecção tributária não lograram cumprir o ónus de prova que legalmente lhes cabia, nos termos do artigo 74º da LGT, de forma a demonstrar a alegada existência de operações simuladas que impediriam a dedutibilidade dos custos apurados nos anos de 2005 e 2006, o que resulta numa claríssima insuficiência probatória das conclusões apuradas no âmbito do procedimento de inspecção;

V) Importa nesta sede referir novamente que estamos perante custos suportados e evidenciados na contabilidade da ora Recorrida, facto que a Administração Tributária não contestou ao longo do procedimento de inspecção, tendo inclusivamente referido em sede do relatório final de inspecção que, "a veracidade da contabilidade não foi posta em causa".

W) E não se invoque contra o acima exposto, como pretende a ora Recorrente que a sua posição teria apoio nos Acórdãos de 2003/04/30, do STA, processo 0241/03 e do TCAN, de 2013/03/14, processo 01393/06.1BEBRG, e do TCAN, de 2013/02/28, processo 00383/08. 4BEBRG, pois os mesmos não sustentam as conclusões por si pretendidas nas alegações de recurso, dada as diferenças das situações de base dos indícios ali recolhidos pela AT em comparação com os existentes nos presentes autos;

X) A ora Recorrida não desconhece que é jurisprudência assente, pacífica e reiterada dos nossos Tribunais Superiores, que estando em causa indícios de facturação falsa, a Administração Tributária não tem que provar a falsidade das facturas (prova directa da simulação), bastando-lhe uma prova indiciária, através de indícios de falsidade consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são "falsas" (neste sentido e a titulo de exemplo, vide, Acórdão do STA, de 16.11.2016, processo nº0600/15, Acórdão do TCAS, de 05.02.2015, processo nº08097/14, Acórdão do TCAN, de 27.11.2014, processo nº00092/07.1BEPNF);

Y) No entanto, uma coisa são irregularidades detectadas na contabilidade dos contribuintes, outra coisa é a recolha de indícios sérios e consistentes da simulação de operações.

Z) Conforme amplamente demonstrado e confirmado na sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, nos presentes autos a Administração Tributária não logrou demonstrar que os indícios recolhidos eram relevantes sérios e credíveis, capazes de justificar a inversão do ónus da prova, sendo patente a diferença dos indícios existentes e meios de prova produzidos pela AT nos casos invocados pela Recorrente, nos quais o Tribunal decidiu em sentido favorável à Fazenda Pública;

AA) É assim inequívoco que a inspecção tributária estava adstrita à adopção de outras diligências de prova, o que implica uma clara violação do princípio do inquisitório conforme preceituado nos artigos 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária ("RCPIT") e 58º da LGT, especialmente considerando a fundamentação vertida em sede de decisão do processo de inquérito, onde o próprio Ministério Público considerou haver divergência entre a fundamentação aduzida por parte da DFL quando confrontada com a das Direcções de Finanças das entidades prestadoras de serviços;

BB) Concretizando: tendo por base a fundamentação por si utilizada - indícios de fraude e simulação - a Recorrente não fez a prova que legalmente a si lhe cometia!

CC) Aliás, ao contrário do alegado pela Recorrente, os alegados indícios e provas foram tidos por inexistentes no decurso do processo de investigação criminal, sendo que ao contrário do alegado pela inspecção, nenhum dos factos por si alegados foram comprovados ou tinham adesão à realidade face às diligências probatórias realizadas junto dos emitentes das facturas!

DD) Ao omitir quaisquer diligências adicionais, a Administração Tributária limitou-se a trazer para o procedimento meras incoerências e anomalias, as quais jamais, num Estado de Direito, poderão implicar a conclusão no sentido da simulação das operações, uma vez que não constituem indícios adequados e bastantes nesse sentido.

EE) Por fim, embora a Recorrente admita a existência de algumas irregularidades no registo de operações e nos meios de pagamento efectuados - em violação do disposto no artigo 63º-C da LGT -não pode deixar de referir que tais deficiências são insusceptíveis de afastar a dedutibilidade dos serviços contratados nos referidos anos, dado que o artigo 63.º-C da LGT não comina com a recusa da dedutibilidade fiscal os pagamentos que sejam efectuados sem que haja identificação formal do respectivo beneficiário, tratando-se de um mero tipo contra-ordenacional;

FF) Face a tudo o acima exposto, devem improceder os argumentos e as conclusões da Administração Tributária expostos no relatório final de inspecção e reiterados no presente recurso, no sentido da inexistência das operações em causa, uma vez que a prova reunida no presente procedimento não permite extrair tal conclusão, inexistindo indícios e provas irrefutáveis da alegada prática de operações simuladas, pelo que devem assim ser anuladas as correcções em apreço, devendo o presente recurso ser julgado improcedente e ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que a mesma não padece de qualquer vício susceptível de condicionar a validade da decisão tomada no sentido da anulação dos actos tributários objecto dos presentes autos.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu mui douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença ora recorrida no sentido da anulação das liquidações de IRC dos exercícios de 2005 e 2006 objecto dos presentes autos,
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS,
a costumada Justiça!».


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O Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central Administrativo, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II.DELIMITAÇÃO E OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se a sentença recorrida sob exame incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Administração Tributária não demonstrou os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IRC na consideração de que as operações mencionadas nas facturas em causa nos autos não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas, violando o disposto nos artigos 75.º, nº 1 da LGT e 17.º, nº 3 e 123.º ambos do CIRC.

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III.FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte materialidade fáctica:
«A) A Impugnante é uma sociedade por quotas que exercia como actividade principal “Outras Actividades Especializadas Construção Diversas, NE ” e encontrava-se inscrita com o CAE 43992, estando enquadrada em sede de IVA no regime normal com periocidade trimestral e em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – “Prints” do Sistema Informático da DGCI constantes no Processo Administrativo (PA) apenso aos Autos;
B) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºOI200800929 e OI200801318, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças (DF) de Leiria, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente aos exercícios de 2005 e 2006, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável no montante de 730.992,28€ em sede de IRC de natureza meramente aritmética - cfr. fls. 77 dos Autos;
C) Em 9/7/2009 foi emitido o Relatório Final de Inspecção constante de fls. 79 a 135 dos Autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
D) Em 20/07/2009, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação adicional nº…………. referente ao IRC de 2005 no valor de 122.593,06€ - cfr. fls. 454 dos Autos;
E) Em 3/08/2009, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação adicional nº…………… referente ao IRC de 2006 no valor de 94.366,27€ - cfr. fls. 460 dos Autos;
F) A demonstração de acerto de contas referente ao IRC de 2005 tinha como data limite de pagamento 2/09/2009 – cfr. fls. 458 dos Autos;
G) A demonstração de acerto de contas referente ao IRC de 2006 tinha como data limite de pagamento 9/09/2009 – cfr. fls. 464 dos Autos;
H) Em 5/10/2009, foi enviado à ora impugnante o ofício de citação no processo de execução fiscal nº................, para cobrança do valor de 125.405,47€, referente ao IRC de 2005 - cfr. fls. 466 dos Autos;
I) Em 5/10/2009, foi enviado à ora impugnante o ofício de citação no processo de execução fiscal n.º................, para cobrança do valor de 96.624,05€, referente ao IRC de 2006 - cfr. fls. 468 dos Autos;
J) Em 30/4/2010 os Serviços do Ministério Público de Pombal proferiram a decisão de arquivamento do inquérito nº58/09.7IDLRA, constante de fls. 482 a 500 dos Autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta o seguinte: «(…) Determina-se por isso o arquivamento do presente inquérito, nos termos do disposto no artigo 277º, nº2 do Código do Processo Penal, sem prejuízo de ser reaberto caso surjam novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados antes do decurso do prazo de prescrição, ou seja, 10 de Fevereiro de 2015, nos termos do artigo 118º, nº1 al. b) do Código Penal, conjugado com o artigo 21.º, n.º2 do RGIT(…)»;
K) A PI deu entrada no TAF de Leiria, por fax, a 23/11/2009 - cfr. fls. 1 dos autos.

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Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.


Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.»
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B. DO DIREITO

Conforme resulta dos autos os actos de liquidações impugnados resultaram de correcções meramente aritméticas promovidas em sede de inspecção externa realizada, pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria (SIT), a coberto das Ordens de Serviço nºs OI200800929 e OI200801318, respectivamente de 28.05.2008 e 5.08.2008, ambas de âmbito parcial (IRC e IVA) e para os anos de 2005 e 2006, no pressuposto de que facturas emitidas pelas firmas: «C................, Lda.», «U…………….., Lda», «S……………., Lda» e «A……………..» não titularem verdadeiras aquisições de prestações de serviços, implicando a desconsideração dos inerentes custos e a indevida dedução do correspondente IVA .

Na sentença sob recurso julgou-se procedente a impugnação deduzida contra essas liquidações, no entendimento de que os indícios recolhidos pela Administração Tributária não permitem suportar, objectivamente, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante.

A Fazenda Pública manifesta, neste recurso, o seu desacordo com o decidido, reiterando que do Relatório de Inspecção resulta amplamente demonstrou que as facturas postas em crise não discriminavam os alegados serviços prestados quer quanto à data da sua realização, que quanto ao local da sua realização, quer quanto à sua duração, extensão ou quantidade, e que as facturas questionadas foram alegadamente liquidadas em numerário e em montantes que excediam os limites impostos pelo artigo 63.º-C da LGT, na redacção vigente à data dos factos (valores de €7.494,00 e €7.718,00, respectivamente para 2005 e 2006).

Vejamos.

Num caso como este, a jurisprudência aponta que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da Administração Tributária, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (Administração Tributária) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. (Entre muitos outros vide: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.04.2003, proferido no processo n.º 0241/03, disponível no endereço www.dgsi.pt).

Todavia, não é necessário que a Administração Tributária prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 240.º do CC (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal.

E esses indícios podem colher-se não só junto da escrita e contabilidade de quem arquivou e relevou contabilisticamente os documentos em causa, como colher-se junto de elementos externos a essa contabilidade, sendo que só perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas efectivamente se realizaram, comprovando os custos contabilizados como o impõe o artigo 23.º do CIRC.

Cabe, assim, ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das operações, mediante a demonstração da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente na sua matéria tributável, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.

Daí que seja curial rejeitar como custo uma quantia titulada por facturas quando, após averiguações, a Administração Tributária conclui haver sérios indícios de que aquelas titulam operações simuladas e, consequentemente, que tais custos não são reais. É que, visando-se a tributação do lucro real, não pode consentir-se a dedução de custos fictícios, sob pena de aceitação da fraude fiscal.

Será, a esta luz que terá de analisar-se se a Administração Tribuária alegou elementos indiciários suficientemente consistentes e aptos a justificar e suportar a sua conclusão sobre a necessidade de alterar o rendimento declarado pela Impugnante a nível de custos fiscais.

A questão que aqui em causa é pois a de saber se, no caso concreto, existiram ou não indícios suficientes para que a Administração Tributária pudesse desconsiderar como custos as facturas emitidas pela «C…………., Lda», «U……., Lda», «S………., Lda» e «A………..» e contabilizadas pela Impugnante.

Vejamos, então.

Como resulta da matéria de facto provada, a Administração Tributária concluiu que as facturas em causa não correspondem a efectivas operações com base nos seguintes “factos-índice” quanto aos respectivos emitentes:

C................, Lda..

- as facturas não indicam quantidades nem denominação dos serviços prestados;

- não indica datas em que os serviços foram realizados;

- os recibos provisórios apresentados pelo sujeito passivo depois da notificação, os pagamentos efectuados a este fornecedor, terão sido efectuados em numerário, pelo que o sujeito passivo terá levantado os cheques acima mencionados junto do banco e entregue os valores ao referido fornecedor;

- um número significativo das facturas postas em causa não indicavam a data da realização do serviço, nem discriminavam ou especificavam, quer qualitativa, quer quantitativamente, as alegadas aquisições de serviços.

U................, , Lda.

- as facturas não indicam quantidades nem denominação dos serviços prestados;

- as facturas não indicam as datas em que foram realizados;

- incoerência entre os valores pagos em numerário e a conta do fornecedor (2005);

- existiam juntas das facturas, recibos com o mesmo número e data das referidas facturas;

- a emitente da factura declarou que nunca prestou serviços ao sujeito passivo.

S…………………… Unip., Lda.

- os serviços facturados no mês de Setembro de 2006 pelo sujeito passivo, não foi detectada nenhuma factura referente a serviços prestados, quer em Albufeira quer em Tavira;

- ano de 2005 como em 2006, não foram localizados cheques por transferências dos montantes dos pagamentos nos extractos bancários.

A………………………………..

- não indica quantidades nem denominação dos serviços prestados;

- não indica datas em que os serviços foram realizados;

- não foram apresentados quaisquer dos dados indicados na notificação no que se refere a este fornecedor;

À semelhança dos outros fornecedores atrás analisados, não foram detectados nos extractos bancários, quaisquer débitos de meios de pagamento a este fornecedor.

Deve acrescentar-se que, no âmbito do procedimento de inspecção foi apurado para além da falta de correspondência dos levantamentos e movimentos bancários, que três dos quatro fornecedores contactados não foram encontrados e o fornecedor «U………………., Lda» declarou que nunca prestou serviços à Impugnante.

Ora, estes “factos-índice”, são objectivos e suficientes (conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência) para permitir à Administração Tributária concluir, com elevada probabilidade, (ou até certeza) que as facturas em causa não correspondem operações reais.

Assim, contrariamente ao decidido, entendemos que a Administração Tributária logrou demonstrar, como lhe competia, os pressupostos da sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios e objectivos da irrealidade das operações facturadas.

Há, portanto, que concluir que a sentença enferma do erro de julgamento que lhe vem imputado e carece de ser revogada.

Ø Do conhecimento em substituição

O conhecimento em substituição encontra legitimação no artigo 665.º do CPC, onde se estatui que os poderes de cognição do tribunal de recurso incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, cumprindo ao tribunal de recurso, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de decisões-surpresa, resolvê-las sempre que disponha dos elementos necessários.

Nos presentes autos foi dado prévio cumprimento ao dever de assegurar o contraditório a que alude o nº 3 do artigo 665.º do CPC.

A primeira questão que se coloca é agora a de saber se a Impugnante, logrou fazer a prova da existência dos factos tributários que titulavam as facturas mencionadas.

Com efeito, concluindo-se que a Administração Tributária demonstrou os pressupostos legitimadores da sua actuação correctiva, cumprindo o ónus da prova que lhe competia na demonstração de indicadores seguros, credíveis e consistentes de que as facturas contabilizadas pela Impugnante não reflectem reais e efectivas operações económicas, importa averiguar sobre a prova da efectiva existência das operações tituladas nas facturas em causa. (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30.04.2003, 24.04.2002, 17.04.2002, 09.10.2002, 14.11.2001, proferidos respectivamente nos processo n.ºs 0241/03, 102/02, 26.635, 871/02 e 26015, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Ónus que, definitivamente, a Impugnante não cumpriu já que não logrou, pela prova produzida, afastar os indicadores ponderosos da simulação das facturas, recolhidos pela Administração Tributária.

Por outra banda, pese embora a decisão de arquivamento que recaiu sobre o do Inquérito Criminal nº 58/09.7 IDLRA dos Serviços do Ministério Público de Pombal (cfr. al.j) do probatório) realizado à Impugnante e aos quatro fornecedores por insuficiência, não podemos perder de vista que os pressupostos exigíveis pelo processo penal não coincidem com os dos presentes, pelo que, incumbia à Impugnante ter, pelo menos, provado matéria de facto, capaz conduzir à procedência da impugnação. (Neste sentido, vide: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.10.2014, proferido no processo n.º 1930/13, disponível e texto integral em www.dgsi.pt).

Quanto à alegada violação princípio do inquisitório, refere a Impugnante que a inspecção tributária estava adstrita à adopção de outras diligências de prova. E não o tendo feito, a Administração Tributária actuou ao arrepio do preceituado o artigo 6.º do RCPIT e artigo 58.º da LGT.

Mas é por demais óbvio que carece de razão.

Como temos vindo a referir em vários acórdãos em que fomos relatora sobre esta matéria: «No âmbito da actividade de inspecção tributária, o princípio do inquisitório
encontra-se especialmente previsto no artigo 53° , n.º1 da LGT, quando estabelece
que «os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade», assim como no artigo 6º do RCPIT, no qual, sob a epígrafe «Princípio da verdade material», se determina que «
O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo.».

Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material.

Este princípio é uma concretização do princípio do inquisitório previsto no artigo 58º da LGT, nos termos do qual «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.»

Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (cfr. artigo 266.º, n.º2 da CRP e artigo 55º da LGT).

É por essa razão que o artigo 50.° do CPPT obriga o órgão competente para o procedimento a utilizar «todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos»; não se podendo limitar aos elementos constantes do processo administrativo.

Conforme se sumariou no acórdão deste TCA de 06.08.2013, proferido no processo n° 06883/13: «O princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L.G.Tributária, de acordo com o qual devendo a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração.

Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo. O princípio da verdade material está consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto(Acórdão 10.11.2016, proferido no processo n.º 727/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Posto isto, cabe referir que a Administração Tributária não tem de proceder oficiosamente a diligências instrutórias não requeridas e que, presuntivamente, não tenham relevância para a decisão, aliás que no caso, a Impugnante não identifica.

De notar, ainda, que não alega nem demonstra a Impugnante que a Administração Tributária tivesse recusado qualquer diligência que lhe tivesse sido solicitada.

O que demonstram os autos, isso sim, é que a Administração Tributária levou a efeito um conjunto de diligências tendentes ao apuramento dos factos - foi solicitado a apresentação dos « (…) meios de prova da sustentabilidade das operações de prestações de serviços, nomeadamente através de contratos, folhas de presença e outros meios e ainda os meios de pagamento utilizados para pagamentos dos ditos fornecedores» - foi efectuada a «recolha exaustiva das facturas emitidas pelo sujeito passivo,)( …) para os anos de 2005 e 2006»- foram notificados os fornecedores para apresentarem documentos.». Por conseguinte, outra conclusão não se pode retirar senão a de que não foi violado o princípio da verdade material nem o princípio do inquisitório que norteiam o procedimento de inspecção.

Termos em que se impõe julgar improcedente a impugnação.

IV.CONCLUSÕES

I. Quando estão em causa liquidações de IRC que tem por fundamento a desconsideração de custos documentados por facturas reputadas de falsas pela administração tributária, compete a esta fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação.

II. Feita essa prova, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17.º nº 1 e 23.º do CIRC.

V.DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes que integram a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar improcedente a presente impugnação judicial.

Custas a cargo da Recorrida.


Lisboa, 9 de Julho de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]