Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06415/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/12/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ARTº.248, DO C.P.P.T., NA NOVA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 55-A/2010, DE 31/12.
LEILÃO ELECTRÓNICO COMO MODALIDADE REGRA DE VENDA DE BENS PENHORADOS EM EXECUÇÃO FISCAL.
PORTARIA 219/2011, DE 1/6.
REGIME DE ANULAÇÃO DA VENDA EM PROCESSO TRIBUTÁRIO.
ERRO NA FORMA DO PROCESSO.
Sumário:1. O artº.248, do C.P.P.T., na nova redacção introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, prevê como modalidade regra de venda de bens penhorados em execução fiscal, o leilão electrónico. É a portaria 219/2011, de 1/6, que institui esta modalidade regra de venda de bens penhorados em execução fiscal.
2. A lei não consagra a exigência de uma especial notificação aos contribuintes das propostas por eles apresentadas no âmbito da venda em leilão electrónico, modalidade que foi implementada tendo em vista a celeridade da tramitação, como se assinala no preâmbulo da citada Portaria nº.219/2011, de 1/6.
3. O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artº.257, do C. P. P. Tributário (cfr.artº.328, do anterior C.P.Tributário), preceito que deve ser conjugado com os artºs.908 e 909, do C. P. Civil, onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
4. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.199 e 202, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.510, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.206, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.204, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
5. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.106 a 114 do presente processo, através da qual julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo reclamante/recorrente, enquanto comprador de imóvel licitado através de leilão electrónico, no âmbito do processo de execução fiscal nº.3344-2009/109771.7 e aps. que corre seus termos no 11º. Serviço de Finanças de Lisboa, visando despacho que indeferiu o pedido de anulação de venda por si formulado no espaço da mencionada execução.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.121 a 139 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O recorrente discorda com a sentença proferida a 7/11/2012;
2-O recorrente não efectuou qualquer licitação com relação à venda em causa;
3-Tal prova é difícil de se fazer, pois é a negação de um facto que lhe é imputado pela administração tributária;
4-Não existe qualquer interesse na licitação por parte do recorrente;
5-Depois de ser confrontado com a informação que teria licitado um imóvel, e após tentativa de resolução com anulação da adjudicação junto da 11ª. Repartição de Finanças de Lisboa, sem sucesso, foi obrigado a tentar resolver a situação extrajudicialmente;
6-Tentou contactar o fiel depositário para saber de que imóvel se tratava, e visitá-lo, sem sucesso até à presente data;
7-As informações de o fiel depositário não ter sido citado na venda, nem da constituição como fiel depositário foram obtidas pela sua mandatária na data da consulta do processo, dias antes de apresentar a Reclamação (Anulação da Venda inicialmente), tendo em conta que a Administração Fiscal pretende "livrar-se" de um imóvel sem o ter validamente adjudicado, sem possibilitar qualquer visita ao contribuinte e com desconformidade entre o publicitado (TO) do imóvel real (um parqueamento);
8-O reclamante teve dificuldade na apresentação de provas que permitissem colocar em causa o mecanismo eletrónico das vendas, pois tal documentação está na posse exclusiva da Administração Pública, a que o mesmo não teve acesso;
9-Por outro lado, é dever da Administração Pública conferir segurança ao mecanismo de vendas eletrónicas, não só devendo aplicar-se a legislação específica das vendas eletrónicas, mas também se aplica a legislação de comércio eletrónico que o sítio das vendas eletrónicas claramente viola em termos legais e de segurança do comércio jurídico;
10-O Ministério Público não provou assim a conformidade com a Portaria n.°216/2011, de 1 de Junho, nem a conformidade com a legislação do Comércio Eletrónico;
11-Apesar do Regime Jurídico do Comércio Eletrónico não ser aplicável a questões fiscais, trata-se aqui de uma compra e venda de um bem imóvel por meios eletrónicos;
12-O terceiro no geral que acede ao portal das vendas eletrónicas, não tem verdadeiramente uma relação de direito fiscal com a administração fiscal, verificando-se uma simples compra e venda de um bem imóvel;
13-Tendo em conta que, não existe legislação específica para proteção dos contribuintes que acedem ao portal das finanças e dos leilões eletrónicos, deverá aplicar-se o Regime Jurídico do Comércio Eletrónico, designadamente os artigos 26.°, 27.°, 28.°, 29.°, 33.° do mesmo;
14-O Tribunal “a quo” entendeu que se tratava de uma questão criminal de usurpação de identidade e de password de acesso ao sítio das vendas eletrónicas;
15-A questão da anulação do acto de adjudicação e posterior venda teria sempre de ser apreciada e decidida pelo Tribunal Fiscal;
16-O recorrente decidiu pedir ao Tribunal Fiscal que anulasse o acto, por não ter sido o autor da licitação, sendo absolutamente legítima e legal esta pretensão;
17-O Tribunal “a quo” absteve-se simplesmente de decidir e remeteu para a questão criminal;
18-Ora, o recorrente entende que é extremamente importante que o Tribunal “ad quem” se pronuncie sobre a validade desta licitação, da compra, seus requisitos legais, da não possibilidade de visita do imóvel, da desconformidade das características do objecto publicitado e do imóvel real objecto da venda, da segurança (falta dela) constante no sítio das vendas eletrónicas que afectam cada vez mais contribuintes, tendo aumentando as queixas substancialmente;
19-Teria de ter sido apreciado também a legalidade e se estavam preenchidos os requisitos da venda eletrónica e se o anúncio estava conforme à realidade do imóvel, e ainda a não possibilidade de visita ao mesmo até à presente data;
20-Não tendo o tribunal apreciado as questões submetidas pelo reclamante, aqui recorrente constitui uma omissão de pronúncia;
21-O recorrente não foi notificado dos documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública para exercer o direito ao princípio do contraditório, violando um dos mais básicos direitos de defesa, nomeadamente do documento a folhas 54 e 158, 129, 158, 159, 182, 100 dos autos;
22-A folha 100 dos autos que o recorrente não teve acesso para se pronunciar, não prova que este efectuou uma licitação para compra de um imóvel, mas sim que um indivíduo com o utilizador e a senha do recorrente acedeu ao sítio das vendas eletrónicas e efectuou uma licitação;
23-Ora, o recorrente informou a 11ª. Repartição de Finanças Lisboa, que não teria sido o próprio a efectuar a licitação, devendo afastar-se a presunção de que foi o titular do acesso ao sítio das vendas eletrónicas a efectuar a licitação;
24-Deveria ter constado ainda nos factos provados que a Repartição de Finanças Lisboa 11 publicou um anúncio onde consta "TO" e não lugar de estacionamento;
25-O Tribunal “a quo” não teve em consideração os documentos juntos pelo reclamante para a matéria provada, constituindo uma omissão de pronúncia;
26-O problema nesta licitação verificou-se na autenticação;
27-Ora, existindo a presunção que contribuinte é o utilizador, e o contribuinte afasta a presunção dizendo que não foi o próprio a ter feito a licitação e que existiu uma acesso abusivo por parte de outrem, deverá ser anulada a licitação pelo menos por vício de erro na vontade;
28-Têm de se aplicar outras disposições legais para além da Portaria 219/2011, de 1 de Junho;
29-Existindo acessos ilegítimos ao portal das finanças e/ou ao sítio das vendas eletrónicas, terá de se investigar quem foi o seu autor, podendo ser obtida essa informação através de localização de IPs, por exemplo;
30-Não basta o Tribunal “a quo” dar como provado que alguém acedeu com o utilizador e a senha do recorrente;
31-A Administração Fiscal tem os meios e a documentação necessária para provar qual foi o IP que acedeu aquele portal naquela hora, dia e saber onde se localiza;
32-O recorrente não tem acesso às bases de dados da Administração Fiscal para fazer essa prova;
33-Não basta o Tribunal “a quo” dizer que as propostas uma vez submetidas não podem ser retiradas, salvo disposição legal em contrário;
34-A Administração Fiscal tem dever de assegurar transparência, segurança nestas transações de venda de imóveis eletrónicas;
35-O recorrente discorda ainda do Tribunal “a quo” quando diz que não há disposição legal que imponha à Administração tributária a obrigação de notificar os contribuintes das propostas por eles apresentadas, dado que tal informação se encontra disponível no portal das finanças;
36-O dever de notificação é um princípio geral da administração pública, e da administração fiscal;
37-Sendo que a lei especial não afasta a aplicação dos princípios basilares do direito administrativo e fiscal, não sendo sequer afastada pela lei especial da venda em leilão eletrónico;
38-A celeridade de tramitação não pode colocar em causa os direitos dos cidadãos, o direito da informação e da segurança do comércio eletrónico;
39-O Tribunal “a quo” deveria ter tido em consideração ainda que o recorrente não tem qualquer interesse em comprar uma garagem em Albufeira, nunca visitou a urbanização Cerro da Lagoa, nem sequer imagina onde se possa localizar;
40-O recorrente não tem interesse na compra de uma garagem colectiva, nem nunca efectuou qualquer negócio comercial, industrial, agrícola ou outro do género, como consta no seu cadastro, não sendo um investidor, exercendo a actividade de contabilista há vários anos;
41-É uma pessoa idónea com formação superior;
42-O recorrente não fez nenhuma licitação, mesmo por experimentação, ou verificou como funciona o site;
43-O recorrente não efectuou qualquer proposta, logo esta situação terá de ser enquadrada em erro na Administração Fiscal na adjudicação do bem ou usurpação da senha de acesso ao Portal das Finanças do recorrente;
44-O recorrente pretende assim acautelar o seu património pessoal, repor a verdade, justiça, e evitar a lesão dos seus direitos enquanto como cidadão e contribuinte;
45-O recorrente levanta ainda questões de segurança do Portal das Finanças, nomeadamente nos leilões eletrónicos;
46-A licitação é efectuada com a digitalização de valores, não existem teclados eletrónicos, como se impõe numa situação destas; Basta um dígito a mais, e fica tudo perdido para o contribuinte o que parece um abuso da sua boa-fé;
47-Em quaisquer sistemas que envolvam dinheiro, ou venda de imóveis impõe-se vários níveis de segurança, conforme estipulado nas leis de auditoria e segurança informática;
48-Basta digitar, licitar e está a operação concluída; não existem valores encriptados, como se impõe;
49-Não é emitido um documento que informe ou confirme a licitação e confirme com os dados validados;
50-Não existe antes da licitação uma confirmação dos valores e condições de proposta;
51-A senha de acesso ao site dos leilões eletrónicos, é a mesma do acesso às declarações eletrónicas;
52-Não são contempladas as situações dos TOC, que têm compromissos profissionais e por vezes as senhas são partilhadas pontualmente, sendo que no seu local de trabalho no Hospital de Beja, têm várias pessoas acesso ao seu computador;
53-Não foi informado ou notificado, de que efectuou uma licitação eletrónica;
54-Trata-se de um acto administrativo, e de uma pretensão devidamente formulada, com interesses legalmente protegidos, afectando a sua condição patrimonial;
55-Segundo o CPPT e CPA, que as notificações só podem ser efectuadas pelos meios que aí preconizam;
56-Nos termos do artº.38, nº.1, do CPPT, os actos que afectem a situação tributária terão que ser obrigatoriamente notificados por carta registada, devendo a licitação que afectou a situação tributária do recorrente, ser notificada por carta registada após a entrega da proposta, devendo a mesma ser confirmada e ser aferida a sua origem e legitimidade antes de ser adjudicada;
57-O recorrente não foi notificado da entrega da proposta de licitação em seu nome, para se poder opor ou desistir, por escrito;
58-Não recebeu ainda qualquer fax, e-mail ou sms da Repartição de Finanças a comunicar que tinha sido feita uma proposta no leilão eletrónico em seu nome;
59-O recorrente considera que o acto é ineficaz e não produz efeitos jurídicos por não ter sido notificado e por não ter sido realizado por si;
60-O recorrente não teve acesso a qualquer informação via eletrónica de que decorre uma licitação (não realizada por si), não tendo consultado sequer o programa;
61-Portanto, todo o processo foi efectuado, e conduzido à sua revelia e sem o seu conhecimento;
62-O recorrente apenas teve conhecimento da proposta efectuada em seu nome e da adjudicação após ter sido notificado pelo ofício 7111, de 30/11/2011, para efectuar um pagamento de 14.576,74 Euros;
63-No entender do recorrente, não existe qualquer nexo causal entre a existência de uma senha de acesso a um site, e os actos do possuidor da mesma, isto é, no caso de um contribuinte ter uma password utilizada por terceiro sem o seu consentimento, não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade pelo uso abusivo da mesma por terceiros;
64-O recorrente não teve qualquer intenção de comprar o que quer que fosse num site eletrónico;
65-Devendo a adjudicação e a respectiva venda ser anulada;
66-O recorrente entende ainda que o processo de venda sofre de vários vícios de forma e materiais;
67-O recorrente sente-se assim lesado na sua situação financeira, dignidade profissional e vida familiar;
68-O requerente apresentou reclamação da adjudicação do imóvel em causa por e-mail em 14/12/2011 e depois por carta registada com aviso de receção em 16/12/2011, para a Chefe de Finanças de Lisboa 11 requerendo a anulação da venda;
69-O recorrente alega ainda que não tem dinheiro para pagar o montante da venda em causa, vivendo do ordenado, insuficiente para as despesas diárias, não tendo mais rendimentos, e o pagamento de 14.576,74 € arruinaria a sua vida familiar, a sua situação financeira e solvabilidade por vários anos;
70-Tendo como agravante que não foi o próprio que efectuou a proposta de compra do imóvel em causa;
71-Do anúncio consta ainda a expressão "TO, venda n.°3344.2011.194, 6/24 avos da fração H destinado a estacionamento", visto apenas na data da adjudicação, não constando o telemóvel ou outro contacto do fiel depositário, que foi inserido na internet posteriormente (após a reclamação do recorrente);
72-Não existe vontade de adquirir qualquer imóvel ou de emitir declaração nesse sentido;
73-Existe falta de notificação ou confirmação da proposta por escrito dirigida ao recorrente;
74-Ao recorrente não lhe é facultada a possibilidade de ver o imóvel após ter tido conhecimento com a notificação da adjudicação, não tendo podido confirmar áreas ou a conformidade do imóvel com o publicitado para se poder defender em sede de anulação da adjudicação do imóvel ilícita;
75-O anúncio está inserido na secção e consta a designação de TO e não de estacionamento;
76-Deste modo, para além de existir inexistência de declaração pelo recorrente, (pelo menos vício ou erro na declaração), também existe erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, para além de nunca ter tido a possibilidade de o visitar após conhecimento da licitação que foi na data da notificação da adjudicação;
77-Do exposto, o recorrente requer a anulação da adjudicação da venda do imóvel em causa e do procedimento de venda respectivo;
78-Mais requer que o processo de venda judicial se suspenda, e que não sejam executados os bens do requerente devido ao não pagamento do preço até trânsito em julgado da sentença que virá a ser proferida;
79-Aplica-se os artigos 874.°, 875.°, 246.°, 251.°, 247.°, 252.°, 287.°, 289.°, 573.°, 268.°, do Código Civil, 898.°, 900.°, 908.°, 909.°, 201.°, do Código Processo Civil, artigos 257.°. 36.°, 38.°, do Código Procedimento e Processo Tributário, e Jurisprudência: Acórdão STA, Processo n.°0316/10, 07/07/2010, 2.a Secção, Relator António Calhau.
80-Do exposto, a sentença do Tribunal “a quo” deve ser alterada no sentido de dar como procedente por provada a reclamação do recorrente e ser anulada ou dada sem efeito a licitação, adjudicação e posterior venda do imóvel em causa, absolvendo-o ainda nos respetivos juros;
81-Deve ainda ser alterada a sentença no sentido de absolver das custas a que o reclamante foi condenado;
82-Nestes termos e nos mais de direito, que V.Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser procedente por provado, ser alterada a decisão do Tribunal a quo no sentido de ser anulada ou dada sem efeito a licitação, adjudicação e posterior venda do imóvel em causa, por leilão eletrónico n° 3344.2011.194 e adjudicação do imóvel designado por um lugar de estacionamento coberto 6/24 da fracção H com área bruta de 494 m2, com artigo matricial 19204, descrição predial n.° 3385, freguesia e concelho de Albufeira, absolvendo-o ainda nos respetivos juros, bem como no sentido de absolver das custas a que o reclamante foi condenado.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.200 e 201 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida, com a consequente improcedência da reclamação deduzida.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.108 a 111 dos autos):
1-No âmbito do processo executivo fiscal nº.3344-2009/109771.7 em que é executada “A...- Sociedade de Construções e Turismo, Lda.”, foi efectuada penhora do seguinte bem, assim descrito no auto de adjudicação: «6/24 da fracção “H”, destinado a estacionamento coberto com a área bruta privativa de 494,00m2, inscrita na matriz predial sob o artigo nº19.204 da freguesia de Albufeira e concelho de Albufeira, sito na Urb. Cerro da Lagoa, Lote 24, 8200-184 Albufeira, registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº.3385/19880414-H (cfr.comunicação de penhora à sociedade executada, a fls.54 e auto de adjudicação a fls.158, ambas do apenso de execução);
2-Por despacho de 17/08/2011, foi ordenada a venda do imóvel penhorado por meio de leilão electrónico, “nos termos do artº.248, e seguintes do CPPT e da Portaria nº.219/2011, de 1 de Junho” (cfr.documento junto a fls.129 do apenso de execução);
3-Foi aceite a proposta de compra formulada em leilão electrónico, em nome do reclamante (cfr.auto de adjudicação junto a fls.158 do apenso de execução);
4-Em seguimento, foi o reclamante notificado para efectuar o depósito da totalidade do preço, no valor de € 14.576,74 (cfr.ofício junto a fls.159 do apenso de execução);
5-Em 19/12/2011, o reclamante solicitou, na execução, a anulação da venda alegando, entre o mais, não ter efectuado qualquer licitação no leilão electrónico em causa (cfr. documento junto a fls.164 e seg. do apenso de execução);
6-Em resposta foi lavrada a informação que consta de fls.182 do apenso, nos termos da qual e entre o mais que ali se refere, “Em 19/10/2011, neste serviço de finanças, pelas 10h30 foi aberta a sessão da venda judicial por meio de leilão electrónico n°3344.2011.194, tendo a proposta de maior valor sido licitada via internet, com recurso à senha de acesso pessoal, pelo proponente acima identificado (A..., NIF ...), no valor de € 14.576,74..., conforme auto de adjudicação a fls.158”;
7-Sobre a referida informação recaiu o despacho de 28/12/2011, que se transcreve na parte relevante: “Em face da informação que antecede, e após consulta dos autos, vem o proponente A... solicitar após abertura do leilão electrónico que fique sem efeito a proposta efectuada através do uso da sua senha de acesso à internet, alegando que alguém usou a mesma e licitou o imóvel descrito nos autos. Ora, cumpridos pelo serviço, todos os formalismos legais inerentes à venda através de leilão electrónico, e sendo o uso da senha pessoal de acesso à internet da responsabilidade do seu utilizador, se a pretensão do requerente é a anulação da venda, a mesma deverá ser requerida ao Tribunal Tributário de acordo com o art°257°, do CPPT e o art°49°, do ETAF...”;
8-O reclamante foi notificado do despacho referido no ponto anterior por ofício com registo postal de 13/01/2012 (cfr.documentos juntos a fls.183 e 184 do apenso de execução);
9-Requereu a anulação da venda naquela mesma data de 13/01/2012 (cfr.documento junto a fls.186 do apenso de execução);
10-Consta a fls.100 dos autos, “print” automático extraído do SIGVEC - Sistema de Gestão de Vendas Coercivas, comprovativo da recepção da única proposta formulada no leilão electrónico nº.3344.2011.194, apresentada por “A...”, “NIF ...” (cfr.documento junto a fls.100 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso de execução, com destaque para a assinalada…”.
X
Levando em consideração que a factualidade em análise nos presentes autos se baseia em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-Na p.i. que originou os presentes autos, articulado junto a fls.3 e seg., o recorrente estrutura os seguintes pedidos a final:
a) Deve ser decretada a anulação da venda judicial por leilão electrónico nº.3344.2011.194 e adjudicação do imóvel designado por um lugar de estacionamento coberto 6/24 da fracção H, com área bruta de 494 m2, com o artigo matricial 19204, descrição predial nº.3385, freguesia e concelho de Albufeira;
b) Mais se requer que o processo de venda judicial se suspenda e que não sejam executados os bens do requerente devido ao não pagamento do preço até ao trânsito em julgado da sentença que virá a ser proferida;
12-A notificação a que se refere o nº.4 do probatório foi realizada através de carta registada em 1/12/2011 (cfr.documentos juntos a fls.159 e 160 do apenso de execução);
13-Em 14/12/2011, através de e-mail, o recorrente remeteu ao 11º. Serviço de Finanças de Lisboa requerimento no qual, além do mais, alega que não efectuou qualquer licitação no âmbito da venda que lhe foi adjudicada e termina solicitando a anulação do processo (cfr.documentos juntos a fls.161 e 162 do apenso de execução).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos identificados em cada número do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em resumo, julgar improcedente a reclamação deduzida, devido ao decaimento de todos os seus fundamentos.
X
Antes de mais, refere-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 685-A, do C.P.Civil; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O recorrente discorda do decidido sustentando, além do mais, que é extremamente importante que o Tribunal “ad quem” se pronuncie sobre a validade desta licitação, da compra, seus requisitos legais, da não possibilidade de visita do imóvel, da desconformidade das características do objecto publicitado e do imóvel real objecto da venda, da segurança (falta dela) constante no sítio das vendas eletrónicas que afectam cada vez mais contribuintes, tendo aumentando as queixas substancialmente. Que teria o Tribunal “a quo” de ter apreciado também a legalidade e se estavam preenchidos os requisitos da venda eletrónica e se o anúncio estava conforme à realidade do imóvel, e ainda a não possibilidade de visita ao mesmo até à presente data.
O procedimento de venda (leilão) electrónica tem consagração na portaria 219/2011, de 1/6 (diploma que institui esta modalidade regra de venda de bens penhorados em execução fiscal, ao abrigo do artº.248, do C.P.P.T., na versão introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31/12).
O artº.248, nº.1, do C.P.P.T., na nova redacção introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31/12, prevê como modalidade regra de venda de bens penhorados em execução fiscal, o leilão electrónico. Mais refere o nº.6, do mesmo preceito, que os procedimentos e especificações da realização da venda por leilão electrónico são definidos por portaria do Ministro das Finanças.
Dando cumprimento ao previsto naquele nº.6, foi publicada a Portaria nº.219/2011, de 1/6, em cujo artº.2, se estatui que o “leilão electrónico” representa a modalidade de venda que utiliza meios informáticos para a licitação, através da Internet, na venda de bens em processo de execução fiscal, modalidade de venda esta que foi implementada tendo em vista a celeridade da tramitação, como se assinala no preâmbulo da citada Portaria nº.219/2011, de 1/6 (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.116 e seg.).
Nas conclusões expostas supra, o recorrente clama pelo exame da legalidade da venda através de leilão electrónico identificada nos nºs.2 a 4 do probatório, matéria que é confirmada pelos pedidos por si formulados no final do articulado inicial que originou o presente processo (cfr.nº.11 do probatório).
O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artº.257, do C. P. P. Tributário (cfr.artº.328, do anterior C.P.Tributário), preceito que deve ser conjugado com os artºs.908 e 909, do C. P. Civil, onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
Haverá, portanto, que analisar da propriedade do meio processual empregue pela reclamante/recorrente e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, atento o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.137, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão.
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.199 e 202, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.510, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.206, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.204, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr.José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.).
Voltando ao caso dos autos, atentos os pedidos formulados pelo recorrente no final da p.i. que originou o presente processo (cfr.nº.11 do probatório), a forma processual legalmente prevista consiste na anulação de venda (Outros incidentes da execução fiscal), consagrada no artº.97, nº.1, al.o), do C.P.P.Tributário.
Mais se dirá que se deve aproveitar a p.i. apresentada pelo recorrente mandando seguir a forma de processo de anulação de venda, ao abrigo do mencionado princípio da economia processual, ordenando-se a convolação na aludida forma de processo. Assim é, porquanto se revelam compatíveis os pedidos formulados e, por outro lado, é tempestiva a petição apresentada (cfr.nºs.12 e 13 do probatório; artº.257, do C.P.P. Tributário).
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, deve conceder-se provimento ao recurso deduzido, embora com a presente fundamentação, devido à procedência da nulidade processual de erro na forma do processo e consequente convolação para a forma processual correcta, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, DEVIDO A ERRO NA FORMA DO PROCESSO, EM VIRTUDE DO QUE SE ANULA TODO O PROCESSADO POSTERIOR À P.I. E SE ORDENA A CONVOLAÇÃO DOS PRESENTES AUTOS PARA A FORMA DE PROCESSO DE OUTROS INCIDENTES DA EXECUÇÃO FISCAL - ANULAÇÃO DE VENDA.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 12 de Março de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)
(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)