Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1548/10.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS,
MAIS-VALIAS,
PARTILHAS
Sumário:A data da aquisição de imóvel para efeitos da aplicação do regime transitório de tributação das mais-valias em sede de IRS previsto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30/11 é aquela em que é adquirida a propriedade do bem pelos cônjuges, e não a data da partilha dos bens comuns na sequência de dissolução do casamento por divórcio.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 2.ª SUBSECÇÃO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

C... veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2008, constantes da demonstração de liquidação de IRS 2010 500488... e da demonstração da liquidação de juros 2010 0000154....

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as conclusões seguintes:

«A) A sentença recorrida viola o disposto no n° 1 do artigo 5º do Decreto-Lei n° 442-A/89, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, e no artigo 10° n° 1 al.a) do CIRS e 2º do CIRS, porquanto sujeita a IRS, categoria G, as mais-valias obtidas pela revenda de imóvel adquirido antes de 1-1-1989, data de entrada em vigor do CIRS.
B) Tal erro de julgamento na aplicação do Direito, decorre de erro de julgamento quanto a matéria de facto referente ao momento da aquisição do imóvel por construção.
C) Em sede de saneamento e seleção de matéria de facto, o Tribunal recorrido não cuidou de quesitar e depois apurar qual o momento em que se verificaram as alterações na composição do imóvel patentes na comparação entre a escritura de aquisição, datada de 1983, e a escritura de constituição de propriedade horizontal, datada de 1997.
D) Por facilidade ou precipitação, e sem sequer o afirmar claramente, o Tribunal recorrido assume, ou dá por adquirido, que tais alterações são contemporâneas da escritura de constituição de propriedade horizontal.
E) Ora, conforme resulta inequivocamente dos documentos juntos como Doc. 1 a 4, ora juntos, o imóvel adquirido em 1983 foi objeto de obras de demolição e reconstrução do qual resultou um novo edifício, composto de R/C, 1º. 2º e 3º andares, cuja matriz foi atualizada em 1986 e cuja descrição na CRP das Caldas da Rainha data de 21 de Janeiro de 1987;
F) Ou seja, muito antes da entrada em vigor do CIRS.
G) E este mesmo edifício, cuja existência urbanística, matricial e predial data dos anos de 1986/1987, que é objeto da constituição da propriedade horizontal, outorgada dez anos depois, em 7 de Janeiro de 1997.
H) Inexiste pois qualquer identificação entre a alteração substancial do direito de propriedade e a constituição da propriedade horizontal, já que aquele resulta de uma operação urbanística e da consequente atualização matricial e predial, já consolidadas quando se realiza esta.
I) Os factos provados A. e C não autorizam que o Tribunal recorrido tivesse concluído que a alteração da composição do imóvel se reportasse a 7 de Janeiro de 1997, pelo que incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto e em consequente erro na aplicação do Direito. 
J) De modo a poder o Tribunal recorrido responder adequadamente à questão colocada pelas partes, a saber, se a partilha de bens constitui uma aquisição relevante para efeitos de determinação de mais-valias, e em face do que resulta da sentença, toma-se necessário modificai- a decisão de facto, ampliando-a.
K) Pelo exposto, nos termos do artigo 662° n° 2 al. c) C.P.C., aplicável ex vi 281° CPPT, importa anular a decisão proferida na Ia instância, e ampliar a matéria de facto, de modo a incluir a matéria referente à data da alteração substancial do conteúdo do direito de propriedade do imóvel adquirido em 1983 e invocado pela Meritíssima Juiz na sua douta sentença.
PELO EXPOSTO,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser revogada a decisão de Ia instância e determinada a ampliação da matéria de facto, com a baixa do processo ao tribunal de Ia instância.
Assim se fará a costumada Justiça.»

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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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A Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ erro de julgamento de facto, aferindo se os factos dados como provados nas alíneas A) e C) não permitem concluir que a alteração da composição do imóvel se reportasse a 7/01/1997;
_ erro de julgamento de direito, aferindo se a sentença recorrida viola o disposto no n.º 1, do art. 5.º do DL n.º 442-A/89, de 30 de novembro, que aprovou o CIRS, e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS e 2.º do CIRS, porquanto sujeita a IRS, categoria G, as mais-valias obtidas pela revenda de imóvel adquirido antes de 1-1-1989, data da entrada em vigor do CIRS.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


«A. Em 03.05.1983, o Impugnante, C..., casado no regime de comunhão de adquiridos com L..., adquiriu a propriedade plena do prédio “Urbano, composto de uma morada de casas de rez do chão, situado no B..., número catorze, freguesia e concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número ..., do livro B-sessenta e dois, e inscrito na matriz sob o artigo ..., com valor matricial de quarenta e oito mil escudos’ — cfr. cópia da escritura de compra e venda junta a fls. 72 a 75 dos autos, que se dão por reproduzidas;
B. Por sentença de 06.07.1996, transitada em julgado em 16.09.1996, foi dissolvido, por divórcio, o casamento do Impugnante - cfr. assento de casamento n.° 675, junto a fls. 71 dos autos, que se dá por reproduzido;
C. Em 07.01.1997, o Impugnante e L... acordaram a constituição de propriedade horizontal e subsequente partilha do prédio urbano identificado em A., composto de edifício de rés-do-chão, primeiro andar, segundo e terceiro andares, duplex e sótão, inscrito na matriz sob o artigo 6... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° .../Caldas da Rainha, que constituíram em 3 fracções autónomas que constituem unidades independentes e isoladas entre si, com saídas próprias para a via pública ou para a parte comum do prédio - cópia da escritura de constituição de propriedade horizontal e partilha, junta a fls. 15 a 20 do PAT, que se dá por reproduzida;
D. Na partilha realizada foram adjudicadas ao Impugnante as fracções A e B do prédio identificado na alínea antecedente, com a permilagem de 200 por mil e trezentos por mil e o valor atribuído 1.928.980$00 e 2.893.363$20, respectivamente - cópia da escritura de constituição de propriedade horizontal e partilha, junta a fls. 15 a 20 do PAT, que se dá por reproduzida;
E. Em 17.07.2008, o Impugnante procedeu à venda das fracções A e B do referido prédio, pelo preço de € 482.750,00 e 117.250,00, respectivamente - cfr. relatório de inspecção tributária (adiante, RIT), a fls. 1 a 12 do PAT, que se dá por integralmente reproduzido;
F. O Impugnante não entregou, no prazo legal, declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2008 - cfr. RIT;
G. Através do ofício n.° 4006, de 11.05.2010, o Impugnante foi notificado para proceder à entrega da declaração de IRS do ano de 2008 em falta - cfr. fls. 13 do PAT;
H. Em 01.06.2010, o Impugnante submeteu declaração de rendimentos, declarando os rendimentos auferidos na categoria A (trabalho dependente), bem como a mais-valia referente ao artigo matricial urbano 9...-C, sito na freguesia de Nossa Senhora do Pópulo, concelho de Caldas da Rainha, regularizando a sua situação tributária no montante de € 38.144,36 - cfr. RIT;
I. A coberto da ordem de serviço n.° OI201000626 de 15.03.2010, o Impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização de âmbito parcial, em sede de IRS, relativa ao exercício de 2008 - cfr. RIT;
J. Em resultado da acção inspectiva referida na alínea antecedente, a Divisão de Inspecção Tributária da DF de Leiria propôs correcções aritméticas à matéria tributável declarada pelo Impugnante, em sede de IRS, do exercício de 2008, no valor de € 133.844,23 - cfr. RIT;
K. Notificado do teor do projecto de relatório, o Impugnante exerceu o seu direito de audição, defendendo, no essencial, que não infringiu o disposto nos arts. 10.°, 43.° e 57° do IRS porquanto, na escritura de partilhas, não houve uma aquisição, mas antes uma adjudicação de metade do património comum do casal a cada um dos cônjuges - cfr. fls. 23 a 27 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas;
L. Através do ofício n.° 6155, de 19.07.2010, o Impugnante foi notificado do teor do relatório final de inspecção tributária que manteve as propostas de correcção referidas em I. supra, do qual consta, na parte relevante, o seguinte:
«Imagem no original»

- cfr. RIT;
M. Em 16.08.2010, foi emitida a demonstração de compensação n.° 2010 6251270, no valor de € 57.546,06, com data limite de pagamento voluntário a 22.09.2010 - cfr. print juntos ao PAT; facto não controvertido.

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FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.»
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A Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou improcedente a impugnação judicial, entendendo, em síntese, que “(…) Dúvidas não há que a composição do prédio adquirido pelo Impugnante foi alterada e que a afectação que o mesmo, no ano de 1997, dividido em 3 fracções autónomas, passou a ter é relevante para efeitos de determinação do regime aplicável em sede do IRS, quanto à tributação da mais-valia apurada. (…) em 1997, foi criada uma realidade de facto e jurídica diversa da preexistente. Assim sendo, dado que a aquisição das fracções em causa que couberam ao Impugnante ocorreu em momento posterior a 1 de Janeiro de 1989, a mais-valia obtida com a sua posterior alienação está sujeita a tributação em sede de IRS, por força do estabelecido na alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Código do IRS.”

O Recorrente não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto, uma vez que os factos dados como provados nas alíneas A) e C) não permitem concluir que a alteração da composição do imóvel se reportasse a 7/01/1997, o que conduziu ao erro de julgamento de direito, e nessa medida a sentença recorrida viola o disposto no n.º 1, do art. 5.º do DL n.º 442-A/89, de 30 de novembro, que aprovou o CIRS, e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS e 2.º do CIRS, porquanto sujeita a IRS, categoria G, as mais-valias obtidas pela revenda de imóvel adquirido antes de 1-1-1989, data da entrada em vigor do CIRS.

Antes de mais, e ao abrigo do art. 660.º, n.º 1 do CPC altera-se a alínea L) dos factos provados, nos seguintes termos:

L. Através do ofício n.° 6155, de 19.07.2010, o Impugnante foi notificado do teor do relatório final de inspeção tributária que manteve as propostas de correção referidas em I. supra, do qual consta, na parte relevante, o seguinte (cf. relatório de inspeção de fls. 1 a 12 do PAT, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais):

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTAVEL

III.1 - FACTOS E FUNDAMENTOS

No ano de 2008, objecto de análise, o SP alienou três imóveis pela escritura celebrada em 2008- 07-17, no Cartório Notarial sito na A..., Lisboa, onde é notário F..., Livro 19-A Folhas 54 e seguintes, sendo os imóveis alienados, ambos localizados na freguesia de Nossa Senhora do Pópulo, concelho de Caldas da Rainha, os seguintes :

• 6...-A - Correspondente ao rés-do-chão, destinado a comércio, pelo valor de € 482.750,00;

• 6...-B - Correspondente ao 1° andar, destinado a comércio, pelo valor de € 117.250,00; e

• 9...-C - Correspondente ao rés-do-chão, destinado a comércio pelo valor de € 200.000,00 .

Em 2010-05-11, pelo ofício 4006 destes serviços foi o SP notificado nos termos do artigo 76º nº 3 do Código do IRS (nexo 1), para no prazo de trinta dias proceder à entrega da declaração de rendimentos, modelo 3 de IRS do ano de 2008, na qual deveriam constar todos os rendimentos auferidos.

III.1.1- AQUISIÇÃO DOS IMÓVEIS

O SP adquiriu as fracções A e B do artigo 6..., em duas fases distintas:

• primeira em 1983-05-03 por escritura celebrada na Secretaria Notarial de Caldas da Rainha, perante A..., notário do segundo cartório , Livro 26-D Folha 89v, na qual o SP intervém no estado de casado com L..., segundo o regime de comunhão de adquiridos; e

• segunda em 1997-01-07 por escritura celebrada no Cartório Notarial de Rio Maior, Livro 144-D Folhas 13, através da qual o SP e a ex-esposa (L…) procedem à partilha dos bens por dissolução do casamento, decretado por sentença de 1996-07-04, transitada em julgado, proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento número 343/95, que correu termos pelo Terceiro Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha.

Relativamente à parte adquirida pelo SP em 1983-05-03 (50%), em virtude de a mesma ter ocorrido antes da entrada em vigor do Código do IRS, em 1989-01-01, a mais valia obtida nesta proporção está nos termos do número 1 do artigo 5° do DL 442-N88 de 30 de Novembro, excluída de tributação em sede de IRS. Nestes termos, tendo em conta a legislação em vigor no ano de 2008, esta parte da mais-valia é declarada no Anexo G1 da declaração modelo 3 de IRS.

Os restantes 50% de cada uma das fracções A e B, adquiridos pela partilha em 1997-01-07, estão sujeitos a tributação na categoria G de IRS, nos termos do artigo 10° nº1 do Código do IRS (CIRS), pelo que são de declarar, na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2008, no anexo G.

A fracção C do artigo 9... foi adquirida pelo SP em 2005-12-23, por escritura celebrada no Primeiro Cartório Notarial de Caldas da Rainha, Livro 432-A Folhas 21, como tal também a mais valia obtida na sua alienação está sujeita a tributação na categoria G de IRS, nos termos do artigo 10° nº1 do Código do IRS (CIRS), pelo que são de declarar igualmente, na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2008, no anexo G.

III.1.2 - VALOR E DATA DE AQUISIÇÃO

Como já referido, o SP adquiriu as fracções A e B do artigo 6... em duas fases distintas, a primeira excluída de tributação e a segunda sujeita a tributação em sede de categoria G de IRS, por se ter concretizado em 1997-01-07, conforme se constata pela escritura de partilha e pela certidão da Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha (Anexo 2), portanto após a entrada em vigor do CIRS.

O prédio propriedade do casal antes do divórcio, com o número de artigo 6…, estava constituído em regime de propriedade total, no entanto na mesma escritura da partilha constituíram o referido prédio em regime de propriedade horizontal, passando a ser constituído em três fracções autónomas A. B e C. a que couberam as seguintes permilagens: 200, 300 e 500 por mil, respectivamente.

Ao SP, foram adjudicados as fracções A e B a com o valor atribuído de € 9.621,36 e € 14.432,03 respectivamente, perfazendo um total de € 24.053,39, valor este igual ao valor atribuído à fracção C que foi adjudicado à ex-esposa do SP. Assim, não existiu em termos de imóveis diferenças entre os direitos e a adjudicação de imóveis, pelo que não houve tornas. O valor patrimonial tributário á data é igual ao valor atribuído às fracções .

Assim, nos termos do artigo 45° e 46° do CIRS o valor de aquisição a considerar no apuramento da mais-valia é o valor patrimonial tributário à data da escritura de partilha, no caso concreto será € 9.621,36 e € 14.432,03, respectivamente para a fracção A e B do artigo 6.724 e a data de aquisição a data da escritura de partilha, 1997-01-07 .

Em 2005-12-23 o SP adquiriu, por escritura celebrada no Primeiro Cartório Notarial de Caldas da Rainha, a fracção e do artigo 9…, sendo o valor de aquisição de € 75.000,00, será este valor e esta data a considerar no apuramento da mais valia.”


Ora, conforme resulta do relatório de inspeção, a liquidação impugnada assentou no entendimento da AT de que a alienação das frações A e B pelo Impugnante em 17/09/2008, na parte referente aos 50% adquiridos por força da partilha de 07/01/1997, na sequência de dissolução do matrimónio, encontra-se sujeita a tributação em sede de categoria G de IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do CIRS.

Ou seja, a AT entendeu que o Impugnante, em 03/05/1983, adquiriu 50% das frações A e B, e em 07/01/1997 adquiriu os restantes 50% por força da partilha de bens ocorrida por dissolução do casamento, e assim sendo, por força desta partilha o Impugnante passou a possuir 100% das frações, pelo que a AT entendeu que esta parte adquirida pela partilha (50%) encontra-se sujeita a tributação em sede de categoria G de IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do CIRS, e a restante (adquirida em 1983) excluída de tributação nos termos do n.º 1, do art. 5.º do DL 442-A/88, de 30 de novembro. Esta é a fundamentação do ato tributário, e é a partir da mesma que deve ser aferida a legalidade do ato tributário impugnado.

Na verdade, não se poderá extrair da fundamentação do relatório de inspeção outro sentido, porque na verdade a correção nada tem a ver com a questão da transformação do prédio em propriedade horizontal, porque a ser assim, então, a AT não teria aceite não tributar a parte que foi adquirida em 1983, o que como claramente resulta do relatório de inspeção não foi o que sucedeu. Subjaz à correção o entendimento de que a aquisição dos restantes 50% dos imóveis por força da partilha em 07/01/1997, constitui uma aquisição que ocorreu após 01/01/1989, e então, nessa parte, não poderá beneficiar do regime transitório do art. 5.º do DL 442-A/88, de 30 de novembro.

Ora, o Impugnante impugnou tal correção por entender que inexiste aquisição relevante para efeitos do art. 10.º, n.º 1, do CIRS no momento da partilha, porque a aquisição é em data anterior à entrada em vigor do CIRS, e nessa medida, encontra-se excluída de tributação. Ou seja, o Impugnante insurgiu-se contra o ato tributário entendendo que não se verificou qualquer aquisição por força da partilha de bens, uma vez que não houve lugar a pagamento de tornas.

Sublinhe-se, a sentença deveria ter partido da fundamentação do ato tributário, para aferir da sua legalidade, face aos vícios imputados pelo Impugnante.

Portanto, a questão a decidir é a de saber se, in casu, se a aquisição de 50% das frações A e B, força da partilha por dissolução do casamento há, ou não, lugar a tributação em sede de IRS na categoria G.

Sucede que, não obstante o Impugnante ter corretamente identificado a questão a decidir, a sentença recorrida desviou-se desta, seguindo o entendimento de uma decisão arbitral que, independentemente do acerto da mesma, a verdade é que não é aplicável ao caso dos autos por tratar questão diversa.

Assim sendo, atenta a fundamentação do ato tributário, temos então que este não assentou na alteração da composição do prédio conforme se entendeu na sentença recorrida. A fundamentação do ato assentou no entendimento de que a alienação das frações em 17/07/2008, na parte referente à aquisição pelo Impugnante dos restantes 50% das frações A e B por força da partilha de 07/01/1997, na sequência de dissolução do matrimónio, encontra-se sujeita a tributação em sede de categoria G de IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do CIRS.

Deste modo, cumpre aferir se o ato tributário enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito segundo este enquadramento da fundamentação do ato tributário, aferindo da tributação em sede de IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do CIRS da alienação ocorrida em 17/07/2008, na parte referente à aquisição por partilha.

Ora, face a este enquadramento torna-se inútil conhecer da impugnação da matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente, nomeadamente, quanto ao facto impugnado de que a alteração substancial do direito de propriedade ocorreu em “data máxime de 25 de fevereiro de 1987” (cf. alegações de recurso que complementam a conclusão E). Na verdade, sublinhe-se, uma vez mais, o que importa aferir é se o ato tributário enferma de vício de violação de lei ao ter considerado que a alienação na parte em que respeita a aquisição pelo Impugnante dos restantes 50% das frações A e B por força da partilha de 07/01/1997, estava sujeita a tributação em sede de IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do CIRS.

Para a decisão do presente recurso, adita-se oficiosamente à matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a seguinte alínea:

N) Na escritura de partilhas as partes declararam relativamente às 3 frações resultantes da constituição da propriedade horizontal referida em C) que as mesmas constituem património comum do “dissolvido casal”, e que a fração A e B fica adjudicada ao Impugnante, e a fração C à mulher do Impugnante, e mais declararam relativamente aos bens imóveis que “leva cada um dos outorgantes valor igual ao seu direito, pelo que não são devidas tornas na adjudicação dos mesmos imóveis” (cf. documento de fls. 15 e ss do Processo Administrativo).

Estabilizada a matéria de facto, vejamos então o direito aplicável.

Dispõe o art. 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

Portanto, em princípio, as mais valias que resultaram da alienação onerosa das frações em causa nos autos, com a entrada em vigor do CIRS em 1989, passaram a ser tributadas em sede de IRS.

Sucede que o DL n.º 442-A/88, de 30/11 aprovou o Código do IRS, e no seu artigo 5.º estabeleceu um regime transitório da categoria G de IRS (mais-valias) nos seguintes termos:
“1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.”

Portanto, como vimos, a AT aceitou a aplicação deste regime transitório relativamente à alienação das frações A e B, mas tão-somente em parte, porque considerou que a aquisição dos 50% da propriedade das frações ocorrida por força da escritura de partilha, em 07/01/1997 não se encontrava abrangido por aquele regime transitório.

Contudo tal entendimento enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Na verdade, ao contrário do que parece ser o entendimento da AT, o Impugnante não adquiriu os imóveis em questão em 07/01/1997, mas em 03/05/1983, só que não os adquiriu sozinho, mas com a sua mulher, pelo que ambos adquiriram um prédio, composto por três frações, que constituía um património comum do casal (cf. alínea N) do facto aditado).

Ora, sobre a partilha dispõe o artigo 1689.º, n.º 1 do Código Civil: “Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.”

In casu, como resulta da alínea N) a partilha foi efetuada em moldes em que o Impugnante ficou com a fração A e B, e a sua ex-mulher com a fração C, não havendo tornas relativamente aos bens imoveis. Ou seja, o património que era comum foi dividido entre ambos os ex-cônjuges, não tendo havido tornas.

Deste modo, ao contrário do que entendeu a AT não estamos perante uma aquisição de bens posterior a 01/01/1989, mas antes perante uma divisão de bens comuns que ocorre em 07/01/1997.

Ora, assim sendo, para efeitos da aplicação do regime transitório não se poderá entender que estamos perante uma aquisição porque os imóveis já se encontram na esfera jurídica do Impugnante desde 1983, a propriedade e preço pago foram-no nessa data, estamos perante uma divisão de um património comum com a sua ex-mulher, nomeadamente, o Impugnante ficou com a fração A e B e a ex-mulher com a fração C, ou seja, as 3 frações que eram todas bens comuns a ambos são divididas entre eles através da escritura de partilhas, nada de novo se adquiriu, apenas se dividiu entre ambos o que já existia, não havendo sequer qualquer acréscimo de património relativamente a qualquer um dos cônjuges, porque não foram pagas tornas.

Na verdade, in casu, a data da aquisição para efeitos da aplicação do regime transitório do art. 5.º do regime transitório é aquela em que o Impugnante, juntamente com a sua mulher, adquire a propriedade do bem por escritura de compra e venda em 03/05/1983 (cf. alínea A) dos factos assentes) sendo esta a data de “aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código”. Por conseguinte, o ato tributário enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao ter considerando que a data de aquisição coincide com a data da partilha dos bens comuns.

Pelo exposto, a sentença recorrida que assim não decidiu enferma de erro de julgamento, devendo ser revogada, e consequentemente deve a impugnação judicial ser julgada procedente e o ato impugnado anulado.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. vencida nesta instância a Recorrida Fazenda Pública, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte). Contudo, a recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – cf. acórdão do STA de 13/12/2017: “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP). II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

A data da aquisição de imóvel para efeitos da aplicação do regime transitório de tributação das mais-valias em sede de IRS previsto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30/11 é aquela em que é adquirida a propriedade do bem pelos cônjuges, e não a data da partilha dos bens comuns na sequência de dissolução do casamento por divórcio.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e em consequência, julga-se procedente a impugnação judicial, anulando-se o ato impugnado.


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Custas pela Recorrida, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça no recurso, porque não contra-alegou.

D.n.

Lisboa, 16 de setembro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto.