Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2405/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:SISA
ENTREGA DAS CHAVES
PRESUNÇÃO DE TRADIÇÃO
OBRAS DE ADAPTAÇÃO
OBRAS DE CORRECÇÃO DE VÍCIOS
ENTREGA PRECÁRIA
DOMÍNIO E ABANDONO
Sumário:I - Excepcionados os casos em que a força probatória de certos documentos é determinada pelo legislador, as provas são apreciadas livremente pelo Tribunal, de acordo com a sua íntima e prudente convicção, formada a partir da experiência comum.

II – A entrega de chaves aos compradores, nas circunstâncias em que decorre a realização de obras de adaptação solicitadas pelos aquirentes ao construtor/vendedor a par de obras de correcção por este dos vícios reclamados, não confere aos compradores a possibilidade de exercício de domínio sobre a fracção, nem traduz o abandono da fracção pelo vendedor.

III – A presunção de tradição, nessas circunstâncias, mantendo o vendedor o poder ou domínio sobre a fracção incompatível com o abandono por este, não permite operar a presunção de tradição do bem imóvel, para efeitos de se operar a obrigação de imposto, permitido apenas retirar da entrega das chaves uma entrega precária, a título provisório, para acompanhamento das referidas obras, nada mais.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J. C. e M. C. contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado após o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de SISA, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo terminando as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I. Quer a liquidação de Sisa de 25 de Março de 2002, quer a liquidação de Sisa de 4 de Junho de 2003 foram efectuadas por exclusiva iniciativa dos interessados em conformidade com as declarações que prestaram no Serviço de Finanças de Lisboa 5.

II. É nosso entendimento que, das declarações prestadas pelos recorrentes junto dos Serviços da AT, através do seu gestor de negócios, verificou-se o elemento determinante para a liquidação de Sisa e que consistia na tradição da coisa para a esfera jurídica dos ora recorridos.

III. É nossa convicção e encontra-se provado nos autos que os recorrentes adquiriram a posse do imóvel em 2 de Abril de 2002.

IV. A ocorrência de tradição do imóvel durante o prazo de validade do conhecimento de Sisa emitido em 25 de Março de 2002 obstava à sua caducidade, tal como resultava do disposto no art. 47°, parágrafo único do CIMSISD. »


Notificados da admissão do recurso jurisdicional, os recorridos contra-alegaram e apresentaram recurso subordinado, contudo, por despacho de fls. 268, foi julgada intempestiva, a apresentação deste último.


Nas suas contra-alegações formularam aas seguintes conclusões:


«I. As alegações da Recorrente violam as normas processuais aplicáveis porquanto assentam na invocação de meras conjecturas e entendimentos (obviamente) dispares dos considerandos provados nos autos.


II. Sem prejuízo da argumentação da Fazenda Pública violar as regras Processuais que delimitam o objecto dos Recursos, pois, não identifica os (excertos) dos meios de prova em que (erradamente) se baseou o Tribunal, verifica-se que, também do ponto de vista substantivo, tal argumentação carece de qualquer fundamento.


III. Não logra a Fazenda Pública provar como alega – nem o poderia fazer porque não é verdade –“ que a entrega das chaves ocorrida em 02/04/2002, produziu a “traditio” da fracção.


IV. As alegações da Fazenda Pública são, ainda, contrariadas pela prova documental junta aos autos, e pelos factos dados como assentes pelo Tribunal “a quo” – e não contestados pela Fazenda Pública que apenas imputa à Sentença recorrida erro de Direito.


V. Face ao exposto e tendo decidido em conformidade com os factos provados, e que, consequentemente, não se mostra preenchida a norma da incidência do artigo 2.º e que o § 3 afasta do n° 2 do § 1.° do C1MMSISD, as situações em que, mesmo existindo contrato promessa de compra e venda e existindo tradição ou posse do imóvel (o que nem sequer se verifica in casu), este é afecto à residência do adquirente ao referir "... não se aplica às promessas de compra e venda de habitação para residência permanente do adquirente... pelo que nenhuma censura merece a sentença do Tribunal “a quo” , motivo pelo qual deverá manter-se


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida efectuou errada apreciação dos factos quanto à prova da data da tradição do bem imóvel e se incorreu em erro de julgamento de direito, no que se refere ao direito à restituição parcial do imposto em causa nos autos.


*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 28/9/2001 foi inscrito no registo comercial a aquisição a favor dos impugnantes da fracção autónoma inscrita na 6.3 conservatória do registo predial de Lisboa sob o n.° ..3/…29 -T, registada em nome de F. M. – S. C., S.A. (cf. fotocópia da certidão do registo predial, junta a fls. 9 do PAT RG).

2. Do registo predial consta que o registo descrito no ponto anterior foi realizado “provisório por natureza”, nos termos da "alínea g) do n.° 1 do artigo 92.° do Código do Registo Predial cf. fotocópia da certidão do registo predial, junta a fls. S do PAT RG).

3. Em 25/3/2002 compareceu no serviço de finanças de Lisboa 5 A. P., o qual invocou a qualidade de gestor de negócios dos impugnantes e declarou pretender “(...) pagar a sisa que for devida com referência à compra que, pelo preço de 399.038,32 Eur, vão fazer a F. M. – S. C., S.A. (...) da fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra 'T' que constitui o quarto andar, corpo A. tipo T4. conjuntamente com dois lugares de estacionamento, com os n.°s 3 e 4. e uma arrecadação n° 2, todos localizados na cave-2, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na R. M. S. e R. R. G.. Lote .., em Lisboa, neste concelho de LISBOA, inscrito na respectiva matriz predial urbana da Freguesia de ALTO DO PINA, sob o artigo n° ..8, com o valor patrimonial de 193.932,62 e livre de hipoteca.» (cf cópia do termo de declaração, junto a fls. 6 do PAT RG).

4. Em 25/3/2002 foi liquidada a SISA n.° 97/123/2002, no valor de EUR 39.903.83 (cf. fls. 6 do PAT RG).

5. Em 25/3/2002 a liquidação descrita no ponto anterior foi paga (cf. carimbo e vinheta aposta a fls. 6 do PAT RG).

6. Nas datas marcadas para a realização da escritura de compra e venda F. M. – S. C., S.A. não compareceu (cf. depoimento de F. O. e A. P.).

7. Em 2/4/2002 F. M. – S. C., S.A. entregou aos impugnantes as chaves do andar descrito nos pontos 1), e 3) para que estes acompanhassem as obras de acabamento (quanto à data em que as chaves foram entregues atendeu-se à data constante do documento junto a fls 47, do autos em suporte de papel; quanto ao fim visado com a entrega das chaves atendeu-se ao depoimento de F. O., M. O. e A. P.).

8. Em 4/6/2003 os impugnantes compareceram no serviço de finanças de Lisboa - 5 e declararam que pretendiam “(...) pagar a sisa que for devida com referência à compra que, pelo preço de 399.038,32 Eur vão fazer a F. M. – S. C., S.A. (...) da fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “T” que constitui o quarto andar, corpo A. tipo T4, conjuntamente com dois lugares de estacionamento, com os n°s 3 e 4. e uma arrecadação n.° 2, todos localizados na cave-2, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na R. M. S. e R. R. G., Lote ... em Lisboa, neste concelho de LISBOA inscrito na respectiva matriz predial urbana da Freguesia de ALTO DO PINA, sob o artigo n° ..8, com o valor patrimonial de 193.932.62 e livre de hipoteca.» (cf fotocópia do termo de declaração, junta a fls 13 do PAT RG)

9. Em 4/6/2003 foi liquidada a SISA n.° 152/206/2003. no valor de EUR 21.523,07 (cf. fls, 13 do PAT RG).

10. Em 4/6/2003 os impugnantes pagaram a liquidação descrita no ponto anterior (cf. carimbo e vinheta aposta a fis. 13 do PAT RG).

11. Em 4/6/2003, os impugnantes apresentaram, no serviço de finanças de Lisboa -5, o requerimento junto a fls. 2 a 5, do PAT RG, cujo teor se dá. aqui, por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«J. C. e M. R. (...) vêm, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 152° do Código do Imposto Municipal de SIS e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSSD) deduzir RECLAMAÇÃO GRACIOSA «(…)

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exa. deverá a liquidação de SISA n.° 97/123/2002, de 25 de Março de 2002, ser anulada e, consequentemente, o montante de € 39.903.33 restituído aos reclamantes.» (quanto à data e local em que o requerimento foi apresentado atendeu-se ao carimbo aposto a fls 2 do PAT RG).

12. Em 5/6/2003, os impugnantes e F. M. – S. C., S.A. assinaram o documento designado por "Compra e Venda", junto a fls. 38 a 41, do PAT RG, cujo teor se dá, aqui. por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«(…)


PRIMEIRO
M. P. (...) que outorga na qualidade de procuradora da sociedade anónima sob a firma “F. M. – S. C., S.AT

SEGUNDOS
J. C. (...) E M. C. (...)
A PRIMEIRA OUTORGANTE NA QUALIDADE QUE INTERVÉM
DECLAROU:
Que, pela presente escritura, em nome da sociedade sua representada vende aos segundos outorgantes em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de TREZENTOS E TRINTA E NOVE MIL TRINTA E OITO EUROS E TRINTA E DOIS CÊNTIMOS a fracção autónoma designada pela letra "T” que corresponde ao QUARTO ANDAR. CORPO A TIPO T4, destinado à habitação, com dois lugares de estacionamento números 3 e 4 e uma arrecadação com o número 2, todos na cave menos dois, do prédio urbano sito na R. M. S. e R. R. G., Lote .., freguesia da P. F., concelho de Lisboa, descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ……..E TRÊS, registada a favor da sociedade sua representada pela inscrição ... apresentação …, de três de Dezembro de mil novecentos e setenta e um, e afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição .., apresentação … de onze de Junho de dois mil e um. inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Alto do Pina sob o artigo ….8, com o valor patrimonial de € 193.932.62.
(...)

PELOS SEGUNDOS OUTORGANTES, FOI DITO:
Que aceitam esta venda, nos termos exarados e destinam a fracção a sua residência própria e permanente, e que pagaram parte do preço com o produto do empréstimo que solicitaram à C. G. D..
PELOS PRIMEIRA E SEGUNDOS OUTORGANTES FOI DITO:

Que não foi feito entre a sociedade representada da primeira outorgante e os segundos outorgantes qualquer contrato de promessa de compra e venda da referida fracção (...)».

13. Em 18/12/2003, o serviço de finanças de Lisboa - 5 elaborou a informação junta a fls. 20 a 25, do PAT RG, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, da qual consta o seguinte:

«(...) 3. - DO DIREITO

3.1 - Nos termos do art.° 2º do CIMSISD. § 1º, regra 2º, ficciona-se a transmissão da propriedade imobiliária, para efeito de liquidação de sisa (incidência objectiva), a promessa de compra e venda, logo que se verifique a tradição, conceito entendido como a intenção da transferência da coisa, a título de exemplo a entrega das chaves de uma habitação que tenha sido objecto de um contrato de promessa de compra e venda.

3.1 - No caso concreto foi efectuado um contrato promessa de compra e venda, "No decorrer do ano fiscal de 2001 .. conforme o reclamante refere no seu artigo 1.°. embora o não junte aos autos, e a tradição ocorreu aos 2/04/2002, tendo a sisa, ora reclamada, sido liquidada aos 25/03/2002 em data anterior à da tradição (2.04.2002). No caso subjudíce não existia a obrigatoriedade de liquidar a sisa em data anterior ao da tradição por força do plasmado no § 3 ° do art° 2 ° do CIMSISD, uma vez que a fracção autónoma se destinava a residência própria e permanente dos reclamantes;

3.2 - Liquidada a sisa e “não se realizando dentro de 1 ano o acto translativo, ficará sem efeito a liquidação, a menos que esta haja sido revalidada ou reformada, tomando em conta o valor que os bens então tiverem e cobrando- se ou anulando-se a diferença” artigo 47.°. § único do CIMSISD. E o prazo de revalidação ou reforma é de caducidade, fogo deve ser accionado em data anterior a 1 ano após ter sido liquidada a sisa, e que no caso concreto não resulta dos autos nem dos elementos arquivados neste serviço que tenha havido a solicitação da revalidação/reforma da sisa;

3.3 - Por despacho Min 20-2-961- P.° 40/3- L.° 20/103/60, ver código anotado e comentado de F, Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, edição Rei dos Livros. 3.a Edição. 1993, pag. 492, “A escritura de compra poderá ser lavrada sem a revalidação da sisa, em virtude da tradição e consequente transmissão fiscal se terem verificado antes de decorrido o prazo de um ano a que alude § único do art.º 47.° do código". E que por despacho do S.E.O. de 27-12-1961 - P.° 15/45- L.° 20/2056, do mesmo código acima aludido, pág. 493, a simples declaração dos interessados perante o notário de que a tradição se verificou é suficiente para que seja lavrada a respectiva escritura.

3.4 - É nosso entender, atento o supra exposto, que nada justificava aos reclamantes terem solicitado nova liquidação de sisa, porquanto a tradição da fracção autónoma havia ocorrido aos 2.04.2002, em prazo inferior a um ano a contar da data da liquidação de sisa, pelo que não carecia de ser revalidada, a qual se considerava válida a todo o tempo desde que os reclamantes invocassem o facto real que ocorreu (tradição) para ser celebrada a escritura. Assim, atento o supra exposto, somos de parecer que é de indeferir a pretensão dos reclamantes na restituição do montante pago no valor de € 39.903,83, pago pela sisa n.º 97/123/2002 de 25 de Março.

Conforme informado o reclamante liquidou uma nova sisa no montante de € 21,523,07, sisa n.° 152/206/2003, em que entre as duas liquidações de sisa, existe identidade de outorgantes, identidade do objecto de liquidação de sisa e matéria coletável, resulta que se está perante uma duplicação de colecta, pelo que deverá ser restituído aos reclamante o valor de €21. 523,07. (...)».

14. Em 7/1/2004, o chefe de finanças do serviço de finanças de Lisboa - 5, em substituição, exarou na informação descrita no ponto anterior, o seguinte despacho:

«Face ao informado, concordo com o parecer, indeferindo a anulação da 1.ª SISA paga e restituindo a 2.ª paga.

Assim, notifique-se, para no prazo de 10 dias exercer o direito de audição nos termos do n.° 1 do art° 60 ° da Lei Geral Tributária» (cf. fls. 20 do PAT RG).

15. O serviço de finanças de Lisboa 5 enviou aos impugnantes o ofício nº 1064, de 10/02/2004, através de carta registada com aviso de recepção, sob o n.° de registo RS…892PT., com o objectivo de lhes dar a conhecer a informação descrita no ponto 13) e o despacho descrito no ponto anterior e comunicar-lhes que dispunham do prazo de 10 (dez) dias para se pronunciarem (cf. cópia do ofício junto a fls. 29, do PAT RG e aviso de recepção, junto a fls. 30, do PAT RG).

16. Em 23/2/2004 deu entrada no serviço de finanças de Lisboa - 5 o requerimento junto a fls. 31 a 36, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«(…) 8°

Em face do supra referido, rejeita-se a ilação extraída pelos serviços no ponto 2.4 do relatório quanto ao apurar em que data a fracção... foi colocada à disposição dos Reclamantes, tendo-se apurado que fora colocada aos 02/04/2002, conforme cópia da informação e termo de recepção das chaves...”

Na verdade, deverá realçar-se que do indicado documento, apenas resulta que os reclamantes receberam, naquela data, uma chave da fracção em causa.

10.°

Que teve subjacente, unicamente, assegurar ao reclamante o acompanhamento da execução das obras de acabamentos da fracção, as quais se eternizavam.

11.º

E não a "consagração” da transmissão da fracção, o que, facilmente, se pode inferir da inutilização (riscar) do restante texto sobre as responsabilidades do declarante. (...)».

17. Em 18/3/2004 o serviço de finanças de Lisboa - 5 elaborou a informação junta a fls. 42 a 44, do PAT RG, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«(...)

8. Sobre o direito de audição diz-se o seguinte:

9. Conforme informado no projecto de decisão, os reclamantes, no art.° 1° da sua petição, afirmam que lavraram um contrato de compra e venda da fracção autónoma letra “T”, porém não o tendo junto aos autos, nem lhe fazem referência no projecto de decisão.

10. A escritura de compra e venda foi lavrada a 5 de Junho de 2003, de que se junta cópia aos autos, resultando da mesma, a fls. 3. que não foi celebrado qualquer contrato de promessa de compra e venda.

11. A aplicação da norma do § 3 do artigo 2º do CIMSISD, pressupõe a existência de um contrato promessa de compra e venda, o qual por força do artigo 410.°, n.° 2, do Código Civil deve ser reduzido a escrito.

12. Atento o supra exposto e o explanado no projecto de decisão, somos de parecer que é de manter o projecto de decisão, por o invocado no direito de audição prévia, em nossa opinião, não trazer novos factos, nomeadamente a prova da existência de contrato de promessa de compra e venda, susceptíveis de afastar o projecto de decisão.

13. Propõe-se a decisão de indeferimento nos termos do projecto de decisão e da presente informação (...)».

18. Em 19/03/2004, o chefe do serviço de finanças de Lisboa - 5, em substituição, exarou na informação descrita no ponto anterior o seguinte despacho: «Notificados que foram os reclamantes, para o exercício do direito de audição prévia, o que vieram a fazê-lo. sem que no entanto tenham trazido aos autos factos novos que me levem a alterar o despacho de fis. 20, pelo que mantenho o indeferimento.».

19. O serviço de finanças de Lisboa - 5 enviou aos impugnantes o oficio n.° 2523, de 22/03/2004, através de carta registada com aviso de recepção, sob o n.° de registo RS…840PT, com o objectivo de lhe dar a conhecer a informação descrita no ponto 17) e o despacho descrito no ponto anterior (cf. cópia do oficio junto a fls. 45, do PAT RG, e aviso de recepção, junto a fls. 46, do PAT RG).

20. Em 21/04/2004 deu entrada no serviço de finanças de Lisboa - 5 o requerimento, junto a fls 2 a 10, do PAT RH, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«(...) Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o Douto Suprimento de V. Exa., deve o presente recurso ser julgado procedente por fundado e provado e, como tal, deve o despacho de indeferimento “parcial” do Senhor Chefe do Serviço de Finanças 5. em substituição, ser revogado, por assentar em erro de facto e de direito e padecer de vício de violação da lei por falta de fundamentação e preterição de formalidade legais, e substituído por outro que considere procedente a reclamação graciosa e determina a restituição da SISA paga pelo 1.° conhecimento no valor de €39.909.83, acrescida de juros indemnizatórios e moratórios a pagar, à taxa legal, desde a data da apresentação da presente reclamação até à data da efectiva restituição. (...)» (quanto ao local e data em que o requerimento foi apresentado atendeu-se ao carimbo aposto a fls. 2 do PAR RH).

21. Em 4/5/2011, a Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, elaborou a informação junta a fls. 23 a 28, do PAT RH, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, da qua! consta o seguinte:

No sentido de obter a revogação da decisão recorrida, alega para tanto e síntese em que;

a) - a inverificação da tradição do imóvel durante o prazo de caducidade de validade do conhecimento de sisa n.° 97/123/2002, de 25/3/2002. além do mais porque «receberam naquela data, uma chave da fracção em causa, que teve subjacente, unicamente, assegurar ao reclamante o acompanhamento da execução de obras de acabamentos da fracção, as quais se eternizavam» (cf. itens 7o, 10°, 11° da pi de Recurso);

b) - não se operou a presunção legal de tradição por a tanto obstar a aplicação do § 3º do art.° 2º do CIMSISD, e porque o imóvel se destina a habitação própria e permanente (cf. itens 17.° a 19.° da pi de Recurso)

c) - se verificou a caducidade do conhecimento n.° 97/123/2002, de 25/3/2002 no valor e € 39.909,83, por falta de comparência do vendedor ao acto notarial (cf. itens 14.°. 15° da pi de Recurso).

d) - como ambas as sisas se reportam à aquisição onerosa da mesma fracção autónonoma, existe duplicação de colecta por identidade de imóvel, preço, valor patrimonial, alienante, adquirente e tributo (cf. 3 o da pi de Recurso).

e) - a omissão de pronuncia quanto aos elementos novos que suscitou no âmbito do exercício de audição prévia, conducente à anulação do acto notificado pelo ofício 2523 de 22/3/2004 (cf. itens 20 ° a 29.° da pi de Recurso).

Passando à apreciação do mérito do pedido saliente-se que constitui doutrina firmada por esta Direcção-Geral que a aplicação do § 3o do art 2.° do CIMSISD está condicionada à verificação cumulativa dos respectivos pressupostos, a saber: contrato promessa de compra e venda de «habitação para residência permanente do adquirente», acompanhada da tradição do mesmo para a esfera jurídico-patrimonial deste.

Ora., demonstram as declarações dos recorrentes na escritura pública outorgada em 5/6/2003, «Que não foi feito entre a sociedade representada da primeira outorgante e os segundos outorgantes qualquer contrato promessa de compra e venda da referida fracção».

A alegada inexistência de contrato-promessa (reduzido a escrito) não obsta à tributação da tradição do imóvel, por se estar em presença de uma transmissão subsumível na previsão normativa de incidência dos art°s 1°e 2.° do CIMSISD.

Efectivamente, «em sede de sisa, a figura da transmissão, face aos princípios que promanam dos artigos 1º, 2° 8º, 90° e 152° do Código, compreende não só a transmissão civil como a transmissão económica ou a transmissão de facto, mesmo que despida de formalidades ou ferida de nulidades não reconhecidas judicialmente; contenta-se com a situação material da simples mudança dos possuídos de bens» - cf. Fernandes, F, Pinto, Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações, Anotado e Comentado, 4a Edição. 1997, pg. 23.

Por outro lado, quer a liquidação de sisa de 25/3/2002, quer a liquidação de sisa de 4/6/2003, foram efectuadas por exclusiva iniciativa dos interessados e em conformidade com as declarações que prestaram ao serviço de finanças de Lisboa - 5.

Assim, contrariamente ao que os recorrentes alegam no item 19° da pi de Recurso, o conhecimento de sisa n.° 97/123/2002, de 25/3/2002 evidencia que o gestor de negócios dos recorrentes, Sr. A. M., declarou, a habitação como destino dado à aquisição do imóvel e não a habitação destinada a residência permanente do adquirente, como pressupõe o § 3o do art.0 2.° do CIMSISD - destinos, inequivocamente inconfundíveis.

Daí que a manifesta inverificação dos pressupostos de aplicação do § 3C do art° 2 ° do CIMSISD proceda tão só das declarações prestadas pelos recorrentes aos serviços tributários e ao notário interveniente no acto notarial, porquanto a tradição não é uma consequência ou efeito de contrato promessa de compra e venda que precedesse aquela.

Como o conhecimento de sisa n ° 97/123/2002, de 25/3/2002 não evidencia o destino a habitação permanente dos recorrentes, nem foi formalmente solicitada a sua rectificação no sentido de passar a evidenciar tal destino, improcede, também, o argumento suscitado no item 18° da pi de Recurso, isto é. não se aplica ao caso concreto o despacho no 559/2004. de 3/3/2004. Por outro lado, posse, na sua noção legal prevista no art.º 1251° do CCiv, «é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito» real que adquiriu. Também constitui entendimento doutrinal e jurisprudência! que a tradição não implica o exercido da posse, mas apenas a possibilidade de a exercer porquanto a tradição opera a sua transferência do (promitente) vendedor para o (promitente) comprador.

Ora, vem provado nos autos que. em 2/4/2002, os recorrentes declararam expressamente no termo de recepção, ou pelo menos subscreveram a declaração em como nessa data receberam do vendedor do imóvel as chaves e tomaram posse das respectivas fracções de Habitação. Estacionamento e Arrecadação, fazendo cessar a posse da sociedade vendedora.

O que tanto basta para a Administração Fiscal formar a convicção em como a ocorrência da tradição conduziu ao efectivo exercício da posse sobre o imóvel a partir dessa data.

Sendo que a ocorrência de tradição durante o prazo de validade do conhecimento e sisa n° 97/123/2002, de 25/3/2002, obsta à sua caducidade, sendo desnecessária a sua revalidação ou reforma, tal como resulta do § único do artigo 47.° do CIMSISD.

Ou seja, o conhecimento n.° 97/123/2002, de 25/3/2002 mantinha a sua plena validade para a outorga da escritura pública a qualquer momento, bastando apenas que os recorrentes invocassem no acto notarial a ocorrência da tradição do imóvel em 2/4/2002.

Consequentemente, improcede o argumento da caducidade da validade do conhecimento de sisa n.° 97/123/2002, sendo a sua validade a causa impeditiva da anulação do mesmo (cf. art ° 152°, in fine do CIMSISD). (…)

Por último, consideram os recorrentes que «a decisão recorrida è totalmente omissa quanto à contestação e comprovação pelos recorrentes de não ter ocorrido a tradição (...) pelo que não se mostrava preenchida a previsão legal sobre os factos (tradição) e consequente obrigação de pagar a SISA (1.a) (cf. itens 24° da pi de Recurso).

(...)

Em bom rigor, e à revelia do entendimento da recorrente, a decisão recorrida pronunciou-se sobre o exercício da audição prévia nos pontos 2, 8 a 12 da informação que a sustentou, nos quais refere que sem a junção do contrato promessa de compra e venda não obteria a inversão do projecto de decisão de deferimento parcial.

Termos em que proponho seja negado provimento ao recurso hierárquico, mantendo-se a decisão recorrida com todas as consequências legais. (...)».

22. Em 10/5/2010, a Subdirectora-Geral da Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, invocando agir no uso de poderes subdelegados, exarou na informação descrita no ponto anterior o seguinte despacho:

«Proceda-se à audição prévia por escrito, prazo de 10 dias.» (cf. fls. 23, do PAT RH).

23. Em 21/6/2010, a Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, elaborou a informação junta a fls.

16 a 22, do PAT RH, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, da qual consta, designadamente, o seguinte:

«(...)

2 - Mais entende, ainda, o recorrente que a recepção formal e material das chaves é inconfigurativa da posse, por inexistência de «dois atributos: "o animus e o possidendi» (cf. item 5 e 6 da pi de exercício de audição prévia).

Como já se disse no anterior parecer vem provado nos autos que, em 2/4/2002. os recorrentes declararam expressamente no termo de recepção que nessa data receberam do vendedor do imóvel as chaves e tomaram posse (expressão aposta no documento) das respectivas fracções de Habitação, Estacionamento e Arrecadação.

Basta essa declaração para a Administração Fiscal formar a convicção em como a ocorrência da tradição conduziu ao efectivo exercício da posse sobre o imóvel a partir dessa data.

3 - Contudo, os registos de aquisição e hipoteca voluntária indiciam a ocorrência de «tradição» em data anterior à recepção das chaves.

Expressa o art.° 47.° do Código de Registo Predial, que os registos de aquisição e hipoteca voluntárias antes de titulado contrato, são provisórios por natureza e só podem ser efectuados:

a) com base em declaração do proprietário ou titular do direito com a assinatura presencialmente reconhecida ou feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo;

b) ou com «base em contrato promessa de compra de alienação».

Inexistindo contrato promessa de compra e venda, conclui-se que os identificados registos foram efectuados pelo recorrente na qualidade de titular do direito, com reconhecimento das assinaturas na presença do Ajudante da 6.a Conservatória do registo Predial de Lisboa, tal como resulta da Apresentação n. 19. cuia cópia o recorrente juntou aos autos.

Ilação consequente é a de que os registos provisórios de aquisição e hipoteca voluntária (Apresentação n.° 47 e 19) de 28/9/2011 concorrem na formação da firme convicção da ocorrência da «tradição» do imóvel e, ainda, à conclusão de que esta é anterior à liquidação de sisa n.° 97/123/2002, de 25/3/2002.

3.1. - Relativamente à «tradição», afirmou-se no parecer que esta «não implica o exercício da posse, mas a possibilidade de a exercer». Conceitualmente, «tradição» consiste apenas na entrega simbólica do imóvel acompanhada de actos reveladores da aceitação, não sendo necessária a prática de actos possessórios em termos civilísticos.

Assim, à discordância do recorrente quanto à verificação da «tradição», melhor responde o Ac. de 23-7-1973, S.T.A., Ac. Dout. N.° 143, pag. 1566, «A tradição consiste, essencialmente, numa entrega, assim pressupondo a existência de duas partes: o transmitente e o aceitante, havendo entre eles a intenção ou animus de promover a transferência da coisa.

Mais acrescenta o citado Acórdão «não se torna necessário uma entrega real e efectiva, uma dação material, sendo bastantes quaisquer outros meios consensuais ou artificiais, tradicionalmente admitidos pela doutrina, de que resulte inequivocamente, o abandono da coisa peio transmitente, colocando-a na disponibilidade física do adquirente e dando-lhe assim a possibilidade de sobre ele praticar actos possessórios. E acrescenta-se que a tradição não implica o exercício da posse, mas apenas a possibilidade de a exercer» - cf. Fernandes F. Pinto, in Código do imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre Sucessões e Doações, Anotado e Comentado. 4a Edição, 1997, pág. 48.

E como já afirmamos «em sede de sisa. a figura da transmissão, face aos princípios que promanam dos artigos 1°, 2°, 8.°, 90.°. 152.° do Código, compreende não só a transmissão civil como a transmissão económica ou a transmissão de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou fenda de nulidades não reconhecidas judicialmente; contenta-se com a situação material da simples mudança dos possuídos de bens» - cf. Fernandes F. Pinto, in Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre Sucessões e Doações, Anotado e Comentado, 4.a Edição, 1997, pág. 23. Consequentemente, a alegada inexistência de contrato-promessa (reduzido a escrito) não obsta à tributação da tradição do imóvel, por se estar em presença de uma transmissão subsumível na previsão normativa de incidência dos art.°s 1.° e 2 o do CIMSISD.

3.2. - A este propósito, refira-se: ainda, não se entender como é que a recepção formai e material das chaves visava «apenas assegurar o acompanhamento das obras», uma vez que estas deveriam estar concluídas em 30/40/2000, data em que foi solicitada a emissão da respectiva licença de utilização. A conclusão das obras constitui, pois, uma imposição legal condicionante da emissão de licença requerida (cf, n.° 5 do art° 26.°, art° 27 °, ambos do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20/11, vigente àquela data ex vi Lei n.° 13/2000, de 20/7, que determinou a suspensão da vidência do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, e a repristinação daquele diploma legal).

Com efeito, na expressão legal dos referidos normativos, «a concessão da licença de utilização é precedida de vistoria á obra concluída» (sublinhado nosso).

(...)

Afigura-se, assim, contraditório que, em 30/10/2000 e no pressuposto de obra concluída, seja solicitada a emissão da licença de utilização, e em 2/4/2002 o recorrente receba as chaves «para acompanhamento de obras».

(...)

Constatando-se, assim, que o recorrente não juntou elementos novos susceptíveis de inverter o sentido da decisão (n.° 7 do art° 60.° da LGT), com fundamentos expostos no parecer n.° 1890/2010, de 4/5/2010, mantém-se a proposta de indeferimento do pedido com todas as consequências legais

(...)».

24. Em 25/6/2010, a Subdirectora-Geral, da Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, invocando agir no uso de poderes subdelegados, exarou na informação descrita no ponto anterior o seguinte despacho:

«Concordo. Indefiro o recurso hierárquico.» (cf fis. 16 do PAT RH).

25. A Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa enviou aos impugnantes o ofício n.° 063335, de 27/7/2010, através de carta registada com aviso de recepção, sob o n.° de registo RC …421 PT, com o objectivo de lhes dar a conhecer a informação descrita em 23) e o despacho descrito no ponto anterior (cf. ofício junto a fls. 31 do PAT RH, talão de aceitação dos CTT e aviso de recepção, respectivamente, juntos a fls. 29 e 30, todas do PAT RH).

26. O aviso de recepção descrito no ponto anterior foi assinado em 28/7/2010 (cf. aviso de recepção junto a fls 30, do PAT RH).

27. A administração tributária devolveu aos impugnantes EUR 21.523,07 (cf. fls. 17 e 18 do PAT RG).

28. Em 13/10/2010, os impugnantes remeteram a este tribunal, por correio electrónico, a petição inicial da presente acção (cf. fls 80, dos autos em suporte de papel).»

Mais se fez constar na sentença recorrida o seguinte: «Com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir, nada mais resultou provado.»

Quanto à motivação fez-se menção de que «A convicção do tribunal quanto à prova dos factos descritos nos pontos 1) a 5) e 8) a 28) assentou nos documentos juntos aos autos e constantes dos processo administrativos tributários apensos aos autos, indicados em cada um dos pontos dos factos provados.

Quanto aos factos descritos nos pontos 6) e 7) a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas F. O., M. O. e A. P., cujo depoimento se revelou convincente por possuírem conhecimento directo dos factos que relataram, tendo prestado depoimento de forma espontânea, sem reservas, e em sentido convergente.

F. O. e M. O. são, respectivamente, irmã e cunhado da impugnante M. C., os quais, não obstante a relação de parentesco, prestaram depoimento de forma livre, espontânea, sem reservas, e de forma convergente com o depoimento de A. P., vendedor a exercer funções para a F. M. – S. C., S.A., tendo explicado que acompanhou toda a relação das impugnantes com a referida sociedade.

Com efeito do depoimento das testemunhas F. O. e M. O. resultou que acompanharam a relação dos impugnantes com a F. M. – S. C., S.A., porque adquiriram um andar no prédio identificado no contrato descrito em 12), isto é, no mesmo prédio onde se localiza o andar adquirido pelos impugnantes, tendo explicado que os impugnantes apenas se mudaram para o apartamento no ano de 2003, ano que as testemunhas conseguiram precisar, pois mudaram-se para o seu apartamento em 2002 e os impugnantes ainda não lá se encontravam.

As referidas testemunhas declararam, ainda, que os impugnantes só conseguiram celebrar a escritura mais tarde porque a sociedade F. M. – S. C., S.A. adiava sempre a realização da mesma.

Estas declarações mostram-se congruentes com as declarações de A. P., o qual explicou que a referida sociedade não conseguiu proceder ao destrate da hipoteca, motivo peio qual adiou a realização da escritura com os impugnantes e acrescentou que as obras na fracção apenas terminaram em 2002.

Pelo motivos expostos, o tribunal considera provado o facto descrito no ponto 6).

Quanto ao facto descrito no ponto 7) o tribunal considerou o teor do documento n.° 5. junto com a petição inicial (cf. fls. 47 e 48, dos autos em suporte de papel), o qual consiste num termo de recepção de chaves do andar descrito em 12), assinado pe/o impugnante J. C., e, ainda, os depoimentos das testemunhas, os quais contribuíram para o esclarecimento do contexto em que o documento foi emitido.

Com efeito, a testemunha M. O., confrontado com o documento n.° 5, da petição inicial, declarou que, em relação ao seu andar, assinou documento idêntico, tendo explicado que o vendedor, em regra, não estava junto do andar, pelo que as chaves eram entregues com o intuído de facilitar o acesso ao andar que iriam comprar, mas que não se podiam para lá mudar.

Este entendimento é congruente com o depoimento de A. P., o qual declarou que o documento n ° 5, junto com a petição inicial, era assinado quando o cliente necessitava de ter acesso à fracção, por exemplo, para tirar medidas ou para acompanhar as obras, no sentido de apontar anomalias, mas que não podiam solicitar, por exemplo, a ligação da água ou da luz.

Esta testemunha esclareceu, ainda, que o documento n.° 5 era usado como formulário tipo, que ia sendo adaptado consoante as situações e que era prática riscar o formulário, do modo como se encontra riscado o documento n.° 5, quando apenas se facultavam as chaves, mas não se procedia à entrega da fracção, motivos pelos quais o tribunal concluiu pela prova de que as chaves foram entregues aos impugnantes apenas para que estes pudessem acompanhar o decurso das obras.»


*




Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que demonstrada através de prova documental, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:


29. Em 13/10/2003, na sequência de ordem de serviço com vista à instrução do pedido identificado no ponto 11, por técnico do serviço de finanças foi prestada a seguinte informação: «(…) segundo cópia que junta, esta aquisição já estava registada na 6ª Conservatória do Registo Predial em 28 de Setembro de 2001, com carácter provisório. Contudo as chaves do imóvel foram-lhes entregues em 2 de Abril de 2002, conforme cópia do termo de recepção que foi facultado pelo vendedor. O vendedor alega que eventualmente terá procedido a algumas alterações no imóvel, e consequentemente retardado a efectiva posse pelos vendedores. Não se justifica contudo os cerca de treze meses que medeiam entre a entrega das chaves e a realização da escritura.» - cf. documento de fls. 18 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.


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III. 2 – Apreciação do recurso


A Fazenda Pública recorre da sentença recorrida que julgou a acção procedente.

No essencial, alega que é sua convicção que se encontra provado nos autos que os recorrentes adquiriram a posse do imóvel em 2 de Abril de 2002 e assim sendo, durante o prazo de validade do conhecimento de Sisa emitido em 25 de Março de 2002, o que obstava à sua caducidade, tal como resultava do disposto no artigo 47.°, parágrafo único do CIMSISD, donde conclui que deve ser concedido provimento ao recurso revogando-se a sentença e julgando o pedido improcedente.

Sustenta a convicção de que a ocorrência de tradição do imóvel na referida data por «não ter ficado esclarecido a justificação para os sucessivos adiamentos da celebração da escritura de compra e venda da fracção» e «como é que tendo as testemunhas entregue um sinal bastante menor poderia conduzir à maior rapidez na celebração da escritura, quando o cerne da questão radicava na falta de recursos financeiros para proceder ao distrate da hipoteca.» (cf. artigos 8.º a 10º do corpo das alegações de recurso).

Presume-se que tal alegação tinha em vista a imputação à sentença de eventual erro de julgamento de facto. No entanto, como é sabido, a impugnação da decisão relativa ao julgamento da matéria de facto está sujeita ao cumprimento do ónus consagrado no artigo 640.º do CPC, sob pena de rejeição.

Assim, na impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente especificar obrigatoriamente:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) os concretos meios de prova constantes dos autos ou de registo da prova que impunham decisão diversa;

c) devendo ainda indicar a decisão que considera dever ser proferida sobre tais questões de facto.

Lidas as alegações de recurso e respectivas conclusões nada resulta que permita delas extrair o cumprimento das especificações previstas no aludido artigo 640.º, n.º 1, do CPC, pelo que, se impõe a rejeição do recurso nesta parte.


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Nos artigos 11º a 18º do corpo das alegações de recurso pretende a recorrente extrair da entrega das chaves do correio, da porta do patim, da arrecadação, entrada principal e comandos da garagem «a possibilidade da fracção em causa ser habitada» e que a justificação avançada - o acompanhamento das obras bem como para experimentar as chaves não necessitariam de um documento formal como aquele que consta dos autos.

Na sentença recorrida sustenta-se a procedência do pedido de anulação da liquidação e de restituição do excedente de SISA pago, na seguinte fundamentação:

«Com efeito, o que o legislador pretende obstar é que os sujeitos passivos de SISA não celebrem o negócio jurídico de transmissão de propriedade, contentando-se com a mera transmissão fáctica ou económica, isto é com a entrega da coisa com a intenção do destinatário passar a exercer sobre ela poderes de facto correspondentes à exploração da sua utilidade económica, como forma de obterem a anulação da SISA paga e, em consequência, a sua devolução, evitando, deste modo, a tributação.

Ora, no caso dos presentes autos, os impugnantes provaram que, embora tenham, efectivamente, obtido as chaves da fracção da sociedade F. M. – S. C., S.A. - então, proprietária do imóvel - tal actuação não teve subjacente a intenção da referida sociedade colocar a fracção na disponibilidade física dos impugnantes, isto é, os impugnantes provaram que em 2/4/2002 não obtiveram o poder de dispor da fracção, não tinham a possibilidade de usar, de fruir dela, de nela se instalar, isto é, não tinham a possibilidade de utilizar economicamente a fracção, a qual se mantinha na disponibilidade física da referida sociedade (cf. ponto 7) dos factos provados).

Assim, a administração tributária errou ao considerar que, no caso dos presentes autos, a entrega das chaves aos impugnantes, em 2/4/2002, equivalia à tradição simbólica da fracção.

Acresce que, ao contrário do que pretende a administração tributária - cf. ponto 23) dos factos provados - o registo provisório da aquisição (descrito nos pontos 1) e 2) dos factos provados) também não é idóneo para sustentar a conclusão de que ocorreu a transmissão económica da propriedade da fracção antes do decurso do prazo de um ano, a contar da liquidação e pagamento da SISA, pois «(...) esta inscrição representa uma “reserva de lugar”, uma salvaguarda de prioridade condicionada à futura realização do contrato produtor de efeitos reais. (...)» (cf. JARDIM, Mónica. O REGISTO PROVISÓRIO DE AQUISIÇÃO, disponível para consulta em http://www.fd.uc.pt/cenor).

Isto é, da mera constatação de que foi registada provisoriamente a aquisição não se deduzir que o proprietário tenha entregue o bem a outrem com o intuito deste passar a exercer ou passar a ter a possibilidade de retirar da coisa uma utilidade económica.

Do exposto, conclui-se que assiste razão aos impugnantes quando alegam que a administração tributária errou ao considerar que em 2/4/2002, com a entrega das chaves, ocorreu a tradição da fracção, motivo pelo qual deverá ser anulado o acto de indeferimento do recurso hierárquico que os impugnantes interpuseram do indeferimento da reclamação graciosa que apresentaram, nos termos do artigo 152° do CIMSSID, do acto de liquidação de SISA n.° 97/123/2002, no valor de EUR 39.903,83.

Com efeito, dos autos resultou provado que a SISA n.° 97/123/2002, no valor de EUR 39.903,83, relativa á transmissão da propriedade do 4.º andar - A, do prédio sito na R. M. S. e R. R. G., foi liquidada e paga em 23/5/2002, mas a transmissão da propriedade, para efeitos de SISA, só veio a ocorrer em 5/6/2003, isto é, decorrido mais de um ano desde a liquidação e pagamento da SISA (cf. ponto 12) dos factos provados).

Assim, de acordo com o artigo 47.° do CIMSISSD, a liquidação e pagamento da SISA n ° 97/123/2002 ficou sem efeito, devendo ser anulada e restituída nos termos do artigo 152 ° do mesmo código.

Pelos motivos expostos, deverá ser anulado o referido acto de liquidação e deverá ser restituído aos impugnantes o valor EUR 18,380,76, o qual corresponde à diferença entre a SISA a restituir e valor já devolvido [EUR 39.903,83 - EUR 21.523,07 - cf. pontos 4), 5), 9), 10) e 27) dos factos provados] (…).»

Importa ter presente que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC «[o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.»

Ou seja, excepcionando os casos em que a força probatória de certos documentos é determinada pelo legislador - situações de prova legal por força do disposto nos artigos 350.º, nº 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, as provas são apreciadas livremente pelo Tribunal, de acordo com a sua íntima e prudente convicção, formada a partir da experiência comum e da lógica, convicção essa, formada directamente a partir dos depoimentos e da credibilidade que as testemunhas suscitam na audiência.

Como lapidarmente refere Alberto dos Reis, CPC Anotado, 3ª ed. III, p.245 «O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência».

Neste sentido, v.g., o Acórdão proferido pelo TCAN no processo n.º 00303/01 – Coimbra, datado de 09/06/2016: «(…) ao consagrar o princípio da livre apreciação da prova a lei elege como princípio norteador (art. 655º do CPC correspondente ao actual art. 607º/5 do NCPC) que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova tarifada.

Isso não quer dizer, evidentemente, que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, mas antes vinculada à busca da verdade e limitada pelas regras da experiência comum e pelas restrições legais.

No entanto, tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, que terá - e deverá - encontrar fundamento na fundamentação lógica e racional, e por isso, escrutinável pelas partes e pelo tribunal «ad quem».

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. Ac. do TCAS 05555/12 de 14-11-2013 Relator: JOAQUIM CONDESSO).

Como é natural, a tarefa de apreciação da prova, vinculada ao princípio da descoberta da verdade material, configura-se de diferente graduação e intensidade entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, dado o benefício que aquela dispõe da imediação e da oralidade e por estar, este, limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos. Enquanto o tribunal «a quo» aprecia a prova em ambiente de «imediação», o tribunal «ad quem» fá-lo em contexto «mediato».

Por isso se entende que o princípio da livre apreciação da prova e o princípio da imediação de algum modo limitam o reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, pelo que a sua alteração apenas pode ocorrer em caso de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais apontarem inequivocamente em sentido diverso (Ac. do TCAN n.º 00390/05.9BEBRG de 30-10-2014 - Relator: Cristina Flora)

Erro que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; e fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa

Vejamos então o caso dos autos.

A AT sustentou a decisão de indeferimento da pretensão dos recorridos ficcionando a transmissão da propriedade com base em promessa de compra e venda, por se ter verificado a tradição da fracção fundamentando-se no artigo 2.º § 1.º, regra 2.

No entanto, não se encontrando provada a celebração de contrato promessa de compra e venda mostra-se, desde logo, afastada a aplicação da referida norma.

Se não vejamos.

O artigo 2.º encontra-se inserido no Capítulo I cuja epígrafe é «Incidência». Está assim, em causa uma norma de incidência que estabelece que «a sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis.»

O § 1.º diz-nos o que se consideram, para tal efeito, transmissões de propriedade imobiliária, estatuindo-se no 2º «As promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;»

A norma invocada na decisão impugnada não prescinde da verificação e dois requisitos:

i) A existência de uma promessa de compra e venda ou troca de bens imóveis (na formulação estabelecida no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 223/8 de 7/6);

ii) Tradição para o promitente comprador.

A tradição, por seu turno envolve um elemento constitutivo negativo consubstanciado no abandono pelo antigo detentor, sendo ainda constituído por um elemento positivo que se caracteriza por actos que exprimam a tomada de poder sobre a coisa ainda que apenas potencial (no sentido da sua disponibilidade).

No caso dos autos, o documento do qual a AT retira a prova da tradição (cf. ponto 7 da matéria de facto provada), não tem o significado que lhe foi atribuído.

Se não vejamos.

Em primeiro lugar a decisão pressupõe que foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, que não se encontra nos autos nem foi afirmado pelos recorridos (estes referem ter celebrado contrato de compra e venda e não de contrato promessa como se sustenta nas decisões impugnadas, cf. pontos 13 do probatório), daí extraindo a presunção da tradição.

Mais, é a própria AT que no âmbito da decisão do recurso hierárquico (cf. ponto 21), afirma que não foi celebrado contrato promessa de compra e venda com o intuito de obstar à aplicação do § 3.º do artigo 2.º do Código da SISA que estatuía que com ressalva do disposto no § 2º (situações em que se considera haver tradição nas promessas de venda, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo vendedor for depois outorgada a escritura de venda) não se aplica às promessas de compra e venda de habitação para residência permanente do adquirente o preceituado no n.º 2 do § 1º.

Por outro lado, a AT extrai a tradição, também da entrega das chaves.

Ora, da conjugação do facto constante do ponto 7, que não foi objecto de impugnação, e do ponto 29, resulta provado que não ocorreu a tradição da fracção.

Senão vejamos.

No âmbito da instrução da aludida reclamação, o Serviço de Finanças solicitou ao Serviço de Fiscalização local que apurasse junto da sociedade F. M., S. C., Lda, na qualidade de vendedora, em que data colocou «à disposição (entrega das chaves) a faculdade dos reclamantes (…) usufruírem o bem imóvel».

Na sequência das diligências efectuadas pelos Serviços de Fiscalização, o vendedor procedeu à entrega do documento a que se alude no ponto 7 da matéria de facto complementado pela informação que prestou àqueles serviços e que foi consignada na informação da qual se extraiu o facto aditado.

Ora, se efectivamente a tradição prescinde da posse podendo constituir na mera possibilidade de a exercer, não prescinde no elemento negativo a que supra se fez alusão e que consiste no abandono pelo antigo detentor. Na verdade, a entrega das chaves contemporânea com a realização de obras de adaptação solicitadas pelos recorridos ao construtor/vendedor a par de obras de correcção por este dos vícios reclamados que se mostram identificados na declaração a que se refere o ponto 7 da matéria de facto, tendo em vista os fins referidos e nas circunstâncias supra explicitadas não conferem sequer a possibilidade de domínio sobre a fracção. Mantendo o vendedor o poder ou domínio sobre a mesma, são incompatíveis com o abandono pelo vendedor, elemento cuja ausência não permite operar a presunção de tradição do bem imóvel, permitido apenas retirar da entrega das chaves uma entrega precária, a título provisório, para acompanhamento das referidas obras, nada mais.

Como referem F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, na obra Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações Anotado e Comentado 4ª Ed. in pág. 43 «A tradição, enquanto estiverem em causa bens imóveis, pressupõe o abandono do gozo da coisa ou do direito e ainda a prática de quaisquer actos sobre a mesma passando a ser exercido pelo novo possuidor que, por sua vez, se há-de comportar como verdadeiro proprietário e com a intenção de fazer sua a coisa ou o direito possuído.» Bastando a mera possibilidade desse exercício o que no caso dos autos, como se viu não sucedeu.

Aqui chegados, importa sublinhar, retomando os artigos 11º a 18º do corpo das alegações de recurso, que para infirmar a valoração da prova efectuada na sentença recorrida, , seria necessário, mais do que a alegação de que da entrega das chaves do correio, da porta do patim, da arrecadação, entrada principal e comandos da garagem se retira a conclusão de que existia a «a possibilidade da fracção em causa ser habitada» já que, atentas as circunstâncias concretas supra referidas, no caso não existiu essa possibilidade não se podendo extrair a presunção de que assim seja.

Na verdade, da conjugação entre os factos alegados e a prova produzida, importa sublinhar que o julgamento da matéria de facto foi efectuado de forma correcta fundamentando a razão pela qual concluiu ter sido efectuada a prova de que não ocorreu a tradição do bem imóvel na data considerada pela AT, determinante do desfecho do processo.

A lógica racional subjacente à valoração efectuada pelo Tribunal recorrido, a partir da prova testemunhal produzida, compaginada com o teor do documento a que se alude no ponto 7 da matéria de facto complementado com o facto aditado, na ausência de outros elementos de prova é aquela que também perfilhamos, pelo que, não decorrendo da apreciação da prova um resultado diferente do produzido pelo Tribunal recorrido, o recurso está votado ao insucesso.

Em conclusão, quer dos depoimentos das testemunhas inquiridas, quer do documento do qual foi extraído o referido facto, resulta a prova de que a entrega das chaves foi efectuada a título provisório, destinando-se ao acompanhamento das obras pelos impugnantes, obras essas em curso e realizadas pela sociedade vendedora relativas às alterações solicitadas, acabamentos em falta e reparação dos vícios reclamados.

Tal facto não só se mostra verosímil, como é reforçado pelo teor do referido documento na medida em que o impugnante declara aceitar um vício que ali é especificado, expressamente declarando que o fazia «para não prolongar as obras».

Por fim, o argumento da cronologia das escrituras celebradas, por si só, em nada abona em favor ou contra a tese da recorrente, não tendo por tal motivo a virtualidade de colocar em causa a valoração da prova efectuada, pelo que se impõe julgar o recurso improcedente.


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A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Ficando a Fazenda Pública vencida na acção, sobre ela impende a responsabilidade tributária da causa (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-A anexa ao mesmo).


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IV – CONCLUSÕES

I - Excepcionados os casos em que a força probatória de certos documentos é determinada pelo legislador, as provas são apreciadas livremente pelo Tribunal, de acordo com a sua íntima e prudente convicção, formada a partir da experiência comum.

II – A entrega de chaves aos compradores, nas circunstâncias em que decorre a realização de obras de adaptação solicitadas pelos aquirentes ao construtor/vendedor a par de obras de correcção por este dos vícios reclamados, não confere aos compradores a possibilidade de exercício de domínio sobre a fracção, nem traduz o abandono da fracção pelo vendedor.

III – A presunção de tradição, nessas circunstâncias, mantendo o vendedor o poder ou domínio sobre a fracção incompatível com o abandono por este, não permite operar a presunção de tradição do bem imóvel, para efeitos de se operar a obrigação de imposto, permitido apenas retirar da entrega das chaves uma entrega precária, a título provisório, para acompanhamento das referidas obras, nada mais.


V – DECISÃO

Termos em que, acordam as juízas que integram a Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.


Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 18 de Maio de 2023.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta